Poema: Segunda
canção de muito longe
Mário Quintana
Havia um corredor que fazia cotovelo:
Um mistério encanando com outro mistério, no escuro...
Mas vamos fechar os olhos
E pensar numa outra cousa...
Vamos ouvir o ruído cantado, o ruído arrastado das
correntes no algibe,
Puxando a água fresca e profunda.
Havia no arco do algibe trepadeiras trêmulas.
Nós nos debruçávamos à borda, gritando os nomes uns dos
outros,
E lá dentro as palavras ressoavam fortes, cavernosas como
vozes de leões.
Nós éramos quatro, uma prima, dois negrinhos e eu.
Havia os azulejos reluzentes, o muro do quintal, que
limitava o mundo,
Uma paineira enorme e, sempre e cada vez mais, os grilos
e as estrelas...
Havia todos os ruídos, todas as vozes daqueles tempos...
As lindas e absurdas cantigas, tia Tula ralhando os
cachorros,
O chiar das chaleiras...
Onde andará agora o pince-nez da tia Tula
Que ela não achava nunca?
A pobre não chegou a terminar a Toutinegra do Moinho,
Que saía em folhetim no Correio do Povo!...
A última vez que a vi, ela ia dobrando aquele corredor
escuro.
Ia encolhida, pequenininha, humilde. Seus passos não
faziam ruído.
E ela nem se voltou para trás!
Mario Quintana.
Entendendo o poema:
01 – No poema, o eu lírico
retorna à infância embalado pelas recordações do passado, que é evocado em uma
linguagem subjetiva. Na primeira estrofe, ocorre-lhe a imagem de um corredor. A
partir da leitura desse trecho, pode-se inferir que:
a)
Como esse corredor era escuro e
terminava numa curva fechada (dificilmente enxergamos o que vem depois dela), a
intersecção dele com o outro corredor era um ponto de mistério.
b)
O mistério deixa de existir quando o eu
lírico encontra seus amigos do outro lado da curva fechada.
c)
O corredor é, somente, um pretexto para que o
eu lírico fique afastado das brincadeiras.
d)
O eu lírico nunca atingira o outro lado do
corredor.
02 – A partir da segunda
estrofe, o eu lírico continua a convocar o leitor a acompanha-lo em suas novas
lembranças. Tendo em vista tal citação, pode-se concluir que a palavra que marca
uma mudança dos fatos entre a primeira e as demais estrofes é
......................., apresentando o sentido de
...............................
a)
E / adição.
b)
Vamos / convite.
c)
Mas / oposição.
d)
Olhos / realidade.
03 – Que temática é abordada
no poema, se baseando no título?
O título
direciona a temática para um passado distante, perdido ou esquecido na memória
do sujeito poético.
04 – O poeta abre a sua
produção com o verbo “haver” no pretérito imperfeito que se repete ao longo do
texto em três versos seguintes para evidenciar o quê?
Que embora a ação
seja passada, ela permanece ressoando no presente, pois trata-se de fatos
inacabados e, portanto, ainda persistentes.
05 – Nos versos: “Havia os
azulejos reluzentes, o muro do quintal, que limitava o mundo”. O que o
sujeito poético nos fala no verso sublinhado?
Que o muro do
quintal limita o mundo exterior e interior. O exterior configura-se no
desconhecido, no mundo perigoso, já o mundo interior sintetiza a proteção o
acalanto e os prazeres da infância protegida.
06 – Por que o corredor é
símbolo de mistério?
Porque a dimensão
da casa é percebida pela indicação do corredor, que fazia cotovelo, aumentando
o enigma do espaço, pois não se podem vislumbrar fatos que ocorrem no seu
final.
07 – Que ruídos da infância
o sujeito poético nos conduz?
A água do poço, o
chiar das chaleiras liga-se à ideia do aconchego do lar e ao preparo de
refeições.
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