domingo, 31 de março de 2019

TEXTO: EU ODEIO A INTERNET - JERÔNIMO TEIXEIRA - SUPERINTERESSANTE - COM GABARITO

Texto: Eu odeio a internet
     
 A Internet é a propagação indiscriminada da besteira
                                                     Jerônimo Teixeira

        “Jamais joguei paciência com um baralho de verdade. Se tentasse, nem saberia arranjar as cartas. Dei-me conta disso ao receber, tempos atrás, um e-mail com o título “Você é escravo da tecnologia quando…”. A paciência sem baralho era apenas um dos itens de uma longa lista, e não o mais absurdo. Em todas as situações, havia esse efeito de desproporção e despropósito: a mais alta tecnologia mobilizada para o mais estúpido dos fins (se o leitor já jogou paciência no Windows, sabe do que falo). Quis recuperar o e-mail para citá-lo mais extensamente, mas não consegui: perdeu-se no meio de outras tantas e piores piadas, de correntes, de simpatias, de pirâmides, de abaixo-assinados e de inúmeras mensagens que eu deveria remeter a mais 100 pessoas para ganhar ações da Microsoft ou para salvar aquela menina de 8 anos que sofre de leucemia.
        A anedota resume meu recado: a Internet é a propagação indiscriminada da besteira. Alguém dirá que, com essa crítica à cyberabobrinha, estou abordando o problema pela periferia. Ocorre que os gurus da nova era – Nicholas Negroponte, do MIT, para ficar com um exemplo célebre – afirmam, com razão, que a internet não tem centro.
        Surge daí outra grande bobagem que se tem divulgado não só por fibra ótica, mas também por meio do velho e sujo papel de imprensa: a Internet democratiza o conhecimento. Se o leitor me perdoa a etimologia rasteira, direi que na verdade a rede tem muito demos para pouco cratos. Que poder efetivo uma página pessoal representa para seu autor? Na falta de um centro, somos todos periferia.
        A pretensa “teia do conhecimento” (expressão de Negroponte no livro A Vida Digital) é também um amontoado caótico da ignorância. Substância e trivialidade já conviviam no jornal, que na mesma edição pode abrigar o horóscopo prevendo um dia auspicioso para os nativos de Virgem e o artigo de fundo de um cientista sobre o Projeto Genoma. A dispersão da Internet, porém, anula uma dimensão que o jornal abrigou em tempos pretéritos: o confronto. Israelenses e palestinos, petistas e tucanos, pornógrafos e evangélicos, gremistas e colorados, punks e skin-heads – todos podem ter seu site. O internauta surfa – isto é, passa pela superfície – por todos sem que isso implique o mínimo compromisso ou mesmo interesse. A “harmonia mundial” (Negroponte, mais uma vez) que essa diversidade sugere é enganosa.
        Podemos jogar paciência sem baralho, mas ainda vivemos em um mundo prosaicamente físico no qual o hardware para abrigar nosso software segue inacessível para a maioria. No mínimo, ainda é cedo para se falar em uma revolução sem precedentes. Gutenberg apresentou sua famosa Bíblia em 1455, mas a imprensa como instituição pública levaria séculos para se desenvolver.
        Querem nos fazer crer que a velocidade das mudanças nunca foi tão rápida que agora o segundo vale pelo século. Nem mesmo essa sensação é nova: Flaubert, já no século XIX, dizia-se incapaz de entender a paisagem que via da janela de um trem. As novas tecnologias, por mais sofisticadas que sejam, não produzem mais tamanha perplexidade. A velocidade traduz-se simplesmente na histeria do upgrade – todos temos aquele amigo que nos humilha semanalmente com o último e mais rápido processador, a maior memória RAM, o modem mais veloz, o HD de maior capacidade. E que no entanto faz downloads cada vez mais demorados.
        Uma objeção previsível é a de que, afinal, eu uso a Internet. O presente texto foi produzido em Porto Alegre, onde moro, e transmitido via e-mail para a redação da SUPER, em São Paulo. E estou, admito, muito feliz de não ter que sair de casa em um dia frio para enfrentar fila nos Correios. Ainda assim, sustento o título aí em cima. Muita gente vai de carro todos os dias para o trabalho, mesmo detestando dirigir.
        Fico com as velhas bibliotecas de papel, cujo autoritarismo secular pelo menos não vende ilusões de igualdade tecnopopulista.

                    TEIXEIRA, Jerônimo. In. Superinteressante, São Paulo: Abril, ago. 2000.
Entendendo o texto:
01 – Que elementos permitem afirmar que o texto de Jerônimo Teixeira é dissertativo-argumentativo?
      Para justificar seu ponto de vista sobre a internet, o autor argumenta por meio de críticas, cita fontes, faz comparações, opõe elementos, enumera.

02 – Qual é a tese defendida pelo argumentador?
      Apesar de todos os benefícios, pode-se viver sem a internet, que não é essencial nem democrática.

03 – Para desenvolver sua tese, o autor utiliza:
a)   Comparação: “Muita gente vai de carro (...) mesmo detestando dirigir”.

b)   Crítica: “A internet é a propagação indiscriminada da besteira.”

c)   Citação: “A harmonia mundial (Negroponte, mais uma vez) (...) enganosa”.

d)   Oposição: “Israelenses e Palestinos, (...) punks e Skin-Heads”.

     Encontre, no texto, um exemplo de cada um desses recursos.
04 – O texto “Eu odeio a Internet” é predominantemente objetivo ou subjetivo? Justifique sua resposta.
      Predominantemente subjetivo. O autor privilegia a pessoalidade, escrevendo em 1ª pessoa e recorrendo ao humor e à adjetivação para defender sua opinião a respeito do assunto tratado.

05 – O humor foi um dos recursos usados para construir esse texto. O autor criou um neologismo divertido, além de jogos de palavras que deixaram a linguagem descontraída. Identifique, no texto, esse neologismo e uma construção em que se perceba subjetividade.
      Neologismo: “Cyberabobrinha”. Construção: “Se o leitor me perdoa a etimologia rasteira (...) muito demos para pouco cratos”.

06 – Você acredita que o autor foi persuasivo em seu texto? Justifique sua resposta.
      Resposta pessoal do aluno.

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