Romance: Inocência cap. VI –
Fragmento
Visconde de Taunay
[...]
Quando Cirino penetrou no quarto da
filha do mineiro, era quase noite, de maneira que, no primeiro olhar que atirou
ao redor de si, só pode lobrigar, além de diversos trastes de formas
antiquadas, uma dessas camas, muito em uso no interior; altas e largas, feitas
de tiras de couro engradados. Estava encostada a um canto, e nela havia uma
pessoa deitada.
Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDVjnjRscuL8m4OfAKWnkW51xIezFCOAeQ37yjx6YJyry3vbiXeO1hp4SpfnvzQWKLGjcxqElyOewHJM9NUtaSSypB3iioa2PaeNeVpYmHF0j_g0qzNZ-nCPieOozFc3VVEsBMxjnTx3yTjfMs-lF_YEPseWmVZFJHbR8Cos1XFd7NtVzsWEUFG-QEQrk/s320/71mYsWsCrcL._AC_UF1000,1000_QL80_.jpg
Mandara Pereira acender uma vela de
sebo. Vinda a luz, aproximaram-se ambos do leito da enferma que, achegando ao
corpo e puxando para debaixo do queixo uma coberta de algodão de Minas, se
encolheu toda, e voltou-se para os que entravam.
-- Está aqui o doutor, disse-lhe
Pereira, que vem curar-te de vez.
-- Boas noites, dona, saudou Cirino.
Tímida voz murmurou uma resposta, ao
passo que o jovem, no seu papel de médico, se sentava num escabelo junto à cama
e tomava o pulso à doente.
Caía então luz de chapa sobre ela,
iluminando-lhe o rosto, parte do colo e da cabeça, coberta por um lenço
vermelho atado por trás da nuca.
Apesar de bastante descorada e um tanto
magra, era Inocência de beleza deslumbrante.
Do seu rosto irradiava singela
expressão de encantadora ingenuidade, realçada pela meiguice do olhar sereno
que, a custo, parecia coar por entre os cílios sedosos a franjar-lhe as
pálpebras, e compridos a ponto de projetarem sombras nas mimosas faces.
Era o nariz fino, um bocadinho
arqueado; a boca pequena, e o queixo admiravelmente torneado.
Ao erguer a cabeça para tirar o braço
de sob o lençol, descera um nada a camisinha de crivo que vestia, deixando nu
um colo de fascinadora alvura, em que ressaltava um ou outro sinal de
nascença.
Razões de sobra tinha, pois, o pretenso
facultativo para sentir a mão fria e um tanto incerta, e não poder atinar com o
pulso de tão gentil cliente.
-- Então? perguntou o pai.
-- Febre nenhuma, respondeu Cirino,
cujos olhos fitavam com mal disfarçada surpresa as feições de Inocência.
-- E que temos que fazer?
-- Dar-lhe hoje mesmo um suador de
folhas de laranjeira da terra a ver se transpira bastante e, quando for
meia-noite, acordar-me para vir administrar uma boa dose de sulfato.
Levantara a doente os olhos e os
cravara em Cirino, para seguir com atenção as prescrições que lhe deviam
restituir a saúde.
-- Não tem fome nenhuma, observou o
pai; há quase três dias que só vive de beberagens. É uma ardência continua,
isto até nem parecem maleitas.
-- Tanto melhor, replicou o moço;
amanhã verá que a febre lhe sai do corpo, e daqui a uma semana sua filha está
de pé com certeza. Sou eu que lhe afianço.
-- Fale o doutor pela boca de um anjo,
disse Pereira com alegria.
-- Hão de as cores voltar logo,
continuou Cirino.
Ligeiramente enrubesceu Inocência e
descansou a cabeça no travesseiro.
-- Por que amarrou esse lenço?
perguntou em seguida o moço.
-- Por nada, respondeu ela com
acanhamento.
-- Sente dor de cabeça?
-- Nhor-não.
-- Tire-o, pois: convém não chamar o
sangue; solte pelo contrário, os cabelos.
Inocência obedeceu e descobriu uma
espessa cabeleira, negra como o âmago da cabiúna e que em liberdade devia cair
até abaixo da cintura. Estava enrolado em bastas tranças, que davam duas voltas
inteiras ao redor do cocoruto.
-- É preciso, continuou Cirino, ter de
dia o quarto arejado e pôr a cama na linha do nascente ao poente.
[...].
TAUNAY, Visconde de.
Inocência. 28. ed. São Paulo, Ática, 1999. p. 39-40. (Série bom livro).
Fonte: Português. Série
novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão.
Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 195-196.
Entendendo o romance:
01 – Como era o quarto de
Inocência quando Cirino chegou?
O quarto era
simples, com móveis antigos e uma cama alta de couro. Estava escuro, e
Inocência estava deitada na cama.
02 – Qual a reação de
Inocência à chegada de Cirino?
Inocência se encolheu na cama e respondeu timidamente ao
cumprimento de Cirino.
03 – Como Cirino descreve a
beleza de Inocência?
Cirino descreve
Inocência como tendo uma beleza deslumbrante, com um rosto que irradiava
ingenuidade e meiguice, olhos serenos, nariz fino, boca pequena e queixo bem
torneado.
04 – Qual a reação de Cirino
ao examinar Inocência?
Cirino fica tão admirado com a beleza de
Inocência que tem dificuldade em encontrar seu pulso, demonstrando um certo
nervosismo.
05 – Quais os sintomas que
Inocência apresenta, segundo seu pai?
Inocência não tem fome e vive apenas de
beberagens, sentindo uma ardência contínua.
06 – Quais as prescrições de
Cirino para o tratamento de Inocência?
Cirino prescreve
um suador de folhas de laranjeira para Inocência transpirar e uma dose de
sulfato à meia-noite. Ele também recomenda que o quarto seja arejado e a cama
posicionada de leste a oeste.
07 – Qual a reação de
Inocência ao ter seus cabelos soltos por Cirino?
Inocência obedece
timidamente ao pedido de Cirino e revela uma espessa cabeleira negra, que chama
a atenção do rapaz.