sexta-feira, 28 de março de 2025

SONETO: EPIGRAMA IMITADO - BOCAGE - COM GABARITO

 Soneto: Epigrama imitado

             Bocage

Levando um velho avarento
Uma pedrada no olho,
Põe-se-lhe no mesmo instante
Tamanho como um repolho.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg97XAPJ9ofVCYD3ci9txFvIXNpozjjKZnK3Wys-JYT8Dod1ri62P8U-qSe3NU9Ioldd_KPWvFKpoV-ac7-euuJI4JzeWdCqwukZpDztLpb7WzCLWu3TZXlw5RVUaiKYpBjY06WBpsU85cKmcJNenRZZPwCfNvpJ9OmGosikKjX-dugxO0au1hvmUE3OAA/s320/71VXMlN3euL._AC_UF1000,1000_QL80_.jpg



Certo, doutor, não das dúzias,
Mas sim do médico perfeito,
Dez moedas lhe pedia
Para o livrar do defeito.

"Dez moedas! (diz o avaro)
Meu sangue não desperdiço:
Dez moedas por um olho!
O outro eu dou por isso."

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 133.

Entendendo o soneto:

01 – Qual é o evento que desencadeia a história contada no soneto?

      Um velho avarento leva uma pedrada no olho, que incha consideravelmente.

02 – Qual a reação do velho avarento ao saber o preço do tratamento médico?

      O velho avarento se recusa a pagar dez moedas pelo tratamento, demonstrando sua extrema avareza.

03 – Qual a atitude do velho avarento em relação ao outro olho?

      O velho avarento oferece o outro olho em troca do tratamento, mostrando que valoriza mais o dinheiro do que a própria saúde.

04 – Qual a crítica social presente no soneto de Bocage?

      O soneto critica a avareza excessiva, mostrando como ela pode levar uma pessoa a tomar decisões absurdas e prejudiciais.

05 – Qual o efeito cômico presente no final do soneto?

      O efeito cômico é criado pela ironia da situação, onde o velho avarento prefere perder um olho a gastar dinheiro, revelando sua ganância de forma exagerada e ridícula.

 

ROMANCE: O MULATO - CAP. XII - FRAGMENTO - ALUÍSIO AZEVEDO - COM GABARITO

 Romance: O mulato cap. XII – Fragmento

                 Aluísio Azevedo

        [...]

        Uma só palavra bolava à superfície dos seus pensamentos: “Mulato”. E crescia, crescia, transformando-se em tenebrosa nuvem, que escondia todo o seu passado. Ideia parasita, que estrangulava todas as outras ideias.

        — Mulato!

Fonte https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjx3lWTGC8-WYw3tnC2UrGBIocpmXsNzVHLML9gnsDKq0hkjb3895FOjBDy9eHsUuxsPz8IrOzST7B5FawFiGLSmt86zER8I2lbyKaI-J8JmQG9WhO4v6bdxGCWRdDegyevYTmIAEsctXLmLL_1I5_TaxHIzBxa-zQ7L11I5ZC4kTlpVtmoAjzRQGDCMWs/s320/o-mulato.jpg


        Esta só palavra explica-lhe agora todos os mesquinhos escrúpulos, que a sociedade do Maranhão usara para com ele. Explicava tudo: a frieza de certas famílias a quem visitara; a conversa cortada no momento em que Raimundo se aproximava; as reticências dos que lhe falavam sobre os seus antepassados; a reserva e a cautela dos que, em sua presença, discutiam questões de raça e de sangue; a razão pela qual D. Amância lhe oferecera um espelho e lhe dissera: “Ora mire-se!” a razão pela qual diante dele chamavam de meninos os moleques da rua. Aquela simples palavra dava-lhe tudo o que ele até aí desejara e negava-lhe tudo ao mesmo tempo, aquela palavra maldita dissolvia as suas dúvidas, justificava o seu passado; mas retirava-lhe a esperança de ser feliz, arrancava-lhe a pátria e a futura família; aquela palavra dizia-lhe brutalmente: “Aqui, desgraçado, nesta miserável terra em que nasceste, só poderás amar uma negra da tua laia! Tua mãe, lembra-te bem, foi escrava! E tu também o foste!”

        — Mas, replicava-lhe uma voz interior, que ele mal ouvia na tempestade do seu desespero; a natureza não criou cativos! Tu não tens a menor culpa do que fizeram os outros, e no entanto és castigado e amaldiçoado pelos irmãos daqueles justamente que inventaram a escravidão no Brasil!

        E na brancura daquele caráter imaculado brotou, esfervilhando logo, uma ninhada de vermes destruidores, onde vinham o ódio, a vingança, a vergonha, o ressentimento, a inveja, a tristeza e a maldade. E no círculo do seu nojo, implacável e extenso, entrava o seu país, e quem este primeiro povoou, e quem então e agora o governava, e seu pai, que o fizera nascer escravo, e sua mãe, que colaborara nesse crime. “Pois então de nada-lhe lhe valia ter sido bem educado e instruído; de nada lhe valia ser bom e honesto?... Pois naquela odiosa província, seus conterrâneos veriam nele, eternamente, uma criatura desprezível, a quem repelem todos do seu seio?...” E vinham-lhe então, nítidas à luz crua do seu desalento, as mais rasteiras perversidades do Maranhão; as conversas de porta de botica, as pequeninas intrigas que lhe chegavam aos ouvidos por intermédio de entes ociosos e objetos, a que ele nunca olhara senão com desprezo. E toda essa miséria, toda essa imundícia, que até então se lhe revelava aos bocadinhos, fazia agora uma grande nuvem negra no seu espírito, porque, gota a gota, a tempestade se formara. E, no meio desse vendaval, um desejo crescia, um único, o desejo de ser amado, de formar uma família, um abrigo legítimo, onde ele se escondesse para sempre de todos os homens.

        Mas o seu desejo só pedia, só queria, só aceitava Ana Rosa, como se o mundo inteiro houvera desaparecido de novo ao redor daquela Eva pálida e comovida, que lhe dera a provar, pela primeira vez, o delicioso veneno do fruto proibido.

AZEVEDO, Aluísio. O mulato. 19. ed. São Paulo, Ática, 1999. p. 167-168. (Série Bom Livro).

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 228-229.

Entendendo o romance:

01 – Qual palavra atormenta os pensamentos de Raimundo?

      A palavra que atormenta Raimundo é "mulato". Ela representa o preconceito racial que ele enfrenta e que obscurece sua visão de si mesmo e de seu passado.

02 – Que revelações a palavra "mulato" traz para Raimundo?

      A palavra revela a Raimundo as razões por trás do tratamento frio e discriminatório que ele recebe da sociedade maranhense. Ela explica a frieza das famílias, as conversas interrompidas, as reticências sobre seu passado e a forma como as questões raciais eram tratadas em sua presença.

03 – Que sentimentos negativos surgem em Raimundo após a revelação?

      Sentimentos de ódio, vingança, vergonha, ressentimento, inveja, tristeza e maldade surgem em Raimundo. Ele se sente injustiçado e amaldiçoado pela sociedade.

04 – Como Raimundo reage à injustiça que sente?

      Raimundo questiona a injustiça de ser punido por algo que não fez, lembrando que a natureza não criou cativos. Ele também sente raiva de seu pai e de sua mãe por terem contribuído para sua condição.

05 – Que desejo cresce em Raimundo em meio ao desespero?

      Em meio ao desespero, cresce em Raimundo o desejo de ser amado e de formar uma família, um refúgio onde ele possa se esconder do preconceito.

06 – Qual o papel de Ana Rosa nos desejos de Raimundo?

      Ana Rosa representa a possibilidade de amor e aceitação para Raimundo. Ele a vê como a única capaz de lhe proporcionar a felicidade que ele tanto almeja.

07 – Qual a crítica social presente no fragmento?

      O fragmento apresenta uma crítica contundente ao preconceito racial e à hipocrisia da sociedade maranhense do século XIX. Aluísio Azevedo expõe a crueldade do racismo e os efeitos devastadores que ele causa na vida de Raimundo.

 

 

MÚSICA (ATIVIDADES): A ÍNDIA E O TRAFICANTE - EDUARDO DUSEK - COM GABARITO

 Música (Atividades): A Índia e o Traficante

             Eduardo Dusek

Noite malandra
um luar de espelho
no meio da Terra
a índia colhe o brilho
Som de suor
cheirada musical
palmeira que se verga
em meio ao vendaval

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlYZfXv9Z03Mh3uLXh_rGFIA0axZSUITURzNznYE-wRjasM-G9wg3VpDL7wPNN5_E4gguWN72mXP05qRXMhmwGuVYG7Ui16JJyTG1BGHCuzri2EEJkEnN5mpDUGmU403_0r_icJB4YnCOy2VF1YqDx5UffVGMvWX5x8wgc33E2i0w8vyavBa1cYfkeuvQ/s320/hq720.jpg


Sentia macia floresta
Bolívia, montanha, seresta

Índia guajira
já colheu sua noite
volta para a tribo
meio injuriada
Uma fogueira numa encruzilhada
felina um olho de paixão danada

Era Leão, famoso traficante
um out-door, bandido elegante
que a levou para um apart-hotel
que tem em Cuiabá.

Índia na estrada
largou a tribo
comprou um vestido
aprendeu a atirar

Índia virada
alucinada pelo cara-pálida
do Pantanal

Índia guajira e o traficante
loucos de amor
trocavam o seu mel

Era um amor tipo 45
e tiroteios rasgando o vestido
em quartos de motel.

Explode o amor
Adios para o pudor
Guajira e o traficante
passam a escancarar

Rolam papéis
nos bares, nos bordéis
os dois de Bonnie and Clyde
assunto dos cordéis

Mayra pivete Amazônia
Esqueceu Tupã, a sem-vergonha

Dentro de um Cessna
bebendo champagne
Leão e seu bando
a fazem sua chefona

Índia fichada
"retrata" falada
a loto esperada
pelos Federais

Mas ela gosta de fotografia
e vira capa dos jornais do dia
enquanto espera
uma tonelada da pura alegria

Índia sujeira
foi dedurada por um sertanista
que era amigo seu

Índia traída
- "Mim tô passada" -
ela lamentava num mau português

A Índia deu um ganho
num Landau negro, chapa oficial
que era da Funai
passou batido pela fronteira
uma rajada de metralhadora...
Morta no Paraguai!!!

Composição: Eduardo Dussek / Luiz Carlos Góes. In: Dusek na sua. LP 829218-1, Polygram, 1986.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 217.

Entendendo a música:

01 – Qual o nome da índia protagonista da música e qual sua origem?

      O nome da índia é Guajira, e a música a descreve como uma índia da Amazônia, que "esqueceu Tupã".

02 – Quem é Leão e qual sua profissão?

      Leão é um famoso traficante, descrito como um "bandido elegante".

03 – Qual a transformação que a índia sofre ao longo da música?

      A índia passa de uma vida na tribo para se envolver com o mundo do crime, aprendendo a atirar e se tornando chefe de um bando.

04 – Como o relacionamento entre a índia e Leão é descrito?

      O relacionamento é descrito como intenso e perigoso, comparado a "um amor tipo 45" e com referências a tiroteios e quartos de motel.

05 – Qual o desfecho da história da índia?

      A índia é traída por um amigo sertanista, dedurada à polícia federal, e acaba morta no Paraguai.

06 – Que elementos da cultura pop são usados na música?

      A música faz referência a Bonnie e Clyde, um famoso casal de criminosos, e à cultura do tráfico de drogas.

07 – Qual a crítica social presente na música?

      A música faz uma crítica à exploração e à violência, mostrando como a índia é corrompida pelo mundo do crime e como a violência a consome no final. Também existe uma crítica a exploração de terras indígenas, e o desrespeito com a cultura indígena.

 

 

CONTO: O ATENEU - CAP. IV - FRAGMENTO - RAUL POMPEIA - COM GABARITO

 Conto: O Ateneu cap. IV – Fragmento

            Raul Pompéia

        [...]

        Depois das horas do serão de estudo, quando se retiravam os estudantes para os dormitórios, fiquei com o Franco a trabalhar. Tive que suspender, ao fim de quatro páginas. Devorava-me o remorso como uma febre; aterrava-me a ideia do banho na manhã seguinte, os rapazes atirando-se à vingança pérfida, a água toldada de rubro. Impossível fazer mais uma linha. Deixei o companheiro e fugi para o salão dos médios.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEibM2aPu-oF7r4QY5VdwRMmlgo2wuH3V0PYANBzkeCU1Hq-yS-L2RF4NlvydMULSRMNci9TPkRmaucO4D4QUAQOfMy0AApSLTuCSDh7jFpfarIaLCM1Vt8njVE4H21hE9QPetAHzWel2KswIMJiTJ0dBVzWzr0wxGu-f_VfwvLUshw9WTGgeBG1sVBmhwM/s320/o-ateneu-.jpg


        A excitação recrudesceu; eu rolava na cama sobre um tormento de lascas cortantes. Que fazer? Denunciar o Franco de madrugada? Correr, às escuras, e abrir o escoadouro ao tanque? Prevenir aos colegas pedindo que espalhassem? A controvérsia avultava-me no crânio como uma inchação de meninges. Dar-se-ia caso que Franco, possuído de arrependimento, fosse apresentar cedinho aos inspetores a delação do próprio feito? Cheguei a tentar o engodo da consciência com a ponderação de que talvez não saltassem ao tanque muitos de uma vez, e o primeiro ferido salvaria os outros. Mas a febre vencia, com a perspectiva do sangue. Dez, vinte, trinta rapazes, à borda, gemendo, extraindo dificilmente da carne as lascas encravadas! E eu, cúmplice, que o permitira, e maior culpado, que me não cegava a razão, em suma, de justa desforra...

        Ergui-me da cama, e descalço nas tábuas frias, para ver se me acalmava o mal-estar, errei pelos salões adormecidos.

        Os colegas, tranquilos, na linha dos leitos, afundavam a face nas almofadas, palejante da anemia de um repouso sem sonhos. Alguns afetavam um esboço comovedor de sorriso ao lábio; alguns, a expressão desanimada dos falecidos, boca entreaberta, pálpebras entrecerradas, mostrando dentro a ternura embaciada da morte. De espaço a espaço, os lençóis alvos ondeavam do hausto mais forte do peito, aliviando-se depois por um desses longos suspiros da adolescência, gerados, no dormir da vigília inconsciente do coração. Os menores, mais crianças, conservavam uma das mãos ao peito, outra a pender da cama, guardando no abandono do descanso uma atitude ideal de voo. Os mais velhos, contorcidos no espasmo de aspirações precoces, vergavam a cabeça e envolviam o travesseiro num enlace de carícias. O ar de fora chegava pelas janelas abertas, fresco, temperado da exalação noturna das árvores; ouvia-se o grito compassado de um sapo, martelando os segundos, as horas, a pancadas de tanoeiro; outros e outros, mais longe. O gás, frouxamente, nas arandelas de vidro fosco, bracejando dos balões de asa de mosca, dispersava-se igual sobre as camas. doçura dispersa de um olhar de mãe.

        Que venturosa segurança naquele museu de sono! E amanhã, pobres colegas! o banho, a volta, pés ensanguentados, listrando de vestígios vermelhos o caminho!

        Voltei ao meu salão. Tirei da gaveta a imagem de Santa Rosália; beijei-a com lágrimas, pedi conselho como um filho. A inquietação não passava.

        [...].

POMPÉIA, Raul. O Ateneu. 20. ed. São Paulo, Ática, 1998. p. 61-62. (Série Bom Livro).

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 230.

Entendendo o conto:

01 – Qual o sentimento que domina o narrador após o estudo com Franco?

      O narrador é dominado pelo remorso e pelo terror, antecipando o banho na manhã seguinte e a vingança dos colegas.

02 – Que opções o narrador considera para evitar a tragédia no banho?

      O narrador considera denunciar Franco, esvaziar o tanque ou alertar os colegas, mas nenhuma opção o tranquiliza completamente.

03 – Como o narrador descreve o sono dos colegas?

      O narrador descreve o sono dos colegas como tranquilo e vulnerável, com expressões de inocência e fragilidade.

04 – Que detalhes da descrição do dormitório contribuem para a atmosfera do fragmento?

      A descrição do silêncio, da luz fraca, dos suspiros e da brisa noturna cria uma atmosfera de calma e melancolia, contrastando com a angústia do narrador.

05 – Qual a reação do narrador diante da imagem de Santa Rosália?

      O narrador beija a imagem de Santa Rosália e pede conselho, buscando alívio para sua inquietação.

06 – Qual a importância do banho para o narrador?

      O banho representa um momento de violência iminente, que perturba profundamente o narrador e o leva a questionar sua própria culpa.

07 – Que temas o fragmento aborda?

      O fragmento aborda temas como culpa, medo, violência, inocência e a fragilidade da condição humana, explorando as complexidades da psicologia do narrador.

 

 

ROMANCE: SENHORA - 2ª PARTE - QUITAÇÃO VI - FRAGMENTO - JOSÉ DE ALENCAR - COM GABARITO

 Romance: Senhora – 2ª Parte – QUITAÇÃO VI – Fragmento

                  José de Alencar

        Aurélia passava agora as noites solitárias.

        Raras vezes aparecia Fernando, que arranjava uma desculpa qualquer para justificar sua ausência. A menina que não pensava em interrogá-lo, também não contestava esses fúteis inventos. Ao contrário buscava afastar da conversa o tema desagradável.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgXxrGnu1_04k7oMuKXXdPl5J46izhkUujVeVYByo2ZBgZjh1RvOUECYLJ39hZ-37ADuHrKzdl14E52sf0BMKsbik3ASk0RIaXxPaygz7tRyH_LzbCsNtb1xaGSAsYOqp-8nFbQ1xYuGBROY76OysCl3r9WvqnOugKs7OaEi9e-393CLLrUS9kEtn6eDYA/s320/20180611-senhora.jpg


        Conhecia a moça que Seixas retirava-lhe seu amor; mas a altivez do coração não lhe consentia queixar-se. Além de que, ela tinha sobre o amor ideias singulares, talvez inspiradas pela posição especial em que se achara ao fazer-se moça.

        Pensava ela que não tinha nenhum direito a ser amada por Seixas; pois toda a afeição que lhe tivesse, muita ou pouca, era graça que ela recebia. Quando se lembrava que esse amor a poupara à degradação de um casamento de conveniência, nome com que se decora o mercado matrimonial, tinha impulsos de adorar a Seixas, como seu Deus e redentor.

        Parecerá estranha essa paixão veemente, rica de heróica dedicação, que entretanto assiste calma, quase impassível, ao declínio do afeto com que lhe retribuía o homem amado, e se deixa abandonar, sem proferir um queixume, nem fazer um esforço para reter a ventura que foge.

        Esse fenômeno devia ter uma razão psicológica, de cuja investigação nos abstemos; porque o coração, e ainda mais o da mulher que é toda ela, representa o caos do mundo moral. Ninguém sabe que maravilhas ou que monstros vão surgir desses limbos.

        Suspeito eu porém que a explicação dessa singularidade já ficou assinalada. Aurélia amava mais seu amor do que seu amante; era mais poeta do que mulher; preferia o ideal ao homem.

        [...].

ALENCAR, José de. Senhora. 24. ed. São Paulo, Ática, 1994. p. 97. (Série Bom Livro).

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 209.

Entendendo o romance:

01 – Como Aurélia se sente em relação à ausência de Fernando?

      Aurélia percebe que Fernando se distancia, mas não o questiona. Ela tenta evitar o assunto, demonstrando uma mistura de resignação e orgulho ferido.

02 – Qual a visão de Aurélia sobre o amor?

      Aurélia tem uma visão singular do amor, influenciada por sua situação incomum. Ela vê o afeto de Fernando como uma graça, algo que ela não tem o direito de exigir.

03 – Por que Aurélia sente gratidão por Fernando?

      Aurélia é grata a Fernando porque o amor dele a salvou de um casamento de conveniência, que ela considera uma forma de degradação.

04 – Como o narrador descreve a reação de Aurélia ao declínio do amor de Fernando?

      O narrador descreve a reação de Aurélia como calma e impassível, sem queixas ou tentativas de reter a felicidade que se esvai.

05 – Qual a explicação do narrador para o comportamento de Aurélia?

      O narrador sugere que Aurélia ama mais o ideal do amor do que o próprio Fernando. Ela é mais poeta do que mulher, preferindo a idealização à realidade.

06 – O que o narrador quis dizer com a frase “Aurélia amava mais seu amor do que seu amante; era mais poeta do que mulher; preferia o ideal ao homem.”?

      Essa frase resume a complexidade da personagem Aurélia. Ela valoriza mais a ideia romântica do amor do que o relacionamento real com Fernando Seixas. Para ela, o amor é uma idealização, uma poesia, e a realidade do relacionamento com Fernando não atende às suas expectativas.

07 – O que o autor quis dizer com a frase “...o coração, e ainda mais o da mulher que é toda ela, representa o caos do mundo moral. Ninguém sabe que maravilhas ou que monstros vão surgir desses limbos.”?

      Essa frase reflete a visão do autor sobre a complexidade e a imprevisibilidade do coração humano, especialmente o da mulher. O autor sugere que o coração feminino é um mistério profundo, capaz de gerar tanto sentimentos nobres quanto obscuros.

 

ROMANCE: A ESCRAVA ISAURA - CAP. 9 - FRAGMENTO - BERNARDO GUIMARÃES - COM GABARITO

 Romance: A escrava Isaura cap. 9 – Fragmento

                 Bernardo Guimarães

        [...]; que necessidade tenho eu de pedir aquilo que de direito me pertence? Lembra-te, escrava ingrata e rebelde, que em corpo e alma me pertences, a mim só e a mais ninguém. És propriedade minha; um vaso, que tenho entre as minhas mãos e que posso usar dele ou despedaçá-lo a meu sabor,

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgFo0RsRDchcd-2CCdgvxMy2XW_5kW4Ifppk1k9E9LZy2CLJWzXdTPm786CNy2G1Jrcf1-yzrPyN4TdwxtZt7vX3mo80es0gaGzf5eoy4sWa8pAJhiuuPBRGEZxOyJUdQl6NhWZkMviVJF1OByZ792gktMhjPoQLiZP518zK3iLtswhlwX7FJkhJ2A5Q9Y/s320/a-escrava-isaura_capa1-6aa52c184dc0a3b72617307311286198-640-0.jpg


        -- Pode despedaçá-lo, meu senhor; bem o sei; mas, por piedade, não queira usar dele para fins impuros e vergonhosos. A escrava também tem coração, e não é dado ao senhor querer governar os seus afetos.

        -- Afetos!... quem fala aqui em afetos?! Podes acaso dispor deles?...

        -- Não, por certo, meu senhor; o coração é livre; ninguém pode escravizá-lo, nem o próprio dono.

        -- Todo o teu ser é escravo; teu coração obedecerá, e se não cedes de bom grado, tenho por mim o direito e a força... mas para quê? para te possuir não vale a pena empregar esses meios extremos. Os instintos do teu coração são rasteiros e abjetos como a tua condição; para te satisfazer far-te-ei mulher do mais vil, do mais hediondo de meus negros.

        -- Ah! senhor! bem sei de quanto é capaz. Foi assim que seu pai fez morrer de desgosto e maus-tratos a minha pobre mãe; já vejo que me é destinada a mesma sorte. Mas fique certo de que não me faltarão nem os meios nem a coragem para ficar para sempre livre do senhor e do mundo.

        -- Oh! – exclamou Leôncio com satânico sorriso, – já chegaste a tão subido grau de exaltação e romantismo!... isto em uma escrava não deixa de ser curioso. Eis o proveito que se tira de dar educação a tais criaturas! Bem mostras que és uma escrava, que vives de tocar piano e ler romances. Ainda bem que me preveniste; eu saberei gelar a ebulição desse cérebro escaldado. Escrava rebelde e insensata, não terás mãos nem pés para pôr em prática teus sinistros intentos. Olá, André, – bradou ele e apitou com força no cabo do seu chicote.

        [...]

        Neste momento chega André trazendo o tronco e as algemas, que deposita sobre um banco, e retira-se imediatamente.

        Ao ver aqueles bárbaros e aviltantes instrumentos de suplício turvaram-se os olhos a Isaura, o coração se lhe enregelou de pavor, as pernas lhe desfaleceram, caiu de joelhos e debruçando-se sobre o tamborete, em que fiava, desatou uma torrente de lágrimas.

        -- Alma de minha sinhá velha! – exclamou com voz entrecortada de soluços – valei-me nestes apuros; valei-me lá do céu, onde estais, como me valíeis cá na Terra.

        -- Isaura, – disse Leôncio com voz áspera apontando para os instrumentos de suplício, – eis ali o que te espera, se persistes em teu louco emperramento. Nada mais tenho a dizer-te; deixo-te livre ainda, e fica-te o resto do dia para refletires. Tens de escolher entre o meu amor e o meu ódio. Qualquer dos dois, tu bem sabes, são violentos e poderosos. Adeus!...

        [...]

GUIMARÃES, Bernardo. A escrava Isaura. 20. ed. São Paulo, Ática, 1994. p. 54-56. (Série Bom Livro).

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 205-206.

Entendendo o romance:

01 – Qual a reivindicação de Leôncio sobre Isaura?

      Leôncio reivindica que Isaura pertence a ele de corpo e alma, sendo sua propriedade e estando sob seu total domínio.

02 – Como Isaura responde à reivindicação de Leôncio?

      Isaura reconhece que Leôncio tem poder sobre seu corpo, mas apela para sua piedade, pedindo que ele não a use para fins impuros e afirmando que seu coração é livre.

03 – Qual a reação de Leôncio à afirmação de Isaura sobre a liberdade do coração?

      Leôncio ignora a afirmação de Isaura, insistindo que todo o ser dela é escravo e que seu coração deve obedecer às suas vontades.

04 – Qual a ameaça de Leôncio para Isaura caso ela não ceda às suas vontades?

      Leôncio ameaça Isaura dizendo que a fará esposa do mais vil de seus escravos para humilhá-la.

05 – Como Isaura reage às ameaças de Leôncio?

      Isaura expressa que conhece a crueldade de Leôncio, comparando-o ao pai dele, e afirma que preferirá a morte à submissão.

06 – Qual a reação de Leôncio ao ouvir as palavras de Isaura?

      Leôncio zomba de Isaura, chamando-a de romântica e rebelde, e ameaça usar punições físicas para controlá-la.

07 – Qual o ultimato de Leôncio para Isaura?

      Leôncio dá a Isaura o resto do dia para escolher entre seu amor e seu ódio, afirmando que ambos são violentos e poderosos.

 

ROMANCE: O GUARANI - SEGUNDA PARTE - FRAGMENTO - JOSÉ DE ALENCAR - COM GABARITO

 Romance: O Guarani – Segunda parte – Fragmento 

                 José de Alencar

        Peri – VIII – O BRACELETE

        O que Cecília viu, debruçando-se à janela, gelou-a de espanto e horror.

        De todos os lados surgiam répteis enormes que, fugindo pelos alcantis, lançavam-se na floresta; as víboras escapavam das fendas dos rochedos, e aranhas venenosas suspendiam-se aos ramos das árvores pelos fios da teia.

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        No meio do concerto horrível que formava o sibilar das cobras e o estrídulo dos grilos, ouvia-se o canto monótono e tristonho da cauã no fundo do abismo.

        O índio tinha desaparecido; apenas se via o reflexo da luz do facho.

        Cecília, pálida e trêmula julgava impossível que Peri não estivesse morto e já quase devorado por esses monstros de mil formas; chorava o seu amigo perdido, e balbuciava preces pedindo a Deus um milagre para salvá-lo.

        Às vezes fechava os olhos para não ver o quadro terrível que se desenrolava diante dela, e abria-os logo para perscrutar o abismo e descobrir o índio.

        Em um desses momentos um dos insetos que pululavam no meio da folhagem agitada esvoaçou, e veio pousar no seu ombro; era uma esperança, um desses lindos coleópteros verdes que a poesia popular chama lavandeira-de-deus.

        A alma nos momentos supremos de aflição suspende-se ao fio o mais tênue da esperança; Cecília sorriu-se entre as lágrimas, tomou a lavandeira entre os seus dedos rosados e acariciou-a.

        Precisava esperar; esperou, reanimou-se, e pôde preferir uma palavra ainda com a voz trêmula e fraca:

        — Peri!

        No curto instante que sucedeu a este chamado, sofreu uma ansiedade cruel; se o índio não respondesse, estava morto; mas Peri falou:

        — Espera, senhora!

        Entretanto, apesar da alegria que lhe causaram estas palavras, pareceu à menina que eram pronunciadas por um homem que sofria: a voz chegou-lhe ao ouvido surda e rouca.

        — Estás ferido? perguntou inquieta.

        Não houve resposta; um grito agudo partiu do fundo do abismo, e ecoou pelas fráguas; depois a cauã cantou de novo, e uma cascavel silvando bravia passou seguida por uma ninhada de filhos.

        Cecília vacilou; soltando um gemido plangente caiu desmaiada de encontro à almofada da janela.

        Quando, passado um quarto de hora, a menina abriu os olhos, viu diante dela Peri que chegava naquele momento, e lhe apresentava sorrindo uma bolsa de malha de retrós, dentro da qual havia uma caixinha de velado escarlate.

        Sem se importar com a joia, Cecília ainda impressionada pelo quadro horrível que presenciara, tomou as mãos do índio e perguntou-lhe com sofreguidão:

        — Não estás mordido, Peri?... Não sofres?... Dize!

        O índio olhou-a admirado do susto que via no seu semblante.

        — Tiveste medo, senhora?

        — Muito! exclamou a menina.

        O índio sorriu.

        — Peri é um selvagem, filho das florestas; nasceu no deserto, no meio das cobras; elas conhecem Peri e o respeitam.

        O índio dizia a verdade; o que acabava de fazer era a sua vida de todos os dias no meio dos campos: não havia nisto o menor perigo.

        Tinha-lhe bastado a luz do seu facho e o canto da cauã que ele imitava perfeitamente para evitar os répteis venenosos que são devorados por essa ave. Com este simples expediente de que os selvagens ordinariamente se serviam quando atravessavam as matas de noite, Peri descera e tivera a felicidade de encontrar presa aos ramos de uma trepadeira a bolsa de seda, que adivinhou ser o objeto dado por Álvaro.

        Soltou então um grito de prazer que Cecília tomou por grito de dor: assim como antes tinha tomado o eco do precipício por uma voz cava e surda.

        Entretanto Cecília que não podia compreender como um homem passava assim no meio de tantos animais venenosos sem ser ofendido por eles, atribuía a salvação do índio a um milagre, e considerava a ação simples e natural que acabava de praticar como um heroísmo admirável. A sua alegria por ver Peri livre de perigo, e por ter nas suas mãos a prenda de Álvaro foi tal, que esqueceu tudo o que se tinha passado.

        [...].

ALENCAR, José de. O guarani. 24. ed. São Paulo, Ática, 1999. p. 1225-126. (Série Bom Livro).

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 203-204.

Entendendo o romance:

01 – Qual a reação de Cecília ao observar a cena na janela?

      Cecília fica gelada de espanto e horror ao ver répteis enormes surgindo de todos os lados e se lançando na floresta.

02 – O que Cecília pensa ter acontecido com Peri?

      Cecília acredita que Peri está morto e sendo devorado pelos monstros, devido à visão terrível que presenciou.

03 – Qual o símbolo de esperança que surge para Cecília em meio ao desespero?

      Uma esperança, um inseto verde chamado lavadeira-de-deus, pousa no ombro de Cecília, trazendo-lhe um fio de esperança.

04 – Como Peri consegue encontrar e recuperar a joia de Álvaro?

      Peri utiliza seu conhecimento da floresta e imita o canto da cauã para afastar os répteis venenosos, encontrando a bolsa de seda presa aos ramos de uma trepadeira.

05 – Qual a reação de Cecília ao ver Peri retornar?

      Cecília fica aliviada e preocupada com a segurança de Peri, perguntando se ele foi mordido ou ferido.

06 – Como Peri explica sua capacidade de andar ileso entre os animais venenosos?

      Peri explica que, como um selvagem filho das florestas, ele nasceu no meio das cobras, que o conhecem e o respeitam.

07 – Qual a interpretação de Cecília sobre a ação de Peri?

      Cecília, não compreendendo a habilidade de Peri, atribui sua sobrevivência a um milagre e considera sua ação um ato de heroísmo admirável.

 

ROMANCE: INOCÊNCIA - CAP. VI - FRAGMENTO - VISCONDE DE TAUNAY - COM GABARITO

 Romance: Inocência cap. VI – Fragmento

                 Visconde de Taunay

        [...]

        Quando Cirino penetrou no quarto da filha do mineiro, era quase noite, de maneira que, no primeiro olhar que atirou ao redor de si, só pode lobrigar, além de diversos trastes de formas antiquadas, uma dessas camas, muito em uso no interior; altas e largas, feitas de tiras de couro engradados. Estava encostada a um canto, e nela havia uma pessoa deitada.

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        Mandara Pereira acender uma vela de sebo. Vinda a luz, apro­ximaram-se ambos do leito da enferma que, achegando ao corpo e puxando para debaixo do queixo uma coberta de algodão de Minas, se encolheu toda, e voltou-se para os que entravam.

        -- Está aqui o doutor, disse-lhe Pereira, que vem curar-te de vez.

        -- Boas noites, dona, saudou Cirino.

        Tímida voz murmurou uma resposta, ao passo que o jovem, no seu papel de médico, se sentava num escabelo junto à cama e to­mava o pulso à doente.

        Caía então luz de chapa sobre ela, iluminando-lhe o rosto, parte do colo e da cabeça, coberta por um lenço vermelho atado por trás da nuca.

        Apesar de bastante descorada e um tanto magra, era Inocência de beleza deslumbrante.

        Do seu rosto irradiava singela expressão de encantadora ingenui­dade, realçada pela meiguice do olhar sereno que, a custo, parecia coar por entre os cílios sedosos a franjar-lhe as pálpebras, e compri­dos a ponto de projetarem sombras nas mimosas faces.

        Era o nariz fino, um bocadinho arqueado; a boca pequena, e o queixo admiravelmente torneado.

        Ao erguer a cabeça para tirar o braço de sob o lençol, descera um nada a camisinha de crivo que vestia, deixando nu um colo de fasci­nadora alvura, em que ressaltava um ou outro sinal de nascença.

        Razões de sobra tinha, pois, o pretenso facultativo para sentir a mão fria e um tanto incerta, e não poder atinar com o pulso de tão gentil cliente.

        -- Então? perguntou o pai.

        -- Febre nenhuma, respondeu Cirino, cujos olhos fitavam com mal disfarçada surpresa as feições de Inocência.

        -- E que temos que fazer?

        -- Dar-lhe hoje mesmo um suador de folhas de laranjeira da terra a ver se transpira bastante e, quando for meia-noite, acordar­-me para vir administrar uma boa dose de sulfato.

        Levantara a doente os olhos e os cravara em Cirino, para seguir com atenção as prescrições que lhe deviam restituir a saúde.

        -- Não tem fome nenhuma, observou o pai; há quase três dias que só vive de beberagens. É uma ardência continua, isto até nem parecem maleitas.

        -- Tanto melhor, replicou o moço; amanhã verá que a febre lhe sai do corpo, e daqui a uma semana sua filha está de pé com certeza. Sou eu que lhe afianço.

        -- Fale o doutor pela boca de um anjo, disse Pereira com alegria.

        -- Hão de as cores voltar logo, continuou Cirino.

        Ligeiramente enrubesceu Inocência e descansou a cabeça no tra­vesseiro.

        -- Por que amarrou esse lenço? perguntou em seguida o moço.

        -- Por nada, respondeu ela com acanhamento.

        -- Sente dor de cabeça?

        -- Nhor-não.

        -- Tire-o, pois: convém não chamar o sangue; solte pelo con­trário, os cabelos.

        Inocência obedeceu e descobriu uma espessa cabeleira, negra como o âmago da cabiúna e que em liberdade devia cair até abaixo da cintura. Estava enrolado em bastas tranças, que davam duas voltas inteiras ao redor do cocoruto­.

        -- É preciso, continuou Cirino, ter de dia o quarto arejado e pôr a cama na linha do nascente ao poente.

        [...].

TAUNAY, Visconde de. Inocência. 28. ed. São Paulo, Ática, 1999. p. 39-40. (Série bom livro).

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 195-196.

Entendendo o romance:

01 – Como era o quarto de Inocência quando Cirino chegou?

      O quarto era simples, com móveis antigos e uma cama alta de couro. Estava escuro, e Inocência estava deitada na cama.

02 – Qual a reação de Inocência à chegada de Cirino?

      Inocência se encolheu na cama e respondeu timidamente ao cumprimento de Cirino.

03 – Como Cirino descreve a beleza de Inocência?

      Cirino descreve Inocência como tendo uma beleza deslumbrante, com um rosto que irradiava ingenuidade e meiguice, olhos serenos, nariz fino, boca pequena e queixo bem torneado.

04 – Qual a reação de Cirino ao examinar Inocência?

      Cirino fica tão admirado com a beleza de Inocência que tem dificuldade em encontrar seu pulso, demonstrando um certo nervosismo.

05 – Quais os sintomas que Inocência apresenta, segundo seu pai?

      Inocência não tem fome e vive apenas de beberagens, sentindo uma ardência contínua.

06 – Quais as prescrições de Cirino para o tratamento de Inocência?

      Cirino prescreve um suador de folhas de laranjeira para Inocência transpirar e uma dose de sulfato à meia-noite. Ele também recomenda que o quarto seja arejado e a cama posicionada de leste a oeste.

07 – Qual a reação de Inocência ao ter seus cabelos soltos por Cirino?

      Inocência obedece timidamente ao pedido de Cirino e revela uma espessa cabeleira negra, que chama a atenção do rapaz.