quarta-feira, 10 de julho de 2019

CRÔNICA: O MÉDICO E O MONSTRO - PAULO MENDES CAMPOS - COM QUESTÕES GABARITADAS


Crônica: O MÉDICO E O MONSTRO 

                 Paulo Mendes Campos

      Avental branco, pincenê vermelho, bigodes azuis, ei-lo, grave, aplicando sobre o peito descoberto duma criancinha um estetoscópio, e depois a injeção que a enfermeira lhe passa.
   O avental na verdade é uma camisa de homem adulto a bater-lhe pelos joelhos; os bigodes foram pintados por sua irmã, a enfermeira; a criancinha é uma boneca de olhos cerúleos, mas já meio careca, que atende pelo nome de Rosinha; os instrumentos para exame e cirurgia saem duma caixinha de brinquedos.
        Ela, seis anos e meio; o doutor tem cinco. Enquanto trabalham, a enfermeira presta informações:
        -- Esta menina é boba mesmo, não gosta de injeção, nem de vitamina, mas a irmãzinha dela adora. 
        O médico segura o microscópio, focaliza-o dentro da boca de Rosinha, pede uma colher, manda a paciente dizer aaá. Rosinha diz aaá pelos lábios da enfermeira. O médico apanha o pincenê, que escorreu de seu nariz, rabisca uma receita, enquanto a enfermeira continua:
        -- O senhor pode dar injeção que eu faço ela tomar de qualquer jeito, porque é claro que se ela não quiser, né, vai ficar muito magrinha que até o vento carrega. 
        O médico, no entanto, prefere enrolar uma gaze em torno do pescoço da boneca, diagnosticando: 
        -- Mordida de leão.
        -- Mordida de leão? – pergunta, desapontada, a enfermeira, para logo aceitar este faz-de-conta dentro do outro faz-de-conta. – Eu já disse tanto, meu Deus, para essa garota não ir na floresta brincar com Chapeuzinho Vermelho...
        Novos clientes desfilam pela clínica: uma baiana de acarajé, um urso muito resfriado, porque só gostava de neve, um cachorro atropelado por lotação, outras bonecas de vários tamanhos, um Papai Noel, uma bola de borracha e até mesmo o pai e a mãe do médico e da enfermeira. 
        De repente, o médico diz que está com sede e corre para a cozinha, apertando o pincenê contra o rosto. A mãe se aproveita disso para dar um beijo violento no seu amor de filho e também para preparar-lhe um copázio de vitaminas: tomate, cenoura, maçã, banana, limão, laranja e aveia. O famoso pediatra, com um esgar colérico, recusa a formidável droga.
        -- Tem de tomar, senão quem acaba no médico é você mesmo, doutor. 
        Ele implora em vão por uma bebida mais inócua. O copo é levado com energia aos seus lábios, a beberagem é provada com uma careta. Em seguida, propõe um trato: 
        -- Só se você depois me der um sorvete.
        A terrível mistura é sorvida com dificuldade e repugnância, seus olhos se alteram nas órbitas, um engasgo devolve o restinho. A operação durou um quarto de hora. A mãe recolhe o copo vazio com a alegria da vitória e aplica no menino uma palmadinha carinhosa, revidada com a ameaça dum chute. Já estamos a essa altura, como não podia deixar de ser, presenciando a metamorfose do médico em monstro. 
        Ao passar zunindo pela sala, o pincenê e o avental são atirados sobre o tapete com um gesto desabrido. Do antigo médico resta um lindo bigode azul. De máscara preta e espada, Mr. Hyde penetra no quarto, onde a doce enfermeira continua a brincar, e desfaz com uma espadeirada todo o consultório: microscópio, estetoscópio, remédios, seringa, termômetro, tesoura, gaze, esparadrapo, bonecas, tudo se derrama pelo chão. A enfermeira dá um grito de horror e começa a chorar nervosamente. O monstro, exultante, espeta-lhe a espada na barriga e brada:
        -- Eu sou o Demônio do Deserto! 
        Ainda sob o efeito das vitaminas, preso na solidão escura do mal, desatento a qualquer autoridade materna ou paterna, com o diabo no corpo, o monstro vai espalhando terror a seu redor: é a televisão ligada ao máximo, é o divã massacrado sob os seus pés, é uma corneta indo tinir no ouvido da cozinheira, um vaso quebrado, uma cortina que se despenca, um grito, um uivo, um rugido animal, é o doce derramado, a torneira inundando o banheiro, a revista nova dilacerada, é, enfim, o flagelo à solta no sexto andar dum apartamento carioca. 
        Subitamente, o monstro se acalma. Suado e ofegante, senta-se sobre os joelhos do pai, pedindo com doçura que conte uma história ou lhe compre um carneirinho de verdade.
        E a paz e a ternura de novo abrem suas asas num lar ameaçado pelas forças do mal.
   Paulo Mendes Campos. O médico e o monstro. Em: Fernando Sabino e outros.
Crônicas 2. 19. ed. São Paulo: Ática, 2003. p. 20-22.

Entendendo a crônica:

01 – No início do texto, o nome e a idade das personagens são desconhecidos. No entanto, é possível perceber que o médico é uma criança. Que expressões do primeiro parágrafo indicam a pouca idade dele?
      “Pincenê vermelho” e “bigodes azuis”. A inusitada associação de cores e a escolha de um objeto em total desuso denunciam a pouca idade da personagem.

02 – No segundo parágrafo, que revelações confirmam que as personagens são crianças?
      O avental é uma camisa de homem, os bigodes foram pitados pela irmã do protagonista, a criancinha é uma boneca e os instrumentos médicos são brinquedos.

03 – A crônica apresenta um fato que faz parte do cotidiano de uma família. Que fato é esse?
      As crianças brincaram de médico.

04 – Releia este trecho.
        “[...] enquanto a enfermeira continua:
         -- O senhor pode dar injeção que eu faço ela tomar de qualquer jeito, porque é claro que se ela não quiser, né, vai ficar muito magrinha que até o vento carrega.”

a)   Essa fala, da menina de 6 anos que brinca de enfermeira, revela opiniões típicas de uma criança? Justifique sua resposta.
Não. Normalmente, às crianças não são defensoras de injeções.

b)   Em sua opinião, quem a menina está imitando ao revelar a preocupação de que a paciente fique magrinha?
Provavelmente, ela está imitando a mãe. Assim como a mãe força o menino a tomar o copo de vitamina de frutas, ainda que a contragosto, para não ficar doente, a menina também, pelo mesmo motivo, força a boneca a tomar injeção.

05 – O pequeno médico dispensa a injeção e, em lugar dela, aplica um curativo em torno do pescoço da paciente fictícia, diagnosticando “mordida de leão”. Sua irmã aceita a reviravolta na brincadeira e diz: “Eu já disse tanto, meu Deus, para essa garota não ir na floresta brincar com Chapeuzinho Vermelho...”. Que característica(s) da infância esse trecho destaca?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: A capacidade da criança de aceitar um faz de conta dentro de outro faz de conta, emendando indefinidamente uma brincadeira na outra.

06 – O narrador faz referência a seis ações realizadas pela mãe do protagonista. No caderno, enumere-as.
1 – Aproveita-se da entrada do filho na cozinha para lhe dar um violento beijo no rosto.
2 – Prepara-lhe um cardápio de vitaminas.
3 – Obriga-o a tomar, mesmo ele não gostando, alegando que é importante para a saúde.
4 – Leva o copo com energia aos lábios.
5 – Recolhe o copo vazio com a alegria da vitória.
6 – Aplica no menino uma palmadinha carinhosa.

07 – Em sua opinião, essas ações são exclusivas da mãe retratada na crônica lida ou são comuns às mães em geral?
      Resposta pessoal do aluno.

08 – O menino transforma-se subitamente em um “monstro” e põe a casa inteira de pernas para o ar.
a)   Que fato provoca essa metamorfose?
O fato de tomar, obrigado, a vitamina preparada pela mãe.

b)   O menino faz alguma coisa para tentar evita-lo?
Sim. Primeiro, ele implora que a bebida seja trocada por outra. Depois, não sendo atendido, negocia uma recompensa posterior: ganhar um sorvete.

c)   Transcreva uma passagem do texto que comprove que, ao terminar a vitamina, o menino já estava disposto a vingar-se por seu desgosto.
“A mãe recolhe o copo vazio com a alegria da vitória e aplica no menino uma palmadinha carinhosa, revidada com a ameaça dum chute”.

d)   Você conhece crianças que reagem dessa maneira quando contrariadas?
Resposta pessoal do aluno.

09 – Observe que o narrador descreve uma brincadeira entre os irmãos, sem nomeá-la. Copie, no caderno, as palavras que revelam ao leitor qual era a brincadeira.
      Estetoscópio, injeção, enfermeira, instrumentos para exame, cirurgia, entre outras.

10 – Como era o espaço onde as crianças brincavam?
      Eles brincavam em um quarto, onde havia uma caixa de brinquedos da qual elas tiravam objetos para a brincadeira de médico. Havia também bonecos de vários tamanhos e uma bola de borracha.

11 – O que esse espaço revela sobre as características das personagens?
      A transformação do quarto em consultório médico todo aparelhado revela o quanto as crianças são imaginativas e se deixam envolver pelo mundo do faz de conta.

12 – Releia a cena em que o menino bebe a vitamina.
a)   Quais palavras e expressões caracterizam a vitamina?
“Formidável droga”, “beberagem” e “terrível mistura”.

b)   Como o menino ingeriu?
Com dificuldade e repugnância, seus olhos se alteraram nas órbitas, ele engasgou.

c)   O que a resposta anterior revela sobre os sentimentos e as sensações do menino?
Que ele se sentiu agredido e raivoso.
     
     




7 comentários:

  1. me ajudou bastante so faltou uma pergunta que nao consegui a numero 13)apos a cena em que a mae obriga o menino a tomar vitmina , ele transforma se em mnstro . quais sao os objetos usadosn pelo menino que indicam a passagem de medico para monstro ?

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  2. Ao enumerar os estragos causados pelo menino depois que ele se transforma em um pequeno monstro, o autor apresenta referências visuais e sonoras. Qual é o estado dos objetos enumerados?
    pode me responder esta eu não entendi

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  3. Ao enumerar os estragos causados pelo menino depois que ele se transforma em um pequeno monstro, o autor apresenta referências visuais e sonoras. Qual é o estado dos objetos enumerados?

    alguem sabe esta porfavor

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