Crônica
da vida que passa
Fernando Pessoa
Às vezes, quando penso nos homens célebres, sinto por eles toda a
tristeza da celebridade.
A celebridade é um plebeísmo. Por isso
deve ferir uma alma delicada. É um plebeísmo porque estar em evidência, ser
olhado por todos inflige a uma criatura delicada uma sensação de parentesco
exterior com as criaturas que armam escândalo nas ruas, que gesticulam e falam
alto nas praças. O homem que se torna célebre fica sem vida íntima: tornam-se
de vidro as paredes de sua vida doméstica; é sempre como se fosse excessivo o
seu traje; e aquelas suas mínimas ações — ridiculamente humanas às vezes — que
ele quereria invisíveis, côa-as a lente da celebridade para espetaculosas
pequenezes, com cuja evidência a sua alma se estraga ou se enfastia. É preciso
ser muito grosseiro para se poder ser célebre à vontade.
Depois, além dum plebeísmo, a celebridade é
uma contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as
desvaloriza e as enfraquece. Um homem de gênio desconhecido pode gozar a
volúpia suave do contraste entre a sua obscuridade e o seu gênio; e pode,
pensando que seria célebre se quisesse, medir o seu valor com a sua melhor
medida, que é ele próprio. Mas, uma vez conhecido, não está mais na sua mão
reverter à obscuridade. A celebridade é irreparável. Dela como do tempo,
ninguém torna atrás ou se desdiz.
E é por isto que a celebridade é uma
fraqueza também. Todo o homem que merece ser célebre sabe que não vale a pena
sê-lo. Deixar-se ser célebre é uma fraqueza, uma concessão ao baixo-instinto,
feminino ou selvagem, de querer dar nas vistas e nos ouvidos.
Penso às vezes nisto coloridamente. E
aquela frase de que “homem de gênio desconhecido” é o mais belo de todos os
destinos, torna-se-me inegável; parece-me que esse é não só o mais belo, mas o
maior dos destinos.
(FERNANDO PESSOA.
Páginas íntimas e de auto-interpretação. Lisboa: Edições Ática, [s.d.], p.
66-67.)
01- Na crônica apresentada,
Fernando Pessoa atribui três características negativas à celebridade,
descrevendo-as no segundo, terceiro e quarto parágrafos. Releia esses
parágrafos e aponte os três substantivos empregados pelo poeta que sintetizam
essas características negativas da celebridade.
Resolução As três características negativas comentadas nos parágrafos
apontados podem ser sintetizadas nos três substantivos que são os núcleos dos
“tópicos frasais” ou frases introdutórias de cada um desses parágrafos:
plebeísmo, contradição e fraqueza.
02 - Considerando que os dicionários apontam
diversas acepções para “obscuridade”, nem todas limitadas ao plano sensorial, verifique
atentamente os empregos dessa palavra que Fernando Pessoa faz no terceiro parágrafo
de sua crônica e, em seguida, identifique a acepção mobilizada pelo autor.
Resolução Fernando Pessoa emprega o substantivo obscuridade em sentido
figurado, como antônimo de celebridade, fama, designando com ele a condição de
quem é desconhecido, ignorado.
03 - Explique, com base no texto como um todo, a
imagem empregada por Pessoa no segundo parágrafo: “tornam-se de vidro as
paredes de sua vida doméstica”.
Resolução A imagem das paredes de vidro sugere a ausência
de privacidade a que a celebridade condena os seus “eleitos”, que devem
suportar que mesmo os aspectos mais íntimos de sua vida – e especialmente estes
– se tornem objeto de interesse geral e sejam esquadrinhados de forma vulgar e
rebaixante
Obrigado gente por tudo
ResponderExcluir