terça-feira, 9 de julho de 2019

CRÔNICA: CONDÔMINOS (FRAGMENTO) - FERNANDO SABINO - COM QUESTÕES GABARITADAS

Crônica: Condôminos – Fragmento     

                Fernando Sabino

        A porta estava aberta. Foi só eu surgir e arriscar uma espiada para a sala, o dono da casa saltou da mesa para receber-me.
        -- Vamos entrar, vamos entrar. Estávamos à espera do senhor para começarmos a reunião: o senhor não é o 301?
        Não, eu não era o 301. Meu amigo, que morava no 301, tivera que fazer repentinamente uma viagem, pedira-me que o representasse.
        O homem estendeu-me a mão, num gesto decidido:
        -- Pois então muito prazer.
        Disse que se chamava Milanês e recebeu com um sorriso à milanesa a minha escusa pelo atraso. Desconfiei desde logo que fosse meio surdo – só mais tarde vim a descobrir que seu ar de quem já entendeu tudo antes que a gente fale não era surdez, era burrice mesmo.
        Conduziu- me ao interior do apartamento onde várias pessoas, umas onze ou doze, já estavam reunidas ao redor da mesa. À minha entrada, todos levantaram a cabeça, como galinhas junto ao bebedouro. O apartamento era luxuosamente mobiliado, atapetado, aveludado, florido e enfeitado, nesta exuberância de mau gosto a que se convencionou chamar de decoração. O Milanês fez as apresentações:
        -- Aqui é o Dr. Matoso, do 302. Quando precisar de um médico… Ali o capitão Barata, do 304 – representante das gloriosas Forças Armadas. Dona Georgina e Dona Mirtes, irmãs, não se sabe qual mais gentil, moram no 102. Aquele é o Dr. Lupiscino, do 201, nosso futuro Síndico…
        Suas palavras eram recebidas com risadinhas chochas, a indicar que vinha repetindo as mesmas graças a cada um que chegava. Cumprimentei o médico, um sujeito com cara mesmo de Matoso, o capitão com seu bigodinho ainda de tenente, as duas velhas de preto, não se sabia qual mais feia, o futuro síndico, os demais. O dono da casa recolheu a barriga e as ideias sentando- se empertigado à cabeceira. Busquei o único lugar vago do outro lado e acomodei-me. A mulher do Milanês passou-me um copo de refresco de maracujá – só então percebi que todos bebericavam o refresco em pequenos goles, aquilo parecia fazer parte de um ritual, convinha imita-los. Um dos presentes, solene, de papel na mão, aguardava que restabelecesse a ordem para prosseguir.
        -- Desculpem a interrupção – gaguejei. – Podem continuar.
        -- Não havíamos começado ainda – escusou-se o Milanês, todo simpaticão – Estávamos apenas trocando ideias.
        -- Se o senhor quiser, recomeçamos tudo – emendou à Milanesa, mais prática. – Ali nosso Jorge, do 203, dizia que precisávamos…
        -- Perdão, quem dizia era o Dr. Lupiscino – e o nosso Jorge do 203, um rapaz roliço como uma salsicha de óculos, passou para o extrema. A esta altura interveio o capitão, chutando em gol:
        -- Pode prosseguir a leitura.
        Alguém a meu lado explicou:
        -- O Dr. Lupiscino fez um esboço de regulamento. O senhor sabe, um regulamento sempre é necessário…
        O Dr. Lupiscino pigarreou e leu em voz alta:
        -- Quinto: é vedado aos moradores… Espere – voltou-se para mim: – O senhor quer que leia os quatro primeiros?
        -- Não é preciso – interveio o Milanês: – Os quatro primeiros servem apenas para introduzir o quinto. Vamos lá.
        -- Quinto: é vedado aos moradores guardar nos apartamentos explosivos de qualquer espécie…
        O capitão inclinou-se, interessado:
        -- É isso que eu dizia. Este artigo não está certo: suponhamos que eu, como oficial do exército, traga um dia para casa uma dinamite…
        -- O senhor vai ter dinamites em casa capitão? – espantou-se uma das velhas, a Dona Mirtes.
        -- Não, não vou ter. Mas posso um dia cismar de trazer…
        [...].
                               Fernando Sabino. Condôminos. Em: Rubem Braga e outros. Crônicas 4. 12. ed. São Paulo: Àtica, 2002. p. 25-27.
Entendendo a crônica:
01 – O que o verbo gaguejei expressa sobre a atitude do narrador ao chegar?
      Expressa o constrangimento do narrador em participar de uma reunião que já havia começado, com pessoas que ele não conhecia.

02 – Releia a frase: “Alguém a meu lado explicou”.
a)   O que o verbo de elocução explicou, usado nesse trecho, permite ao leitor saber sobre o sentimento da personagem ao falar? Explique.
O verbo explicar permite imaginar que o estado de ânimo da personagem é neutro, tranquilo, ao dar a explicação.

b)   Imagine que a personagem que se dirige ao narrador esteja muito contrariada por ter de dar a explicação. Que verbos de elocução podem ser empregados para revelar ao leitor esse sentimento?
Rosnar, esbravejar, grunhir, resmungar, etc.

03 – Complete o diálogo a seguir com verbos que expressam os sentimentos das personagens de acordo com cada situação proposta.
a)   Uma mãe muito irritada vai buscar a filha tímida em uma festa.
Sugestões: gritou, suspirou, contestou.

b)   Uma mãe desesperada vai buscar a filha mimada em uma festa.
Sugestões: implorou, berrou, questionou.


Um comentário:

  1. 4. Reconheça a pessoa e o numero em que se encontram os verbos das frases:
    Exemplo: “Não ficou nenhum prisioneiro vivo.” (Érico Verissimo)
    Resposta: Ficou: 3ª pessoa do singular

    a) “A minha entrada, todos levantaram a cabeça, como galinhas junto ao bebedouro.”(Fernando Sabino)

    OI NÃO SEI COMO RESPONDO ESSA QUESTÃO SE VOCÊ CONSEGUI ME AJUDAR AGRADEÇO.

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