terça-feira, 21 de julho de 2020

CRÔNICA: O LIXO - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Crônica: O lixo  

                  Luís Fernando Veríssimo

Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo.

É a primeira vez que se falam.

-- Bom dia...

-- Bom dia.

-- A senhora é do 610.

-- E o senhor do 612

-- É.

-- Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente...

-- Pois é...

-- Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo...

-- O meu quê?

-- O seu lixo.

-- Ah...

-- Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena...

-- Na verdade sou só eu.

-- Mmmm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata.

-- É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...

-- Entendo.

-- A senhora também...

-- Me chame de você.

-- Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim...

-- É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas, como moro sozinha, às vezes sobra...

-- A senhora... Você não tem família?

-- Tenho, mas não aqui.

-- No Espírito Santo.

-- Como é que você sabe?

-- Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.

-- É. Mamãe escreve todas as semanas.

-- Ela é professora?

-- Isso é incrível! Como foi que você adivinhou?

-- Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.

-- O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.

-- Pois é...

-- No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.

-- É.

-- Más notícias?

-- Meu pai. Morreu.

-- Sinto muito.

-- Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.

-- Foi por isso que você recomeçou a fumar?

-- Como é que você sabe?

-- De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.

-- É verdade. Mas consegui parar outra vez.

-- Eu, graças a Deus, nunca fumei.

-- Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo...

-- Tranquilizantes. Foi uma fase. Já passou.

-- Você brigou com o namorado, certo?

-- Isso você também descobriu no lixo?

-- Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora.

Depois, muito lenço de papel.

-- É, chorei bastante, mas já passou.

-- Mas hoje ainda tem uns lencinhos...

-- É que eu estou com um pouco de coriza.

-- Ah.

-- Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.

-- É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.

-- Namorada?

-- Não.

-- Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.

-- Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.

-- Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.

-- Você já está analisando o meu lixo!

-- Não posso negar que o seu lixo me interessou.

-- Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia.

-- Não! Você viu meus poemas?

-- Vi e gostei muito.

-- Mas são muito ruins!

-- Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.

-- Se eu soubesse que você ia ler...

-- Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?

-- Acho que não. Lixo é domínio público.

-- Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?

-- Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que...

-- Ontem, no seu lixo...

-- O quê?

-- Me enganei, ou eram cascas de camarão?

-- Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.

-- Eu adoro camarão.

-- Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode...

-- Jantar juntos?

-- É.

-- Não quero dar trabalho.

-- Trabalho nenhum.

-- Vai sujar a sua cozinha?

-- Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.

-- No seu lixo ou no meu?

                                           Luís Fernando Veríssimo

Entendendo a crônica:

01 – É possível concluir, a partir da leitura do texto que:

a)   O lixo produzido pelas pessoas é um dos maiores causadores dos problemas ambientais urbanos.

b)   É preciso acondicionar corretamente o lixo para evitar os problemas ambientais.

c)   O lixo pode ser uma fonte de informação sobre as pessoas que o produzem.

d)   É possível apaixonar-se pelo lixo do outro.

02 – O texto é uma crônica porque:

a)   É um texto leve e bem humorado, com linguagem acessível e marcas da oralidade.

b)   É um texto leve e bem humorado, rico em vocabulário elevado e cheio de expressões antigas.

c)   É um texto elaborado para ser publicado em livro e, por isso, apresenta uma ligação com o momento em que foi realizado.

d)   É um texto literário e repleto de recursos poéticos, como metáforas e metonímias.

03 – Há identificação do tempo e do lugar de onde acontecem os fatos narrados?

      A identificação de tempo e de lugar também é muito vaga, pois podemos apenas identificar trata-se de um prédio de apartamentos, pela forma como os personagens se referem (a senhora do 610, o senhor do 612).

04 – Onde aconteceu o primeiro encontro das personagens?

a)   Dentro do apartamento.

b)   Na área de serviço.

c)   Na cozinha.

d)   No quarto do senhor do 612.

05 – Em “Isso” é incrível! Como você adivinhou? O elemento destacado retoma qual informação no texto?

a)   Envelopes no lixo da senhora.

b)   Família da senhora.

c)   Indiscrição do senhor.

d)   Pai da senhora.

06 – De acordo com o texto, qual elemento que faz o senhor chegar à conclusão que a senhora tina brigado com o namorado?

a)   Buquê de flores jogado no lixo.

b)   Carteira de cigarros amassados no lixo.

c)   Fotografia rasgada.

d)   Telegrama amassado no lixo.

07 – Qual a finalidade do texto?

a)   Anunciar a importância do lixo.

b)   Informar um fato acontecido na rua.

c)   Relatar conflitos entre vizinhos.

d)   Relatar um início de um relacionamento.

08 – O rompimento do namoro do homem foi revelado:

a)   Pela fotografia.

b)   Pelas cartas amassadas.

c)   Pelo buquê de flores.

d)   Pelos poemas escritos.

09 – Qual foi o pretexto utilizado pelos personagens para o início da conversa?

a)   A família.

b)   O lixo.

c)   O namorado.

d)   O pai.

10 – Na oração “Na verdade sou só eu”, o “eu” se refere a quem?

a)   Lixeiro.

b)   Senhor.

c)   Serviçal.

d)   Senhora.

11 – Todo o diálogo revela uma característica muito comum entre os habitantes das grandes cidades. Qual característica é essa?

a)   Amor aos bens materiais.

b)   Medo da violência.

c)   Poluição das grandes cidades.

d)   Solidão e ausência da família.

12 – Pelo texto, o que fez a mulher perceber que o homem recomeçou a fumar?

a)   A distância do pai.

b)   A morte do pai.

c)   O fim do romance.

d)   Os comprimidos.

13 – O diálogo introduz aos poucos, muitas informações sobre as personagens. Isso revela que:

a)   Eles já se conheciam há muito tempo.

b)   Eles não simpatizavam um com outro.

c)   Eles possuíam hábitos em comum.

d)   Eles sabiam muito da vida um do outro.

14 – De acordo com o que você compreendeu acerca da crônica, é possível afirmar que:

a)   Um texto só pode ser considerado crônica se ele estiver publicado em um jornal ou em uma revista.

b)   Um texto pode ser considerado crônica por apresentar algumas características peculiares a esse gênero, como a ligação a algum fato do cotidiano, as marcas de subjetividade do autor, entre outros.

c)   Um texto pode ser considerado crônica sempre que for narrativo, apresentar marcas de oralidade e determinações do tempo e do lugar onde foi produzido.

15 – Observe o trecho em destaque abaixo e explique, de acordo com a sua opinião e baseado na leitura do texto, por que o autor afirma que o lixo é comunitário e social. “Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social”.

      Resposta pessoal do aluno.

16 – O texto é construído com base nas informações que o cronista colhe nos lugares que percorre cotidianamente. Que fato desencadeou os acontecimentos narrados na crônica?

      Nessa crônica em especial, vemos como o autor parte de um fato bem comum, do dia-a-dia, o fato de ir colocar o lixo fora, para elaborar um enredo em que os personagens acabam por interessar-se um pelo outro à partir de seu diálogo sobre o lixo.

17 – Existe marcas de oralidade nessa crônica? Confirme com um trecho do texto.

      Nesta crônica, o diálogo é o elemento mais marcante de todo o texto, o que implica em uma grande presença da oralidade, através não só de marcas estruturais, como a pontuação.

      Ex.: “-- Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo...

              -- Tranquilizantes. Foi uma fase. Já passou.”

 

 

 

 

 


7 comentários:

  1. O cronista costuma ter sua atenção voltada para fatos do dia a dia ou veiculados em notícias de jornal e os registra com humor, sensibilidade, crítica e poesia (lirismo). Ao proceder assim, qual dos seguintes objetivos o cronista espera atingir com seu texto? *

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  2. O texto Lixo, de Luís Fernando Veríssimo, traz uma crítica a um aspecto da vida em sociedade. Qual é a crítica presente no texto? *

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  3. O que podemos encontra no teu lixo ?

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  4. Que historia o seu lixo que voce gostaria que não tivesse?

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  5. De exemplo de informações qui pode ser tiradas do lixo qui vc produz

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  6. Qual forma de tratamento usadas por eles? Que palavra representa esse tratamento

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