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terça-feira, 2 de abril de 2019

CRÔNICA: AÍ, GALERA - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM QUESTÕES GABARITADAS

 Crônica: Aí, galera
            
                 Luís Fernando Veríssimo

   “Jogadores de futebol podem ser vítimas de estereotipação. Por exemplo, você pode imaginar um jogador de futebol dizendo “estereotipação”? E, no entanto, por que não?
        -- Aí, campeão. Uma palavrinha pra galera.
        -- Minha saudação aos aficionados do clube e aos demais esportistas, aqui presentes ou no recesso dos seus lares.
        -- Como é?
        -- Aí, galera.
        -- Quais são as instruções do técnico?
        -- Nosso treinador vaticinou que, com um trabalho de contenção coordenada, com energia otimizada, na zona de preparação, aumentam as probabilidades de, recuperado o esférico, concatenarmos um contragolpe agudo com parcimônia de meios e extrema objetividade, valendo-nos da desestruturação momentânea do sistema oposto, surpreendido pela reversão inesperada do fluxo da ação.
        -- Ahn?
        -- É pra dividir no meio e ir pra cima pra pegá eles sem calça.
        -- Certo. Você quer dizer mais alguma coisa?
        -- Posso dirigir uma mensagem de caráter sentimental, algo banal, talvez mesmo previsível e piegas, a uma pessoa à qual sou ligado por razões, inclusive, genéticas?
        -- Pode.
        -- Uma saudação para a minha genitora.
        -- Como é?
        -- Alô, mamãe!
        -- Estou vendo que você é um, um...
        -- Um jogador que confunde o entrevistador, pois não corresponde à expectativa de que o atleta seja um ser algo primitivo com dificuldade de expressão e assim sabota a estereotipação?
        -- Estereoquê?
        -- Um chato?
        -- Isso.”
                                                    Luís Fernando Veríssimo (In: Correio Brasiliense, 13/05/1998)

Entendendo a crônica:

01 – O texto retrata duas situações relacionadas que fogem à expectativa do público. São elas:
(   ) a saudação do jogador aos fãs do clube, no início da entrevista, e a saudação final dirigida à sua mãe.
(X) a linguagem muito formal do jogador, inadequada à situação da entrevista, e um jogador que fala, com desenvoltura, de modo muito rebuscado.
(   ) O uso da expressão “galera”, por parte do entrevistador, e da expressão “progenitora”, por parte do jogador.
(   ) o desconhecimento, por parte do entrevistador, da palavra “estereotipação”, e a fala do jogador em “é pra dividir no meio e ir pra cima pra pega eles sem calça”.
(   ) O fato de os jogadores de futebol serem vítimas de estereotipação e o jogador entrevistado não corresponder ao estereótipo.
02 – O texto mostra uma situação em que a linguagem usada é inadequada ao contexto. Considerando as diferenças entre língua oral e escrita, assinale a opção que representa também uma inadequadação da linguagem usada no contexto apresentado.
(  ) “O carro bateu e capotô, mas num deu para  vê direito.” – comentário de um pedestre que assistiu ao acidente, com outro que vai passando.
(   ) “E aí, ô meu! Como vai essa força?” – um jovem que fala com um amigo.
(   ) “Só um instante, por favor. Eu gostaria de fazer uma observação.” – alguém comenta em uma reunião de trabalho.
(   ) “Venho manifestar meu interesse em candidatar-me ao cargo de Secretária Executiva dessa conceituada empresa.”- alguém que escreve uma carta candidatando-se a um emprego.
(X) “Porque se a gente não resolve as coisas como tem que ser, a gente corre o risco de termos, num futuro próximo, muito pouca comida nos lares brasileiros.” – um professor universitário discursando em um congresso internacional.

03 – A expressão “pegá eles sem calça”, no texto, poderia ser substituída, sem comprometimento do sentido, por:
(   ) pegá-los na mentira.
(X) pegá-los desprevenidos.
(   ) pegá-los em flagrante.
(   ) pegá-los rapidamente.
(   ) pegá-los momentaneamente.

04 – Luís Fernando Veríssimo apresenta um jogador de futebol com uma característica diferente dos demais. Que característica é essa?
      Um jogador de futebol usando a língua culta formal em uma entrevista.

05 – Que tipo de linguagem se esperaria que um jogador de futebol utilizasse? Que tipo de linguagem o jogador de futebol do texto usa? Por quê?
      Linguagem coloquial (informal), e até mesmo gírias. Ele usa linguagem formal. 

06 – Complete: O texto “Aí, galera” é um exemplo de linguagem formal porque está ligada ao uso das normas gramaticais.

07 – Na frase “É pra dividir no meio e ir pra cima pra pega eles sem calça.” temos que tipo de variedade linguística? 
      Variedade sociocultural, pois os falantes dessa língua se manifestam verbalmente de forma coloquial.



terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

CRÔNICA: O GIGOLÔ DAS PALAVRAS - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM QUESTÕES GABARITADAS

Crônica: O gigolô das palavras
                  
 Luís Fernando Veríssimo

        Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha estiveram lá em casa numa mesma missão, designada por seu professor de Português: saber se eu considerava o estudo da Gramática indispensável para aprender e usar a nossa ou qualquer outra língua. Cada grupo portava um gravador cassete, certamente o instrumento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando opiniões. Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava diariamente com suas afrontas às leis da língua, e aproveitava aquela oportunidade para me desmascarar. Já estava até preparando, às pressas, minha defesa (“Culpa da revisão! Culpa da revisão!”). Mas os alunos desfizeram o equívoco antes que ele se criasse. Eles mesmos tinham escolhido os nomes a serem entrevistados. Vocês têm certeza que não pegaram o Veríssimo errado? Não. Então vamos em frente. 
        Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer “escrever claro” não é certo, mas é claro, certo? O importante é comunicar. (E quando possível surpreender, iluminar, divertir, comover… Mas aí entramos na área do talento, que também não tem nada a ver com Gramática.) A Gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos e professores de Latim, gente em geral pouco comunicativa. Aquela gravidade sombria que a gente nota nas fotografias em grupo dos membros da Academia Brasileira de Letras é de reprovação total pelo Português ainda estar vivo. Eles só estão esperando, fardados, que o Português morra para poderem carregar o caixão e escrever sua autópsia definitiva. É o esqueleto que nos traz de pé, certo, mas ele sozinho não informa nada, como a Gramática é a estrutura da língua mas sozinha não diz nada, não tem futuro. As múmias conversam entre si em Gramática pura.
        Claro que eu não disse tudo isso para meus entrevistadores. E adverti que minha implicância com a Gramática na certa se devia à minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português. Mas — isto eu disse — vejam vocês, a intimidade com a Gramática é tão dispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo às suas custas. E tenho com elas a exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas. Só uso as que eu conheço, as desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo submissão. Não raro, peço delas flexões inomináveis para satisfazer um gosto passageiro. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Se bem que não tenha também o mínimo escrúpulo de roubá-las de outro, quando acho que vou ganhar com isto. As palavras, afinal, vivem na boca do povo. São faladíssimas. Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.
        Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria sua patroa! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda.

            Luís Fernando Veríssimo. O gigolô das palavras. Porto Alegre: LP&M, 1982.
Entendendo a crônica:
01 – Qual é a ideia do escritor sobre a gramática?
      Livro de regras sobre o uso do idioma.

02 – Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. Que regras você consideraria básicas? Quais seriam as dispensáveis?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: As regras que evitam os “vexames” podem não ser iguais para todos. Compare essas regras com “regras de etiqueta”, por exemplo, variáveis de acordo com a cultura, a região, o período histórico.

03 – Analise a analogia original que Luís Fernando Veríssimo estabelece entre sua relação com as palavras e a relação de um gigolô com seu “plantel”. Por que ele se considera um gigolô das palavras?
      Porque, segundo o cronista, ele não respeita a “intimidade” gramatical de cada uma delas. As palavras funcionam ao bel-prazer do escritor.

04 – De o significado das palavras abaixo:
·        Necrólogos: é aquele que realiza elogios sobre alguém falecido.
·        Cáften, gigolô: é aquele que vive da prostituição.
·        Calão: é um linguajar grosseiro.
·        Plantel: é um grupo de profissionais.
·        Lexicógrafo: é um dicionarista.
·        Etimologista: é aquele que estuda a origem das palavras.

05 – Leia, atentamente, as seguintes proposições acerca da crônica “O Gigolô das palavras”:
I – Luís Fernando Veríssimo considera-se um “gigolô das palavras” em sua arte de escrever, o que permite ao leitor inferir pelo contexto que é preciso que haja uma relação íntima e, ao mesmo tempo, respeitosa com as palavras.
II – A expressão “na boca do povo”, utilizada por Veríssimo, é uma gíria, atribuída a palavras cujo uso tornou-se frequente em situações de comunicação informal.
III – De acordo com Veríssimo, a gramática é o esqueleto da língua, e, portanto, quando tratada isoladamente, torna-se elemento dispensável a uma comunicação eficaz.
IV – Segundo Veríssimo, a linguagem deve ser um meio de comunicação, não advindo de padrões gramaticais atrelados em nossa mente, e sim da forma como interagimos e nos entendemos através de nosso próprio linguajar.
V – Pelo contexto de “O Gigolô das palavras”, infere-se que o domínio das regras e normas da gramática, pelo ponto de vista do autor deste texto, é indispensável a um profissional, como ele, da área da comunicação oral ou escrita.
Marque a alternativa CORRETA:
a)   Apenas I, II e IV estão corretas.
b)   Apenas I, IV e V estão corretas.
c)   Apenas II, III, e IV estão corretas.
d)   Apenas III, IV e V estão corretas.
e)   Apenas II, III e V estão corretas.

06 – Ao expressar, em diversos trechos do texto “O Gigolô das palavras”, sua concepção em torno do que seja LÍNGUA e GRAMÁTICA, Luís Fernando Veríssimo empregou as palavras abaixo em destaque para referir-se à gramática normativa, EXCETO em:
a)   “A sintaxe é   uma   questão   de   uso, não   de   princípios.   Escrever   bem   é   escrever   claro, não necessariamente certo.”
b)   “... minha implicância com a Gramática na certa se devia à minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português.”
c)   “Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel.”
d)   “Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava diariamente com suas afrontas às leis da língua.”
e)   “... a intimidade com a Gramática é tão dispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria.”




sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

CRÔNICA: A HISTÓRIA MAIS OU MENOS - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Crônica: A História Mais ou Menos
                              Luís Fernando Veríssimo

        Negócio seguinte. Três reis magrinhos ouviram um plá de que tinha nascido um Guri. Viram o cometa no Oriente e tal e se fla­graram que o Guri tinha pintado por lá. Os profetas, que não eram de dar cascata, já tinham dicado o troço: em Belém da Judeia vai nascer o Salvador, e tá falado. Os três magrinhos se mandaram. Mas deram o maior fora. Em vez de irem direto para Belém, como mandava o catálogo, resolveram dar uma incerta no velho Herodes, em Jerusalém. Pra quê! Chegaram lá de boca aberta e entregaram toda a trama. Perguntaram: Onde está o rei que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo. Quer dizer, pegou mal. Muito mal. O velho Herodes, que era um oligão, ficou grilado. Que rei era aquele? Ele é que era o dono da praça. Mas comeu em boca e disse: Joia. Onde é que esse guri vai se apresentar? Em que canal? Quem é o empresário? Tem baixo elétrico? Quero saber tudo. Os magrinhos disseram que iam flagrar o Guri e na volta dicavam tudo para o coroa.
        Bom. Seguiram o cometa, chegaram numa estrebaria e lá esta­va o Guri com a Mãe e o Pai. Sensacional. Parecia até presépio vivo. Os magrinhos encheram o Guri de presente. Era Natal, pô. Mirra, incenso, ouro, autorama. Tava na hora de darem no pé quando chega um telex. É do céu. Um anjo avisando aos magrinhos que não, repi­to, não voltem à presença de Herodes porque o coroa tá a fim de apagar o Guri. E, depois que os magrinhos se mandaram, chega outro telex, desta vez para o velho do Guri. Te manda e leva a família. O Herodes vem atrás de vocês e não é pra dar presente. O velho pegou a mulher e o Guri e voou para o Egito. Na estrebaria as vacas ficaram se entreolhando meio acanhadas, mas depois esquece­ram tudo. Aliás, um dos carneiros, mais tarde, quis vender a história toda para um jornal de Jerusalém, mas não acertaram o tutu.
      Bom, o Herodes, é claro, ficou chutando as paredes quando soube da jogada dos magrinhos. Mandou que todo bebinski nascido nas bocas fosse cancelado. Se tiver fralda, apaga. Foi chato. Muito chato. Morreu neném que não foi fácil. Mas o Guri tava no Egito, vivão. Pouco depois Deus achou que o Herodes tava se passando e cassou a licença dele. E mandou passar outro telex para o velho do Guri: Pode voltar. Segue carta. Mas o velho foi vivo e em vez de pintar na Judeia – onde o filho de Herodes, outro mauca, reinava ­foi para a Galileia, para uma cidadezinha chamada Nazaré. Ali o Guri cresceu legal. Acabou Rei mesmo, dando o maior Ibope. Aliás, os profetas já tinham dito que o Guri seria chamado Nazareno. Naquela época, profeta não dava uma fora! Se tivesse a Loteria Esportiva, já viu, né?

              VERÍSSIMO, Luís Fernando. A História, mais ou menos. In:
O nariz e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1994, p. 30-1. (Para gostar de ler).

Entendendo a crônica:
01 – Qual é o texto que serviu de base para essa crônica de Luís Fernando Veríssimo?
      O texto bíblico que narra o nascimento de Jesus.

02 – A crônica possui um narrador, cujas características podem ser facilmente deduzidas a partir de uma análise das escolhas linguísticas feitas. Quais dos perfis abaixo se aproxima do narrador representado no texto?
a)   Criança, com 8 ou 9 anos.
b)   Adolescente, com 13 a 17 anos.
c)   Adulto, executivo, pai.

03 – É possível classificar o texto “A História, mais ou menos” como sendo uma paródia ou uma paráfrase? Por quê?
      É difícil classificar o texto como sendo uma paródia ou uma paráfrase, porque, apesar de não haver inversões em relação aos sentidos do enredo original, dá-se voz a um narrador totalmente diferente do narrador bíblico, o que implica em um outro texto, produzido com outra finalidade, para outros interlocutores, em outra situação comunicativa.

04 – Apesar de usar muitas gírias, o texto também possui algumas palavras inventadas, atitude essa própria da criatividade jovem. A partir de semelhança com palavras que você conhece e de análise do contexto linguístico, deduza o que significam as seguintes palavras abaixo:
·        “Oligão” = é uma referência à Oligarquia, forma de governo em que poucas pessoas governam.

·        “Mauca” = deduzindo-se pelo contexto, pode significar “pessoa desprezível” ou “cruel”.

05 – Que palavras no texto representam objetos que “atualizam” a história?
      Telex, autorama, baixo elétrico, fralda.

06- Observe as expressões a seguir: "ouviram um plá", "maior fora" e "dar uma incerta". Considerando o contexto apresentado nesse trecho da crônica, o que cada uma delas significa?
"ouviram um plá" = ficaram sabendo de algum acontecimento;
"maior fora" = cometer um erro;
"dar uma incerta" = verificar, sem avisar previamente.

07 - Qual é o tipo de linguagem utilizada no texto?
O texto apresenta linguagem informal.

08 - De acordo com a situação de uso, qual é o efeito de sentido produzido no texto com o uso dessas expressões?
O efeito é de tornar a história descontraída e bem-humorada, pois é uma forma não convencional de narrar uma história conhecida mundialmente.



quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

CONTO: O CASAMENTO - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM QUESTÕES GABARITADAS

Conto: O casamento
         
 Luís Fernando Veríssimo

        — Eu quero ter um casamento tradicional, papai.
        — Sim, minha filha.
        — Exatamente como você!
        — Ótimo.
        — Que música tocaram no casamento de vocês?
        — Não tenho certeza, mas acho que era Mendelssohn. Ou Mendelssohn é o da Marcha Fúnebre? Não, era Mendelssohn mesmo.
        — Mendelssohn, Mendelssohn...  Acho que não conheço. Canta alguma coisa dele ai.
        — Ah, não posso, minha filha. Era o que o órgão tocava em todos os casamentos, no meu tempo.
        — O nosso não vai ter órgão, é claro.
        — Ah, não?
        — Não. Um amigo do Varum tem um sintetizador eletrônico e ele vai tocar na cerimônia. O Padre Tuco já deixou. Só que esse Mendelssohn, não sei, não...
        — É, acho que no sintetizador não fica bem...
        — Quem sabe alguma coisa do Queen...
        — Quem?
        — O Queen.
        — Não é a Queen?
        — Não. O Queen. E o nome de um conjunto, papai.
        — Ah, certo. O Queen. No sintetizador.
        — Acho que vai ser o maior barato!
        — Só o sintetizador ou...
        — Não. Claro que precisa ter uma guitarra elétrica, um baixo elétrico...
        — Claro. Quer dizer, tudo bem tradicional.
        — Isso.
        — Eu sei que não é da minha conta. Afinal, eu sou só o pai da noiva. Um nada. Na recepção vão me confundir com um garçom. Se ainda me derem gorjeta, tudo bem. Mas alguém pode me dizer por que chamam o nosso futuro genro de Varum?
        — Eu sabia...
        — O quê?
        — Que você já ia começar a implicar com ele.
        — Eu não estou implicando. Eu gosto dele. Eu até o beijaria na testa se ele algum dia tirasse aquele capacete de motoqueiro.
        — Eles nem casaram e você já está implicando.
        — Mas que implicância? É um ótimo rapaz. Tem uma boa cabeça. Pelo menos eu imagino que seja cabeça o que ele tem debaixo do capacete.
        — É um belo rapaz.
        — E eu não sei? Há quase um ano que ele frequenta a nossa casa diariamente. É como se fosse um filho. Eu às vezes fico esperando que ele me peça uma mesada. Um belo rapaz. Mas por que Varum?
        — E o apelido e pronto.
        — Ah, então é isso. Você explicou tudo. Obrigado.
        — Quanto mais se aproxima o dia do casamento, mais intratável você fica.
        — Desculpe. Eu sou apenas o pai. Um inseto. Me esmigalha. Eu mereço.
        — Aí xará!
        — Ôi, Varum, como vai? A sua noiva está se arrumando. Ela já desce. Senta aí um pouquinho. Tira o capacete...
        — Essa noivinha...
        — Vocês vão ao cinema?
        — Ela não lhe disse? Nós vamos acampar.
        — Acampar? Só vocês dois?
        — É. Qual é o galho?
        — Não. E que... Sei lá.
        — Já sei o que você tá pensando, cara. Saquei.
        — É! Você sabe como é...
        — Saquei. Você está pensando que só nós dois, no meio do mato, pode pintar um lance.
        — No mínimo isso. Um lance. Até dois.
        — Mas qualé, xará. Não tem disso não. Está em falta. Ôi, gatona!
        — Oi, Varum. O que é que você e papai estão conversando?
        — Não, o velho aí tá preocupado que nós dois, acampados pode pintar um lance. Eu já disse que não tem disso.
        — Ô, papai. Não tem perigo nenhum. Nem cobra. E qualquer coisa o Varum me defende. Eu Jane, ele Tarzan.
        — Só não dou o meu grito para proteger os cristais.
        — Vamos?
        — Vamlá?
        — Mas... Vocês vão acampar de motocicleta?
        — De motoca, cara. Vá-rum, vá-rum.
        — Descobri por que ele se chama Varum.
        — O quê? Você quer alguma coisa?
        — Disse que descobri por que ele se chama Varum.
        — Você me acordou só para dizer isto?
        — Você estava dormindo?
        — É o que eu costumo fazer às três da manhã, todos os dias. Você não dormiu?
        — Ainda não. Sabe como é que ele chama ela? Gatona.
        Por um estranho processo de degeneração genética, eu sou pai de uma gatona.
        Varum e Gatona, a dupla dinâmica, está neste momento, no meio do mato.
        — Então é isso que está preocupando você?
        — E não é para preocupar? Você também não devia estar dormindo.
        A gatona é sua também.
        — Mas não tem perigo nenhum!
        — Como, não tem perigo? Um homem e uma mulher, dentro de uma tenda, no meio do mato?
        — O que é que pode acontecer?
        — Se você já esqueceu, é melhor ir dormir mesmo.
        — Não tem perigo nenhum. O máximo que pode acontecer é entrar um sapo na tenda.
        — Ou você está falando em linguagem figurada ou eu é que estou ficando louco.
        — Vai dormir.
        — Gatona. Minha própria filha...
        — Você também tinha um apelido pra mim, durante o nosso noivado.
        — Eu prefiro não ouvir.
        — Você me chamava de Formosura. Pensando bem, você também tinha um apelido.
        — Por favor. Reminiscências não. Comi faz pouco.
        — Kid Gordini. Você não se lembra? Você e o seu Gordini envenenado.
        — Tão envenenado que morreu, nas minhas mãos. Um dia levei num mecânico e disse que a bateria estava ruim. Ele disse que a bateria estava boa, o resto do carro é que tinha que ser trocado.
        — Viu só? E você se queixa do Varum. Kid Gordini!
        — Mas eu nunca levei você para o mato no meu Gordini.
        — Não levou porque meu pai matava você.
        — Hummmm.
        — “Hummmm” o quê?
        — Você me deu uma ideia. Assassinato...
        — Não seja bobo.
        — Um golpe bem aplicado... Na cabeça não porque ela está sempre bem protegida. Sim. Kid Gordini ataca outra vez...
        — O que você tem é ciúme.
        Nisso tudo, tem uma coisa que me preocupa acima de tudo que é o que me tira o sono.
        — O quê?
        — Será que ele tira o capacete para dormir?
        — Bom dia.
        — Bom dia.
        — Eu sou o pai da noiva. Da Maria Helena.
        — Maria Helena... Ah, a Gatona!
        — Essa.
        — Que prazer. Alguma dúvida sobre a cerimônia?
        — Não, Padre Osni. E que...
        — Pode me chamar de Tuco. E como me chamam.
        — Não, Padre Tuco. E que a Ga... A Maria Helena me disse que ela pretende entrar dançando na igreja. O conjunto toca um rock e a noiva entra dançando, é isso?
        — É. Um rock suave. Não é rock pauleira.
        — Ah, não é rock pauleira. Sei. Bom, isto muda tudo.
        — Muitos jovens estão fazendo isto. A noiva entra dançando e na saída os dois saem dançando. O senhor sabe, a Igreja hoje está diferente. É isto que está atraindo os jovens de volta à Igreja. Temos que evoluir com os tempos.
        — Claro. Mas, Padre Osni...
        — Tuco.
        — Padre Tuco, tem uma coisa. O pai da noiva também tem que dançar?
        — Bom, isto depende do senhor. O senhor dança?
        — Agora não, obrigado. Quer dizer, dançava. Até ganhei concurso de chá-chá-chá. Acho que você ainda não era nascido. Mas estou meio fora de forma e...
        — Ensaie, ensaie.
        — Certo.
        — Peça para a Gatona ensaiar com o senhor.
        — Claro.
        — Não é rock pauleira.
        — Certo. Um roquezinho suave. Quem sabe um chá-chá-chá? Não. Esquece, esquece.
        — Você está nervoso, papai?
        — Um pouco. E se a gente adiasse o casamento? Eu preciso uma semana a mais de ensaio. Só uma semana.
        — Eu estou bonita?
        — Linda. Quando estiver pronta vai ficar uma beleza.
        — Mas eu estou pronta.
        — Você vai se casar assim?
        — Você não gosta?
        — É... diferente, né? Essa coroa de flores, os pés descalços...
        — Não é um barato?
        — Um brinde, xará!
        — Um brinde, Varum.
        — Você estava um estouro entrando naquela igreja. Parecia um bailarino profissional.
        — Pois é. Improvisei uns passos. Acho que me sai bem.
        — Muito bem!
        — Não sei se você sabe que eu fui o rei do chá-chá-chá.
        — Do quê?
        — Chá-chá-chá. Uma dança que havia. Você ainda não era nascido.
        — Bota tempo nisso.
        — Eu tinha um Gordini envenenado. Tão envenenado que morreu. Um dia levei no...
        — Tinha um quê?
        — Gordini. Você sabe. Um carro. Varum, varum.
        — Ah.
        — Esquece.
        — Um brinde ao sogro bailarino.
        — Um brinde. Eu sei que vocês vão ser muito felizes.
        — O que é que você achou da minha beca, cara?
        — Sensacional. Nunca tinha visto um noivo de macacão vermelho, antes. Gostei. Confesso que quando entrei na igreja e vi você lá no altar, de capacete...
        — Vacilou.
        — Vacilei. Mas aí vi que o Padre Tuco estava de boné e pensei, tudo bem. Temos que evoluir com os tempos. E ataquei meu rock suave.

                 VERÍSSIMO, Luís Fernando. In: Para gostar de ler.
São Paulo, Ática, 1994. v. 13, p. 71-6.
Entendendo o conto:
01 – Ao conversar com o pai a respeito do casamento, a filha afirma querer um casamento tradicional, no entanto não é exatamente isso o que ocorre. Selecione do texto pelo menos três detalhes que provam que o casamento não foi tradicional.
      Sugestão: A música ser tocada com sintetizador, baixo e guitarra; a noiva casar descalça; o noivo usar macacão vermelho; o pai e a noiva entrarem na igreja dançando rock; o padre celebrar o casamento usando um boné.

02 – O pai tem uma curiosidade: saber por que seu futuro genro é chamado de Varum. Explique o porquê de tal apelido e transcreva o trecho em que você se baseou para dar sua resposta.
      Porque o rapaz sempre andava de moto e o barulho do motor é vá-rum. O apelido é, na verdade, uma onomatopeia. O trecho é: “—Mas... Vocês vão acampar de motocicleta? – de motoca, cara. Vá-rum, vá-rum”.

03 – Durante a conversa que mantém com o padre, qual a grande preocupação do pai?
      Ele está preocupado porque terá que entrar dançando na igreja.

04 – Como o pai da noiva se saiu no casamento? Que fala do noivo comprovaria isso?
      O pai da noiva saiu-se bem ao entrar na igreja dançando. A fala do noivo que mostra isso é: “Um brinde ao sogro bailarino”.

05 – Embora o texto todo seja formado por diálogos em linguagem coloquial, há momentos em que a linguagem se torna muito mais informal. Que momentos são esses? Por que isso ocorre?
      São os momentos em que Varum fala. Isso ocorre porque Varum é jovem e usa gírias e também porque ele tem intimidade com o pai de Maria Helena.

06 – Selecione um trecho que sirva para comprovar que a linguagem do texto chega a ser bastante informal, havendo inclusive a presença de gírias.
      “Já sei o que você tá pensando, cara. Saquei”.

07 – Procure refazer o diálogo inicial entre Varum e seu sogro, usando uma linguagem menos informal.
      Resposta pessoal do aluno.

08 – O fato de Maria Helena dizer que queria um casamento tradicional fez com que seu pai pensasse que o desejo da filha era ter um casamento parecido com o dele. No entanto, não era essa ideia de “tradicional” que ela tinha em mente. Na sua opinião, as tradições devem ser mantidas ou os costumes devem ser modernizados? Explique sua resposta.
      Resposta pessoal do aluno.