RELATO: Bonjour, L'Amour
Martha Medeiros
Próxima parada: Barcelona.
Pegamos um voo e tudo voltou a dar certo, estávamos em plena lua de mel. Ao
aterrissar, fomos à esteira das bagagens e ficamos esperando. Esperando.
Esperando. E esperando estaríamos até
hoje. Nada das nossas malas. Registramos o sumiço e nos despacharam para o
hotel: "Quando encontrarmos, se encontrarmos, serão entregues lá",
foi o que nos disseram - em catalão. Que ótimo. Eu não tinha nenhum kit de
primeiros socorros na mochila.
Passamos o dia perambulando
pelas Ramblas com a roupa do corpo. Compramos escova de dente, pasta,
desodorante e umas camisetas para quebrar o galho, caso o pior acontecesse.
Voltamos à tardinha para o hotel e nada
ainda das malas. Antes de sair para jantar com a mesma roupa imunda, aleluia,
elas chegaram.
É uma experiência que nos
faz avaliar o que realmente tem importância na vida. Eu não sofria pelo vestido
que talvez nunca mais visse ou pelo sapato que havia usado só uma vez, e sim
pelo sumiço de uma caderneta de anotações onde já havia registrado boa parte da
viagem. E lamentava nunca mais colocar no dedo um anel pelo qual joalheiro
nenhum daria um centavo, mas que para mim valia como se fosse um diamante da
Tiffany. O anel havia sido da minha avó. Mas recuperei não só vestidos e
sapatos, como o anel, a caderneta e o que mais a mala continha: tudo parte da
nossa memória afetiva, que, no final das contas, é o que mais tememos perder
pelo caminho. Depois de curtir o que Barcelona tinha para ser curtida, fomos de
trem até Montpellier, na França, e lá alugamos um carro. Finalmente, o filé
mignon da viagem. Adoro percorrer estradas desconhecidas e não saber onde vou
dormir à noite. Nesse primeiro dia motorizados, saímos sem rumo e, depois de
muito rodar, acabamos em Ramatuelle, um lugarejo escondido e charmoso num ponto
alto da costa azul. Percorremos a pé suas ruelas, tomamos vinho e tentamos
encontrar uma pousadinha para ficar por
lá mesmo, mas estava tudo lotado: a cidade era mínima, porém requisitada. Não
nos restou outra alternativa a não ser voltar para o carro e seguir até
Saint-Tropez. Vida dura.
Chegamos tarde e, por conta
do cansaço, nos hospedamos no primeiro hotel que vimos, sem reparar que era
megaluxuoso. Foi o que bastou para meu namorado se emburrar. Tinha cabimento
gastar os tubos numa única noite? Não tinha. Mas vá explicar isso para uma
mulher despencando de sono. No dia seguinte, Saint-Tropez nos deu as
boas-vindas e desemburrou qualquer semblante. Dia de sol tropical. Mergulho.
Caminhadas. Visual. Passamos um dia de magnatas e no fim da tarde pegamos a
estrada de novo. Quando o sol começou a se pôr, estávamos na Route des
Calanques, entre St. Raphael e Cannes, onde encontramos um casarão na beira da
estrada, de frente para uma baía deslumbrante. Chamava-se L' Auberge Blanche,
mas duvido que se encontre alguma referência no Google. Estacionamos e batemos
à porta. Veio nos atender uma senhora de uns bem vividos 130 anos. Ofereceu
para nós seu melhor quarto, no terceiro andar, milhões de metros quadrados de
frente para o mar. Poderíamos ter dado uma festa de réveillon dentro do
aposento.
MEDEIROS, Martha. Um lugar na janela: relatos de viagem. Porto Alegre: L&PM, 2012. Edição e-book.
Fonte: Livro: Língua
Portuguesa: linguagem e interação/ Faraco, Moura, Maruxo Jr. – 3.ed. São Paulo:
Ática, 2016. p.181-4.
ENTENDENDO O TEXTO
1. No aeroporto de Barcelona, ao indagarem sobre as bagagens perdidas, os viajantes ouvem uma resposta em catalão, e a autora destaca essa informação graficamente no texto, isolando-a com um travessão no fim da frase (linha 9). É possível supor a razão de ela ter destacado essa informação desse modo?
É possível supor que a autora dê esse detalhe (e o represente
graficamente desse modo) com a intenção de mostrar que a língua catalã
representou algum tipo de obstáculo na comunicação.
2. A resposta que receberam
deixou ainda mais preocupados os dois viajantes. Que trecho dela revela
incerteza com relação ao fato de encontrar as malas?
"[...] se
encontrarmos" (linhas 7-8)
3. Note que disseram a eles no aeroporto: "Quando encontrarmos, se encontrarmos, serão entregues lá" (linhas 7-
Por que fizeram questão de dizer
"se encontrarmos"?
Porque não tinham certeza de que as
encontrariam, portanto condicionaram a entrega das malas no hotel à localização
delas.
4. Em sua opinião, qual é o sentido da
expressão memória afetiva em:
"[...] tudo parte da nossa memória afetiva, que, no final das contas, é o
que mais tememos perder pelo caminho"? (linhas 29-31)
Resposta pessoal. Sugestão: Se trata de
lembranças de fatos, pessoas, objetos passados que têm importância sentimental.
São lembranças traduzidas em afeto.
5. No mesmo trecho indicado na questão 4,
Martha Medeiros demonstra uma característica importante do tipo de viagem que
gosta de fazer. Que característica é essa?
De viagens
marcadas pela imprevisibilidade, pelo inesperado, etc., bem marcado no trecho
"Adoro percorrer estradas desconhecidas e não saber onde vou dormir à noite."
(linhas 34-35).
[...] encontramos um casarão
na beira da estrada, de frente para uma baía deslumbrante. Chamava-se L'
Auberge Blanche, mas duvido que se encontre alguma referência no Google. (linhas
57-60)
a) Você consegue entender ou
pelo menos deduzir o significado do nome da pousada?
Albergue Branco ou
Pousada Branca.
b) Por que a afirmação de
que talvez não seja possível encontrar referências no Google a respeito dessa
pousada?
Pelo relato, deve
tratar-se de uma pousada fora do circuito das cidades turísticas, talvez mais
intimista, mais reservada, pouco conhecida para figurar em roteiros ou guias
turísticos.
7. Qual é o possível leitor
do texto ou dos relatos de viagens em geral?
Resposta pessoal. Em geral, leitores de
relatos de viagens são pessoas que têm interesse em conhecer experiências
vivenciadas por outros, têm interesse em conhecer o local sobre o qual se fala
e, por isso, procuram informações emitidas por quem esteve pessoalmente nele.
As palavras no contexto
1. Releia: "Antes de
sair para jantar com a mesma roupa imunda, aleluia, elas chegaram." (linhas
15-17)
a) Que sinônimo você
escolheria para aleluia nesse trecho
do texto?
Oba!, Eia!, Que bom!, finalmente, por fim,
etc.
b) Como você classifica
gramaticalmente a palavra aleluia, empregada no trecho destacado acima?
Resposta pessoal. Sugestão: A palavra é
empregada como interjeição.
2.Releia este trecho prestando
atenção à expressão em destaque:
Nesse primeiro dia
motorizados, saímos sem rumo e, depois de muito rodar, acabamos em Ramatuelle,
um lugarejo escondido e charmoso num ponto alto da costa azul. Percorremos a pé
suas ruelas, tomamos vinho e tentamos encontrar uma pousadinha para ficar por
lá mesmo, mas estava tudo lotado: a cidade era mínima, porém requisitada. Não
nos restou outra alternativa a não ser voltar para o carro e seguir até
Saint-Tropez. Vida dura. (texto 2, linhas 36-44)
a) De modo geral, como vive
uma pessoa que leva uma vida dura?
Vive arduamente,
suportando dificuldades.
b) Considerando o contexto
do relato, que efeito de sentido causa o uso de vida dura e como se chama esse
uso?
O efeito de sentido
que causa é a ironia, que ocorre quando o enunciador quer dizer exatamente o
contrário do que está afirmando, afinal, pelo contexto, nota-se que não há nada
de árduo nem dificultoso em seguir para Saint-Tropez.
3. Releia este trecho do
texto, atentando para seu sentido.
Veio nos atender uma senhora
de uns bem vividos 130 anos. Ofereceu para nós seu melhor quarto, no terceiro
andar, milhões de metros quadrados de frente para o mar. Poderíamos ter dado
uma festa de réveillon dentro do aposento. (texto 2, linhas 61-65)
O que é possível notar no
modo como o enunciador faz sua descrição nesse trecho?
Há exagero na
descrição ao falar da idade da senhora, do tamanho do quarto e ao afirmar que é
possível comemorar nele o réveillon (que, de modo geral, conota um evento
grandioso, com muitas pessoas reunidas). A senhora devia ter bastante idade, o
quarto devia ser bem grande, mas não literalmente nas proporções informadas. Esse
exagero constitui uma figura de linguagem chamada hipérbole.
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