Artigo: Desperdício nababesco
Publicado
em: 29 de novembro de 2016
Revisado
em: 11 de agosto de 2020
Médicos solicitam excesso de exames que
poderiam ser evitados com uma consulta bem feito e que oneram os sistemas de
saúde público e privado.
É nababesco o desperdício de exames no
Brasil. No consultório, canso de ouvir a frase: “Doutor, já que vou colher
sangue, pede todos os exames, tenho plano de saúde”. Nos atendimentos na
Penitenciária Feminina de São Paulo, a mesma solicitação, com a justificativa:
“Tenho direito, é o SUS que paga”.
Fico impressionado com o número de
exames inúteis que os pacientes trazem nas consultas. Chegam com sacolas
abarrotadas de radiografias, tomografias computadorizadas, ressonâncias
magnéticas e uma infinidade de provas laboratoriais que pouco ou nada
contribuíram para ajudá-los.
Num dos grandes laboratórios da cidade,
mais de 90% dos resultados caem dentro da faixa de normalidade. Numa das
operadoras da Saúde Suplementar, pelo menos um terço das imagens realizadas
junta pó nas prateleiras, sem que ninguém se dê ao trabalho de retirá-las.
São múltiplas as causas dessas
distorções.
Nas consultas-relâmpago em ambulatórios
do serviço público e dos convênios, os médicos se defendem pedindo exames, que
poderiam ser evitados caso dispusessem de mais tempo para ouvir as queixas, o
histórico da doença e examinar os pacientes.
Para solicitar ultrassom ou tomografia
para alguém que se queixa de dores abdominais, basta preencher o pedido. Dá
menos trabalho do que avaliar as características e a intensidade da dor, os
fatores de melhora e piora, e palpar o abdômen com atenção.
O SUS e a Saúde Suplementar estão
diante do mesmo desafio: como reduzir os custos. Sem fazê-lo, ambos sistemas se
tornarão inviáveis, antes do que imaginamos.
Como regra, o paciente sai
da consulta confiante de que as imagens revelarão o que se passa no interior de
seu organismo, com muito mais precisão do que o médico seria capaz de fazê-lo.
O problema é que, muitas vezes, o exame
será marcado para semanas ou meses mais tarde, porque os serviços de imagem
ficam sobrecarregados com o excesso de demanda. A demora prejudicará,
sobretudo, aqueles em que há urgência para chegar ao diagnóstico, deixados para
trás pela enxurrada de pedidos desnecessários.
As operadoras de saúde que hoje se
queixam da infinidade de exames subsidiários que encarecem as contas a pagar,
esquecem que até há pouco faziam comerciais na TV que mostravam resgates por
helicóptero e exibiam aparelhos de ressonância, para convencer os usuários de
que ofereciam serviços de qualidade.
Nós, médicos, colaboramos decisivamente
para aumentar o custo da Medicina: é de nossos receituários que partem as solicitações.
Fazemos a vontade dos que nos pedem “todos os exames”, pedimos provas
laboratoriais sem pensar na relevância para o caso e nos damos ao luxo de
solicitar exames e prescrever medicamentos sem ter noção de quanto custam.
Nas faculdades de Medicina, ninguém
fala de dinheiro. Os estudantes não recebem noções elementares de economia e o
preço dos tratamentos é ignorado, como se vivêssemos em outro planeta.
Nos hospitais-escola, o descompromisso
com a realidade econômica é universal. Com o argumento de que os internos e
residentes precisam aprender, ficam justificadas as imagens mais exóticas e a
repetição diária de dosagens de íons, provas de função renal e hepática,
hemogramas, glicemias e o que mais passar pela cabeça dos plantonistas das UTIs
e das unidades semi-intensivas.
É preciso entender o óbvio: os recursos
públicos destinados à saúde são insuficientes. Eles não vêm do governo, saem
dos impostos pagos por nós. Cada vez que somos atendidos pelo SUS, fazemos uso
de uma parte do dinheiro que é de todos, se o gasto for exagerado muitos
ficarão em desvantagem. É bem provável que sejam os mais necessitados.
Nos planos de saúde acontece o mesmo,
com uma diferença: o preço da mensalidade aumenta para todos. É simples, assim.
Hoje, os gastos com saúde das empresas constituem a segunda despesa mais alta
do orçamento anual, só perdem para a folha de pagamento.
O SUS e a Saúde Suplementar estão
diante do mesmo desafio: como reduzir os custos. Sem fazê-lo, ambos sistemas se
tornarão inviáveis, antes do que imaginamos.
A viabilidade do SUS e da Saúde
Suplementar não será alcançada por meio de ideologias, mas com medidas práticas
que reduzam os custos da assistência médica e com intervenções preventivas para
evitar que as pessoas fiquem doentes.
Dráuzio
Varella. Fonte: Livro Se liga na língua. 9° ano. Ed. Moderna, 1° ed. São Paulo,
2018. P. 52.
Entendendo o artigo:
01 – Explique, com suas
palavras, a tese do texto.
O articulista
defende a ideia de que grande parte dos exames realizados no Brasil é
desnecessária.
02 – Qual é a contribuição
da palavra nababesco para a
força dessa tese?
Como nababesco
indica algo extremamente custoso, reforça a dimensão do desperdício e, com
isso, enfatiza a crítica.
03 – Por que as frases
ouvidas dos pacientes podem ser consideradas argumentos nesse contexto?
As frases provam
que os pacientes exigem exames apenas porque têm direito a eles, evidenciando a
falta de utilidade de muitos desses exames.
04 – Explique a estratégia
usada no terceiro parágrafo para confirmar a validade da tese.
O autor cita dados numéricos que confirmam
a tese.
05 – Para desenvolver a
argumentação, o produtor do texto, no último parágrafo transcrito, cria uma
relação de causa e consequência. Escreva um período para explicitar essa
relação e articule suas partes com o conector uma vez que.
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: Os médicos pedem muitos exames, uma vez que não têm tempo
ou interesse em analisar o paciente para fazer um diagnóstico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário