sexta-feira, 14 de maio de 2021

RELATO: BONJOUR, L'AMOUR - MARTHA MEDEIROS - COM GABARITO

 RELATO: Bonjour, L'Amour

                Martha Medeiros

Próxima parada: Barcelona. Pegamos um voo e tudo voltou a dar certo, estávamos em plena lua de mel. Ao aterrissar, fomos à esteira das bagagens e ficamos esperando. Esperando. Esperando. E  esperando estaríamos até hoje. Nada das nossas malas. Registramos o sumiço e nos despacharam para o hotel: "Quando encontrarmos, se encontrarmos, serão entregues lá", foi o que nos disseram - em catalão. Que ótimo. Eu não tinha nenhum kit de primeiros socorros na mochila.

Passamos o dia perambulando pelas Ramblas com a roupa do corpo. Compramos escova de dente, pasta, desodorante e umas camisetas para quebrar o galho, caso o pior acontecesse. Voltamos à tardinha  para o hotel e nada ainda das malas. Antes de sair para jantar com a mesma roupa imunda, aleluia, elas chegaram.

É uma experiência que nos faz avaliar o que realmente tem importância na vida. Eu não sofria pelo vestido que talvez nunca mais visse ou pelo sapato que havia usado só uma vez, e sim pelo sumiço de uma caderneta de anotações onde já havia registrado boa parte da viagem. E lamentava nunca mais colocar no dedo um anel pelo qual joalheiro nenhum daria um centavo, mas que para mim valia como se fosse um diamante da Tiffany. O anel havia sido da minha avó. Mas recuperei não só vestidos e sapatos, como o anel, a caderneta e o que mais a mala continha: tudo parte da nossa memória afetiva, que, no final das contas, é o que mais tememos perder pelo caminho. Depois de curtir o que Barcelona tinha para ser curtida, fomos de trem até Montpellier, na França, e lá alugamos um carro. Finalmente, o filé mignon da viagem. Adoro percorrer estradas desconhecidas e não saber onde vou dormir à noite. Nesse primeiro dia motorizados, saímos sem rumo e, depois de muito rodar, acabamos em Ramatuelle, um lugarejo escondido e charmoso num ponto alto da costa azul. Percorremos a pé suas ruelas, tomamos vinho e tentamos encontrar uma pousadinha  para ficar por lá mesmo, mas estava tudo lotado: a cidade era mínima, porém requisitada. Não nos restou outra alternativa a não ser voltar para o carro e seguir até Saint-Tropez. Vida dura.

Chegamos tarde e, por conta do cansaço, nos hospedamos no primeiro hotel que vimos, sem reparar que era megaluxuoso. Foi o que bastou para meu namorado se emburrar. Tinha cabimento gastar os tubos numa única noite? Não tinha. Mas vá explicar isso para uma mulher despencando de sono. No dia seguinte, Saint-Tropez nos deu as boas-vindas e desemburrou qualquer semblante. Dia de sol tropical. Mergulho. Caminhadas. Visual. Passamos um dia de magnatas e no fim da tarde pegamos a estrada de novo. Quando o sol começou a se pôr, estávamos na Route des Calanques, entre St. Raphael e Cannes, onde encontramos um casarão na beira da estrada, de frente para uma baía deslumbrante. Chamava-se L' Auberge Blanche, mas duvido que se encontre alguma referência no Google. Estacionamos e batemos à porta. Veio nos atender uma senhora de uns bem vividos 130 anos. Ofereceu para nós seu melhor quarto, no terceiro andar, milhões de metros quadrados de frente para o mar. Poderíamos ter dado uma festa de réveillon dentro do aposento.

MEDEIROS, Martha. Um lugar na janela: relatos de viagem. Porto Alegre: L&PM, 2012. Edição e-book.

Fonte: Livro: Língua Portuguesa: linguagem e interação/ Faraco, Moura, Maruxo Jr. – 3.ed. São Paulo: Ática, 2016. p.181-4. 


ENTENDENDO O TEXTO

1.   No aeroporto de Barcelona, ao indagarem sobre as bagagens perdidas, os viajantes ouvem uma resposta em catalão, e a autora destaca essa informação graficamente no texto, isolando-a com um travessão no fim da frase (linha 9). É possível supor a razão de ela ter destacado essa informação desse modo?

  É possível supor que a autora dê esse detalhe (e o represente graficamente desse modo) com a intenção de mostrar que a língua catalã representou algum tipo de obstáculo na comunicação.

2. A resposta que receberam deixou ainda mais preocupados os dois viajantes. Que trecho dela revela incerteza com relação ao fato de encontrar as malas?

"[...] se encontrarmos" (linhas 7-8)

3.   Note que disseram a eles no aeroporto: "Quando encontrarmos, se encontrarmos, serão entregues lá" (linhas 7-

Por que fizeram questão de dizer "se encontrarmos"?

       Porque não tinham certeza de que as encontrariam, portanto condicionaram a entrega das malas no hotel à localização delas.

    4. Em sua opinião, qual é o sentido da expressão memória afetiva em: "[...] tudo parte da nossa memória afetiva, que, no final das contas, é o que mais tememos perder pelo caminho"? (linhas 29-31)

    Resposta pessoal. Sugestão: Se trata de lembranças de fatos, pessoas, objetos passados que têm importância sentimental. São lembranças traduzidas em afeto.

 5. No mesmo trecho indicado na questão 4, Martha Medeiros demonstra uma característica importante do tipo de viagem que gosta de fazer. Que característica é essa?

De viagens marcadas pela imprevisibilidade, pelo inesperado, etc., bem marcado no trecho "Adoro percorrer estradas desconhecidas e não saber onde vou dormir à noite." (linhas 34-35).

 6. Releia este trecho e responda às questões seguintes.

[...] encontramos um casarão na beira da estrada, de frente para uma baía deslumbrante. Chamava-se L' Auberge Blanche, mas duvido que se encontre alguma referência no Google. (linhas 57-60)

a) Você consegue entender ou pelo menos deduzir o significado do nome da pousada?

Albergue Branco ou Pousada Branca.

b) Por que a afirmação de que talvez não seja possível encontrar referências no Google a respeito dessa pousada?

 Pelo relato, deve tratar-se de uma pousada fora do circuito das cidades turísticas, talvez mais intimista, mais reservada, pouco conhecida para figurar em roteiros ou guias turísticos.

7. Qual é o possível leitor do texto ou dos relatos de viagens em geral?

    Resposta pessoal. Em geral, leitores de relatos de viagens são pessoas que têm interesse em conhecer experiências vivenciadas por outros, têm interesse em conhecer o local sobre o qual se fala e, por isso, procuram informações emitidas por quem esteve pessoalmente nele.

As palavras no contexto

1. Releia: "Antes de sair para jantar com a mesma roupa imunda, aleluia, elas chegaram." (linhas 15-17)

a) Que sinônimo você escolheria para aleluia nesse trecho do texto?

    Oba!, Eia!, Que bom!, finalmente, por fim, etc.

b) Como você classifica gramaticalmente a palavra aleluia, empregada no trecho destacado acima?

     Resposta pessoal. Sugestão: A palavra é empregada como interjeição.

2.Releia este trecho prestando atenção à expressão em destaque:

Nesse primeiro dia motorizados, saímos sem rumo e, depois de muito rodar, acabamos em Ramatuelle, um lugarejo escondido e charmoso num ponto alto da costa azul. Percorremos a pé suas ruelas, tomamos vinho e tentamos encontrar uma pousadinha para ficar por lá mesmo, mas estava tudo lotado: a cidade era mínima, porém requisitada. Não nos restou outra alternativa a não ser voltar para o carro e seguir até Saint-Tropez. Vida dura. (texto 2, linhas 36-44)

a) De modo geral, como vive uma pessoa que leva uma vida dura?

 Vive arduamente, suportando dificuldades.

b) Considerando o contexto do relato, que efeito de sentido causa o uso de vida dura e como se chama esse uso?

O efeito de sentido que causa é a ironia, que ocorre quando o enunciador quer dizer exatamente o contrário do que está afirmando, afinal, pelo contexto, nota-se que não há nada de árduo nem dificultoso em seguir para Saint-Tropez.

3. Releia este trecho do texto, atentando para seu sentido.

Veio nos atender uma senhora de uns bem vividos 130 anos. Ofereceu para nós seu melhor quarto, no terceiro andar, milhões de metros quadrados de frente para o mar. Poderíamos ter dado uma festa de réveillon dentro do aposento. (texto 2, linhas 61-65)

O que é possível notar no modo como o enunciador faz sua descrição nesse trecho?

Há exagero na descrição ao falar da idade da senhora, do tamanho do quarto e ao afirmar que é possível comemorar nele o réveillon (que, de modo geral, conota um evento grandioso, com muitas pessoas reunidas). A senhora devia ter bastante idade, o quarto devia ser bem grande, mas não literalmente nas proporções informadas. Esse exagero constitui uma figura de linguagem chamada hipérbole.

 

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