segunda-feira, 17 de agosto de 2020

CRÔNICA: VIDA EM MANCHETES - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

 Crônica: Vida em manchetes  

                    Luís Fernando Veríssimo


        -- Viu só? Caiu outro avião.

        -- É. Desta vez foram 85 mortos.

        -- Já tomei uma decisão: nunca mais entro em avião.

        -- Bobagem.

        -- Bobagem é morrer.

        -- Então não entra mais em carro, também. Proporcionalmente, morrem mais pessoas em acidentes de...

        -- Mas não entrar em automóvel eu já tinha decidido há muito tempo! Você não notou que eu ando mais magro? É de tanto caminhar.

        -- Você caminha por onde?

        -- Como, por onde? Pela calçada, ué.

        -- Dá todo dia no jornal. “Ônibus desgovernado sobe na calçada e colhe pedestre. Vítima tinha jurado nunca mais entrar em qualquer veículo.” A chamada ironia do destino.

        -- Quer dizer que calçada...

        -- É perigosíssimo...

        -- O negócio é não sair de casa.

        -- E, é claro, mandar cortar a luz.

        -- Por que cortar a luz?

        -- Pensa num dedo molhado e distraído na tomada do banheiro. “Caiu da escada quando trocava lâmpada. Fratura na base do crânio.”

        -- Está certo. Corto a luz.

        -- “Tropeça no escuro e bate com a têmpora na quina da mesa. Morte instantânea.” E você vai cozinhar com quê?

        -- Gás.

        -- Escapamento. “Vizinhos sentiram cheiro de gás e forçaram a porta: era tarde.” Ou: "Explosão de botijão arrasa apartamento.”

        -- Fogareiro a querosene.

        -- “Tocha humana! Morreu antes que...”

        -- Comida enlatada fria.

        -- Botulismo.

        -- Mando comprar comida fora.

        -- Espinha de peixe na garganta. Ossinho de galinha na traqueia. “Comida estragada, diarreia fatal!”

        -- Não preciso de comida. Vivo de injeções de vitamina...

        -- Hepatite...

        -- ... e oxigênio

        -- Poluição. “Autópsia revela: pulmão tava pior que saco de café.” Estrôncio 90 francês.

        -- Vou viver no campo, longe da poluição, do trânsito...

        -- Picada de cobra. Coice de Mula. Médico não chega a tempo.

        -- Não saio mais da cama!

        -- Está provado: 82 por cento das pessoas que morrem, morrem na cama. Não há como escapar.

        -- Mas eu escapo. A mim eles não pegam. Tenho um jeito infalível de escapar da morte.

        -- Qual é?

        -- Eu vou me suicidar.

    VERÍSSIMO, Luís Fernando. “Vida em Manchetes”. In: A grande Mulher Nua. 2ª ed. Rio de Janeiro. Liv. José Olympio. Ed. 1976. P. 73-4.

Entendendo a crônica:

01 – Com a leitura do texto, podemos concluir, sobretudo, que:

a)   A morte deve ser encarada com algo natural. Sendo assim, não devemos ser tão cuidadosos com os perigos oferecidos à vida.

b)   Aviões caem, literalmente, todo dia.

c)   Morre-se mais de acidente aéreo que de acidente rodoviário.

d)   Todos os que morrem viram manchetes. O que justifica o título do texto.

e)   O texto, como um todo, ironiza o medo que uma das personagens tem de morrer.

02 – A respeito do vocábulo eles, presente em: “A mim eles não pegam”, pode-se inferir que:

a)   Nega uma ideia anteriormente expressa.

b)   É um pronome que substitui, no texto, os fatores causadores da morte de um indivíduo.

c)   Desorganiza o texto, pois sua utilização não se refere a nenhum termo propriamente dito.

d)   Contradiz a fala da personagem, pois não retoma o que havia sido mencionado.

e)   Altera o sentido do texto, provocando efeitos e humor.

03 – A frase inicial “Viu só? Caiu outro Avião”:

I – É uma forma de o autor situar o leitor do tema a ser tratado no texto.

II – A chamada ironia do destino de que trata o autor é saber que a morte é inevitável.

III – O verbo colher (em: “Ônibus desgovernado sobe na calçada e colhe pedestre”), pode ser substituído por atropelar, pois se infere que, no texto, possui esta significação.

IV -  Em: “Comida estragada, diarreia fatal!”, a vírgula pode ser substituída pelo vocábulo porém, sem alteração de sentido.

Sobre os itens acima, estão corretos apenas:

a)   I e II.

b)   II e III.

c)   I e III.

d)   II e IV.

e)   III e IV.

04 – Sobre a relação entre as frases: “Bobagem é morrer” e “Eu vou me suicidar.”, proferidas por uma das personagens do texto, NÃO podemos dizer que:

a)   Apresentam um tom profético quanto à vida do ser humano.

b)   Denotam mudança do pensamento inicial da personagem em vista dos argumentos apresentados sobre os riscos de se morrer de qualquer coisa e em qualquer lugar.

c)   Contradizem o pensamento inicial da personagem.

d)   Reproduzem uma medida extrema quanto a situações cotidianas que oferecem perigo à vida.

e)   Apresentam uma gradação na sequência lógica do texto.

05 – Analise as afirmativas que dizem respeito ao vocábulo ando, empregado em “Você não notou que eu ando mais magro?”

I – Pode ser substituído por caminho.

II – Serve como elo entre o vocábulo eu, que representa uma das personagens, e a expressão mais magro.

III – Neste contesto, é considerado verbo nocional ou de ação.

IV – Ao ser substituído pelo vocábulo estou, não altera a estrutura sintática do fragmento.

Estão corretas apenas as afirmações:

a)   I e II.

b)   II, III e IV.

c)   I, III e IV.

d)   II e IV.

e)   II e III.

 

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