Reportagem: Isso é que é a melhor idade
Ana Carolina Nunes
A Paraíba inaugura o primeiro centro
residencial para idosos de baixa renda do país e levanta a discussão sobre as
alternativas de cuidados para a terceira idade – a população que mais cresce no
Brasil
Em 1985 o filme Cocoon, dirigido por
Ron Howard, fez sucesso no mundo todo com personagens idosos se
revigorando ao se banhar nas águas da piscina do asilo
energizadas por misteriosos casulos submersos. Os casulos tinham
vindo do espaço, trazidos por alienígenas. Quase 30 anos depois,
um grupo de 50 idosos de João Pessoa, capital da Paraíba, também está
passando por um processo de revigoramento, mas que nada tem a ver com
ficção científica.
A boa vida e a disposição derivam do
Cidade Madura, o primeiro condomínio do país projetado para idosos de
baixa renda. Não há piscina, mas as 40 unidades habitacionais estão em uma
área com clube recreativo, posto de saúde, pista de caminhada, equipamentos
para musculação, redário, jogos de tabuleiro, praça, pomar, horta e
jardim. Toda essa estrutura promove o bem-estar daqueles que
já passaram dos 60 anos, oferecendo segurança e,
principalmente, independência aos moradores.
Para Silvio Camacho, 68 anos, o novo
endereço é muito especial. “Eu trabalhei a minha vida toda com
paisagismo; então, aqui, gosto principalmente do jardim, onde posso fazer
alguns trabalhos”, conta. Camacho vive com a esposa, que é cadeirante.
O terreno plano do condomínio e a estrutura local estão adequados aos
padrões de acessibilidade.
As casas, de 54 m², têm portas mais
largas, banheiro amplo e corrimão no boxe do chuveiro para facilitar
o uso. “Aqui tem paz, liberdade, tranquilidade e segurança, estamos
felizes. Trabalhamos a vida toda para construir a riqueza do Brasil. Acho
que a Cidade Madura é um retorno e um reconhecimento disso”, diz
Camacho. Além da presença de um profissional de saúde 24 horas, o bairro tem
guarita de segurança e policiamento noturno.
“As pessoas tendem a tutelar o idoso.
Mas a concepção do Cidade Madura vai no sentido oposto, o da
independência. Eles querem aproveitar e curtir, mas sendo protagonistas da
sua vida, e o residencial facilita”, afirma Emília Correia Lima,
diretora-presidente da Companhia Estadual de Habitação Popular (Cehap),
responsável pelo projeto com a Secretaria do Estado e do Desenvolvimento Humano
(SEDH).
Os moradores não adquirem o imóvel
nem pagam aluguel. Também não o ganham do governo. Ele é cedido, o
que evita problemas em relação às eventuais brigas por herança. Não por
acaso, a maioria dos casos de violência contra o idoso resulta de
questões financeiras, sobretudo de herança, e tem os filhos homens
como principais atores, explica Sandra Rabello, coordenadora do curso de
cuidadores de idosos da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UERJ).
Não é permitido modificar, emprestar,
locar ou ceder os imóveis a terceiros. Os moradores podem
viver sozinhos ou com seus cônjuges, receber visitas e hóspedes, e pagam
apenas as despesas referentes ao uso do imóvel, como água, luz, telefone e
manutenção. A concessão só é rescindida se o idoso manifesta interesse
ou quando há perda de autonomia ou falecimento. Neste último caso, o
imóvel é cedido para outro.
Para selecionar os condôminos, a Cehap
priorizou residentes de João Pessoa há pelo menos dois anos, maiores
de 60 anos e com renda de até cinco salários mínimos. Antes de ir para o
Cidade Madura, eles pagavam aluguel ou viviam com os filhos. Também
é imperativo que a pessoa tenha possibilidade de locomoção e lucidez
compatível com as atividades diárias. Mais 40 unidades serão inauguradas
em setembro em Campina Grande e 40 no fim do ano em
Cajazeiras. Também estão em construção 40 unidades em Souza. Em João Pessoa,
o governo estadual investiu R$ 3,6 milhões no projeto.
Sem
isolamento
A inovação paraibana traz à luz a
questão pouco abordada, mas cada vez mais comum, do envelhecimento rápido da
população. Os cuidados e o bem-estar dos idosos são um problema social
premente, sobretudo para aqueles em situação financeira pouco confortável.
Na década de 1940, as
pessoas idosas eram 4,1% da população; na década de 2010, a proporção
passou para 8,6%; em 2050, elas serão 29% da população (63 milhões de
pessoas). Nos últimos 30 anos, o Brasil viveu uma mudança etária
demográfica processada em 150 anos pelos países europeus.
Para Neusa Pivatto Müller,
coordenadora-geral da Secretaria dos Direitos Humanos, que abriga o
Conselho Nacional dos Direitos dos Idosos (CNDI), as
políticas públicas defendem a não institucionalização da pessoa
idosa. “O Estatuto do Idoso estabelece que haja a socialização, é
direito da pessoa idosa estar junto à família e à sociedade”, diz
ela.
O Brasil tem avançado nas
políticas públicas para idosos, avalia Neusa, o que inclui a
assinatura do Decreto 8.114, de 2013, que trata do Compromisso Nacional para o
Envelhecimento Ativo. A questão da moradia é referência na constituição da 1ª
Convenção Interamericana dos Direitos dos Idosos, que deverá estar pronta em
2015, envolvendo 42 países do continente.
Por lei, os programas
habitacionais dos governos devem destinar 3% das unidades para
pessoas acima dos 60 anos. O programa do governo federal Minha Casa
Minha Vida já destinou 6,2% das casas para faixas de renda até
R$ 1.700. Famílias com dependentes idosos ganham mais pontos na
seleção para o programa.
“A internalização deve ser
sempre a última opção”, diz Neusa. O ideal, afirma, seria desativar
gradualmente as chamadas Instituições de Longa Permanência
(ILPs), os antigos asilos. Atualmente, há cerca de 230 ILPs
públicas, pouco mais de 6% dos asilos existentes no país, com 104 mil
institucionalizados. A maioria é filantrópica – 65,2%, segundo levantamento
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) –, mas recebe
algum subsídio do governo. A pesquisa Condições de Financiamento e
Infraestrutura das Instituições de Longa Permanência para Idosos no Brasil
(2011) mostra que as ILPs privadas, 28% das instituições de hoje, tiveram um
crescimento proporcional ao aumento da população idosa no Brasil.
Se de um lado há baixa oferta de
instituições públicas e as poucas disponíveis têm estrutura
precária, por outro, as novas instituições particulares muitas vezes
lembram spas caros. O custo mensal começa em torno de R$ 3 mil e pode
superar dez salários mínimos.
Novos
idosos
Por melhor que seja a instituição, o
médico e diretor da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Salo
Buksman, concorda com as diretrizes das políticas públicas: “O ambiente mais
saudável e seguro para o idoso é realmente em meio à sociedade e à família”,
afirma.
Mas o modelo de família e
sociedade já mudou. Como lembra a antropóloga Maria Cecília de
Souza Minayo no livro Antropologia, Saúde e Envelhecimento, nos
últimos 50-60 anos houve profundas transformações não só no desenho
demográfico (com a redução no número de membros), mas no
próprio espaço físico residencial (que também diminuiu), assim como
aumentou a participação dos integrantes no mercado de trabalho.
Ou seja, a tendência é mesmo que o
idoso acabe ficando sozinho ou isolado. “A família hoje é diferente da do
passado. Não é nem sequer a família nuclear tradicional”, diz Alexandre Hecker,
professor de história contemporânea da Universidade Mackenzie. Hoje não há nem
conceito bem definido de velhice, já que até isso foi mudando ao longo da
história. Mas há mais possibilidades de desfrutar a vida, garantidas,
inclusive, pela legislação.
Segundo o professor, a
preocupação do Estado com os idosos começou por volta dos
anos 1930, com o surgimento dos primeiros asilos. A partir
do primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), iniciou-se um
período de modernização do país e de valorização do novo e do jovem.
Assim, a velhice passou a ganhar uma cor pejorativa e a ser
desvalorizada. Com o aumento recente da expectativa de vida e as
melhorias na saúde resgatou-se a inserção dos idosos na sociedade. Mas o
Estatuto do Idoso veio apenas em 2003.
Para Hecker, “a iniciativa da
Cidade Madura é louvável, já que propicia a inclusão do idoso
na sociedade e o mantém ativo e independente. Nos Estados Unidos
e em países da Europa há condomínios estilo resort para aposentados, mas
são todos acessíveis às classes altas”.
Sandra Rabello ressalta que,
no passado, as pessoas não ficavam tão idosas e ainda eram
protegidas como em uma redoma. A representação social desses indivíduos
era estática, com cadeira de balanço, tevê, pijamas e tricô”, nota. Hoje o
espaço domiciliar é crucial para a saúde do idoso, afirma ela, mas manter um
convívio social é fundamental para aumentar a qualidade de vida.
“Historicamente, as ILPs são espaços de isolamento.”
Acesso em: 2 mar.
2015.
Entendendo a reportagem:
01 – Releia o título e a
linha fina. Qual é a função deles para a reportagem?
O título dá ideia
do assunto principal de modo que desperte o interesse do leitor para a
reportagem; a linha fina informa seu assunto central de forma resumida.
02 – Observe o título da
reportagem. A que o pronome isso
está se referindo?
O pronome isso
refere-se à qualidade de vida que os idosos supostamente podem ter nesse
conjunto habitacional. Essa ideia é reforçada pelas fotografias, que mostram
belas imagens do condomínio e dos moradores.
03 – Leia este título de
notícia com o mesmo assunto da reportagem lida.
O título da
notícia apresenta de forma direta e objetiva o tema do texto. Já o texto da
reportagem utilizada a linguagem de forma a despertar o interesse do leitor.
04 – Segundo o texto, qual é
a principal diferença entre os asilos (ou Instituições de Longa Permanência) e
os condomínios habitacionais para idosos?
Os condomínios
habitacionais voltados para os idosos privilegiam a independência e autonomia
deles, assim como a sociabilidade e o convívio com os familiares. Já nos asilos
podem viver muitas vezes isolados da sociedade e dos familiares.
05 – De acordo com a
reportagem, o Brasil está preparado para lidar com o aumento da população
idosa? Por quê?
Há avanços nas
políticas públicas, como o decreto que trata do Compromisso Nacional para o
Envelhecimento Ativo, mudanças nas prioridades dos programas habitacionais e
aumento no número de asilos privados. Mas são poucas as opções públicas
destinadas a atender os idosos de baixa renda, sem condições para pagar a
mensalidade de uma instituição privada. Outra dificuldade: são raros os
ambientes que privilegiam a independência do idoso, como é o caso do conjunto
habitacional Cidade Madura.
06 – Qual a posição da
reportagem sobre os cuidados com os idosos?
A reportagem
defende que é preciso criar espaços que permitam a integração dos idosos na
sociedade, sem ferir sua independência. Ao mesmo tempo, chama a atenção para as
mudanças que a sociedade sofreu e a necessidade de criar políticas para atender
às demandas da população idosa.
07 – Que recursos indicam
essa posição no decorrer da reportagem?
Eles selecionaram
depoimentos de especialistas que reiteram essa posição, acrescentaram dados e
estatísticas que mostram as mudanças que o país enfrentou e como está
preparando para enfrentar esse problema.
NOSSA🤩🤩
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