segunda-feira, 10 de agosto de 2020

TEXTO: A PALAVRA COMO FERRAMENTA - HILDEGARD FEIST - COM GABARITO

 Texto: A palavra como ferramenta

       (...) os filmes geralmente contam histórias, mas às vezes apenas apresentam uma situação específica (por exemplo, um drama interior, em que as personagens se debatem entre sentimentos opostos). Nos dois casos o cinema usa imagens visuais e sonoras – nós vemos e ouvimos um filme.

        A literatura faz a mesma coisa, só que usa exclusivamente palavras. E tem duas formas de contar uma história ou de apresentar uma situação específica: a prosa e a poesia.

        (...)

        Existem duas formas tradicionais de poesia: a lírica e a épica. Vamos começar pela primeira.

 O Predomínio dos sentimentos

        A poesia lírica é a que mais costuma apresentar situações específicas, sem contar uma história com começo, meio e fim. Ele expressa mais sentimentos, estado de espírito, emoções. Veja, por exemplo, o “Soneto de separação”, do poeta brasileiro Vinícius de Moraes (1913-1980).

                    De repente do riso fez-se o pranto 
                    Silencioso e branco como a bruma 
                    E das bocas unidas fez-se a espuma 
                    E das mãos espalmadas fez-se o espanto. 

                    De repente da calma fez-se o vento 
                    Que dos olhos desfez a última chama 
                    E da paixão fez-se o pressentimento 
                    E do momento imóvel fez-se o drama. 

                    De repente, não mais que de repente 
                    Fez-se de triste o que se fez amante 
                    E de sozinho o que se fez contente. 

                    Fez-se do amigo próximo o distante 
                    Fez-se da vida uma aventura errante 
                    De repente, não mais que de repente.

        Nesses versos o poeta está descrevendo uma separação e principalmente expressando seus sentimentos em relação a ela: espanto, tristeza, solidão. Leia-os de novo. Observe, por exemplo, que a repetição da locação adverbial “de repente” reforça a ideia de que o autor absolutamente não esperava essa separação.

          Os feitos dos heróis

        Já a poesia épica é especialista em contar histórias, histórias grandiosas de heróis e de lutas, das quais os deuses às vezes também participam.

        Antigamente se escrevia muita poesia épica, ou seja, epopeia. A mais famosa epopeia da língua portuguesa é Os Lusíadas, do grande poeta português Luís Vaz de Camões (1524? – 1580), publicada em 1572. O herói desse poema épico é Vasco da Gama (c. 1460 – 1524), o navegador igualmente português que descobriu o caminho das Índias.

        Mas, ao contar a aventura de Vasco da Gama, Camões conta também outras histórias – reais, como as que se referem à História de Portugal, ou inventadas, como as que envolvem gigantes e ninfas.

        Uma das histórias mais bonitas de Os Lusíadas é a de Inês de Castro e Pedro I, rei de Portugal, que viveram no século XIV.

        (...)

        Atualmente já não se escreve tanta poesia épica como nos tempos de Camões. Mas ainda se escreve.

        Cecília Meireles (1901 – 1964), um dos maiores nomes de nossa literatura, publicou em 1952 uma epopeia intitulada Romanceiro da Inconfidência. A história central desse poema é a de Tiradentes e seus companheiros, que queriam libertar o Brasil do domínio de Portugal. Veja como a autora descreve uma reunião secreta dos inconfidentes:

                         Atrás de portas fechadas,

                         à luz de velas acesas,

                         brilham fardas e casacas,

                         junto com batinas pretas.

                         E há finas mãos pensativas,

                         entre galões, sedas, rendas,

                         e há grossas mãos vigorosas,

                         de unhas fortes, duras veias,

                         e há mãos de púlpito e altares,

                         de Evangelhos, cruzes, bênçãos.

        Não é difícil perceber que esses inconfidentes eram padres, fidalgos, militares, escritores, trabalhadores braçais. Repare como a autora os define usando elementos que sugerem essas pessoas: a farda, a casaca, a batina, as mãos finas, as mãos grossas.

        Vasco da Gama, Inês de Castro, Tiradentes e muitas outras personagens de Os Lusíadas e do Romanceiro da Inconfidência existiram na vida real. Mas, quando contaram a história dessas pessoas, tanto Camões quanto Cecília acrescentaram diversos detalhes, sentimentos, emoções que só existiam em sua própria imaginação.

          Realidade e invenção

        Já no romance o escritor inventa personagens, história, cenários e até época (quando decide situar a ação no futuro, por exemplo). Mas não tira tudo isso do nada.

        Para descrever um ambiente, por exemplo, o romancista mistura vários dados da realidade que ele conhece e inventa outras.

        Uma sala de aula normalmente se compõe de quadro-negro, carteiras, bancos, mesa e cadeira do professor. Mas de repente o escritor resolve incluir um elemento que não faz parte integrante da sala de aula. Foi o que fez o brasileiro Manuel Antônio de Almeida (1830-1861), em seu romance Memórias de um sargento de milícias (1855):

        Foi o barbeiro recebido na sala, que era mobiliada por quatro ou cinco longos bancos de pinho, sujos já pelo uso, uma mesa pequena que pertencia ao mestre, e outra maior, onde escreviam os discípulos, toda cheia de pequenos buracos para os tinteiros; nas paredes e no teto havia penduradas uma porção enorme de gaiolas de todos os tamanhos e feitios, dentro das quais pulavam e cantavam passarinhos de diversas qualidades: era a paixão predileta do pedagogo.

        Gaiolas de passarinho numa sala de aula? É uma coisa bem esquisita, mas está aí para mostrar uma característica importante do “pedagogo”, ou seja, do professor.

        Quando cria suas personagens, o romancista também aproveita muitos elementos reais de pessoas que ele conhece ou apenas viu passar na rua. E acrescenta detalhes essenciais para marcar bem os aspectos mais relevantes da história que deseja contar:

        No romance Dom Casmurro (1900), uma das maiores obras-primas de nossa literatura, Machado de Assis descreve Capitu, uma de suas criações mais extraordinárias. Ele nos diz que na adolescência Capitu era uma menina “alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado”. Que tinha “cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo”. Que era “morena”, de “olhos claros e grandes, nariz reto e comprido”, “a boca fina e o queixo largo”.

        Até aí nada nos sugere a personalidade de Capitu. Porém, mais adiante, no mesmo romance, Machado nos diz que sua personagem tinha “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. E com isso nos faz esperar que, ao longo da história, Capitu faça alguma coisa deia e se finja de inocente.

        Esses olhos são um detalhe fundamental na caracterização da personagem. E não são olhos que Machado de Assis andou encontrando na rua a todo instante. Ele os imaginou para com pouquíssimas palavras definir o caráter de Capitu.

        Um romancista também inventa grande parte da história, reformulando fatos da vida real, selecionando e “cruzando” histórias de várias pessoas que ele conhece ou sobre as quais leu ou ouviu falar.

        Você também pode escrever histórias. Basta observar o que acontece a sua volta, dar asas à imaginação e à sensibilidade. Repare, por exemplo, naquele mendigo que todo dia você vê sentado na calçada quando vai para a escola. Não fique encarando o coitado do homem, mas olhe para ele discretamente, procure registrar na memória alguns traços marcantes de seu rosto, alguns detalhes de sua roupa. Será que o jeito dele sugere um sujeito bondoso e inteligente, ou um brutamontes? E como será que ele caiu na miséria? Perdeu o emprego, não achou outro, começou a beber, foi abandonado pela mulher...? Invente uma história para ele.

          Pequena viagem pelo mundo da arte, Hildegard Feist.

                          Fonte: Livro – Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 8ª Série – Marilda Prates – Ed. Moderna, 2005 – p. 167/70.

Entendendo o texto:

01 – O que contam os filmes? O que são imagens visuais e sonoras?

      Contam histórias, drama interior. Imagens visuais e sonoras são aquelas que podemos ver e ouvir.

02 – Qual é a diferença entre literatura e o cinema?

      A diferença é que a literatura usa exclusivamente palavras.

03 – Quais são as formas usadas na literatura para apresentar uma situação específica? Comente-as.

      As formas são a prosa e a poesia.

04 – O que é um poema lírico e o que pretende?

      O poema lírico expressa mais sentimentos, estado de espírito e emoções. Suas situações são específicas, sem contar uma história com começo, meio e fim.

05 – Traga para a sala alguns poemas líricos e comprove o que acabamos de afirmar.

      Resposta pessoal do aluno.

06 – Faça uma pesquisa, em pequenos grupos, sobre Vinícius de Moras: sua vida, sua arte, suas características pessoais. Procure fazer um jornal mural juntamente com os demais grupos da sala.

      Resposta pessoal do aluno.

07 – Analisando o poema de Vinícius, pergunto: você concorda que a expressão de repente tem grande força no poema? Justifique sua resposta.

      Resposta pessoal d aluno.

08 – O que é poesia épica? Como também é chamada a poesia épica?

      A poesia épica conta histórias grandiosas de heróis e de lutas. Ela também é chamada de epopeia.

09 – Qual é a mais famosa poesia épica da língua portuguesa?

      Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões.

10 – Qual o herói desse poema tão famoso e universal?

      Vasco da Gama.

11 – No Brasil tivemos uma grande poesia que também escreveu poemas épicos. Quem foi ela?

      Cecília Meireles.

12 – Todos os poemas épicos são verdadeiros em sua totalidade? converse a respeito com seus colegas.

      Não. O poema épico pode apresentar fatos verídicos ou imaginados.

13 – Passando para o romance, responda às questões abaixo: As respostas são conclusivas a partir da leitura do texto Realidade e invenção.

a)   O que faz o romancista ao compor seus trabalhos?

Parágrafos 1 a 3.

b)   Comente o que fez Manuel Antônio de Almeida ao descrever uma sala de aula. O que o romancista faz é usar criatividade? Justifique sua resposta à segunda parte desta questão.

Parágrafos 3 a 5.

c)   Falando das personagens, como age o romancista em relação a elas? Por quê?

Parágrafo 6.

d)   Temos como exemplo citado no texto informativo a personagem Capitu – uma das mais famosas de Machado de Assis. Descreve suas características físicas e psicológicas que terão grande importância no desenrolar dos fatos.

Parágrafos 7 a 9.

e)   Os acontecimentos num romance são todos voltados a um determinado fato ou são o fruto final da imaginação do autor? Por que isso acontece?

Há muita imaginação misturada com a realidade. A ficção se faz presente.

f)    Realize a atividade descrita no último parágrafo do texto. 

Resposta pessoal do aluno. Professor, organize e apresentação do pequeno romance narrativo que os alunos comporão nesta atividade.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário