ARTIGO DE OPINIÃO: Falar, calar
Lya Luft
Hoje eu falo de silêncio. Eu, que amo
as palavras, hoje fico nos espaços brancos e nas entrelinhas. Fico ausente,
estou ausente embora de longe siga pelo milagre da tecnologia tudo o que
acontece onde me leem neste instante.
Ausente presente como tantas vezes
tantas pessoas.
Nas histórias que relato ou invento,
hoje não me interessam tanto as tramas e os personagens: somos todos sombras
que andam de um lado para o outro, aparecem e desaparecem em quartos,
corredores, jardins. Caem de escadas, jogam-se no poço, naufragam como rostos
ou ratos.
A mim seduzem palavras e silêncios, e
jeitos de olhar. O formato de uma boca melancólica, ou o baixar de uma pálpebra
que esconde o desejo de morrer ou de matar, ódio ou desamparo, hipocrisia, ah,
o olhar sorrateiro, o estrábico olhar dos mentirosos.
A mim interessam as coisas que
normalmente ninguém valoriza. Porque o real está no escondido. Por isso
escrevo: para esconjurar o avesso das coisas e da vida, de onde nos vem o medo,
que impulsiona como a esperança.
Nas relações amorosas, sou fascinada
pela fração de segundo, o lapso mínimo em que os olhares se desencontram e a
palavra que podia ser pronunciada se recolhe por pusilanimidade, egoísmo ou
autocompaixão. E a cumplicidade se rompe e a gente se sente sozinha.
O caminho do desencontro é ladrilhado
de silêncios, quando se devia falar, e de palavras quando melhor teria sido
ficar calado: e a gente sabia, ah, sim, sabia. Pior: é ladrilhado de gestos que
não foram feitos quando o outro precisava.
E no silêncio o peso da omissão,
cumplicidade com o erro, se agiganta.
[...]
Revista Veja,
7/9/2005.
Fonte: Língua
Portuguesa. Viva Português. 9° ano. Editora Ática. Elizabeth Campos. Paula
Marques Cardoso. Silvia Letícia de Andrade. 2ª edição. 2011. P. 136-7.
Entendendo o texto:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Esconjurar: afastar ou exorcizar; fazer desaparecer.
·
Pusilanimidade: característica de quem é pusilânime (covarde).
02 – Comparem os períodos,
depois façam o que se pede no caderno:
·
“Hoje
eu falo de silêncio.”
· “Eu, que amo as palavras, hoje fico nos espaços brancos e nas entrelinhas.”
a) Classifiquem os períodos em relação ao número de orações.
O primeiro período é simples e o segundo é composto.
b) A autora se caracteriza por meio de uma oração subordinada adjetiva explicativa. Escreva essa oração.
Que amo as palavras.
c) Qual oração do segundo período:
·
Se opõe
à ideia de silencia?
Que amo as palavras.
· Se refere ao silêncio?
Eu hoje fico nos espaços brancos e nas entrelinhas.
03 – A autora declara que
está ausente-presente como tantas pessoas. A palavra ou expressão que melhor
indica esse estado é:
a)
Melancolia.
b)
Pusilanimidade.
c)
Silêncio.
d)
Ódio.
04 – Por meio de antíteses,
a autora mostra um pouco de sua desilusão. Os pares de palavras que indicam
isso são:
a)
Falar x calar.
b)
Ausente x presente.
c)
Aparecem x desaparecem.
d)
Palavras x silêncios.
e)
Tramas x personagens.
05 – A oração subordinada
que expressa um fato oposto à ideia da oração principal, confirmando assim as
ideias contidas nas questões 2 e 3, é:
a)
“[...] embora de longe siga pelo
milagre da tecnologia tudo [...]” (subordinada adverbial concessiva).
b)
“[...] que acontece [...]” (subordinada
adjetiva restritiva).
c)
“[...] onde me leem neste instante.”
(Subordinada adverbial locativa).
06 – Em seu texto a autora
procura explicar o objetivo, a finalidade de sua profissão. A oração
subordinada adverbial que indica isso é:
a)
“Porque o real está no escondido.” (Adverbial
causal).
b)
“[...] para esconjurar o avesso das
coisas e da vida [...]” (Adverbial final).
07 – Leiam a reorganização
dos períodos do penúltimo parágrafo:
“O
caminho do desencontro é ladrilhado de silêncios, quando se devia falar, e de
palavras quando melhor teria sido ficar calado: e a gente sabia, ah, sim,
sabia. Pior: é ladrilhado de gestos que não foram feitos quando o outro
precisava.”
Nesse parágrafo a autora marca os
desencontros da vida com momentos. Esses momentos são indicados por orações
subordinadas adverbiais temporais. Identifiquem-nas.
Quando se devia
falar; quando o melhor teria sido ficar calado; quando o outro precisava.
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