terça-feira, 8 de abril de 2025

ARTIGO DE OPINIÃO: O BRASIL ARMADO - (FRAGMENTO) - SÉRGIO LÍRIO - COM GABARITO

 Artigo de opinião: O Brasil armado – Fragmento

           Sérgio Lírio

        [...] Extenso e inédito levantamento do Instituto de Estudos da Religião (Iser), a pedido do Movimento Viva Rio, revela que há muito tempo pequenos e médios municípios deixaram de ser oásis de tranquilidade e segurança. Segundo a pesquisa, nas últimas décadas, o número de assassinatos com armas de fogo cresceu em ritmo semelhante tanto nos grandes centros quanto nas cidades menores.

 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjz8RZGeUezUh5HS0xzJkHWrb-GiVZ5gV8wE7vo7fZKe7lEp_puROV4lOwy0ZlabpEX_pGW6QmhRhqae7ezLyz7o2PCtEHpTX9M7xR8uDfB-gFaPGk5XSNOXlTsVQkl7UlLAJaTnXxSoKSLRxjc9aQtBjcCscpdnIkMiBrh_qtoVLi-4xWxVsov3xIqLnY/s1600/iser.jpg

        Além disso, a violência atingiu índices preocupantes em regiões do interior controladas pelo crime organizado ou localizadas no entorno de rodovias usadas par escoar drogas e contrabando, a exemplo do polígono da maconha, em Pernambuco, e das áreas de fronteira no Mato Grosso e no Rio Grande do Sul. Nesses lugares, os percentuais de assassinatos rivalizam com os índices registrados nos maiores centros urbanos.

        [...] uma das conclusões possíveis a partir do trabalho coordenado pela pesquisadora Luciana Phebo é que a proliferação das armas de fogo pelo território brasileiro torna frágil a esperança da classe média, que vê na fuga das grandes cidades o método mais eficiente para se proteger da violência. Na mesma velocidade da criminalidade cresce a sensação de insegurança.

Sérgio Lírio. Carta Capital, 15/12/2004.

Fonte: Livro – Português: Linguagem, 8ª Série – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 4ª ed. – São Paulo: Atual Editora, 2006. p. 241.

Entendendo o artigo:

01 – Qual a principal revelação da pesquisa do Instituto de Estudos da Religião (Iser) mencionada no artigo?

      A pesquisa revela que o aumento de assassinatos com armas de fogo nas últimas décadas ocorreu em ritmo semelhante tanto nos grandes centros urbanos quanto em pequenos e médios municípios, indicando que a violência se disseminou para além das metrópoles.

02 – Que regiões específicas do interior do Brasil apresentam índices preocupantes de violência, segundo o artigo?

      Regiões controladas pelo crime organizado ou localizadas próximas a rodovias utilizadas para o tráfico de drogas e contrabando, como o polígono da maconha em Pernambuco e as áreas de fronteira no Mato Grosso e no Rio Grande do Sul, exibem altos percentuais de assassinatos.

03 – Qual a conclusão do estudo coordenado por Luciana Phebo sobre a proliferação de armas de fogo no Brasil?

      A conclusão é que a ampla disseminação de armas de fogo em todo o território brasileiro enfraquece a esperança da classe média que buscava segurança ao se mudar das grandes cidades, pois a violência também cresce no interior.

04 – Qual a relação estabelecida no artigo entre o crescimento da criminalidade e a sensação da população?

      O artigo aponta que a sensação de insegurança cresce na mesma velocidade em que a criminalidade se expande pelo país, afetando tanto os moradores de grandes centros quanto os de cidades menores.

05 – Qual a implicação da pesquisa para a estratégia de fuga das grandes cidades como forma de proteção contra a violência?

      A pesquisa sugere que a estratégia da classe média de buscar refúgio da violência em cidades menores se torna cada vez mais frágil, pois o aumento de assassinatos com armas de fogo ocorre de maneira similar em diferentes portes de municípios.

 

ARTIGO DE OPINIÃO: NÃO HÁ COMO FICAR PIOR - (FRAGMENTO) - RONALDO FRANÇA - COM GABARITO

 Artigo de opinião: Não há como ficar pior – Fragmento

            Ronaldo França

        Chacina na Baixada Fluminense expõe a face mais cruel da violência no país: a polícia organizada para matar inocentes

       A corrupção policial é o inimigo número 1 da segurança pública. É ela que alimenta os bandidos com uma encorajadora sensação de impunidade e esteriliza a ação do Estado. É também ela a porta de entrada dos próprios policiais no mundo do crime. O exemplo extremo dessa realidade foi visto na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, há duas semanas, quando trinta pessoas foram assassinadas em menos de duas horas. O crime foi de uma brutalidade nunca vista no país. Não apenas pelo número de vítimas, mas porque foram contados nos corpos mais de sessenta tiros dados principalmente na cabeça, no pescoço e na região do coração. Entre os mortos, adolescentes e crianças. Todos absolutamente inocentes. A investigação inicial tem provas de que os autores são policiais suspeitos de envolvimento em atividades de segurança privada.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjH8g0aE_gcnayGXMQRpBHMBy8vqWQG0Ln7NsNWIGxVZJjRo7YSLlrruGGl3sG4awm6k0PqNy5MHH_yGkDeWc52ZFA9KrfRamzIS9k5f81Iw_V3aluLVuoeNeBemIxgITg3YvvAZkQLXOJoyZm2UUsmdJxh3YEjnuN_Sy8KW3ZbSxL3x_Sa2LC66MkK-34/s320/POLICIAIS.jpg


        [...] O envolvimento de policiais com o crime não é novidade e acontece em todo o país. Mas a frequência com que tem ocorrido cresce assustadoramente. Especialista em supervisão de policiais, o americano Paul Whisenand escreveu que a integridade faz parte da infraestrutura da segurança pública. Quando ela se esvai, a polícia perde credibilidade e eficiência. Várias cidades do mundo já se defrontaram com esse problema e a experiência mostra que a faxina é inevitável quando se pretende construir uma política de segurança eficaz.

        [...] Em Nova Orleans, nos Estados Unidos, um terço da força policial foi afastada com a implantação de uma política de tolerância zero semelhante à de Nova York, onde o mesmo ocorreu. Em Los Angeles, centenas de policiais foram postos para fora de seus distritos. Nessas cidades os índices de criminalidade foram reduzidos em até um terço do que eram, o que não se teria conseguido sem a limpeza na polícia.

        A experiência americana mostra que o expurgo dos policiais criminosos é vital, mesmo quando se sabe que no dia seguinte à expulsão haverá um bandido a mais à solta. “É melhor um bandido na rua, monitorado, do que disfarçado de policial e com sua ação criminosa custeada pelo estado”, afirma o ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho.

Ronaldo França. Veja, n° 1900.

Fonte: Livro – Português: Linguagem, 8ª Série – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 4ª ed. – São Paulo: Atual Editora, 2006. p. 241.

Entendendo o artigo:

01 – Qual o evento trágico que motiva a reflexão do autor no artigo?

      A chacina ocorrida na Baixada Fluminense, onde trinta pessoas foram assassinadas com extrema brutalidade, sendo muitas vítimas atingidas na cabeça e no coração, incluindo adolescentes e crianças inocentes.

02 – Segundo o autor, qual é o principal inimigo da segurança pública no Brasil?

      A corrupção policial é apontada como o inimigo número um da segurança pública, pois alimenta a impunidade dos criminosos, impede a ação eficaz do Estado e serve como porta de entrada para policiais no mundo do crime.

03 – Qual a principal implicação da perda de integridade na polícia, de acordo com o especialista Paul Whisenand citado no artigo?

      A perda de integridade na polícia leva à perda de credibilidade e eficiência da instituição, prejudicando a segurança pública como um todo.

04 – Quais exemplos de cidades americanas são mencionados no artigo como casos de sucesso na redução da criminalidade através da "faxina" na polícia?

      Nova Orleans e Los Angeles, nos Estados Unidos, são mencionadas como cidades que implementaram políticas de tolerância zero e afastaram um grande número de policiais, resultando na redução significativa dos índices de criminalidade.

05 – Qual o argumento apresentado pelo ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva Filho, sobre a importância de expurgar policiais criminosos da corporação?

      Ele argumenta que é preferível ter um bandido na rua, mesmo que monitorado, do que um criminoso disfarçado de policial, cuja ação criminosa é financiada pelo próprio Estado.

 

ARTIGO DE OPINIÃO: O ESPELHO - MARCELO MIGLIACCIO - COM GABARITO

 Artigo de opinião: O espelho

                MARCELO MIGLIACCIO

        Falar mal da TV virou moda. É "in" repudiar a baixaria, desancar o onipresente eletrodoméstico. E, num país em que os domicílios sem televisão são cada vez mais raros, o que não falta é especialista no assunto. Se um dia fomos uma pátria de 100 milhões de técnicos de futebol, hoje, mais do que nunca, temos um considerável rebanho de briosos críticos televisivos.

Fonte https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-UNiE09OlPdDgnXOEp1NxlqtgDCsUY4ekxrafClLnD27JfxrsJ5kcx9vO2YGumv0otERn-RVV4EIaeCj0pZhM2D-OmubDEcb0U_MMeSI8h9H-K2Tgxmf9R8LzyKUqbeBSMH8Dt-4cQnGneop1jOp57INXQUm7fdbDfTmhHhyGVYCy49gatfahg4nX460/s320/TV.jpg

        Depois de azular as janelas das grandes e das pequenas cidades, os televisores ganharam as ruas. Hoje não se encontra um boteco, padaria ou consultório dentário que não tenha um. Há até taxistas que trabalham com um olho no trânsito e outro na novela. E, nas esquinas escuras onde se come o suspeitíssimo cachorro-quente, pode-se assistir ao "Jornal Nacional" e ser assaltado em tempo real.

        Mas, quando os "especialistas" criticam a TV, estão olhando para o próprio umbigo. Feita à nossa imagem e semelhança, ela é resultado do que somos enquanto rebanho globalizado. Macaqueia e realimenta nossos conceitos e preconceitos quando ensina, diariamente, o bê-á-bá a milhões de crianças.

        Reclamamos que, na programação, só vemos sexo, violência e consumismo. Ora, isso é o que vemos também ao sair à rua. E, se fitarmos o espelho do banheiro com um pouco mais de atenção, levaremos um susto com a reprise em cartaz. Talvez por isso a TV nos choques, por nos mostrar, sem rodeios, a quantas anda o inconsciente coletivo. E não adianta dourar a pílula; já tentaram, mas não deu ibope.

        Aqui e ali, alguns vão argumentar que cultivam pensamentos mais nobres e que não se sentem representados no vídeo. Mas a fração que lhes cabe está lá, escondidinha como é próprio às minorias. Está nos bons documentários, nas belas imagens dos eventos esportivos, na dramaturgia sensível, no humorismo que surpreende, nos desenhos e nas séries inteligentes, no entrevistador que sabe ouvir o entrevistado, nas campanhas altruístas.

        Reclama-se muito que, nas novelas, os negros fazem, quase sempre, papéis de subalternos. Mas é essa condição que a sociedade reserva à maioria deles, e também à maior parte dos nordestinos, na vida real. O que a televisão fornece é um retrato da desigualdade no país.

        E, quando explora a mulher, estigmatiza gays, restringe o mercado para o ator idoso ou vende cerveja, maledicência e atrocidade na programação vespertina, ela reflete o mundo dominado pelo macho-adulto-branco-capitalizado.

        A televisão mostra muita violência o dia inteiro, gritam os pacifistas na sala de estar. Como se não houvesse milhões de Stallones, Gibsons, Bronsons, Van Dammes e Schwarzeneggers armados até os dentes no Afeganistão, Golfo Pérsico, Colômbia, Mianmar, favelas brasileiras ou trincheiras angolanas.

        É natural que uma parte de nós se revolte, o que parece tão compreensível quanto inócuo. Campanhas contra a baixaria televisiva lembram a piada do marido traído que encontra a mulher com o amante no sofá da sala e, no dia seguinte, vende o móvel para solucionar o problema. Garrotear a TV é tapar o sol com a peneira.

        Enquanto a discussão ganha adeptos, continuamos devorando nosso tubo de imagem de estimação. Depois, de barriga cheia, saímos à rua para ratificar, legitimar com pensamentos, palavras e atitudes, que as coisas são mesmo assim e que, pelo jeito, a reprise continuará.

        Aquele repórter sensacionalista que repete à exaustão a cena de linchamento, o apresentador que tripudia sobre o drama do desvalido, a loura que vê na criança um consumidor a mais, o jovem que tem num "reality show" desumano a alternativa para sua falta de horizonte, a menina precocemente erotizada, no fundo, somos todos nós.

Folha de São Paulo, 19/10/2003.

Fonte: Livro – Português: Linguagem, 8ª Série – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 4ª ed. – São Paulo: Atual Editora, 2006. p. 238-239.

Entendendo o artigo:

01 – Qual a crítica inicial do autor em relação à atitude comum sobre a televisão no Brasil?

      O autor critica a "moda" de falar mal da TV e repudiar sua suposta "baixaria", apontando que, em um país com poucos lares sem televisão, há muitos "especialistas" em criticá-la.

02 – Qual a metáfora central utilizada pelo autor para descrever a relação entre a televisão e a sociedade?

      A metáfora central é a do "espelho". O autor argumenta que a televisão reflete a sociedade, sendo "feita à nossa imagem e semelhança" e reproduzindo nossos conceitos e preconceitos.

03 – Segundo o autor, por que a programação da televisão frequentemente exibe sexo, violência e consumismo?

      Ele afirma que esses temas são prevalentes na programação porque também são elementos presentes na vida cotidiana e no "inconsciente coletivo" da sociedade. A televisão, ao mostrá-los, apenas reflete a realidade.

04 – O autor nega que haja conteúdo de qualidade na televisão? Justifique sua resposta.

      Não, o autor não nega. Ele argumenta que, embora muitas críticas se concentrem nos aspectos negativos, existem conteúdos de qualidade direcionados a minorias, como bons documentários, eventos esportivos bem filmados, dramaturgia sensível, humor inteligente, entrevistas relevantes e campanhas altruístas.

05 – Como o autor interpreta a representação de minorias, como negros e nordestinos, nas telenovelas?

      Ele entende que a representação de negros em papéis subalternos e a marginalização de nordestinos nas novelas refletem a desigualdade existente na sociedade brasileira na vida real. A televisão, nesse aspecto, funciona como um retrato da injustiça social.

06 – Qual a crítica do autor em relação aos que se indignam com a violência mostrada na televisão?

      O autor ironiza os "pacifistas na sala de estar" que se chocam com a violência televisiva, como se essa violência não fosse uma realidade presente em diversos conflitos e situações ao redor do mundo e dentro do próprio país.

07 – Qual a conclusão do autor sobre a eficácia das campanhas contra a "baixaria" televisiva e o comportamento da sociedade em relação à TV?

      O autor considera as campanhas contra a "baixaria" inócuas, comparando-as à atitude de vender o sofá onde ocorreu uma traição em vez de lidar com o problema real. Ele conclui que a sociedade continua consumindo a televisão e, ao sair às ruas, ratifica e legitima o tipo de conteúdo que é exibido, perpetuando o ciclo.

 

 

REPORTAGEM: VIDA E MORTE, UMA QUESTÃO DE DIGNIDADE - (FRAGMENTO) - MÔNICA MANIR - COM GABARITO

 Reportagem: Vida e Morte, uma questão de dignidade – Fragmento

                     Mônica Manir

        Por mais de 12 anos, o padre Leo Pessini fez de um hospital sua paróquia. À beira dos leitos ou pelos corredores, compartilhou graças de cura, ministrou extremas-unções, prestou pronto-socorro às dores da alma. [...]

Fonte:  https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhTLAoEquBvM-Z4twuCvht24-iFU-0jSutBqBgYg1OxfUsE9UAry_W__d6r_M7oVVmFQqdKVzeR9cluuipQ8r8lFt8JUErLEuAKmyzOAPLQIsNR7rZ5kOx9mStZmSfsCstUZ5hsFUxbB9-CvhontwFzjXLZahPVpXIrgJhU9blVQJNQtiySR1C5c99BvbA/s1600/DIREITO.jpg


        [...]

        Você lerá a seguir algumas respostas dadas pelo padre às questões propostas pelo jornal.

        Para fugir do rótulo de eutanásia, proibida pela legislação, os médicos retiraram o tubo (de Terri Schiavo) em vez de oferecer algum medicamento que lhe tirasse a vida. Ainda assim, a opção é vista como eutanásia?

        Sim, é uma eutanásia passiva ou por omissão, moralmente inaceitável. O termo “eutanásia” quer dizer, literalmente, morte boa, sem dor nem sofrimento, assistida por um médico, ao doente moribundo. No século XX, porém, esse tom benévolo ganhou um caráter pejorativo depois que nazismo “eutanasiou” cerca de 100 mil pessoas, principalmente recém-nascidos, idosos e deficientes físicos e mentais. A eutanásia pode ser ativa ou passiva. Um exemplo de eutanásia ativa é a administração de uma overdose de morfina. O caso de Terri ilustra a passiva.

        A Igreja condena a eutanásia, mas autoriza os médicos a deixarem uma pessoa morrer em paz. Qual é a diferença?

        Deixar a pessoa morrer em paz é aceitar a condição humana e evitar que se usem procedimentos médicos desproporcionais em relação aos resultados esperados. É negar o abreviamento da vida ou eutanásia, mas também o prolongamento exagerado da agonia, do sofrimento e da morte do paciente por meio da tecnologia e dos medicamentos – a chamada distanásia. Tratamento fútil e inútil, a distanásia não estende a vida propriamente dita, e sim o processo de morrer. Diante de um prognóstico certo de que não há mais cura para determinada doença – e nem sempre é fácil chegar a isso –, paira uma obstinação terapêutica em busca da cura da morte. Nesse sentido, em vez de manter a pessoa indefinidamente presa a uma máquina, seria mais apropriado investir em cuidados paliativos que dessem mais conforto ao doente numa fase terminal.

        Negar os recursos da tecnologia a um paciente não seria ferir um dos objetivos clássicos da medicina, que é prolongar a vida?

        Não sou contra a tecnologia, mas contra a “tecnolatria”, que coloca os aparelhos e a farmacologia num pedestal. [...] Hoje as UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) são modernas catedrais do sofrimento humano. Só deveria ir para a UTI quem tem esperança de cura e saúde, mas não é bem isso o que acontece.

        [...]

Mônica Manir. O Estado de São Paulo, 27/3/2005.

Fonte: Livro – Português: Linguagem, 8ª Série – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 4ª ed. – São Paulo: Atual Editora, 2006. p. 224-225.

Entendendo a reportagem:

01 – Qual foi a experiência marcante do Padre Leo Pessini mencionada no início do texto?

      Por mais de 12 anos, ele fez de um hospital sua paróquia, compartilhando momentos com pacientes à beira dos leitos e nos corredores, oferecendo apoio espiritual em diversas situações.

02 – Como o Padre Leo Pessini classifica a retirada do tubo de Terri Schiavo, mesmo sem a administração de medicamentos letais?

      Ele classifica essa ação como eutanásia passiva ou por omissão, considerando-a moralmente inaceitável.

03 – Qual a definição literal de "eutanásia" apresentada no texto e como essa palavra adquiriu uma conotação negativa?

      Literalmente, "eutanásia" significa "morte boa, sem dor nem sofrimento, assistida por um médico, ao doente moribundo". A palavra ganhou um caráter pejorativo devido ao uso pelo nazismo para justificar a morte de cerca de 100 mil pessoas.

04 – Qual a distinção que a Igreja faz entre eutanásia e "deixar a pessoa morrer em paz", segundo o Padre Leo Pessini?

      "Deixar a pessoa morrer em paz" significa aceitar a condição humana e evitar procedimentos médicos desproporcionais. Diferentemente da eutanásia, que abrevia a vida, e da distanásia, que prolonga exageradamente o sofrimento, essa abordagem foca em não impedir o curso natural da morte quando a cura não é mais possível.

05 – O que é distanásia, e qual a crítica do Padre Leo Pessini a essa prática?

      Distanásia é o prolongamento exagerado da agonia e da morte de um paciente por meio de tecnologia e medicamentos, mesmo quando não há mais esperança de cura. O Padre Pessini critica essa prática, chamando-a de tratamento fútil e inútil que apenas estende o processo de morrer.

06 – Qual a ressalva feita pelo Padre Leo Pessini em relação ao uso da tecnologia na medicina?

      Ele não é contra a tecnologia em si, mas sim contra a "tecnolatria", que supervaloriza aparelhos e farmacologia. Ele argumenta que as UTIs, por exemplo, deveriam ser reservadas para quem tem esperança de cura, o que nem sempre acontece.

07 – Qual a alternativa de cuidado que o Padre Leo Pessini sugere para pacientes em fase terminal, em vez da obstinação terapêutica?

      Ele sugere investir em cuidados paliativos, que visam dar mais conforto e dignidade ao doente em fase terminal, em vez de manter a pessoa indefinidamente presa a máquinas na busca incessante pela cura da morte.

 

NOTÍCIA: ORTOTANÁSIA E EUTAN´SIA - FRAGMENTO - NISE YAMAGUCHI - COM GABARITO

 Notícia: Ortotanásia e Eutanásia – Fragmento

             Nise Yamaguchi

        O que é a vida, afinal? É meramente um conjunto de reações bioquímicas até o momento não replicáveis simultaneamente? Ou algo com uma abrangência maior, sagrada e eterna? Advém das incertezas que cercam o sentido da existência humana a nossa perplexidade diante desse tema tão polêmico que é a eutanásia.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi48YwOWC6ZtNGVBdlyRrOS7aD-wkFBD5CbpyYGk3MDHfdKGB6FcAS91Yp2uBv9Sz8a4Wjzol5i1uM0NXdrQ_1nWZluo9oT6WC2o4CdgRprU1zhch6tPnILhEwpUz9DE81GmvC7F43kc6kZWZzbpmbka2GWSowjTnBCkW-DPLnPkAvPFb3pp3R715FLVs8/s1600/EUTANASIA.jpg


        Sou oncologista e imunologista. Faz 8 anos que busco mais vida com qualidade para os pacientes com câncer e portadores de Aids com câncer. [...].

        Os pacientes que já na primeira consulta me dizem que querem morrer antes de tentar os tratamentos são exceções. Mas existem. Um elemento comum a eles é falta de esperança, depressão e medo do sofrimento. [...]

        Independentemente da diversidade de visões sobre a existência e também das novas e eficientes técnicas de tratamento, há instantes em que se perde a batalha contra as doenças. É então que uma pergunta se faz necessária: até quando é lícito prolongar com medidas artificiais a manutenção da vida vegetativa? [...]

        Existe grande confusão entre os diversos tipos de eutanásia – ou boa morte. Uma é a eutanásia ativa, na qual o médico ou alguém causa ativamente a morte do indivíduo e que é proibida por lei no Brasil. Anda de mãos dadas com o chamado suicídio assistido, mas é prática regulamentada em alguns outros países, como Holanda e Dinamarca.

        Em um outro extremo há a distanásia ou obstinação terapêutica, que, segundo o especialista em bioética padre Leo Pessini, “é uma ação, intervenção ou um procedimento médico que não atinge o objetivo de beneficiar a pessoa em fase terminal e que prolonga inútil e sofridamente o processo de morrer procurando distanciar a morte”. Sou contra a distanásia [...].

        E como seria a verdadeira boa morte? Creio que é aquela denominada morte assistida e que, para não trazer o cunho negativo da terminologia eutanásia passiva, prefiro denominar de ortotanásia. É cuidar dos sintomas sem recorrer a medidas intervencionistas de suporte em quadros irreversíveis. É respeitar o descanso merecido do corpo, o momento da limpeza da caixa preta de mágoas e rancores; é a hora de dizer coisas boas, os agradecimentos que não fizemos antes. É a hora da despedida e da partida.

Nise Yamaguchi. Folha de São Paulo, 26/3/2005.

Fonte: Livro – Português: Linguagem, 8ª Série – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 4ª ed. – São Paulo: Atual Editora, 2006. p. 224.

Entendendo a notícia:

01 – Qual a principal questão que leva à perplexidade em relação à eutanásia, segundo Nise Yamaguchi?

      A incerteza sobre o sentido da existência humana, se a vida é apenas um conjunto de reações bioquímicas ou algo mais profundo e eterno.

02 – Qual a diferença entre eutanásia ativa e ortotanásia?

      Eutanásia ativa: um médico ou outra pessoa causa ativamente a morte do indivíduo.

      Ortotanásia: cuidados dos sintomas sem medidas artificiais para prolongar a vida em casos irreversíveis, respeitando o processo natural da morte.

03 – O que é distanásia, e qual a opinião de Nise Yamaguchi sobre ela?

      Distanásia é a obstinação terapêutica, prolongando a vida de um paciente terminal com intervenções que não trazem benefício e aumentam o sofrimento. Nise Yamaguchi é contra essa prática.

04 – Qual o papel da esperança e da depressão no desejo de alguns pacientes terminais de optar pela eutanásia?

      A falta de esperança, a depressão e o medo do sofrimento são elementos comuns entre os pacientes que expressam o desejo de morrer antes de tentar tratamentos.

05 – Como Nise Yamaguchi define uma "boa morte"?

      Ela acredita que a "boa morte" é a ortotanásia, ou morte assistida, que envolve cuidar dos sintomas e permitir um descanso digno para o corpo, focando no conforto do paciente.

06 – Como a legislação brasileira trata a eutanásia ativa?

      A eutanásia ativa é proibida por lei no Brasil.

07 – Qual a diferença entre eutanásia e suicídio assistido?

      Embora andem de mãos dadas, a eutanásia é quando outra pessoa causa a morte, geralmente um médico, e o suicídio assistido é quando outra pessoa auxilia o paciente a cometer suicídio.

 

 

 

 

CONTO: O PRIMEIRO BEIJO - (FRAGMENTO) - CLARICE LISPECTOR - COM GABARITO

 Conto: O primeiro beijo – Fragmento

            Clarice Lispector

        Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgBXKMAZwPZkKeLYhQSEran2HXk3DBYYWf11hK4KtUH39f6ixd4ZtisB66uubSHgmz4KOtUFRPIhrrx_gUtBaXIzsXLNIItmkgQ0g_5RJzAnH50dpiTo4H44gp_Zg0zFkbTilbBrphcRfavhb9juG38mP4ZOt-8O1j1DJ6667osLayVW9RHLYsm1M7jP4s/s320/O%20PRIMEIRO.jpg


        -- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar?

        Ele foi simples:

        -- Sim, já beijei antes uma mulher.

        -- Quem era ela? – perguntou com dor.

        Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.

        O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir – era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.

        E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca.

        E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engolia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.

        A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio-dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.

        E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, talvez horas, enquanto sua sede era de anos.

        Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.

        O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada.

        O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.

        De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga.

        Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.

        Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.

        E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.

        [...]

        Ele a havia beijado.

        Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva.

        [...]

        Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.

        Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele...

        Ele se tornara homem.

Clarice Lispector. O primeiro beijo. São Paulo: Ática, 1989. p. 20-22.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 7ª Série – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 1ª ed. 15ª reimpressão – São Paulo: Atual Editora, 2003. p. 64-65.

Entendendo o conto:

01 – Qual a situação inicial do casal apresentada no fragmento?

      O casal havia iniciado um namoro recentemente e ambos estavam "tontos", vivenciando o amor e o ciúme que o acompanha. Eles estavam mais murmurando que conversando.

02 – Qual a pergunta que a namorada faz ao rapaz sobre seus beijos anteriores?

      Ela pergunta se ele já havia beijado outra mulher antes de beijá-la, insistindo que ele dissesse apenas a verdade.

03 – Como o narrador descreve a tentativa do rapaz de contar sobre seu beijo anterior?

      O narrador afirma que ele tentou contar "toscamente", indicando que o rapaz tinha dificuldade em expressar a situação.

04 – Em que cenário o rapaz se recorda de sua experiência anterior ao beijo com a namorada?

      Ele se lembra de estar em um ônibus de excursão, subindo uma serra, no meio de outros jovens em algazarra, sentindo a brisa no rosto e experimentando uma intensa sede.

05 – Qual era a causa da intensa sede sentida pelo rapaz na lembrança?

      A sede era causada pela brincadeira com os colegas, falar alto acima do barulho do motor, rir, gritar, pensar e sentir, que deixaram sua garganta seca, além da falta de água.

06 – Onde o rapaz finalmente encontra a água para matar sua sede na lembrança, e qual é a sua surpreendente descoberta ao beber?

      Ele encontra a água em um chafariz de pedra na curva da estrada. Ao beber, de olhos fechados, ele percebe um contato gélido em seus lábios e, ao abrir os olhos, descobre que a água jorrava da boca da estátua de uma mulher de pedra, na qual ele havia colado seus lábios.

07 – Qual a transformação que o rapaz vivencia após a lembrança do "primeiro beijo" e a revelação que jorra de seu interior?

      Ele sofre um tremor interno e sente o mundo se transformar, experimentando a vida como algo inteiramente novo. A verdade que jorra de seu interior, causando-lhe susto e orgulho, é que ele se tornara homem.

 

quarta-feira, 2 de abril de 2025

SONETO: QUANDO OLHO PARA MIM NÃO ME PERCEBO - ÁLVARO DE CAMPOS - COM GABARITO

 Soneto: Quando olho para mim não me percebo

             ÀLVARO DE CAMPOS

Quando olho para mim não me percebo.

Tenho tanto a mania de sentir

Que me extravio às vezes ao sair

Das próprias sensações que eu recebo.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYTbytuc6tk-KdWiGsgZuo09EkkCdxwF2IPTFfH6K44_a5P6oeY1ZpDJJJ45rsewKzEggdgD8RmI7aj3NQeWToyQRcqmeO_7ElXASMk8hIjzokpoDD7ThOwRoirrHeGReAoIL4NGcF8Z6nqhjFAtdjyEARaENR2ja-GSEC3AJdGAKZxYzfu8gP1duZcp0/s320/tumblr_n2vf62Z7if1sthf15o1_1280.jpg


 

O ar que respiro, este licor que bebo

Pertencem ao meu modo de existir,

E eu nunca sei como hei de concluir

As sensações que a meu pesar concebo.

 

Nem nunca, propriamente, reparei

Se na verdade sinto o que sinto. Eu

Serei tal qual pareço em mim? Serei.

 

Tal qual me julgo verdadeiramente?

Mesmo ante às sensações sou um pouco ateu,

Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.

PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro, Aguilar, 1974. p. 301.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 447.

Entendendo o soneto:

01 – Qual é a principal angústia expressa pelo eu lírico no poema?

      A principal angústia do eu lírico é a dificuldade em definir a própria identidade e a incerteza sobre a autenticidade de suas sensações. Ele questiona se o que sente é realmente verdadeiro e se a imagem que tem de si mesmo corresponde à realidade.

02 – Como o eu lírico descreve sua relação com as próprias sensações?

      O eu lírico se sente perdido em meio às próprias sensações, como se elas o desviassem de si mesmo. Ele menciona que o ar que respira e a bebida que consome fazem parte de seu modo de existir, mas não consegue concluir o que sente.

03 – Qual a metáfora utilizada no último verso do poema e qual o seu significado?

      No último verso, o eu lírico se compara a um "ateu" diante de suas próprias sensações. Essa metáfora expressa a descrença e a dúvida em relação à autenticidade do que sente, como se não acreditasse que as sensações realmente emanassem dele.

04 – Qual é o tema central abordado no soneto?

      O tema central do soneto é a busca pela identidade e a dificuldade em definir o "eu". O eu lírico questiona a própria existência e a veracidade de suas sensações, expressando uma profunda angústia existencial.

05 – Como a estrutura do soneto contribui para a expressão da angústia do eu lírico?

      A estrutura do soneto, com seus 14 versos e rimas precisas, cria um ritmo que intensifica a sensação de aprisionamento e reflexão introspectiva. A forma fixa do soneto contrasta com a fluidez das dúvidas existenciais do eu lírico, criando um efeito de tensão que ressalta a angústia expressa no poema.

 

 

CONTO: A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA - FRAGMENTO - GUIMARÃES ROSA - COM GABARITO

 Conto: A hora e a vez de Augusto Matraga – Fragmento

           Guimarães Rosa

        Mas, afinal, as chuvas cessaram, e deu uma manhã em que Nhô Augusto saiu para o terreiro e desconheceu o mundo: um sol, talqualzinho a bola de enxofre do fundo do pote, marinhava céu acima, num azul de água sem praias, com luz jogada de um para o outro lado, e um desperdício de verdes cá embaixo – a manhã mais bonita que ele já pudera ver.

 Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEimtXtzrxY2ucsUMNmt5b95OMueUkTs8XGOuU5uZtLofNXYSeK8GL-AuRuOuVZXbzFksxg7rgzT5aZzSDbpg0g9D5axQuM7wvUCDaep0RMFY2zjsaW1Df0-uqC9hecVW51uZL-XV3gIvta6A35oPsEaFhZ8mpGPmj0ALf-V_gbNN4re9vSILtVDitAwmEg/s1600/images.jpg


        Estava capinando, na beira do rego.

        De repente, na altura, a manhã gargalhou: um bando de maitacas passava, tinindo guizos, partindo vidros, estralejando de rir. E outro. Mais outro. E ainda outro, mais baixo, com as maitacas verdinhas, grulhantes, gralhantes, incapazes de acertarem as vozes na disciplina de um coro.

        Depois, um grupo verde-azulado, mais sóbrio de gritos e em fileiras mais juntas.

        – Uai! Até as maracanãs!

        E mais maitacas. E outra vez as maracanãs fanhosas. E não se acabavam mais. Quase sem folga: era uma revoada estrilando bem por cima da gente, e outra brotando ao norte, como pontozinho preto, e outra – grão de verdura – se sumindo no sul.

        – Levou o diabo, que eu nunca pensei que tinha tantos!

        E agora os periquitos, os periquitos de guinchos timpânicos, uma esquadrilha sobrevoando outra ... E mesmo, de vez em quando, discutindo, brigando, um casal de papagaios ciumentos. Todos tinham muita pressa: os únicos que interromperam, por momentos, a viagem, foram os alegres tuins, os minúsculos de cabecinha amarela, que não levam nada a sério, e que choveram nos pés de mamão e fizeram recreio, aos pares, sem sustar o alarido — rrr!-rrri!! rrr!-rrri!! ...

        Mas o que não se interrompia era o trânsito das gárrulas maitacas. Um bando grazinava alto, risonho, para o que ia na frente:
— Me espera! Me espera!... — E o grito tremia e ficava nos ares, para o outro escalão, que avançava lá atrás.


        — Virgem! Estão todas assanha­das, pensando que já tem milho nas roças... Mas, também, como é que podia haver um de-manhã mesmo bonito, sem as maitacas?!...

        O sol ia subindo, por cima do voo verde das aves itinerantes. Do outro lado da cerca, passou uma rapariga. Bonita! Todas as mulheres eram boni­tas. Todo anjo do céu devia de ser mulher."

        [...]

João Guimarães Rosa, em “A hora e a vez de Augusto Matraga”.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 423-424.

Entendendo o conto:

01 – Qual a transformação na paisagem que Nhô Augusto observa após as chuvas?

      Após as chuvas, Nhô Augusto se depara com uma manhã ensolarada e vibrante, com um céu azul intenso e uma profusão de verde na vegetação, descrevendo a manhã como a mais bonita que já viu.

02 – Que elementos da natureza chamam a atenção de Nhô Augusto na manhã descrita?

      Nhô Augusto fica impressionado com a quantidade e variedade de aves que cruzam o céu, como maitacas, maracanãs, periquitos e papagaios, além da beleza do sol e da paisagem verdejante.

03 – Como as aves são descritas no texto?

      As aves são descritas com uma linguagem rica em sons e cores, com referências aos seus gritos, como "tinindo guizos" e "grulhantes, gralhantes", e às suas cores, como "verdinhos" e "verde-azulado".

04 – Qual a reação de Nhô Augusto ao observar a revoada de aves?

      Nhô Augusto expressa surpresa e admiração diante da quantidade de aves, exclamando: "Levou o diabo, que eu nunca pensei que tinha tantos!".

05 – Que reflexão Nhô Augusto faz sobre as maitacas?

      Nhô Augusto comenta que as maitacas parecem estar "assanhadas", como se estivessem ansiosas pela colheita de milho, e reconhece que a beleza da manhã está intrinsecamente ligada à presença delas.

06 – Como a figura da mulher é apresentada no final do fragmento?

      A figura da mulher é idealizada e associada à beleza da paisagem e à figura angelical, com a frase: "Todas as mulheres eram bonitas. Todo anjo do céu devia de ser mulher.".

07 – Qual a importância da descrição da natureza no fragmento?

      A descrição da natureza exuberante serve como um contraponto à aridez do sertão e à violência presente em outras partes do conto, além de revelar a sensibilidade de Nhô Augusto e sua capacidade de se maravilhar com a beleza do mundo.