Texto Literário: NAQUELE DIA (FRAGMENTO - MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS)
NAQUELE DIA, a árvore dos Cubas brotou uma graciosa flor. Nasci; recebeu-me nos
braços a Pascoela, insigne parteira minhota, que se gabava de ter aberto a
porta do mundo a uma geração inteira de fidalgos. Não é impossível que meu pai
lhe ouvisse tal declaração; creio, todavia, que o sentimento paterno é que o
induziu a gratifica-la com duas meias dobras. Lavado e enfaixado, fui desde
logo o herói de nossa casa. Cada qual prognosticava a meu respeito o que mais
lhe quadrava ao sabor. Meu tio João, o antigo oficial de Infantaria, achava-me
um certo olhar de Bonaparte, cousa que meu pai não pôde ouvir sem náuseas; meu
tio Idefonso, então simples padre, farejava-me cônego.
--- Cônego é o que ele há de ser e não digo mais por não parecer orgulho: mas
não me admiraria nada se Deus o destinasse a um bispado... É verdade, um
bispado; não é cousa impossível. Que diz você, mano Bento?
Meu pai respondia a todos que eu seria o que Deus
quisesse; e alçava-me ao ar, como se intentasse mostrar-me à cidade e ao mundo;
perguntava a todos se eu me parecia com ele, se era inteligente, bonito...
Digo essas cousas por alto, segundo as ouvi narrar anos depois; ignoro a mor
parte dos pormenores daquele famoso dia. Sei que a vizinhança veio ou mandou
cumprimentar o recém-nascido, e que durante as primeiras semanas muitas foram
as visitas em nossa casa. Não houve cadeirinha que não trabalhasse; aventou-se
muita casada e muito calção. Se não conto os mimos, os beijos, as admirações,
as bênçãos, é porque, se os contasse, não acabaria mais o capítulo, e é preciso
acaba-lo.
Item, comecei a andar, não sei bem quando, mas antes do tempo. Talvez por
apressar a natureza, obrigavam-me cedo a agarrar às cadeiras, pegavam-me da
fralda, davam-me carrinhos de pau. – Só, só, nhonhô, só só, dizia-me a mucama.
E eu, atraído pelo chocalho de lata, que minha mãe agitava diante de mim, lá ia
para a frente, cai aqui, cai acolá; e andava, provavelmente mal, mas andava, e
fiquei andando.
ASSIS,
Machado. Memórias Póstumas de Brás Cubas. In:
Obra Completa. Vol. I. Rio de Janeiro: Aguilar, 1962, p. 523-524.
Entendendo
o texto:
01 –
Dente os aspectos da sociedade brasileira da época, aquele que NÃO é focalizado
no texto é:
a) A busca de
prestígio.
b) A instituição
religiosa.
c) Os hábitos
tradicionais.
d) A política
nacional.
e) A presença
de escravos.
02 –
Existem no texto várias passagens irônicas quanto à índole do ser humano e
aos valores presentes na sociedade. A ironia não se manifesta como:
a) O lugar
comum para se referir ao nascimento.
b) A pouca modéstia
do protagonista-narrador.
c) O gosto do
brilho e do poder.
d) O narcisismo
paterno.
e) A postura
submissa da mucama.
03 – Com
relação ao texto, no que toca aos estilos de época, pode-se dizer que:
a) A
desidealização da infância aproxima o texto do Romantismo.
b) O gosto de
análise das relações humanas é um traço do Realismo.
c) As
observações do mundo interior das personagens é um traço do Naturalismo.
d) A construção
linear do enredo é um traço precursor do Modernismo.
e) O foco
narrativo em 1ª pessoa é um traço do Realismo.
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