segunda-feira, 17 de agosto de 2020

REPORTAGEM: FOGO, DESTRUIÇÃO, MORTE - PEDRO MARTINELLI - REVISTA VEJA - COM GABARITO

 REPORTAGEM: Fogo, destruição, morte

           Pedro Martinelli

     Numa tragédia ecológica que se repete todo ano, a Amazônia está queimando outra vez.

 A Amazônia está queimando de novo. No dia 31 de julho, uma imagem do satélite americano NOAA – 14 sobre o município mato-grossense de Alta Floresta registrou queimadas numa extensão de 150 quilômetros entre os rios Teles Pires e Juruena. É apenas um entre milhares de focos de incêndio na região. Na semana passada, o Aeroporto de Rio Branco, no Acre, fechou duas vezes em virtude da falta de visibilidade pelo excesso de fumaça. Há três meses não chove na maior parte da Amazônia. A seca faz com que o fogo se propague mais rapidamente. “Os focos de queimada já atingem 25% de todas as áreas habitadas da Amazônia”, afirma Alberto Setzer, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe. Todos os dias, o Inpe envia imagens de satélite com informações atualizadas sobre as queimadas para três diferentes órgãos governamentais na Amazônia: o Ibama, do governo federal, e as secretarias do Meio Ambiente dos Estados de Rondônia e Pará. Teoricamente, todos eles teriam condições de acionar seus fiscais para punir os responsáveis pelos incêndios. Na prática, ninguém faz nada. “Tenho dois fiscais para cuidar de 1,5 milhão de hectares”, justifica-se Ênio Figueiredo, chefe da fiscalização do Ibama em Alta Floresta.

        Se eu fosse o presidente da República, convocaria os ministros para uma visita de emergência, e de surpresa, ao sul do Pará. De seu gabinete, ele está a apenas uma hora e meia do inferno. É o mesmo tempo de viagem que gasta quando vai ao oculista, em São Paulo. O presidente verá coisas de arrepiar. Banditismo, desmatamento, conflitos entre sem-terra e latifundiários, contrabando, desmando, corrupção – está tudo lá. Está lá, agora, o fogo, o fogo dos infernos, destruindo uma região de beleza sem igual.

        A degradação humana nas bordas da floresta só não é maior que a ambiental. Sem tratores ou arados, posseiros miseráveis usam o fogo para cultivar lavouras das quais mal retiram a própria subsistência. Enquanto isso, garimpeiros embrenham-se na selva em busca de minas de ouro que não existem. Para caçar, também colocam fogo na mata. É uma forma de obrigar os animais a sair de suas tocas. O fogo queima de um lado e os garimpeiros esperam do outro, de espingarda em punho. A fumaça das queimadas encobre o sol em pleno dia.

        Vinte anos atrás, quando a Companhia Vale do Rio Doce chegou à Serra dos Carajás, toda aquela região era uma imensa e intocada floresta. Hoje, resta uma ilha verde sitiada por uma paisagem lunar. Há duas semanas, numa única noite, 4.000 castanheiras foram devoradas pelo fogo na fazenda de um município vizinho. A castanheira, da qual se tira a castanha-do-pará, é protegida por lei. É protegida por lei. É proibido derrubá-la ou queimá-la, mas todo ano milhões delas são transformadas em pranchas e tábuas nas serrarias. Ninguém fiscaliza. As toras de madeira circulam livremente porque os madeireiros subornam funcionários do Ibama, guardas-florestais e patrulheiros rodoviários. Nessa fronteira sem lei, a corrupção está em todos os cantos, corroendo as pessoas que até pouco tempo atrás eram honestas. O funcionário ou o policial que recusar a propina pode aparecer morto no dia seguinte. Em vez de correr o risco decorrentes da honestidade, é mais fácil se adaptar à cadeia de desmandos e corrupção.

        As queimadas da Amazônia são feitas por dois motivos. O primeiro, mais comum, é limpar terra para cultivar lavouras ou pastagens. Pela lei, para fazer isso o agricultor precisa de licença do Ibama. A autorização para cada hectare queimado custa 3 reais. Neste ano foi autorizada a queimada de 10.000 hectares na Amazônia – mas esse é um número de ficção. Na prática, a área queimada é horrendamente maior. Uma segunda razão é o desmatamento em áreas de floresta nativa. Isso é proibido mas, também nesse caso, ninguém fiscaliza. A expansão da fronteira agrícola, em decorrência do Plano Real, acelerou o ritmo de destruição da Amazônia. O resultado é uma tragédia ecológica da qual os brasileiros que vivem nos grandes centros urbanos não se dão conta.

        Está na hora de dar um basta nesse crime. Todo ano é a mesma coisa. As fotos das queimadas na Amazônia chocam o mundo, os ecologistas criticam, o governo se defende alegando que não tem recursos nem estrutura para combater o fogo. Enquanto isso, milhões de árvores são destruídas e as ilusões se espalham. Espalhou-se, por exemplo, a ilusão de que nos últimos anos as queimadas diminuíram. Não é verdade. O que houve foi apenas a mudança do satélite que mede os focos de incêndio. Antes usava-se um satélite que colhia imagens diurnas. É durante o dia que ocorre a maioria das queimadas. Agora, utiliza-se um satélite que faz imagens à noite, quando quem põe fogo na mata está dormindo. Só por isso o número de queimadas diminuiu.

        A sociedade brasileira deve exigir do governo um tratamento de emergência para as queimadas na Amazônia. Agora, nesse minuto, enquanto você lê este parágrafo, o fogo já avançou 1 metro dentro da mata e queimou de árvores. No minuto seguinte serão mais dez. É preciso fazer alguma coisa já.

        O que o presidente poderia fazer pela Amazônia? Muito. Um esforço concentrado no período da seca, entre os meses de julho e novembro, quando ocorrem as queimadas, faria com que as fogueiras diminuíssem bastante. Poderia ser usado o Exército, que fica brincando de escoteiro na região enquanto o fogo sobe. O Exército tem meios e conhece a floresta. Mas, antes de mais nada, o presidente poderia ajudar a Amazônia saindo do seu gabinete. Deixando de lado, por um momento, os especialistas e seus doutos estudos. Precisaria ir lá. Ir lá de surpresa. Ver o que está acontecendo. Ver e se comover com a destruição. E mobilizar os brasileiros para impedir que o fogo destrua aquela nossa rica beleza.

                Revista VEJA. 20 ago. 1997.

                        Fonte: Livro – Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 8ª Série – Marilda Prates – Ed. Moderna, 2005 – p. 151/4.

Entendendo o texto:

01 – Qual a função das aspas no texto?

      Identificar partes de depoimentos de especialistas ou de pessoas envolvidas com o tema abordado.

02 – Identifique o significado, no texto, das palavras a seguir:

  • Banditismo: Ação, vida, ou qualidade de bandido.
  • Embrenhar-se: Esconder-se nas matas, nas brenhas.
  • Desmando: Excesso, abuso.
  • Subornar: Ato de dar dinheiro ou outros bens como objetivo de obter vantagens.
  • Corrupção: Ato ou efeito de corromper, suborno.
  • Propina: Gratificação, gorjeta.
  • Sem-terra: Trabalhador rural que não possui terreno para exercer a sua atividade.
  • Alegar: Apresentar como explicação, prova ou desculpa.
  • Posseiros: Que ou aquele que está na posse legal de imóveis indivisos.
  • Mobilizar: Movimentar, mover em prol de uma causa.
  • Subsistência: Conjunto do que é necessário para sustentar a vida.

03 – “Se eu fosse o presidente da República, convocaria os ministros para uma visita de emergência, e de surpresa, ao sul do Pará”.

a)   Quem é o eu registrado no texto?

Pedro Martinelli, o autor.

b)   Qual o significado de convocar?

Chamar a particular, convidar.

c)   A escolha do verbo convocar indica que os ministros iriam voluntariamente ao sul do Pará? Por quê?

Indica que eles precisavam ser estimulados a fazer a visita, que não a fariam por iniciativa própria.

d)   Por que a visita deveria ser de emergência?

Devido à gravidade do problema.

e)   E por que deveria ser de surpresa?

Porque a surpresa evitaria que os problemas fossem encobertos.

04 – “É o mesmo tempo de viagem que gasta quando vai ao oculista, em São Paulo”.

a)   O tempo gasto pelo presidente para chegar ao oculista é comparado a quê?

Ao tempo que seria gasto pelo presidente para chegar ao sul do Pará.

b)   Qual o efeito produzido por essa comparação?

A comparação serve para reforçar a ideia de que o tempo gasto pelo presidente para chegar ao sul do Pará seria pequeno e habitualmente gasto pelo presidente em ações de interesse particular.

05 – “Vinte anos atrás, quando a Companhia Vale do Rio Doce chegou à Serra dos Carajás, toda aquela região era uma imensa e intocada floresta. Hoje, resta uma ilha verde sitiada por uma paisagem lunar”. Ao mencionar a chegada da Companhia Vale do Rio Doce à Serra dos Carajás, o autor permite ao leitor estabelecer uma conclusão. Identifique essa conclusão.

      O autor permite ao leitor concluir que a Companhia foi responsável pela devastação.

06 – De acordo com o texto, o que permitiu que se formasse a ilusão de que as queimadas haviam diminuído?

      O desconhecimento de que havia mudado o satélite que media os focos de incêndio.

07 – Ao afirmar: “Só por isso o número de queimadas diminuiu”, o autor faz uma crítica à manipulação de informações. Por quê?

      Porque comprova que a omissão de informações pode levar ao leitor e o cidadão a conclusões equivocadas.

08 – Conclua a partir do texto: a quem poderia interessar a ilusão de que as queimadas haviam diminuído?

      A ilusão interessava àqueles que se beneficiavam das queimadas.

09 – “Poderia ser usado o Exército, que fica brincando de escoteiro na região enquanto o fogo sobe”. O que essa afirmação permite concluir a respeito da opinião do autor sobre a atuação do Exército na Amazônia?

      Permite concluir que o autor considera inadequada a atuação do Exército. Pode-se concluir que ele considera dissimulada a ação do Exército, uma vez que afirma que seus representantes “brincam de escoteiros”, ou seja, fazem papel de “bons meninos” sem realizar obras mais relevantes.

10 – A escolha das palavras para o título obedece a um critério. Identifique-o.

      As palavras vão da causa (fogo) para a consequência, em grau crescente de gravidade.

11 – Em sua opinião, o que é preciso fazer para transformar as situações descritas em “Ecossistemas urbanos” e “Fogo, destruição, morte”?

      Resposta pessoal do aluno.

 

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