sábado, 3 de outubro de 2020

CONTO: A MULHER DO ANACLETO - LIMA BARRETO - COM GABARITO

 Conto: A Mulher do Anacleto

                Lima Barreto

       Este caso se passou com um antigo colega meu de repartição.

  Ele, em começo, era um excelente amanuense, pontual, com magnífica letra e todos os seus atributos do ofício faziam-no muito estimado dos chefes.

      Casou-se bastante moço e tudo fazia crer que o seu casamento fosse dos mais felizes. Entretanto, assim não foi.

        No fim de dois ou três anos de matrimônio, Anacleto começou a desandar furiosamente. Além de se entregar à bebida. Deu-se também ao jogo.

        A mulher muito naturalmente começou a censurá-lo.

        A princípio, ele ouvia as observações da cara metade com resignação; mas, em breve, enfureceu-se com ela e deu em maltratar fisicamente a pobre rapariga.

        Ela estava no seu papel, ele, porém, é que não estava no dele.

        Motivos secretos e muito íntimos, talvez explicassem a sua transformação; a mulher, porém, é que não queria entrar em indagações psicológicas e reclamava. As respostas a estas acabaram por pancadaria grossa. Suportou-a durante algum tempo. Um dia, porém, não esteve mais pelos autos e abandonou o lar precário. Foi para a casa de um parente e de uma amiga, mas, não suportando a posição inferior de agregada, deixou-se cair na mais relaxada vagabundagem de mulher que se pode imaginar.

        Era uma verdadeira "catraia" que perambulava suja e rota pelas praças mais reles deste Rio de Janeiro.

        Quando se falava a Anacleto sobre a sorte da mulher, ele se enfurecia doidamente:

        — Deixe essa vagabunda morrer por aí! Qual minha mulher, qual nada!

        E dizia cousas piores e injuriosas que não se podem pôr aqui.

        Veio a mulher a morrer, na praça pública; e eu que suspeitei, pelas notícias dos jornais, fosse ela, apressei-me em recomendar a Anacleto que fosse reconhecer o cadáver. Ele gritou comigo:

        — Seja ou não seja! Que morra ou viva, para mim vale pouco!

        Não insisti, mas tudo me dizia que era a mulher do Anacleto que estava como um cadáver desconhecido no necrotério.

        Passam-se anos, o meu amigo Anacleto perde o emprego, devido à desordem de sua vida. Ao fim de algum tempo, graças à interferência de velhas amizades, arranja um outro, num Estado do Norte.

        Ao fim de um ano ou dois, recebo uma carta dele, pedindo-me arranjar na polícia certidão de que sua mulher havia morrido na via pública e fora enterrada pelas autoridades públicas, visto ter ele casamento contratado com uma viúva que tinha "alguma cousa", e precisar também provar o seu estado de viuvez.

        Dei todos os passos para tal, mas era completamente impossível. Ele não quisera reconhecer o cadáver de sua desgraçada mulher e para todos os efeitos continuava a ser casado.

        E foi assim que a esposa do Anacleto vingou-se postumamente. Não se casou rico, como não se casará nunca mais.

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Entendendo o conto:

01 – Identifique no texto:

a)   Título e autor:

A mulher de Anacleto, de Lima Barreto.

b)   Como inicia a história:

O autor apresenta o Anacleto.

c)   Tema ou acontecimento:

A separação do casal devido a comportamento agressivos de Anacleto.

d)   Tipo de linguagem:

Linguagem culta, norma padrão da língua.

e)   Fatos que formam a história (enredo):

Anacleto torna-se agressivo. A mulher vai embora de casa. Vai morar com amiga, mas não suporta a vida de agregada. Cai na “vida”. Morre em praça pública. O órgão de segurança pública a sepultada como indigente, pois o ex-marido não faz reconhecimento. Anacleto tenta casar novamente, mas não pode, porque não reconhece o matrimônio.

f)    Personagens:

Anacleto e sua esposa.

g)   Tempo:

Passado.

h)   Espaço:

Rio de Janeiro.

i)     Narrador:

O narrador, além de narrar, participa de alguns momentos da história. Identifica-se tanto a 3ª como a 1ª pessoa.

j)     Localize no texto lido trechos que representam a fala do narrador e a fala do(a) personagem(ns).

·        Fala do narrador:

“Este caso se passou com um antigo colega meu de repartição.

Ele, em começo, era um excelente amanuense, pontual, com magnífica letra e todos os seus atributos do ofício faziam-no muito estimado dos chefes.

Casou-se bastante moço e tudo fazia crer que o seu casamento fosse dos mais felizes. Entretanto, assim não foi.”

·        Fala da personagem:

Discurso direto: “— Seja ou não seja! Que morra ou viva, para mim vale pouco!”

k)   Que emoção o conto desperta?

O conto traz uma lição, um ensinamento: “o que faz aqui, paga-se aqui”.

l)     O final é inesperado?

O final é inesperado porque não se espera que Anacleto receba com a mesma moeda o favor que não fez.

 

 

 

 

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