sábado, 22 de agosto de 2020

CRÔNICA: A PALAVRA - RUBEM BRAGA - COM QUESTÕES GABARITADAS

 Crônica: A palavra

               Rubem Braga

    Tanto que tenho falado, tanto que tenho escrito como não imaginar que, sem querer, feri alguém? Às vezes sinto, numa pessoa que acabo de conhecer, uma hostilidade surda, ou uma reticência de mágoas. Imprudente ofício é este, de viver em voz alta.

       Às vezes, também a gente tem o consolo de saber que alguma coisa que se disse por acaso ajudou alguém a se reconciliar consigo mesmo ou com a sua vida de cada dia; a sonhar um pouco, a sentir uma vontade de fazer alguma coisa boa.

        Agora sei que outro dia eu disse uma palavra que fez bem a alguém. Nunca saberei que palavra foi; deve ter sido alguma frase espontânea e distraída que eu disse com naturalidade porque senti no momento – e depois esqueci.

       Tenho uma amiga que certa vez ganhou um canário, e o canário não cantava. Deram-lhe receitas para fazer o canário cantar; que falasse com ele, cantarolasse, batesse alguma coisa ao piano; que pusesse a gaiola perto quando trabalhasse em sua máquina de costura; que arranjasse para lhe fazer companhia, algum tempo, outro canário cantador; até mesmo que ligasse o rádio um pouco alto durante uma transmissão de jogo de futebol... mas o canário não cantava.

        Um dia a minha amiga estava sozinha em casa, distraída, e assobiou uma pequena frase melódica de Beethoven – o canário começou a cantar alegremente. Haveria alguma secreta ligação entre a alma do velho artista morto e o pequeno pássaro de ouro?

           Alguma coisa que eu disse distraído – talvez palavras de algum poeta antigo – foi despertar melodias esquecidas dentro da alma de alguém. Foi como se a gente soubesse que de repente, num reino muito distante, uma princesa muito triste tivesse sorrido. E isso fizesse bem ao coração do povo; iluminasse um pouco as suas pobres choupanas e as suas remotas esperanças.

Rubem Braga

PS: Esta crônica foi publicada em 13/11/1959

Entendendo a crônica:

01 – Assinale a alternativa correta que indica inferência em relação a crônica de Rubem Braga.

a)   Somente pessoas tristes é que despertam com melodias esquecidas dentro da alma de alguém.

b)   As palavras têm, às vezes, o poder de nos irritar em qualquer etapa da vida.

c)   As nossas remotas esperanças precisam de um sorriso de princesa que vive num reino muito distante.

d)   À semelhança da narrativa do autor, determinada palavra pode nos remeter ao passado e trazer momentos de alegria na vida.

e)   Pessoas que não sabem viver em voz alta são hostis e cheias de mágoas, por isso uma frase espontânea não lhe faz bem algum.

02 – O cronista qualifica seu ofício de “imprudente”. O ofício de cronista é imprudente porque:

a)   É obrigado a viver em voz alta.

b)   Tem de escrever muito.

c)   Pode ferir alguém.

d)   Pode ajudar alguém.

03 – Observe o seguinte fato ocorrido no texto: “Minha amiga assobiou uma pequena frase melódica de Beethoven”. A consequência desse fato foi que:

a)   O autor ficou distraído.

b)   O cronista ajudou alguém a se reconciliar consigo mesmo.

c)   O canário começou a cantar alegremente.

d)   Uma princesa que estava triste, sorriu.

04 – Melodias é uma metáfora usada no texto para representar:

a)   Uma canção esquecida.

b)   Coisas boas, sonhos.

c)   Palavras espontâneas, amigas.

d)   Palavras de algum poeta antigo.

05 – A frase que expressa a ideia principal da crônica é:

a)   Sem querer, a palavra fere.

b)   Por acaso, a palavra ajuda.

c)   Pela palavra, vivemos em voz alta.

d)   Sempre a palavra é perigosa.

06 – Segundo o texto, sentir numa pessoa uma reticência de mágoas significa que a pessoa:

a)   Confessa timidamente que foi magoada.

b)   Demonstra mágoa sem dizer nada.

c)   Interrompe o que estava dizendo, magoada.

d)   Manifesta indiferença.

07 – Para o autor Rubem Braga, escrever crônicas é:

a)   Ser conhecido por todo mundo.

b)   Não conseguir esconder nada de ninguém.

c)   Contar aos outros suas experiências pessoais.

d)   Escrever tudo o que pensa e sente.

08 – Nos dois primeiros parágrafos, o cronista fala dos efeitos da palavra que tanto pode ferir, como ajudar.

a)   Gerar mágoas ou levar alguém a se reconciliar consigo mesmo.

b)   Levar alguém a sentir vontade de fazer algo bom.

c)   Gerar hostilidade em alguém.

d)   Gerar tristeza e revolta em alguém.

09 – “Agora sei que outro dia eu disse uma palavra que fez bem a alguém”. As palavras sublinhadas no período acima exercem, respectivamente, a função sintática de:

a)   Sujeito – Objeto indireto.

b)   Sujeito – Objeto direto.

c)   Sujeito – complemento nominal.

d)   Adjunto adnominal – sujeito.

10 – “Minha amiga assobiou uma pequena frase melódica de Beethoven”. O sujeito da oração acima é:

a)   Minha amiga.

b)   Beethoven.

c)   Uma pequena frase.

d)   Frase melódica.

11 – Imprudente ofício é este, de viver em voz alta. O ofício a que Rubem Braga se refere é o seu próprio, o de escritor. Para caracterizá-lo, além do adjetivo “imprudente”, ele recorre a uma metáfora: “Viver em voz alta”. O sentido dessa metáfora relativa ao ofício de escrever, pode ser entendido como:

a)   Superar conceitos antigos.

b)   Prestar atenção aos leitores.

c)   Criticar prováveis interlocutores.

d)   Tornar públicos seus pensamentos.

12 – Alguma coisa que eu disse distraído – talvez palavras de algum poeta antigo – foi despertar melodias esquecidas dentro da alma de alguém. O cronista revela que sua fala ou escrita pode conter algo escrito por “algum poeta antigo”. Ao fazer essa revelação, o cronista se refere ao seguinte recurso:

a)   Polissemia.

b)   Pressuposição.

c)   Exemplificação.

d)   Intertextualidade.

13 – O episódio do canário traz uma contribuição importante para o sentido do texto, ao estabelecer uma analogia entre a palavra do escritor e a música assobiada pela amiga. A inserção desse episódio no texto reforça a seguinte ideia:

a)   A intolerância leva o artista ao isolamento.

b)   A arte atinge as pessoas de modo inesperado.

c)   A solidão é remediada com soluções artísticas.

d)   A profissão envolve o artista com conflitos desnecessários.

14 – O final do texto revela uma reflexão do escritor acerca do poder da sua escrita, a partir da menção a uma princesa e a um povo. Essa menção sugere, principalmente, que o escritor deseja que suas palavras tenham o poder de:

a)   Desfazer as ilusões antigas.

b)   Permear as classe sociais.

c)   Ajudar as pessoas discriminadas.

d)   Abolir as hierarquias tradicionais.

 

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