sábado, 8 de maio de 2021

CRÔNICA: A MULHER SEM MEDO - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

 TEXTO I

Cientistas americanos estudam o caso de uma mulher portadora de

uma rara condição, em resultado da qual ela não tem medo de nada.

(Folha de S. Paulo, 17/12/2010. Cotidiano.)

TEXTO II

CRÔNICA: A MULHER SEM MEDO

                   Moacyr Scliar

Ele não sabia o que o esperava quando, levado mais pela curiosidade do que pela paixão, começou a namorar a mulher sem medo. Na verdade havia aí também um elemento interesseiro; tinha um projeto secreto, que era o de escrever um livro chamado “A Vida com a Mulher sem Medo”, uma obra que, imaginava, poderia fazer enorme sucesso, trazendo-lhe fama e fortuna. Mas ele não tinha a menor ideia do que viria a acontecer.

Dominador, o homem queria ser o rei da casa. Suas ordens deveriam ser rigorosamente obedecidas pela mulher. Mas como impor sua vontade? Como muitos ele recorria a ameaças: quero o café servido às nove horas da manhã, senão… E aí vinham as advertências: senão eu grito com você, senão eu bato em você, senão eu deixo você sem comida.

Acontece que a mulher simplesmente não tomava conhecimento disso; ao contrário, ria às gargalhadas. Não temia gritos, não temia tapas, não temia qualquer tipo de castigo. E até dizia, gentil: “Bem que eu queria ficar assustada com suas ameaças, como prova de consideração e de afeto, mas você vê, não consigo”.

Aquilo, além de humilhá-lo profundamente, deixava-o completamente perturbado. Meter medo na mulher transformou-se para ele em questão de honra.

Tinha de vê-la pálida, trêmula, gritando por socorro.

Como fazê-lo? Pensou muito a respeito e chegou a uma conclusão: para amedrontá-la só barata ou rato. Resolveu optar pela barata, por uma questão de facilidade: perto de onde moravam havia um velho depósito abandonado, cheio de baratas. Foi até lá e conseguiu quatro exemplares, que guardou num vidro de boca larga.

Voltou para casa e ficou esperando que a mulher chegasse, quando então soltaria as baratas.

Já antegozava a cena: ela sem dúvida subiria numa cadeira, gritando histericamente. E ele enfim se sentiria o vencedor.

Foi neste momento que o rato apareceu. Coisa surpreendente, porque ali não havia ratos, sobretudo um roedor como aquele, enorme, ameaçador, o Rei dos Ratos. Quando a mulher finalmente retornou encontrou-o de pé sobre uma cadeira, agarrado ao vidro com as baratas, gritando histericamente.

Fazendo jus à fama ela não demonstrou o menor temor; ao contrário, ria às gargalhadas. Foi buscar uma vassoura, caçou o rato pela sala, conseguiu encurralá-lo e liquidou-o sem maiores problemas. Feito que ajudou o homem, ainda trêmulo, a descer da cadeira.

E aí viu que ele segurava o vidro com as quatro baratas. O que deixou-a assombrada: o que pretendia ele fazer com os pobres insetos? Ou aquilo era um novo tipo de perversão?

Àquela altura ele já nem sabia o que dizer. Confessar que se tratava do derradeiro truque para assustá-la seria um vexame, mesmo porque, como ele agora o constatava, ela não tinha medo de baratas, assim como não tivera medo do rato. O jeito era aceitar a situação.

E admitir que viver com uma mulher sem medo era uma coisa no mínimo amedrontadora.

(Moacyr Scliar. Folha de S. Paulo, 17/1/2011.)

Fonte: Livro- Português: Linguagem, 1/ William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 11.ed – São Paulo: Saraiva, 2016, p.13-15.

Entendendo o texto

1. O texto I é parte de uma notícia internacional.

a) Por que esse fato mereceu destaque no noticiário?

    Por ainda não se conhecer alguém que não tivesse algum tipo de medo.

 b) A que campo do conhecimento humano esse fato causa interesse?      Ao campo científico.

2. O texto II foi criado pelo escritor Moacyr Scliar a partir da notícia reproduzida no texto I.

a) Qual dos dois textos trata de um fato concreto da realidade?

     O texto I.

b) Qual deles cria uma história ficcional a partir de dados da realidade?

     O texto II.

3. O texto II, por ser uma crônica, apresenta vários componentes comuns a outros gêneros narrativos, como fatos, personagens, tempo, espaço e narrador. Além disso, apresenta também preocupação quanto ao modo como os fatos são narrados.

a) O que a narrativa revela quanto a características psicológicas do marido ao longo da história?

    Revela que ele era um homem curioso, dominador, competitivo.

b) Que dados da história comprovam sua resposta?

     O fato de ele se casar com a mulher por curiosidade, e não por amor; pelas tentativas constantes de dominá-la; pela relação competitiva que estabeleceu com a mulher.

    4. Observe estes fragmentos do texto:

• “Aquilo, além de humilhá-lo profundamente, deixava-o completamente perturbado.”

• “E ele enfim se sentiria o vencedor.”

Com base nesses fragmentos, conclua: Como o homem encarava a característica da mulher de não sentir medo?

Encarava como um desafio pessoal, como uma limitação dele, e não como uma característica dela.

5. Em sua última tentativa de amedrontar a mulher, o homem pensa em baratas e ratos.

a) Por que ele imaginou que esses seres poderiam amedrontá-la? Porque boa parte das pessoas, principalmente mulheres, tem medo de baratas e ratos.

b) O que o resultado dessa experiência mostrou quanto a quem tinha medo desses seres?

Mostrou que ele é quem tinha medo de ratos e baratas, e não ela.

6. Você observou que os dois textos abordam o mesmo tema. Apesar disso, eles são bastante diferentes. Essas diferenças se devem à finalidade e ao gênero de cada um dos textos, bem como ao público a que cada um deles se destina.

a) Qual é a finalidade principal do texto I, considerando-se que se trata de uma reportagem jornalística?

 Informar o leitor sobre um acontecimento raro.

b) Qual é a finalidade principal do texto II, considerando-se que se trata de uma crônica literária?

Entreter o leitor, diverti-lo, além de provocar algumas reflexões sobre a natureza humana.

7. A fim de sintetizar as diferenças entre os dois textos, compare-os e responda:

a) Qual deles apresenta uma linguagem objetiva, utilitária, voltada para explicar um problema da realidade?

O texto I.

b) Em qual deles a linguagem é propositalmente organizada com o fim de criar expectativa ou envolvimento do leitor?

O texto II.

c) Qual deles tem a finalidade de informar o leitor sobre a realidade?

O texto I.

d) Qual deles tem a finalidade de entreter, divertir ou provocar reflexões no leitor a partir de um tema da realidade?

O texto II.

e) Considerando as reflexões que você fez sobre a linguagem dos textos em estudo, responda:

Qual deles é um texto literário? Por quê?

O texto II, por ser um texto que recria ficcionalmente a realidade; por ter uma linguagem propositalmente organizada com o fim de criar mais de um sentido; e por entreter e divertir o leitor, além de provocar reflexões sobre a vida e o mundo.

Um comentário: