quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

CONTO: A CAÇADA - LYGIA FAGUNDES TELLES - COM GABARITO

Conto: A caçada    

            Lygia Fagundes Telles

   A loja de antiguidades tinha o cheiro de uma arca de sacristia com seus anos embolorados e livros comidos de traça. Com as pontas dos dedos, o homem tocou numa pilha de quadros. Uma mariposa levantou voo e foi chocar-se contra uma imagem de mãos decepadas.
        — Bonita imagem — disse ele.
        A velha tirou um grampo do coque, e limpou a unha do polegar. Tornou a enfiar o grampo no cabelo.
        — É um São Francisco.
        Ele então voltou-se lentamente para a tapeçaria que tomava toda a parede no fundo da loja. Aproximou-se mais. A velha aproximou-se também.
        — Já vi que o senhor se interessa mesmo é por isso… Pena que esteja nesse estado.
        O homem estendeu a mão até a tapeçaria, mas não chegou a tocá-la.
        — Parece que hoje está mais nítida…
        — Nítida? — repetiu a velha, pondo os óculos. Deslizou a mão pela superfície puída. — Nítida, como?
        — As cores estão mais vivas. A senhora passou alguma coisa nela?
        A velha encarou-o. E baixou o olhar para a imagem de mãos decepadas. O homem estava tão pálido e perplexo quanto a imagem.
        — Não passei nada, imagine… Por que o senhor pergunta?
        — Notei uma diferença.
        — Não, não passei nada, essa tapeçaria não aguenta a mais leve escova, o senhor não vê? Acho que é a poeira que está sustentando o tecido acrescentou, tirando novamente o grampo da cabeça. Rodou-o entre os dedos com ar pensativo. Teve um muxoxo: — Foi um desconhecido que trouxe, precisava muito de dinheiro. Eu disse que o pano estava por demais estragado, que era difícil encontrar um comprador, mas ele insistiu tanto… Preguei aí na parede e aí ficou. Mas já faz anos isso. E o tal moço nunca mais me apareceu.
        — Extraordinário…
        A velha não sabia agora se o homem se referia à tapeçaria ou ao caso que acabara de lhe contar. Encolheu os ombros. Voltou a limpar as unhas com o grampo.
        — Eu poderia vendê-la, mas quero ser franca, acho que não vale mesmo a pena. Na hora que se despregar, é capaz de cair em pedaços.
        O homem acendeu um cigarro. Sua mão tremia. Em que tempo, meu Deus! em que tempo teria assistido a essa mesma cena. E onde? …
        Era uma caçada. No primeiro plano, estava o caçador de arco retesado, apontando para uma touceira espessa. Num plano mais profundo, o segundo caçador espreitava por entre as árvores do bosque, mas esta era apenas uma vaga silhueta, cujo rosto se reduzira a um esmaecido contorno. Poderoso, absoluto era o primeiro caçador, a barba violenta como um bolo de serpentes, os músculos tensos, à espera de que a caça levantasse para desferir lhe a seta.
        O homem respirava com esforço. Vagou o olhar pela tapeçaria que tinha a cor esverdeada de um céu de tempestade. Envenenando o tom verde-musgo do tecido, destacavam-se manchas de um negro-violáceo e que pareciam escorrer da folhagem, deslizar pelas botas do caçador e espalhar-se no chão como um líquido maligno. A touceira na qual a caça estava escondida também tinha as mesmas manchas e que tanto podiam fazer parte do desenho como ser simples efeito do tempo devorando o pano.
        — Parece que hoje tudo está mais próximo — disse o homem em voz baixa. — É como se… Mas não está diferente?
        A velha firmou mais o olhar. Tirou os óculos e voltou a pô-los.
        — Não vejo diferença nenhuma.
        — Ontem não se podia ver se ele tinha ou não disparado a seta…
        — Que seta? O senhor está vendo alguma seta?
        — Aquele pontinho ali no arco… A velha suspirou. — Não vejo diferença nenhuma.
        — Ontem não se podia ver se ele tinha ou não disparado a seta…
        — Que seta? O senhor está vendo alguma seta?
        — Aquele pontinho ali no arco… A velha suspirou.
        — Mas esse não é um buraco de traça? Olha aí, a parede já está aparecendo, essas traças dão cabo de tudo — lamentou, disfarçando um bocejo. Afastou-se sem ruído, com suas chinelas de lã. Esboçou um gesto distraído: — Fique aí à vontade, vou fazer meu chá.
        O homem deixou cair o cigarro. Amassou-o devagarinho na sola do sapato. Apertou os maxilares numa contração dolorosa. Conhecia esse bosque, esse caçador, esse céu — conhecia tudo tão bem, mas tão bem! Quase sentia nas narinas o perfume dos eucaliptos, quase sentia morder-lhe a pele o frio úmido da madrugada, ah, essa madrugada! Quando? Percorrera aquela mesma vereda aspirara aquele mesmo vapor que baixava denso do céu verde… Ou subia do chão? O caçador de barba encaracolada parecia sorrir perversamente embuçado. Teria sido esse caçador? Ou o companheiro lá adiante, o homem sem cara espiando por entre as árvores? Uma personagem de tapeçaria. Mas qual? Fixou a touceira onde a caça estava escondida. Só folhas, só silêncio e folhas empastadas na sombra. Mas, detrás das folhas, através das manchas pressentia o vulto arquejante da caça. Compadeceu-se daquele ser em pânico, à espera de uma oportunidade para prosseguir fugindo. Tão próxima a morte! O mais leve movimento que fizesse, e a seta… A velha não a distinguira, ninguém poderia percebê-la, reduzida como estava a um pontinho carcomido, mais pálido do que um grão de pó em suspensão no arco.
        Enxugando o suor das mãos, o homem recuou alguns passos. Vinha-lhe agora uma certa paz, agora que sabia ter feito parte da caçada. Mas essa era uma paz sem vida, impregnada dos mesmos coágulos traiçoeiros da folhagem. Cerrou os olhos. E se tivesse sido o pintor que fez o quadro? Quase todas as antigas tapeçarias eram reproduções de quadros, pois não eram? Pintara o quadro original e por isso podia reproduzir, de olhos fechados, toda a cena nas suas minúcias: o contorno das árvores, o céu sombrio, o caçador de barba esgrouvinhada, só músculos e nervos apontando para a touceira… “Mas se detesto caçadas! Por que tenho que estar aí dentro?”
        Apertou o lenço contra a boca. A náusea. Ah, se pudesse explicar toda essa familiaridade medonha, se pudesse ao menos… E se fosse um simples espectador casual, desses que olham e passam? Não era uma hipótese? Podia ainda ter visto o quadro no original, a caçada não passava de uma ficção. “Antes do aproveitamento da tapeçaria…” — murmurou, enxugando os vãos dos dedos no lenço.
        Atirou a cabeça para trás como se o puxassem pelos cabelos, não, não ficara do lado de fora, mas lá dentro, encravado no cenário! E por que tudo parecia mais nítido do que na véspera, por que as cores estavam mais fortes apesar da penumbra? Por que o fascínio que se desprendia da paisagem vinha agora assim vigoroso, rejuvenescido? …
        Saiu de cabeça baixa, as mãos cerradas no fundo dos bolsos. Parou meio ofegante na esquina. Sentiu o corpo moído, as pálpebras pesadas. E se fosse dormir? Mas sabia que não poderia dormir, desde já sentia a insônia a segui-lo na mesma marcação da sua sombra. Levantou a gola do paletó. Era real esse frio? Ou a lembrança do frio da tapeçaria? “Que loucura! … E não estou louco”, concluiu num sorriso desamparado. Seria uma solução fácil. “Mas não estou louco.”.
        Vagou pelas ruas, entrou num cinema, saiu em seguida e quando deu acordo de si, estava diante da loja de antiguidades, o nariz achatado na vitrina, tentando vislumbrar a tapeçaria lá no fundo.
        Quando chegou em casa, atirou-se de bruços na cama e ficou de olhos escancarados, fundidos na escuridão. A voz tremida da velha parecia vir de dentro do travesseiro, uma voz sem corpo, metida em chinelas de lã: “Que seta? Não estou vendo nenhuma seta…” Misturando-se à voz, veio vindo o murmurejo das traças em meio de risadinhas. O algodão abafava as risadas que se entrelaçaram numa rede esverdinhada, compacta, apertando-se num tecido com manchas que escorreram até o limite da tarja. Viu-se enredado nos fios e quis fugir, mas a tarja o aprisionou nos seus braços. No fundo, lá no fundo do fosso, podia distinguir as serpentes enleadas num nó verde-negro. Apalpou o queixo. “Sou o caçador?” Mas ao invés da barba encontrou a viscosidade do sangue.
        Acordou com o próprio grito que se estendeu dentro da madrugada. Enxugou o rosto molhado de suor. Ah, aquele calor e aquele frio! Enrolou-se nos lençóis. E se fosse o artesão que trabalhou na tapeçaria? Podia revê-la, tão nítida, tão próxima que, se estendesse a mão, despertaria a, folhagem. Fechou os punhos. Haveria de destruí-la, não era verdade que além daquele trapo detestável havia alguma coisa mais, tudo não passava de um retângulo de pano sustentado pela poeira. Bastava soprá-la, soprá-la!
        Encontrou a velha na porta da loja. Sorriu irônica:
        — Hoje o senhor madrugou.
        — A senhora deve estar estranhando, mas…
        — Já não estranho mais nada, moço. Pode entrar, pode entrar, o senhor conhece o caminho…
        “Conheço o caminho” — murmurou, seguindo lívido por entre os móveis. Parou. Dilatou as narinas. E aquele cheiro de folhagem e terra, de onde vinha aquele cheiro? E por que a loja foi ficando embaçada, lá longe? Imensa, real só a tapeçaria a se alastrar sorrateiramente pelo chão, pelo teto, engolindo tudo com suas manchas esverdinhadas. Quis retroceder, agarrou-se a um armário, cambaleou resistindo ainda e estendeu os braços até a coluna. Seus dedos afundaram por entre galhos e resvalaram pelo tronco de uma árvore, não era uma coluna, era uma árvore! Lançou em volta um olhar esgazeado: penetrara na tapeçaria, estava dentro do bosque, os pés pesados de lama, os cabelos empastados de orvalho. Em redor, tudo parado. Estático. No silêncio da madrugada, nem o piar de um pássaro, nem o farfalhar de uma folha. Inclinou-se arquejante. Era o caçador? Ou a caça? Não importava, não importava, sabia apenas que tinha que prosseguir correndo sem parar por entre as árvores, caçando ou sendo caçado. Ou sendo caçado? … Comprimiu as palmas das mãos contra a cara esbraseada, enxugou no punho da camisa o suor que lhe escorria pelo pescoço. Vertia sangue o lábio gretado.
        Abriu a boca. E lembrou-se. Gritou e mergulhou numa touceira. Ouviu o assobio da seta varando a folhagem, a dor!
        “Não…” – gemeu, de joelhos. Tentou ainda agarrar-se à tapeçaria. E rolou encolhido, as mãos apertando o coração.

Entendendo o conto:
01 – No conto “A Caçada”, de Lygia Fagundes Telles, há duas personagens. Assinale a opção correta acerca da afirmativa:
a. Uma jovem e um homem.
b. Dois caçadores.
c. Um caçador e uma caça.
d. Uma velha e um homem.

02 – Assinale a alternativa correta sobre o conto “A Caçada”.
a. As personagens não têm nome e o narrador não faz descrições sobre seus aspectos físicos para caracterizá-las.
b. Há duas personagens, uma delas era uma velha, que vai ao estabelecimento atraído por uma tapeçaria antiga, com a representação de uma caçada.
c. Há duas personagens, uma delas era um homem, provavelmente o dono da loja, ou então um funcionário, há muito tempo no estabelecimento.
d. O tempo da história abrange um período de seis meses.

03 – O diálogo entre as personagens é apresentado pelo(a):
a. Narrador-personagem
b. A velha
c. Narrador
d. O homem.

04 – Todas as alternativas a seguir apresentam a voz da mulher, exceto:
a. “― Já vi que o senhor se interessa mesmo é por isso...”
b. “― Parece que hoje está mais nítida...”
c. “― Nítida? ... Nítida como?”
d. “― Não passei nada, imagine... Por que o senhor pergunta?”

05 – Através do diálogo entre as duas personagens, o leitor pode perceber que
a. É a primeira vez que o homem vai à loja.
b. O homem já havia estado ali anteriormente e não manifesta interesse pela tapeçaria.
c. É a primeira vez que a velha está na loja.
d. Os dois já se conhecem, não é a primeira vez que o homem vai àquela loja.

06 – O emprego do discurso modalizante nas frases do homem, “― Parece que hoje está mais nítida...”, “― Parece que hoje tudo está mais próximo”, em contraposição com as opiniões emitidas pela mulher, permite que o leitor conclua que,
a. Na verdade, quem está diferente é a personagem feminina, e não a tapeçaria.
b. Na verdade, quem está diferente é a personagem masculina, e não a tapeçaria.
c. Na verdade, quem está diferente é a personagem masculina, e não a mulher.
d. Nenhuma das personagens está diferente, assim como a tapeçaria também não está.

07 – A narração é ulterior aos acontecimentos, os tempos verbais empregados pelo narrador são do pretérito. Entretanto, as falas das personagens estão no:
a. Futuro do presente.
b. Futuro do pretérito.
c. Presente.
d. Pretérito imperfeito.

08 – O primeiro momento de tensão do conto é criado pelo narrador com a frase:
a. “O homem estava tão pálido e perplexo quanto a imagem.”
b. “Em que tempo, meu Deus! Em que tempo teria assistido a essa mesma cena. E onde?”
c. “A velha tirou um grampo do coque, e limpou a unha do polegar.”
d. “A velha não sabia agora se o homem se referia à tapeçaria ou ao caso que acabara e lhe contar.”

09 – A narrativa estruturada em diálogos, geralmente, fornece um máximo de informação, com uma presença mínima do informador. Não é o que acontece, entretanto, neste conto. Por quê?
a. As cenas fornecem muita informação ao leitor, o que causa, como consequência, um despertar da curiosidade do leitor.
b. As cenas fornecem pouca informação ao leitor, o que causa, como consequência, um desinteresse do leitor.
c. As cenas fornecem pouca informação ao leitor, o que causa, como consequência, um despertar da curiosidade do leitor.
d. O desinteresse do leitor dar-se-á em querer saber quem é esse homem? Qual o mistério que a tapeçaria esconde?

10 – O desfecho do conto é feito com alternância de estado de discursos: tem início com o discurso relatado (reportado) e é seguido por discurso narrativizado e discurso indireto livre, terminando com o emprego, novamente, do discurso relatado. Isso proporciona agilidade ao texto, uma narração frenética e confusa, apropriada à situação vivenciada pela personagem, o momento da descoberta, da revelação do segredo da tapeçaria. A revelação é assinalada pela frase:
a. “Não...”
b. “Era o caçador? Ou a caça?”
c. “Vertia sangue o lábio gretado.”
d. “E lembrou-se.”











POEMA: AMIGAS INVENTADAS - ELIAS JOSÉ - COM GABARITO

Poema: Amigas inventadas
                                       Elias José
Quando Iara
Vai para a escola,
Lívia se amola
E dos adultos se isola
Na cozinha.

Tão sozinha,
Lívia só tem um consolo;
Inventa um bolo
De amiguinhas.

Conversa com elas, inventa nomes,
Mostra a boneca, a bola e a peteca.
Bala oferece, conta segredos,
Fala dos medos, canta e rebola.

Depois se cansa, e na cadeira se balança.
Dorme encolhida feito um bichinho.
No solto sonho, as amiguinhas voltam
-- Amor risonho.

E tudo é lindo
E tudo é mágico
No país do sonho.
Namorinho de Portão
Elias José. Namorinho de portão. 2. ed. São Paulo: Moderna,2002. p. 29.

Entendendo o poema:
01 – O que Lívia faz quando fica apenas com os adultos?
      Logo se amola e prefere ficar sozinha inventando amigas imaginárias para brincar.

02 – Por que o título do poema é “Amigas inventadas”?
      Porque o poema conta a história de uma menina que, quando fica sozinha, inventa amigas para brincar.

03 – Quais são os momentos em que Lívia se encontra com as amigas imaginárias?
      Quando fica apenas com adultos e, então, se isola; logo depois que Iara vai para a escola; e também em seus sonhos, quando dorme.

04 – Releia este trecho do poema; “Quando Iara / Vai para a escola, / Lívia se amola / E dos adultos se isola / Na cozinha.” As palavras destacadas têm a mesma terminação ola, ou seja, essas palavras rimam. Releia o poema e encontre palavras que rimam com:
·        Boneca= peteca.
·        Consolo= bolo.
·        Cansa= balança.
·        Sonho= risonho.

05 – Coloque as situações a seguir na ordem em que elas acontecem no poema:
(3) Lívia se casa e dorme na cadeira de balanço.
(1) Iara vai para a escola.
(2) Lívia conversa e brinca com amigas invisíveis.
(4) Lívia sonha que está com amiguinhas.

06 – Quem escreveu este poema? Quantos versos e estrofes ele possui?
      Foi escrito por Elias José. Possui 21 versos e 05 estrofes.

07 – Por que Lívia se amola?
      Porque ela fica sozinha e não tem com quem brincar.

08 – Depois que ela se cansa, o que acontece?
      Ela dorme encolhida feito um bichinho.

09 – Quais são os brinquedos que você costuma brincar?
      Resposta pessoal do aluno.

ARTIGO DE OPINIÃO: PARA ONDE ESTAMOS FUGINDO? LEONARDO BOFF - COM QUESTÕES GABARITADAS

Texto: Para onde estamos fugindo?       


     Leonardo Boff
       Uma das característica principais do atual momento é a aceleração do tempo. O espaço terrestre praticamente o conquistamos. Mas o tempo continua sendo o grande desafio: poderemos dominá-lo? A corrida contra ele se dá em todas as esferas, a começar pelo esporte. Em cada olimpíada busca-se superar todos os tempos anteriores, especialmente na clássica corrida dos cem metros. Os carros devem ser cada vez mais velozes, os aviões e os foguetes têm que superar a velocidade da geração anterior. No agronegócio se utilizam promotores químicos de crescimento para encurtar o tempo e lucrar mais. A internet é de altíssima fluidez e sem cabos, pois, para ganhar tempo, tudo é feito via satélite E a aceleração atingiu especialmente as bolsas. Quanto mais rapidamente se transferem capitais de um mercado para outro, acompanhando o fuso horário, mais se pode ganhar. Como nunca antes “tempo é dinheiro”.
        Logicamente, em todo esse processo há um elemento libertador pois o tempo foi, em grande parte, vivenciado como servidão. Não podemos detê-lo. Por outro lado produz um impacto sobre a natureza que possui seus tempos e ciclos. O impacto não é menor sobre as mentes das pessoas que se sentem atordoadas, particularmente as mais idosas, perdendo os parâmetros de orientação e de análise daquilo que está ocorrendo no mundo e com elas mesmas. Vale a pena essa irrefreável corrida? Para onde estamos fugindo?
        Ai daqueles que não se adaptam aos tempos. Em termos de trabalho são ejetados do mercado pois suas habilidades ficaram obsoletas. Os que se resignam, perdem o ritmo do tempo e são considerados precocemente envelhecidos ou simplesmente retardatários. Isso pode ocorrer com países inteiros que não incorporam os avanços da tecno-ciência. Todos são obrigados rapidamente a se modernizar e a ser emergentes.
        Para onde nos levará essa corrida contra o tempo? Ele sempre nos ganha pois não podemos congelá-lo. Ele simplesmente passa devagar ou acelerado como nos grandes túneis de aceleração de partículas.

Mas importa considerar que há tempos e tempos. O tempo natural do crescimento de uma árvore gigante pode demorar 50 anos. O tempo tecnológico de sua derrubada com a motoserra pode durar apenas 5 minutos. Quanto tempo precisamos para crescer em maturidade, sabedoria e conquistar o próprio coração? Às vezes uma vida inteira de 80 anos é curta demais. O tempo interior não obedece ao tempo do relógio. Precisamos de tempo para trabalhar nossos conflitos interiores que às vezes nos obrigam a parar.
        Uma reflexão do mestre zen Chuang-Tzu de 2.500 anos atrás nos parece muito inspiradora. Ele conta que havia um homem que ficava tão perturbado ao contemplar sua sombra e tão mal-humorado com suas próprias pegadas que achou melhor livrar-se de ambas. O método foi da fuga, tanto de uma quanto de outra. Levantou-se e pôs-se a correr. Mas sempre que colocava o pé no chão aparecia a pegada e a sombra o acompanhava sem a menor dificuldade. 
        Atribuiu o seu erro ao fato de que não estava correndo como devia. Então pôs-se a correr velozmente e sem parar, até que caiu morto por terra. O erro dele, comenta o Mestre, foi o de não ter percebido que, se apenas pisasse num lugar sombrio, a sua sombra desapareceria e caso ficasse parado, não apareceriam mais suas pegadas.
        Não é isso que hoje se impõe fazer? Dar uma parada? Aqui reside o segredo da felicidade e da ansiada paz interior. 

        Leonardo Boff é teólogo, filósofo, espiritualista, e ecologista.
GLOSSÁRIO

Agronegócio: conjunto de atividades relacionadas à agricultura e à criação de gado.
Ansiado: desejado.
Ejetado: lançado para fora, expulso.
Emergente: desenvolvido; com um alto padrão econômico e social.
Esfera: campo ou setor no qual se desenvolve uma atividade.
Obsoleto: antiquado, fora de uso.
Precocemente: antes do tempo esperado.
Promotor: que promove, que estimula.
Resignar-se: conformar-se, aceitar sem questionamentos nem revolta; sujeitar-se.
Servidão: estado de dependência, de subordinação.

Entendendo o texto:
01 – No início do primeiro parágrafo, o autor faz uma afirmação sobre uma característica própria dos tempos atuais.
a) Que característica é essa?
      A aceleração do tempo.

b) Qual é o motivo dessa pressa segundo o autor?
      Segundo o autor, o motivo para essa aceleração seria a tentativa de controlar o tempo.

02 – Para controlar o tempo, de acordo com o artigo, corremos contra ele. Localize no texto elementos que o autor usa para comprovar sua afirmação.
      Possibilidades de resposta: “Em cada olimpíada busca-se superar todos os tempos anteriores, especialmente na clássica corrida dos cem metros”; “Os carros devem ser cada vez mais velozes, os aviões e os foguetes têm que superar a velocidade de geração anterior.” ; “No agronegócio se utilizam promotores químicos de crescimentos para encurtar o tempo e lucrar mais”; “ A internet é de altíssima fluidez e sem cabos, pois, para ganhar tempo, tudo é feito via satélite”; “ E a aceleração atingiu especialmente as bolsas. Quanto mais rapidamente se transferem capitais de um mercado para outro, acompanhando o fuso horário, mais se pode ganhar”.

03 – Segundo o autor, essa corrida contra o tempo apresenta um aspecto positivo e outros negativos. Quais são eles?
      O aspecto positivo é que essa aceleração do tempo é libertadora, o tempo deixa de ser vivenciado como servidão. Os aspectos negativos são: o impacto sobre os ciclos da natureza; o impacto sobre a mente das pessoas que perdem a orientação daquilo que está acontecendo no mundo e com elas mesmas; todos são obrigados a se modernizar para não serem expulsos do mercado de trabalho.

04 – Releia no glossário o sentido da palavra servidão. Por que Leonardo Boff afirma que "o tempo foi sempre vivenciado como servidão"?
        O tempo foi sempre vivido como algo que estamos submetidos, pois não podemos congelá-lo, pará-lo; ele passa, deixa suas marcas – o envelhecimento – e aproxima os vivos da morte.

05 – Discuta com seus colegas esta questão: A corrida contra o tempo pode, de fato, trazer um elemento libertador? Por quê?
      Resposta pessoal. Embora pareça contraditório, a corrida contra o tempo dá a ilusão de que o monitoramos, aproveitamos mais o tempo, de forma que acreditamos que a subordinação ao tempo fica menor. (Sugestão: o filme “A morte lhe cai bem”, que discute como o tempo nos afeta fisicamente e o desejo que temos em atenuar essas mudanças.

06 – O teólogo Leonardo Boff afirma que a corrida contra o tempo produz impacto sobre os ciclos da natureza.
a) Qual exemplo ele mostra no texto?
      Ele diz que uma árvore pode demorar 50 anos para crescer e, com o desenvolvimento tecnológico, com a motosserra, podemos derrubá-la em apenas 5 minutos.

b) Por que a corrida contra o tempo produz esses impactos?
      O desejo de viver em um mundo pleno de tecnologias e os processos industriais que se desenvolvem cada vez mais nessa “irrefreável corrida” produzem poluição do ar, da água, do solo, destroem florestas, desequilibrando os ciclos da natureza.

07 – No quinto parágrafo, Boff observa que uma árvore gigante demora 50 anos para crescer, mas bastam cinco minutos para cortá-la com uma motosserra.
a)Que elementos o autor está contrastando ao fazer essa observação?
      Boff contrasta o tempo natural do crescimento e amadurecimento de um ser vivo (a árvore) com o tempo tecnológico da motosserra, que é rápido, mas destrutivo.

b) Qual é a ideia que pretende transmitir ao inserir essa observação em seu texto?
     A ideia é a de que a aceleração proporcionada pela tecnologia avançada nem sempre traz contribuições construtivas para a sociedade e o meio ambiente.

08 – No quinto parágrafo, o teólogo reflete sobre os diferentes tempos, o externo e o interno.
a) Que elementos obedecem ao tempo externo?
      A tecnologia, a velocidade.

b) Que elementos cabem no tempo interno, segundo Boff?
      O crescimento em sabedoria e maturidade, o crescimento moral.


domingo, 2 de dezembro de 2018

FILME(ATIVIDADES): INTOCÁVEIS - ERIC TOLEDANO, OLIVIER NAKACHE - COM GABARITO

Filme(ATIVIDADES): INTOCÁVEIS

Data de lançamento 31 de agosto de 2012 (1h 52min)
Gênero Comédia
Nacionalidade França

SINOPSE E DETALHES
Não recomendado para menores de 14 anos
        Philippe (François Cluzet) é um aristocrata rico que, após sofrer um grave acidente, fica tetraplégico. Precisando de um assistente, ele decide contratar Driss (Omar Sy), um jovem problemático que não tem a menor experiência em cuidar de pessoas no seu estado. Aos poucos ele aprende a função, apesar das diversas gafes que comete. Philippe, por sua vez, se afeiçoa cada vez mais a Driss por ele não tratá-lo como um pobre coitado. Aos poucos a amizade entre eles se estabele, com cada um conhecendo melhor o mundo do outro.

Entendendo o filme:
01 – Que contrastes podemos observar entre Philippe e Driss?
      Philippe é branco, rico, bem educado, deficiente físico e conhece pessoas da alta sociedade. Já Driss é negro, pobre, com educação limitada, tem ótimo porte físico, conhece pessoas marginais e foi presidiário.

02 – Por que Philippe contratou Driss e acabou gostando muito de seu trabalho de assistente pessoal?
      Ele queria uma pessoa diferente dos que já haviam cuidado dele, e por isso viu em Driss uma coisa diferente, um desafio. E gostou principalmente do fato de Driss não ter pena ou compaixão pra com ele, e o trata como uma pessoa normal, sem deficiência, como na cena do celular. 

03 – De que maneira o trabalho com Philippe mudou a vida de Driss?
      Ele mostrou para Driss que o dinheiro não é tudo, que todas as famílias tem problemas e que a vida pode ser diferente se realmente quisermos. 

04 – Que valor ou valores éticos são mostrados no filme? Justifique.
      Aqui depende muito da sua interpretação, eu vi honra, perseverança, forca, mudança de paradigmas, amizade e respeito. Mas cada pessoa vai ver de uma forma diferente e por suas razões. 

05 – Conforme o filme, como podemos lidar com as “diferenças” e encarar nossos “limites”?
      Diferentes todos somos, mas sempre temos algo em comum enquanto humanos, sempre queremos coisas parecidas e ficamos tristes por motivos semelhantes. Nossos limites vão além do nosso corpo, ou nossa posição social, ou nosso passado, e sempre, sempre podemos ser e fazer melhor!

06 – De acordo com o dicionário, CARÁTER significa:
      Conjunto de traços psicológicos da individualidade. (Latim character, -eris, sinal, marca) substantivo masculino.

07 – Escreva suas IMPRESSÕES sobre a cena em que Driss dança na festa de aniversário de Philippe, de modo a enfatizar a reação de Philippe:
      Resposta pessoal do aluno

POEMA: QUERO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

Poema: Quero
           Carlos Drummond de Andrade

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado,

No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até à exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.

Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso. 
                                 Carlos Drummond de Andrade, in 'As Impurezas do Branco' 

Entendendo o poema:
01 – O poema mostra como o eu lírico se sente diante da paixão, do amor. Que estrofe do poema você “diria”, “declamaria”, “declararia” à pessoa amada? Transcreva-a.
      “Quero que me repitas até à exaustão
       que me amas que me amas que me amas.
       Do contrário evapora-se a amação
       pois ao dizer: Eu te amo,
       desmentes
       apagas
       teu amor por mim.”

02 – No poema, a descoberta do amor não determina ao eu lírico a certeza de sua realização.
a)   Como eu lírico se mostra em todo o poema?
O eu lírico se mostra desesperado de amor querendo uma “sincera” retribuição com um “eu te amo” na raiz da palavra.

b)   O que representa a pessoa amada para o eu lírico?
Representa tudo para ele, o seu amor, que é loucamente expresso no poema.

03 – O título “Quero” transmite um tom incisivo (insistente) ao poema e se repete três vezes ao longo do texto.
a)   O que essa repetição indica em relação ao comportamento do eu lírico?
Que ele está muito apaixonado e quer desesperadamente ouvir um eu te amo até a exaustão de seu amor.

b)   A primeira estrofe revela o desejo intenso do eu lírico de ouvir “eu te amo”. Como é transmitida essa intensidade?
Que ele quer ouvir eu te amo todos os dias de sua vida, de meia em meia hora, de 5 em 5 minutos.

c)   O tom incisivo do “quero” permanece em todo o poema? Justifique.
Sim, pois o poema exprime a sentimento louco do amor que o eu lírico querendo ser retribuído.

04 – Na segunda e terceira estrofes, o eu lírico declara sua insegurança quanto ao que o ser amado sente.
a)   Em que momento essa insegurança desaparece?
Na 6ª e 7ª estrofe.

b)   Que recurso linguístico é empregado na terceira estrofe para evidenciar a ideia de exaustão a que o eu lírico se refere?
Na repetição do verso “que me amas”.

05 – Na quarta estrofe, o eu lírico torna-se ainda mais incisivo e objetivo.
a)   Identifique a forma verbal que leva a essa conclusão.
“Exijo de ti...”. Forma do verbo na 1ª pessoa, exigindo, querendo o amor da amada, “imperativa”.

b)   Observa-se também o emprego do pronome isto três vezes. O que o uso desse recurso indica sobre o jeito de o eu lírico ver o amor?
Que ele quer o amor cada vez sempre ele que “isto”, que é uma coisa boa.

06 – O desfecho do poema nos remete a uma situação de dependência do eu lírico em relação ao que o outro sente.
a)   Como você interpreta o verso: “Eu te amoamoamoamoamo”?
Eu interpreto que ele quer que seu amor se repita até a exaustão, ou seja, que esse amor é imenso e intenso.

b)   O que sugere a ligação entre as palavras no verso “Eu te amoamoamoamoamo” sobre o momento vivido pelo eu lírico?
Que o eu lírico estava desesperado pelo amor da amada, e o eu te amoamoamoamoamo representa a intensidade do amor, que na 7ª estrofe o eu lírico vê que se seu amor não for correspondido como tal é que essa coleção de objetos de não amor.

07 – Em sua opinião, o que a disposição, número de sílabas e o número irregular dos versos nas estrofes, enfatizam sobre o sentido do texto?
      No texto que lemos o número de sílabas e estrofes não interfere em nada, pois o que verdadeiramente está enfatizado na poesia é o amor sincero e desesperado do eu lírico, que só quer amar e ser amado, não estando nem aí como resto, somente preocupado em expressar seu amor...





CONTO: A GALINHA E A CASCAVEL - HUGO DE CARVALHO RAMOS - COM GABARITO

Conto: A GALINHA E A CASCAVEL
                               Hugo de Carvalho Ramos

       Entrando, fez-se logo ouvir, insistente, o cacarejo no vassoure-o.
        Para lá fomos todos curiosos.
 Minúscula tragédia, espetáculo extraordinário e grandioso aquele, em sua estranha singeleza!
     No aceiro, uma ninhada de ovos em véspera de abrir.
     Sobre ela, armada para o bote, uma cascavel batia enfurecida o chocalho. Mais terrível, porém, era o aspecto ouriçado duma galinha da terra, o papo pelado já, gotejando pelos sucessivos arremessos.
        Numa das suas breves sortidas à cata de que entreter uma fome de semanas, topara de retorno com aquela intrusa sobre a sua postura tépida, ali teimando em permanecer, malgrado o alarde com que nos atraíra a nós, e as heroicas e reiteradas arremetidas com que procurava, em vão, enxotá-la.
        Ficamos ali parados, a olhar perplexos.
        A ave, nuns pulos bruscos, bizarros, de batráquio em fúria, acossava de perto o réptil ao esporear e bicadas. Este, a cada novo assomo, mordia-a desapiedade achocalhando incessantemente.
        De novo, voltava à riça o animal, arremetendo corajosamente de unhas e bicos. Novamente sibilava a cobra, ferindo-o, injetando-lhe o pescoço, as asas, o peito incidente e agudo, da mortal peçonha.
        E o nosso pasmo era tal que ainda permaneceríamos, a ver que dava a singular briga, se o caseiro, pondo termo à luta desigual, não arrancasse uma estaca, abatendo a cascavel em duas certeiras pauladas.
A Galinha e a Cascavel é um trecho do livro "Tropas e Boiadas". 
Hugo de Carvalho Ramos nasceu em Goiás.

Entendendo o conto:
01 — Qual o tema do texto?
      A luta entre uma galinha e uma cobra.

02 — Qual foi o motivo da briga? O que a galinha defendia?
      A cobra queria comer os ovos da galinha. A galinha defendia os ovos que já estavam na véspera de abrir.

03 — O que pôs fim à briga desigual?
      O caseiro, pegou uma estaca e matou a cobra com duas certeira paulada.

04 — Por que o autor assim escreveu: — "Com que nos atraíra a nós?"
      Ele quis dizer que nós atraímos as coisas para nós mesmo.

05 — Será que não ocorreu um pequeno lapso no emprego da palavra "riça"?
        Veja: "De novo, voltava à riça o animal" ou De novo, voltava à liça o animal. — Pergunte ao professor.
      O mais correto é liça, porque significa o lugar onde se dá o combate, a luta.

06 — Os curiosos estavam gostando da briga? Comprove.
      Não. “Ficamos ali parados, a olhar perplexos.”

07 – Descreva o local e os detalhes que levaram os curiosos a presenciar a briga.
      “No aceiro, uma ninhada de ovos em véspera de abrir.
      Sobre ela, armada para o bote, uma cascavel batia enfurecida o chocalho. Mais terrível, porém, era o aspecto ouriçado duma galinha da terra, o papo pelado já, gotejando pelos sucessivos arremessos.”   
  
08 – Explique: “Minúscula tragédia, espetáculo extraordinário e grandioso aquele, em sua estranha singeleza!”
      Uma pequena briga, em que as personagens atacam-se e defendem-se com grande agilidade.

09 – O conto “A Galinha e a Cascavel”, de onde foi retirado?
      Foi retirado do livro “Tropas e Boiadas”.

10 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo, se necessário utilize um dicionário.
·     Aceiro: rua que se abre junto às matas para evitar a propagação do fogo.
·        Entreter: ocupar a atenção de; distrair; paliar.
·        Tépida: morno; tíbio.
·        Malgrado: apesar de; não obstante.
·        Batráquio: animal anfíbio; anuro.
·        Sibilava: emitir som fino e prolongado; assobiar; silvar.