domingo, 6 de maio de 2018

CONTO: TENTAÇÃO - CLARICE LISPECTOR - COM GABARITO

Conto: TENTAÇÃO
         Clarice Lispector

       Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.
       Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.
       Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.
     Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro. 
        A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.
       Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.
       Os pelos de ambos eram curtos, vermelhos.
       Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos.
       No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos - lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam. 
        Mas ambos eram comprometidos.
       Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada.
        A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-la dobrar a outra esquina.
        Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.

LISPECTOR, Clarice. Felicidade clandestina.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.

Entendendo o conto:
01 – Quem são as personagens principais? O que elas têm em comum?
     A menina e o basset. Ambos são ruivos.

02 – O que a menina fazia sentada na porta de casa, às duas horas da tarde?
      Ela olhava o movimento... tomava sol... esperava passar o soluço, etc.


03 – Onde se passa a história? Retire do texto uma frase que apresenta uma característica marcante do cenário.
      No bairro Grajaú, Rio de Janeiro. “Na rua vazia as pedras vibravam de calor”

04 – De acordo com o texto, como a menina se sentia em relação a outras pessoas? Retire do texto uma frase para justificar sua resposta.
      Se sentia diferente, discriminada, provavelmente porque era ruiva. “Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária.”

05 – “Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava.” O que a menina suportava?
Indique a alternativa que melhor responde a questão:
(a) a pessoa que esperava o bonde            (b)  a bolsa velha.       
(c) o calor e a solidão                                  (d) sua mãe.

06 – “O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida.” Do que a bolsa a salvava?
(a) do calor excessivo                               
(b) da solidão, já que a bolsa era sua companhia.
(c) das brigas com a mãe                         
(d)  do homem que esperava o bonde

07 – No texto, quem é o narrador?
(a) a mãe
(b) alguém presente na história, mas sem participar muito 
(c) alguém que não presente na história
(d) a menina ruiva.

08 – Retire do texto um trecho em que se percebe a presença do narrador como personagem.
      “Olhamo-nos sem palavras...”

09 – O que o narrador fazia naquele lugar?
      Provavelmente espera o bonde. Em certo trecho ele diz “Na rua deserta nenhum sinal de bonde.”

10 – Pode-se dizer que o narrador se identifica com a menina? Por quê?
      Sim. Talvez o narrador se sentisse assim porque o calor era insuportável e o bonde não vinha logo; vendo a menina ruiva “numa terra de morenos”, sozinha, sem nada de interessante para fazer, naquele calor insuportável.

11 – O cão basset provoca uma mudança na cena inicial. Qual a reação da menina e do cão quando se veem?
      Se identificaram um com o outro: ambos eram ruivos e solitários, poderia nascer daí uma grande amizade.

12 – “Mas ambos eram comprometidos.” Segundo o texto, com o que eles eram comprometidos? O que isso pode significar?
      Ela estava comprometida com sua infância e o cão, com sua natureza aprisionada. Isso significa que eles não podem ficar juntos, pois têm naturezas diferentes, não podem fazer companhia um ao outro.

13 – Por que o cachorro não olhou para trás?
     Ele deveria seguir sua dona, não tinha outra escolha.

14 – Considerando a reação da menina e do cão quando se encontram e a resposta à questão 12, o que o título TENTAÇÃO pode indicar?
      Pode se referir ao impulso de ficarem juntos (a menina ruiva e o basset ruivo), uma tentação de se pertencerem.

15 – Qual é o tema central do texto?
      O tema central é a solidão.

33 comentários:

  1. Aaahhhh obg, me ajudou muito, minha prova foi sobre esse texto, a nosso professora passou ontem mais não deu tempo de nós terminarmos, daí ela deixou para a gente terminar hj e hj estou eu aqui pegando as respostas, 10 na certa heheh

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  2. Fiz uma entrevista de emprego ontem e as perguntas foram relacionadas a esse texto.

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  3. minha prova vai ser hoje sobre esse texto estou no oitavo ano e tenho certeza q irei tirar um 10 na certa
    muito obrigado me ajudou muito

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  4. Me ajudou muito, mas queria relacionado a 3ª serie do ensino médio.

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  5. É possível afirmar que o conto apresenta três conflitos centrais – dois conflitos físicos/reais e outro conflito
    psicológico?
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  6. . O que é mais realçado no conto: as ações ou o universo interior das personagens?
    Justifique sua resposta alguém sabe por favor ???

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  7. De acordo com o conto a menina ruiva e o cachorro eram comprometidos com quem?

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    1. Ela se dedicou à infância, ao cachorro e à natureza aprisionada. Isso significa que eles não podem ficar juntos porque têm propriedades diferentes e, portanto, não podem manter um relacionamento corporativo entre si.

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  8. Esse conto é psicológico ou social

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  9. Me ajudou muito, porque eu estava com preguiça de caçar as respostas, isso é muito mais fácil.

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  10. mto obrigado estou no 6 ano e tive uma aula sobre isso mto obrigado dnv

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  11. Pq ela estava abraçada com a bolsa???

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  12. oiiii, poderia criar um novo final para o conto? um diferente

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  13. E ajudou muito obgda 😉❤️🙏

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  14. Muito intenso!! Trabalho bastante com os alunos. Um texto com possibilidades diversas de exploração. Ideia/ sentimentos/ cores. Parabéns! E Obrigada!!!

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  15. MUITO OBRIGADA ME AJUDOU PASTANDO ♡♡♡♡♡♡

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  16. Sério vcs me ajudaram demais ����������������

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