domingo, 25 de agosto de 2024

ENTREVISTA: "CHEGA DE 'DICAS PARA SE TORNAR MAIS SUSTENTÁVEL"', DIZ CRISTAL MUNIZ - MILENE CHAVES - COM GABARITO

 Entrevista: Chega de ‘dicas para se tornar mais sustentável’”, diz Cristal Muniz – Fragmento

          Milene Chaves – Colaboração para Universa – 05/06/2019 12h29

        Chega de dicas? A catarinense Cristal Muniz, ativista do movimento lixo zero no Brasil, entende que é preciso dar uma reciclada nos assuntos e aproveitar este 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, para ir além daquela lista de dicas com jeito de enlatada, que surge na data e costuma incluir as palavras ecobag e canudo de metal como solução imediata para todos os problemas ecológicos. "É hora de elevar o debate e parar de subestimar as pessoas", defende. "Vamos começar a discutir que impactos causamos no mundo, e como podemos mudar isso”.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikpmeoDuH2ihSfjUE419Pjw2U9TWNTdV1rCQOR6qS6bWfVCbMaYuli-O-dDUsL2-pRpUU7E3hnoBXXnsO7ntE2NEO70VfqQHLLlilmXuD4x6kCbhFniQSQqjjHsBYywXKRIdWzzI_6jonOcClkY5TzygFiMhc7bJTZY4groW9b1UJKmZvytMxqljjqVDM/s320/SUSTENTAVEL.jpg


        Em entrevista a Universa, Cristal, de 27 anos, conta que foi uma criança criada para ser consciente, do tipo que separava o lixo e usava um produto até o fim antes de jogá-lo fora. Mas algo clicou quando ela entrou em contato com o conteúdo da blogueira norte-americana Lauren Singer e tomou conhecimento do movimento que pretende zerar o lixo em casa -- ou, ao menos, diminuir intensamente seu volume -- por meio da eliminação do desperdício, do consumo de plástico, de produtos com aditivos químicos. Em 2015, criou o blog "Um Ano Sem Lixo" para compartilhar experiências no processo de adesão ao movimento.

        [...] A entrevista que você lê abaixo [...] não tem dica fácil, mas provoca uma boa reflexão.

        Em 2019, quais questões o Dia Mundial do Meio Ambiente deve suscitar?

        Ainda estamos pensando em "dicas para se tornar mais sustentável", mas já falamos tanto disso que se tornou repetitivo. Precisamos elevar o debate; começar a discutir que impactos causamos no mundo, e como podemos mudar isso. [...]

        Que responsabilidade o governo, as empresas e os consumidores têm sobre o lixo?

        A Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, diz que a responsabilidade é compartilhada, portanto é do governo, das empresas e dos consumidores. Porém, para fazer a nossa parte, dependemos de ações dessas esferas maiores. As empresas devem informar nas embalagens qual é o descarte adequado, além de aplicar políticas de logística reversa [quando o fabricante recolhe o resíduo descartado pelo consumidor], especialmente para produtos que não vão para a coleta comum. Também é preciso que os municípios ofereçam a coleta seletiva, hoje presente em apenas 18% das cidades do País. Se o lugar onde compramos uma lâmpada oferece a coleta de lâmpadas, por exemplo, isso estimula o consumidor a fazer a sua parte. Quando essa estrutura não existe, as pessoas precisam se responsabilizar 100% pelo resíduo.

        Quais são os erros mais comuns a respeito do descarte do lixo?

        Produzimos em casa três grupos de lixo: os recicláveis, como papel, metal e vidro; os orgânicos, que são as cascas de alimentos, e que podem ir para a compostagem para virar adubo, e os rejeitos, que não podem ser reciclados nem compostados. Se déssemos o tratamento adequado aos diferentes lixos, apenas a última categoria seria enviada aos aterros. Mas ainda há uma grande quantidade de pessoas que simplesmente não separa o lixo. Outra questão é não dar o destino certo a itens que são aproveitáveis, mas que não entram no caminhão da coleta comum: pilhas, baterias e eletrônicos devem ir para pontos específicos de coleta. Não tem mágica; não basta apenas colocar um resíduo na sacola de recicláveis e dar por garantido que aquilo terá destino certo.

        Que produtos contêm plástico e a maioria das pessoas nem desconfia?

        Fiquei chocada quando descobri que pastas de dente e esfoliantes de pele contêm microplásticos, que cumprem a função de abrasão. São os polietilenos que se lê no rótulo. Essas microesferas escapam do tratamento de esgoto pois não há filtro que consiga bloqueá-las. O plástico absorve radioatividade e agrotóxicos, por exemplo, e vai carregando essas substâncias por onde passa. Amostras de torneira de água potável pelo mundo revelaram alto teor de plástico, que vêm das microesferas, mas também de microfibras de plástico que se soltam desses produtos de beleza e de tecidos sintéticos. Até sal pode ter plástico, é meio desesperador.

        Qual é o primeiro item que, urgentemente, deveríamos parar de consumir?

        O plástico tem se mostrado o mais problemático. De qualquer forma, deveríamos parar de consumir do jeito que consumimos. Nada será extremamente nocivo se o consumo for consciente. Se usarmos o produto até o final, se fizermos o uso adequado dele, se pensarmos na sua criação e descarte, aproveitando 100% da matéria-prima, aí não tem vilão. Temos casas abarrotadas e mais coisas do que somos capazes de usar. Se repensarmos desde o desperdício da comida até a compra de novos itens, questionando o modelo de ter e comprar cada vez mais, vamos melhorar a questão.

        [...].

CHAVES, Milene. “Chega de ‘dicas para se tornar mais sustentável’”, diz Cristal Muniz. UOL, 5 jun. 2019. Disponível em: www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/06/05/chega-de-dicas-para-se-tornar-mais-sustentavel-diz-cristal-muniz.htm. Acesso em: 20 jul. 2020.

Fonte: Linguagens em Interação – Língua Portuguesa – Ensino Médio – Volume Único – Juliana Vegas Chinaglia – 1ª edição, São Paulo, 2020 – IBEP – p. 169-170.

Entendendo a entrevista:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Ecobag: sacola retornável feita de pano ou outros materiais recicláveis, em substituição à sacola plástica.

·        Aditivo químico: ingrediente adicionado intencionalmente para modificar as características de um produto.

·        Compostagem: técnica utilizada para transformar restos orgânicos (como sobras de alimento, por exemplo) em adubo.

·        Polietileno: tipo de plástico.

02 – Por que Cristal Muniz critica as "dicas para se tornar mais sustentável"?

      Cristal Muniz acredita que as dicas de sustentabilidade, como o uso de ecobags e canudos de metal, se tornaram repetitivas e superficiais. Ela defende que o debate precisa ser elevado para discutir os impactos reais que causamos no mundo e como podemos mudá-los de maneira mais profunda e consciente.

03 – Qual é a responsabilidade do governo, das empresas e dos consumidores em relação ao lixo, segundo Cristal Muniz?

      Cristal Muniz destaca que, de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a responsabilidade sobre o lixo é compartilhada entre governo, empresas e consumidores. No entanto, para que os consumidores possam fazer sua parte, é necessário que o governo e as empresas implementem políticas adequadas, como a coleta seletiva e a logística reversa.

04 – Quais são os erros mais comuns que as pessoas cometem ao descartar o lixo?

      Muitos não separam corretamente o lixo em recicláveis, orgânicos e rejeitos. Além disso, há um erro em não dar o destino correto a itens como pilhas, baterias e eletrônicos, que exigem pontos específicos de coleta. Cristal ressalta que simplesmente colocar algo na sacola de recicláveis não garante que ele terá o destino certo.

05 – Que produtos contêm plástico e que a maioria das pessoas desconhece?

      Cristal menciona que produtos como pastas de dente e esfoliantes de pele contêm microplásticos, que são usados para abrasão. Esses microplásticos, como polietilenos, não são filtrados no tratamento de esgoto e acabam contaminando a água potável e até o sal.

06 – Qual é o primeiro item que deveríamos parar de consumir urgentemente, segundo Cristal Muniz?

      Cristal aponta o plástico como o item mais problemático, mas enfatiza que o problema maior é o consumo desenfreado. Ela sugere que devemos consumir de forma consciente, usando os produtos até o fim e aproveitando ao máximo a matéria-prima, repensando nosso modelo de consumo.

07 – Como Cristal Muniz se envolveu com o movimento lixo zero?

      Cristal Muniz foi criada para ser consciente em relação ao meio ambiente, mas seu envolvimento com o movimento lixo zero começou após entrar em contato com o conteúdo da blogueira norte-americana Lauren Singer. Inspirada por esse movimento, ela criou em 2015 o blog "Um Ano Sem Lixo" para compartilhar suas experiências e aderir ao movimento.

08 – O que Cristal Muniz sugere para elevar o debate sobre sustentabilidade no Dia Mundial do Meio Ambiente?

      Ela sugere que, ao invés de focar em dicas superficiais, devemos discutir os impactos que causamos no mundo e como podemos mudá-los. Cristal acredita que é necessário parar de subestimar as pessoas e começar a refletir sobre mudanças mais profundas em nosso comportamento e consumo.

 

REPORTAGEM CIENTÍFICA: O QUE DIZEM OS CIENTISTAS SOBRE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS? (FRAGMENTO) - COM GABARITO

 Reportagem científica: O que dizem os cientistas sobre as mudanças climáticas? – Fragmento

        Segundo relatório do IPCC, o planeta está atingindo temperaturas críticas, que podem afetar desde paisagens naturais a sistemas econômicos e humanos

        Divulgado em agosto [de 2019], o relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês) apontou uma situação alarmante: se o aumento de temperatura da Terra passar de 2ºC enfrentaremos crises ambientais alarmantes nos próximos anos. Oriundas de processos naturais, as mudanças climáticas passaram a ocorrer com mais frequência devido à interferência humana, iniciada com o processo de industrialização.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifgAOtCAVg4TGTE4Cs1KK5d2TdHX0rrK-V6otuj-l6udQ-Ebg4hcN-feuCqVuER0f7esxNnB36Yyl5U3KW0Vz3BnDQF-ZQ9K62fbqIRja5BpI0iQjBgQh9O33Ru-QiaPJTYCia6PVV_RwNIYZaMoaTCqirAhN3TK2V4b1W12a0Ux2lcS-WA6Yo0Oc9c9o/s320/CLIMA.jpg


        “Quando falamos de mudanças climáticas, englobamos tanto aquelas de origem natural quanto as de origem antropogênica”, explica Paola Bueno, meteorologista e mestranda do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP). “[...] [As mudanças] ocorriam de forma muito lenta, ao longo de centenas a milhares de anos. No último século houve aumento abrupto da temperatura média, de forma muito rápida e intensa. E a principal responsável foi a atividade humana, que tem atuado até mais do que as variabilidades naturais”.

        O aumento das temperaturas globais se dá pela intensificação do efeito estufa, um fenômeno natural causado por moléculas – como CO2, H2O e CH4 – que absorvem radiação solar infravermelha, transferindo e aquecendo as camadas atmosféricas mais baixas. De acordo com o físico e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Renato Ramos, [...] “É possível observar essa tendência de aquecimento ao longo do tempo pelo aumento das temperaturas meteorológicas, pela diminuição da quantidade de gelo nos polos (derretimento), por dados coletados pelas boias marinhas etc.”.

        Por conta desse cenário, esforços internacionais estão dando origem a tratados, como o Acordo de Paris, para tentar conter as temperaturas globais. [...].

        Os acordos, metas e tratados internacionais são elaborados com base nos relatórios do IPCC, órgão da ONU responsável por analisar e sintetizar as informações obtidas por diversos estudos e modelos climáticos. As produções mais recentes são um documento de 2018 sobre as tendências de temperaturas do aquecimento global, e outro de 2019 acerca dos impactos no oceano e na criosfera.

        O relatório especial de 2018, dedicado ao aquecimento global, [...] estimou que as atividades humanas causaram cerca de 1°C de aquecimento global acima dos níveis pré-industriais. Além disso, é provável que as temperaturas atinjam 1,5°C entre os anos 2030 e 2052, caso continuem a aumentar no ritmo atual.

        O estudo também listou que os riscos atuais associados ao clima, tanto para os sistemas naturais como para a humanidade, dependem da magnitude e do ritmo de aquecimento, da localização geográfica, dos níveis de desenvolvimento e de vulnerabilidade, além da implementação de opções de adaptação e mitigação. Para os cientistas responsáveis pelo documento, atingir e sustentar níveis zero de emissões globais de gases do efeito estufa (GEE) interromperiam o aquecimento global antrópico, mas ainda assim a acumulação de emissões persistirá por séculos e milênios, e continuará causando mudanças a longo prazo no sistema climático.

        [...] Para o cientista [Paulo Nobre, Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] o processo de dúvida sobre as mudanças climáticas também é consequência de um discurso publicado sem respaldo científico. “[...] Nos invernos muito mais rigorosos, particularmente na Europa e nos Estados Unidos, alguns tabloides publicaram fotos daquele montão de neve e perguntaram: cadê as mudanças climáticas? E o aquecimento global? Mas [...] ficaram quietos quando viram aquelas ondas de calor que mataram milhares de pessoas na França, depois na Rússia, ou os incêndios florestais [...]”.

        O especialista conclui [...]. “[...] A sociedade tem o pensamento de que a Terra é muito grande, e não vai acabar, mas esse modo de viver, multiplicado por 8 bilhões de pessoas, exaure a quantidade de água potável, e materiais disponíveis. A chamada sociedade de consumo não é uma sociedade durável”.

REVADAM, Rafael; LIMA, Júlia Ramos de; SILVA, Adriele Eunice da. O que dizem os cientistas sobre as mudanças climáticas? ComCiência, 11 nov. 2019. Disponível em: http://www.comciencia.br/0-que-dizem-os-cientistas-sobre-as-mudancas-climaticas. Acesso em: 30 ago. 2020.

Fonte: Linguagens em Interação – Língua Portuguesa – Ensino Médio – Volume Único – Juliana Vegas Chinaglia – 1ª edição, São Paulo, 2020 – IBEP – p. 141-143.

Entendendo a reportagem:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Antrópico: relativo à ação do ser humano.

·        Antropogênico: ação ou fator causado pela ação do ser humano, diferente das causas naturais, sobre o planeta.

·        CO2, H2O e CH4: as siglas são, respectivamente, de moléculas de dióxido de carbono, vapor de água e metano.

·        Criosfera: camada da superfície terrestre, formada pela água que se encontra permanentemente no estado sólido.

·        Mitigação: ação de aliviar.

·        Modelo climático: técnica metodológica que usa métodos quantitativos para simular as interações da atmosfera e entender as dinâmicas do clima do presente e do passado ou projetar cenários climáticos do futuro.

02 – O que o relatório do IPCC divulgado em agosto de 2019 alerta sobre as mudanças climáticas?

      O relatório aponta que o planeta está atingindo temperaturas críticas, e se o aumento de temperatura global ultrapassar 2ºC, enfrentaremos crises ambientais graves nos próximos anos.

03 – Como a atividade humana tem influenciado as mudanças climáticas?

      Segundo a meteorologista Paola Bueno, a atividade humana, principalmente após o processo de industrialização, acelerou drasticamente o aumento da temperatura média global, superando as variações naturais que ocorriam ao longo de centenas a milhares de anos.

04 – O que é o efeito estufa e como ele está relacionado ao aumento das temperaturas globais?

      O efeito estufa é um fenômeno natural em que moléculas como CO2, H2O e CH4 absorvem radiação solar infravermelha, aquecendo as camadas mais baixas da atmosfera. A intensificação desse efeito, devido às atividades humanas, é responsável pelo aumento das temperaturas globais.

05 – Quais são alguns dos sinais observáveis do aquecimento global mencionados no fragmento?

      O aquecimento global pode ser observado pelo aumento das temperaturas meteorológicas, pela diminuição da quantidade de gelo nos polos, e por dados coletados por boias marinhas, entre outros indicadores.

06 – Qual é a importância dos tratados internacionais, como o Acordo de Paris, no contexto das mudanças climáticas?

      Tratados internacionais, como o Acordo de Paris, são essenciais para tentar conter as temperaturas globais, e são baseados nos relatórios do IPCC, que sintetizam informações de diversos estudos e modelos climáticos.

07 – Qual foi a estimativa do relatório de 2018 do IPCC sobre o aumento da temperatura global?

      O relatório de 2018 estimou que as atividades humanas já causaram cerca de 1°C de aquecimento global acima dos níveis pré-industriais, e que as temperaturas podem atingir 1,5°C entre 2030 e 2052, se continuarem a aumentar no ritmo atual.

08 – Por que há resistência ou dúvida na sociedade sobre as mudanças climáticas, segundo Paulo Nobre?

      Paulo Nobre aponta que a resistência ou dúvida sobre as mudanças climáticas se deve, em parte, à divulgação de informações sem respaldo científico, como as reportagens de tabloides que questionam o aquecimento global em invernos rigorosos, mas ignoram as ondas de calor e outros eventos extremos que confirmam a mudança climática.

 

 

ARTIGO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: NOVOS ARRANJOS NOS LARES BRASILEIROS (FRAGMENTO) - RODRIGO DE OLIVIERA ANDRADE - COM GABARITO

 Artigo de divulgação científica: Novos arranjos nos lares brasileiros – Fragmento

        Pesquisa identifica processo de emancipação das mulheres no núcleo familiar a partir da década de 1970 no Brasil

Rodrigo de Oliveira AndradeEdição 263 – jan. 2018

Sociologia

 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDe3nSygb9CsilsN3Rjb76z7txyqRJqTRyXfiBS8MDSuVynbOvOJL-qEw-vz78aBJ_JvUa5Sx1Qjf2jO4EtZU4jwdXBaihtLSdW6U6iA_5TPKojV8w6bXGTGjCVuQnkYCmpTVTukl06iIPqCjPRFUvJmhaT5_2WLFMkc5faeBpEBeLq616f-Uut9OnIdU/s1600/arranjo.jpg

        As transformações do papel da mulher na sociedade brasileira durante o século XX, com conquistas importantes envolvendo o direito ao voto, divórcio, trabalho e à educação, são bastante conhecidas. O que agora começa a ficar evidente é que essas mudanças teriam estimulado um processo de emancipação feminina também na esfera familiar, com destaque para a conquista de autonomia financeira e a redução das taxas de fecundidade, que vêm caindo progressivamente desde os anos 1960. Nos últimos anos, vários pesquisadores se propuseram a analisar esse fenômeno. Um dos trabalhos mais recentes é o da socióloga Nathalie Reis Itaboraí, pesquisadora em estágio de pós-doutorado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj).

        Com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad-IBGE), ela analisou o processo de emancipação das mulheres nas famílias brasileiras entre 1976 e 2012 à luz de uma perspectiva de classe e gênero. O período é marcado por transformações na condição feminina, favorecidas por mudanças na estrutura produtiva, mais oportunidades de educação e trabalho e difusão de novos valores pelos meios de comunicação e pela segunda onda do feminismo, iniciada nos anos 1960 – a primeira se deu na segunda metade do século XIX. “Foi também nessa época que a desigualdade de gênero começou a ser mais debatida no Brasil, sobretudo após a declaração, pelas Nações Unidas, de 1975 como o Ano Internacional das Mulheres e o período de 1976-1985 como a Década da Mulher”, explica a pesquisadora.

        Nathalie é autora do livro Mudanças nas famílias brasileiras (1976-2012): Uma perspectiva de classe e gênero (Garamond), publicado a partir de sua tese de doutorado, vencedora do prêmio de melhor tese de 2016 no concurso da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) de obras científicas e teses universitárias em ciências sociais. No estudo, ela procura ir além dos indicadores de gênero que medem as mudanças na condição feminina na esfera pública (participação no mercado de trabalho, representação política etc.), frequentemente usados para comparar os avanços no Brasil com outros países. Esses indicadores, segundo ela, não contemplam as diferenças entre grupos sociais na sociedade brasileira e o impacto da desigualdade de gênero na família e no trabalho doméstico (o cuidado da casa, dos filhos ou de familiares idosos, por exemplo).



        Para analisar como se deram as transformações na experiência familiar das mulheres em diferentes classes sociais, Nathalie adotou oito tipos de estratos ocupacionais. Eles abarcaram desde trabalhadores rurais (classe 1), mais pobres, a profissionais com nível superior (classe 8), mais abastados. Ainda que as desigualdades entre mulheres de diferentes classes continuem grandes, as análises indicam que o comportamento familiar feminino, independentemente da classe social, mudou na mesma direção nos últimos 40 anos, com avanços significativos quanto à sua autonomia, o que envolve maior controle sobre o próprio corpo, capacidade de gerar renda própria e de controlar esses recursos.

        Até o final da década de 1960, no Brasil, o modelo tradicional de família era marcado por enormes assimetrias entre homens e mulheres. Nos casais, o homem, em geral, era mais velho, mais escolarizado e tinha mais renda. As mulheres trabalhavam apenas enquanto solteiras, abandonando suas atividades após o casamento para se dedicar aos serviços domésticos e cuidar dos filhos. Isso começou a mudar a partir dos anos 1970 (ver entrevista com a demógrafa Elza Berquó na edição 262). Nathalie verificou que a condição das mulheres melhorou em relação a seus cônjuges nesse período. As diferenças de renda diminuíram nos casais, assim como as de idade e de escolaridade.

        Também o arranjo tradicional de família, com o homem como único provedor e a mulher como dona de casa, deixou de ser predominante. Em 1976, o percentual de mulheres casadas de 15 a 54 anos que trabalhavam era de 25,4% na classe dos trabalhadores rurais (classe 1) e de 34,5% entre os profissionais com nível superior (classe 8). Em 2012, esse número subiu para 46,4% e 75,5%, respectivamente. “Ter renda própria ajudou a ampliar a autonomia econômica das mulheres, ainda que para as mais pobres isso signifique apenas reduzir certas privações”, explica a socióloga. Em 1976, o homem era o único provedor em 77% dos casais de trabalhadores rurais e em 63% dos casais de profissionais com nível superior. Em 2012, esse percentual caiu para 50,5% na classe 1 e para 24,1% na classe 8. “Homens e mulheres se tornaram mais parecidos quanto ao engajamento profissional, ainda que as mulheres enfrentem mais obstáculos no mercado de trabalho”, ela destaca.

        Essas conclusões reforçam um fenômeno que há algum tempo vem sendo observado no Brasil. A quantidade de lares chefiados por mulheres aumentou 67% entre 2004 e 2014 no país, segundo dados do IBGE. [...]

        Tendência semelhante foi identificada em 2006 pelo demógrafo Mario Marcos Sampaio, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele é um dos coordenadores de uma pesquisa publicada na revista Bahia Análise & Dados que analisou o processo de emancipação feminina nas regiões metropolitanas brasileiras entre 1990 e 2000. No estudo, eles verificaram que a participação das mulheres na composição da renda familiar brasileira é crescente, no papel de cônjuge ou no de filha.

        Essas mudanças estão relacionadas a um processo lento, mas contínuo, de ampliação das oportunidades de acesso à educação às mulheres, iniciada em 1879, com a promulgação da Reforma Leôncio de Carvalho, que permitiu às mulheres cursar o ensino superior. A partir dos anos 1970 essa ampliação passou a ser acompanhada de uma tendência de melhor desempenho escolar das mulheres em relação aos homens, sobretudo nas famílias mais pobres. Hoje, segundo dados publicados em 2014 pelo IBGE, 12,5% das mulheres com 25 anos ou mais completaram o ensino superior em 2010. A participação masculina no período foi de 9,9%. “Se existe uma estratégia nas classes baixas de escolher um ou mais filhos para seguir estudando, é provável que sejam as meninas, por terem, em média, um melhor desempenho escolar”, afirma Nathalie.

        [...]

        Apesar dos avanços da condição da mulher, muitos obstáculos ainda precisam ser superados. As que trabalham fora de casa ainda recebem 30% menos para ocupações similares exercidas pelos homens, são minoria nos cargos de chefia e direção e assumem as atividades do mercado de trabalho sem renunciar aos afazeres domésticos. Também as mulheres com filhos enfrentam dificuldades para voltar ao mercado de trabalho.

        Outro problema: o tempo gasto pelas mulheres com serviços domésticos em todas as classes sociais tende a ser maior do que o gasto pelos homens. “Meninas de 10 a 14 anos gastam mais tempo com serviço doméstico do que meninos da mesma idade”, diz Nathalie. Esses dados estão alinhados com os divulgados em 2016 no relatório “Harnessing the power of data for girls”, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que indica que garotas entre 5 e 14 anos despendem 40% mais tempo por dia em tarefas domésticas não-remuneradas que os garotos. Em geral, o trabalho das meninas é menos visível e subvalorizado.

Artigos científicos


GARCIA, S. & BELLAMY, M. Assisted Conception Services and Regulation within the brazilian context. JBRA Assisted Reproduction. v. 19, n. 4, p. 198-203. nov. 2015.
BERQUÓ, E. S. et al. 
Reprodução após os 30 anos no estado de São Paulo. Novos Estudos Cebrap. n. 100, p. 9-25. nov. 2014.

Livro
ITABORAÍ, N. R. Mudanças nas famílias brasileiras (1976-2012): Uma perspectiva de classe e gênero. Rio de Janeiro: Garamond, 2016, 480 p.

ANDRADE, Rodrigo de Oliveira. Novos arranjos nos lares brasileiros. Pesquisa Fapesp, São Paulo, ed. 263, jan. 2018. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/novos-arranjos-nos-lares-brasileiros. Acesso em: 1º maio 2020.

Fonte: Linguagens em Interação – Língua Portuguesa – Ensino Médio – Volume Único – Juliana Vegas Chinaglia – 1ª edição, São Paulo, 2020 – IBEP – p. 64-66.

Entendendo o artigo:

01 – Quais foram as principais mudanças no papel da mulher na sociedade brasileira durante o século XX?

      As principais mudanças incluíram conquistas como o direito ao voto, ao divórcio, ao trabalho, e à educação, além de um processo de emancipação feminina na esfera familiar.

02 – Como a emancipação feminina se manifestou nas famílias brasileiras a partir dos anos 1970?

      A emancipação feminina se manifestou através da conquista de autonomia financeira pelas mulheres, redução das taxas de fecundidade e mudanças nos arranjos familiares tradicionais, com mais mulheres entrando no mercado de trabalho.

03 – Quais fatores contribuíram para as transformações na condição feminina na sociedade brasileira?

      Contribuíram as mudanças na estrutura produtiva, maior acesso à educação e trabalho, difusão de novos valores pelos meios de comunicação e o impacto da segunda onda do feminismo.

04 – Qual foi o foco da pesquisa realizada por Nathalie Reis Itaboraí?

      Nathalie Reis Itaboraí focou em analisar o processo de emancipação das mulheres nas famílias brasileiras entre 1976 e 2012, considerando as perspectivas de classe e gênero.

05 – Como Nathalie Reis Itaboraí classificou as mulheres em sua pesquisa?

      Ela classificou as mulheres em oito estratos ocupacionais, variando desde trabalhadores rurais (classe 1) até profissionais com nível superior (classe 8).

06 – Quais mudanças ocorreram nas diferenças de renda e escolaridade entre homens e mulheres nos casais brasileiros desde os anos 1970?

      As diferenças de renda, idade e escolaridade entre homens e mulheres nos casais diminuíram, com as mulheres ganhando mais autonomia e engajamento profissional.

07 – Como a participação das mulheres no mercado de trabalho impactou a estrutura familiar brasileira?

      A maior participação das mulheres no mercado de trabalho contribuiu para o aumento de lares chefiados por mulheres e uma maior contribuição feminina na composição da renda familiar.

08 – Qual a relação entre o desempenho escolar das mulheres e as mudanças na estrutura familiar?

      O melhor desempenho escolar das mulheres, especialmente nas classes mais baixas, levou a uma maior valorização da educação feminina, contribuindo para as transformações na estrutura familiar.

09 – Quais desafios persistem para as mulheres no mercado de trabalho, segundo o artigo?

      As mulheres ainda enfrentam desafios como receber 30% menos que os homens em ocupações similares, menor representação em cargos de chefia e a dupla jornada de trabalho doméstico e profissional.

10 – Qual a importância do trabalho não remunerado das mulheres e meninas no contexto das desigualdades de gênero?

      O trabalho doméstico não remunerado realizado por mulheres e meninas é subvalorizado e contribui para perpetuar as desigualdades de gênero, com as meninas despendendo mais tempo nessas atividades do que os meninos.

 

 

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

CRÔNICA: BAILES E DIVERTIMENTOS SUBURBANOS - (FRAGMENTO) - LIMA BARRETO - COM GABARITO

 Crônica: Bailes e divertimentos suburbanos – Fragmento

              Lima Barreto

        Há dias, na minha vizinhança, quase em frente à minha casa, houve um baile. Como tinha passado um mês enfurnado na minha modesta residência, que para enfezar Copacabana denominei "Vila Quilombo", pude perceber todos os preparativos da festa doméstica: a matança de leitões, as entradas das caixas de doces, a ida dos assados para a padaria, etc.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxm5j6FqUenOfUoiBCZUQq5rB9wE8wP4u3-Lk7SGq8iLVgY0WC7itUbCmWR69PNDBXfbvtOUhpe5UKoNF7x0ugVWw_SSUjZ7cxa0prmVxQhizPxL8Z8efbAJUdpJ1eX-Q656xZTH_0hK8xkJuXMuHtZZPnGJqJAMevopeIKlwHIzFUoNkY8V46_uCcB4o/s1600/bAILES.jpg


        Na noite do baile, fui deitar-me cedo, como sempre faço quando me resolvo a descansar a sério. Às 9 horas, por aí assim, estava dormindo a sono solto. O baile já havia começado e ainda com algumas polcas repinicadas ao piano. Às 2 e meia, interrompi o sono e estive acordado até às 4 da madrugada, quando acabou o sarau. A não ser umas barcarolas cantadas em italiano, não ouvi outra espécie de música, a não ser polcas adoidadas e violentamente sincopadas, durante todo esse tempo.

        O dia veio se fazer inteiramente. Levantei-me da cama e, dentro em breve, tomava o café matinal em companhia de meus irmãos.

        Perguntei a minha irmã, provocado pela monótona musicaria do baile da vizinhança, se nos dias presentes não se dançavam mais valsas, mazurcas, quadrilhas ou quadras, etc. Justifiquei-lhe o motivo da pergunta.

        — Qual! – disse-me ela. – Não se gosta mais disso... O que apreciam os dançarmos de hoje, são músicas apolcadas, tocadas "a la diable", que servem para dançar o tango, fox-trot, rang-time, e...

        — "Cake-walk"? – perguntei.

        — Ainda não se dança, ou já se dançou; mas agora, está aparecendo um tal de "shimmy".

        [...] O baile, não sei se é, era ou foi, uma instituição nacional, mas tenho certeza de que era profundamente carioca, especialmente suburbano.

        Na escolha da casa, presidia sempre a capacidade da sala de visitas para a comemoração coreográfica das datas festivas da família. Os construtores das casas já sabiam disso e sacrificavam o resto da habitação à sala nobre. Houve quem dissesse que nós fazíamos casa, ou as tínhamos para os outros, porque a melhor peça dela era destinada a estranhos.

        Hoje, porém, as casas minguam em geral, e especialmente, na capacidade dos seus aposentos e cômodos. [...] Isto acontece com as famílias remediadas; com as verdadeiramente pobres, a coisa piora. Ou moram em cômodos ou em casitas de avenidas, que são um pouco mais amplas do que a gaiola dos passarinhos.

        [...]

        Quando fui morar naquelas paragens não havia noite em que voltando tarde para casa, não topasse no caminho com um baile, com um chôro, como se dizia na gíria do tempo. Havia famílias que davam um por mês, fora os extraordinários, e havia também cavalheiros e damas que não faltavam a eles, além de irem a outros de famílias diferentes.

        Eram célebres nos subúrbios, certos rapazes e moças, como tipos de dançarinos domésticos. Conheci alguns, e ouvi muitos falar neles. Lembro-me bem, dentre eles, de uma moça que, às vezes, atualmente ainda encontro, [...]. Chamavam-na Santinha, e tinha uma notoriedade digna de um poeta de "Amor" ou de um gatimanhas de cinematógrafo. [...] A sua especialidade estava na valsa americana que dançava como ninguém. Não desdenhava as outras contradanças, mas a valsa era a sua especialidade. Dos trezentos e sessenta e cinco dias do ano, só nos dias de luto da semana santa e no de finados, não dançava. Em todos os mais, Santinha valsava até de madrugada. [...]

        [...]

        Nesses bailes suburbanos, o mártir era o dono da casa: Seu Nepomuceno começava por não conhecer mais da metade da gente que, transitoriamente, abrigava, porque Cacilda trazia Nenê e esta o irmão que era namorado daquela – a única cuja família tinha relações com a do Seu Nepomuceno; e, assim, a casa se enchia de desconhecidos. Além destes subconvidados, ainda existiam os penetras. Chamava-se assim certos rapazes que, sem nenhuma espécie de convite, usavam deste ou daquele truque, para entrar nos bailes – penetrar.

        Em geral, apesar da multidão dos convidados, essas festas domésticas tinham um grande cunho de honestidade e respeito. Eram raros os excessos e as danças, com o intervalo de um hora, para uma ceia modesta, se prolongavam até o clarear do dia sem que o mais arguto do sereno pudesse notar uma discrepância nas atitudes dos pares, dançando ou não. Sereno, era chamado o agrupamento de curiosos que ficavam na rua a espiar o baile. Quase sempre era formado de pessoas das vizinhanças e outras que não haviam sido convidadas e lá se postavam para ter assunto em que baseassem a sua despeitada crítica.

        [...]

        Sem receio de errar, entretanto, pode-se dizer que o baile familiar e burguês, democrático e efusivo, está fora da moda, nos subúrbios. A carestia da vida, a exiguidade das casas atuais e a imitação da alta burguesia desfiguraram-no muito e tendem a extingui-lo.

        [...]

        Uma outra diversão que, antigamente, os suburbanos apreciavam muito e hoje está quase morta, era a do teatrinho de amadores. Quase todas as estações tinham mantido um Clube. O do Riachuelo, teve a sua meia hora de celebridade; possuía um edifício de razoáveis proporções; mas desapareceu, e, atualmente, foi transformado em escola municipal. O que havia de característico na vida suburbana, em matéria de diversão, pouco ou quase nada existe mais. O cinema absorveu todas elas e, pondo de parte o Mafuá semi-eclesiástico, é o maior divertimento popular da gente suburbana.

        [...]

        O futebol flagela também aquelas paragens como faz ao Rio de Janeiro inteiro. Os clubes pululam e os há em cada terreno baldio de certa extensão.

        Nunca lhes vi uma partida, mas sei que as suas regras de bom-tom em nada ficam a dever às dos congêneres dos bairros elegantes.

        A única novidade que notei, e essa mesma não me parece ser grave, foi a de festejarem a vitória sobre um rival, cantando os vencedores pelas ruas, com gambitos nus, a sua proeza homérica com letra e música da escola dos cordões carnavalescos. Vi isto só uma vez e não garanto que essa hibridação do samba, mais ou menos africano com o futebol anglo-saxônio, se haja hoje generalizado nos subúrbios. Pode ser, mas não tenho documentos para tanto afiançar.

        Resta-nos o Carnaval; é ele, porém, tão igual por toda a parte, que foi impossível, segundo tudo faz crer, ao subúrbio dar-lhe alguma coisa de original. Lá, como na Avenida, como em Niterói, como em Maxambomba, como em todo este Brasil inteiro, são os mesmos cordões, blocos, grupos, os mesmos versos indignos de manicômio, as mesmas músicas indigestas [...].

        O subúrbio não se diverte mais. A vida é cara e as apreensões muitas, não permitindo prazeres simples e suaves, doces diversões familiares, equilibradas e plácidas. Precisa-se de ruído, de zambumba, de cansaço, para esquecer, para espançar as trevas que em torno da nossa vida, mais densas se fazem, dia para dia, acompanhando "pari-passu" as suntuosidades republicanas.

        [...] Para as dificuldades materiais de sua precária existência, criou esse seu paraíso artificial, em cujas delícias transitórias mergulha, inebria-se minutos, para esperar, durante horas, dias e meses, um aumentozinho de vencimentos...

Gazeta de Notícias, 7-2-1922.

BARRETO, Lima. Bailes e divertimentos suburbanos. In: BARRETO, Lima. Marginália. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000154.pdf. Acesso em: 20 abr. 2020.

Fonte: Linguagens em Interação – Língua Portuguesa – Ensino Médio – Volume Único – Juliana Vegas Chinaglia – 1ª edição, São Paulo, 2020 – IBEP – p. 42-45.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        À la diable: expressão em francês que significa “para o diabo”.

·        Arguto: aquele que tem a capacidade de perceber rapidamente as coisas mais sutis.

·        Mazurca: dança polonesa em compasso ternário; ritmo musical cuja composição instrumental tem as características dessa dança.

·        Fox-trot: dança de salão de origem norte-americana, cuja direção segue o sentido anti-horário, em andamento suave e progressivo.

·        Gatimanha: neologismo do autor.

·        Mafuá: baile popular.

02 – Qual é o cenário inicial da crônica?

      O cenário inicial é uma vizinhança onde há um baile, próximo à casa do narrador, que ele chama de "Vila Quilombo". O narrador descreve os preparativos para a festa e comenta sobre a música ouvida durante a noite.

03 – Por que o narrador pergunta à irmã sobre as danças da época?

      O narrador pergunta à irmã sobre as danças porque, durante o baile, percebeu que apenas polcas eram tocadas, o que o fez questionar se outros tipos de danças, como valsas e quadrilhas, ainda eram populares.

04 – Quais estilos de música e dança eram populares entre os dançarinos na época?

      Os dançarinos apreciavam músicas "apolcadas", tocadas de maneira acelerada, e dançavam principalmente o tango, fox-trot, ragtime e estavam começando a dançar o "shimmy".

05 – Como eram as casas suburbanas, segundo o narrador?

      As casas suburbanas eram construídas com uma grande sala de visitas, destinada a bailes e reuniões familiares, mesmo que o resto da casa fosse sacrificado em termos de espaço.

06 – O que o narrador comenta sobre a mudança no tamanho das casas suburbanas?

      O narrador observa que, com o tempo, as casas suburbanas ficaram menores, especialmente em relação ao tamanho dos cômodos, o que dificultava a realização de bailes e reuniões familiares.

07 – Como eram os bailes suburbanos mencionados na crônica?

      Os bailes suburbanos eram eventos frequentes, realizados em casas de família, com muitos convidados, incluindo pessoas que os anfitriões muitas vezes não conheciam bem. Esses eventos eram marcados por honestidade e respeito, e as danças duravam até o amanhecer.

08 – Quem eram os "penetras" mencionados na crônica?

      Os "penetras" eram rapazes que entravam nos bailes sem convite, usando truques para se infiltrar nas festas. Apesar disso, os bailes mantinham uma atmosfera de respeito.

09 – Como o narrador descreve a diversão suburbana no passado em comparação com o presente?

      O narrador lamenta que as diversões suburbanas tradicionais, como bailes e teatrinhos de amadores, estejam desaparecendo. Ele menciona que o cinema e o futebol substituíram essas atividades, e que a vida suburbana se tornou mais cara e preocupante, reduzindo os prazeres simples.

10 – Qual é a opinião do narrador sobre o Carnaval nos subúrbios?

      O narrador acredita que o Carnaval nos subúrbios é igual ao de outras partes do Brasil, sem originalidade, com os mesmos cordões, blocos e músicas repetitivas.

11 – Qual é o tom final do narrador em relação à vida suburbana?

      O narrador adota um tom melancólico e crítico, destacando que a vida suburbana perdeu suas antigas diversões simples e que os moradores agora buscam um alívio temporário em prazeres barulhentos e intensos para escapar das dificuldades da vida cotidiana.

 

 

domingo, 18 de agosto de 2024

CRÔNICA: TABOÃO DOS PALMARES - SÉRGIO VAZ - COM GABARITO

 Crônica: Taboão dos Palmares

               Sérgio Vaz

        Taboão da Serra é uma cidade de mil faces e não há como decifrá-las sem devorá-las. Impossível pensá-la sem suas ladeiras, seus becos e suas vielas. Cada quebrada é um município no meu estado de espírito. As calçadas são irregulares, por isso, nossa gente anda no meio da rua, desafiando a arrogância dos carros, buzina pra você ver…

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikqxa94zmpCl551_wpaa5otIkSel0ceuBsbCwKHCjMIjXPRljFib42EHWUFiHcak65i_bQUKYFrnb9031IzaAaX0n89TE66CmWJ_0l7mtm965sm51EpAHUL9wwTfEFMhI88CaWLowMcATRM-nxzYDYxC__XgsQ_slVPu2gcVyeJznYwHqAKbxxUdpML0c/s985/TABO%C3%83O.jpeg
 

        Uma das faces mais bonitas da cidade é a nossa gente, e da nossa gente, umas das faces mais bonitas é a do João Barraqueiro, da Kika e da sua família. Gente da pele preta que tem o suor como marca registrada no rosto.

        Não importa o evento, nem o local, é lá que eles estão. É comum vê-los nas Praças, campos de futebol, shows, favela, comícios, etc. desfilando a grandeza dos que não se entregam, e se recusam a ser escravos do parasitismo.

        A barraca é o Quilombo dos Palmares dessa família, tamanha liberdade com que constroem o pão de cada dia. Da mesma barraca lutam como quem faz uma prece ao céu, ou a terra, adorando um deus chamado dignidade.

        A coragem que exalam das mãos é de assustar qualquer senhor de engenho ou capitão do mato. Trazem no olhar o desprezo pela chibata, e no coração, o fogo brando que aquece o caldeirão da liberdade. Valeu Zumbi!

        Com todo o respeito às ancestralidades, que a mãe África me perdoe, mesmo, mas mãe é aquela que cria, o João e a Kika são filhos de Taboão da serra, e não por acaso são nossos irmãos. Axé!  

        Para aqueles que acreditam que o caráter independe da cor, uma poesia:

        “Que a pele escura não seja escudo para os covardes que habitam na senzala do silêncio.

        Porque nascer negro é consequência, ser é consciência”.

VAZ, Sérgio. Taboão dos Palmares. In: VAZ, Sérgio. Literatura, pão e poesia. São Paulo: Global, 2012. E-book.

Fonte: Linguagens em Interação – Língua Portuguesa – Ensino Médio – Volume Único – Juliana Vegas Chinaglia – 1ª edição, São Paulo, 2020 – IBEP – p. 34.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é o tema principal da crônica "Taboão dos Palmares"?

      O tema principal é a celebração da comunidade de Taboão da Serra, especialmente a resistência, dignidade e força das pessoas negras que habitam o local, simbolizados na figura de João Barraqueiro, Kika e sua família.

02 – Como Sérgio Vaz descreve a cidade de Taboão da Serra na crônica?

      Sérgio Vaz descreve Taboão da Serra como uma cidade de "mil faces", com ladeiras, becos e vielas que moldam o estado de espírito dos moradores. Ele ressalta a irregularidade das calçadas e a coragem das pessoas que andam no meio da rua, desafiando os carros.

03 – Quem são João Barraqueiro e Kika na crônica, e o que eles representam?

      João Barraqueiro e Kika são descritos como pessoas de pele preta, trabalhadores que sustentam sua família com dignidade. Eles representam a resistência, a força e a liberdade, sendo comparados a figuras de um quilombo, como o de Palmares.

04 – O que a barraca de João Barraqueiro e Kika simboliza na crônica?

      A barraca é simbolizada como um "Quilombo dos Palmares", um espaço de liberdade e resistência onde a família luta para garantir o sustento diário com dignidade e coragem, enfrentando as dificuldades da vida.

05 – Qual é a visão do autor sobre a relação entre cor da pele e caráter?

      O autor defende que o caráter não depende da cor da pele. Ele sugere que ser negro vai além de uma condição biológica; é uma questão de consciência e postura diante da vida.

06 – Que elementos da crônica mostram a valorização da ancestralidade africana?

      A crônica faz referência a figuras históricas de resistência, como Zumbi dos Palmares, e reverencia a mãe África. Apesar disso, o autor também reconhece que João e Kika são "filhos de Taboão da Serra", valorizando suas raízes e identidade locais.

07 – Qual mensagem a poesia no final da crônica transmite?

      A poesia no final da crônica transmite uma mensagem de resistência e orgulho negro. Ela destaca que a pele escura não deve ser usada como um escudo para a covardia, mas sim ser carregada com consciência e orgulho.