Crônica: Condôminos –
Fragmento
A porta estava aberta. Foi só eu surgir
e arriscar uma espiada para a sala, o dono da casa saltou da mesa para receber-me.
-- Vamos entrar, vamos entrar.
Estávamos à espera do senhor para começarmos a reunião: o senhor não é o 301?
Não, eu não era o 301. Meu amigo, que
morava no 301, tivera que fazer repentinamente uma viagem, pedira-me que o
representasse.
O homem estendeu-me a mão, num gesto
decidido:
-- Pois então muito prazer.
Disse que se chamava Milanês e recebeu
com um sorriso à milanesa a minha escusa pelo atraso. Desconfiei desde logo que
fosse meio surdo – só mais tarde vim a descobrir que seu ar de quem já entendeu
tudo antes que a gente fale não era surdez, era burrice mesmo.
Conduziu- me ao interior do apartamento
onde várias pessoas, umas onze ou doze, já estavam reunidas ao redor da mesa. À
minha entrada, todos levantaram a cabeça, como galinhas junto ao bebedouro. O
apartamento era luxuosamente mobiliado, atapetado, aveludado, florido e
enfeitado, nesta exuberância de mau gosto a que se convencionou chamar de
decoração. O Milanês fez as apresentações:
-- Aqui é o Dr. Matoso, do 302. Quando
precisar de um médico… Ali o capitão Barata, do 304 – representante das
gloriosas Forças Armadas. Dona Georgina e Dona Mirtes, irmãs, não se sabe qual
mais gentil, moram no 102. Aquele é o Dr. Lupiscino, do 201, nosso futuro
Síndico…
Suas palavras eram recebidas com
risadinhas chochas, a indicar que vinha repetindo as mesmas graças a cada um
que chegava. Cumprimentei o médico, um sujeito com cara mesmo de Matoso, o
capitão com seu bigodinho ainda de tenente, as duas velhas de preto, não se
sabia qual mais feia, o futuro síndico, os demais. O dono da casa recolheu a
barriga e as ideias sentando- se empertigado à cabeceira. Busquei o único lugar
vago do outro lado e acomodei-me. A mulher do Milanês passou-me um copo de
refresco de maracujá – só então percebi que todos bebericavam o refresco em
pequenos goles, aquilo parecia fazer parte de um ritual, convinha imita-los. Um
dos presentes, solene, de papel na mão, aguardava que restabelecesse a ordem
para prosseguir.
-- Desculpem a interrupção – gaguejei.
– Podem continuar.
--
Não havíamos começado ainda – escusou-se o Milanês, todo simpaticão – Estávamos
apenas trocando ideias.
-- Se o senhor quiser, recomeçamos tudo
– emendou à Milanesa, mais prática. – Ali nosso Jorge, do 203, dizia que
precisávamos…
-- Perdão, quem dizia era o Dr.
Lupiscino – e o nosso Jorge do 203, um rapaz roliço como uma salsicha de
óculos, passou para o extrema. A esta altura interveio o capitão, chutando em
gol:
-- Pode prosseguir a leitura.
Alguém a meu lado explicou:
-- O Dr. Lupiscino fez um esboço de
regulamento. O senhor sabe, um regulamento sempre é necessário…
O Dr. Lupiscino pigarreou e leu em voz
alta:
-- Quinto: é vedado aos moradores…
Espere – voltou-se para mim: – O senhor quer que leia os quatro primeiros?
-- Não é preciso – interveio o Milanês:
– Os quatro primeiros servem apenas para introduzir o quinto. Vamos lá.
-- Quinto: é vedado aos moradores
guardar nos apartamentos explosivos de qualquer espécie…
O capitão inclinou-se, interessado:
-- É isso que eu dizia. Este artigo não
está certo: suponhamos que eu, como oficial do exército, traga um dia para casa
uma dinamite…
-- O senhor vai ter dinamites em casa
capitão? – espantou-se uma das velhas, a Dona Mirtes.
-- Não, não vou ter. Mas posso um dia
cismar de trazer…
[...].
Fernando
Sabino. Condôminos. Em: Rubem Braga e outros. Crônicas 4. 12. ed. São Paulo:
Àtica, 2002. p. 25-27.
Entendendo a crônica:
01 – O que o verbo gaguejei expressa sobre a atitude do
narrador ao chegar?
Expressa o
constrangimento do narrador em participar de uma reunião que já havia começado,
com pessoas que ele não conhecia.
02 – Releia a frase: “Alguém a meu lado explicou”.
a)
O que o verbo de elocução explicou, usado nesse trecho, permite
ao leitor saber sobre o sentimento da personagem ao falar? Explique.
O verbo explicar permite imaginar que o estado de ânimo da
personagem é neutro, tranquilo, ao dar a explicação.
b)
Imagine que a personagem que se dirige ao
narrador esteja muito contrariada por ter de dar a explicação. Que verbos de
elocução podem ser empregados para revelar ao leitor esse sentimento?
Rosnar, esbravejar, grunhir, resmungar, etc.
03 – Complete o diálogo a
seguir com verbos que expressam os sentimentos das personagens de acordo com
cada situação proposta.
a)
Uma mãe muito irritada vai buscar a filha tímida em uma festa.
Sugestões: gritou, suspirou, contestou.
b)
Uma mãe desesperada
vai buscar a filha mimada em uma festa.
Sugestões: implorou, berrou, questionou.
4. Reconheça a pessoa e o numero em que se encontram os verbos das frases:
ResponderExcluirExemplo: “Não ficou nenhum prisioneiro vivo.” (Érico Verissimo)
Resposta: Ficou: 3ª pessoa do singular
a) “A minha entrada, todos levantaram a cabeça, como galinhas junto ao bebedouro.”(Fernando Sabino)
OI NÃO SEI COMO RESPONDO ESSA QUESTÃO SE VOCÊ CONSEGUI ME AJUDAR AGRADEÇO.