terça-feira, 1 de maio de 2018

POEMA: ODE AO BURGUÊS - MÁRIO DE ANDRADE - COM GABARITO

POEMA: ODE AO BURGUÊS
                 Mário de Andrade


Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
O burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
É sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos;
E gemem sangres de alguns mil-réis fracos
Para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
E tocam os “Printemps” com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol?? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
O êxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
“Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
Um colar... Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!”
Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!
Oh! Purée de batatas morais!
Oh! Cabelos nas ventas! Oh! Carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
Sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
Cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês! ...

                                         Mário de Andrade. Paulicéia Desvairada. São Paulo:
                                                                                            Martins Editora, 1922.

Entendendo o texto:
01 – Uma das características da primeira fase do Modernismo é a atitude combativa diante de valores da sociedade da época. Como essa característica pode ser observada nesse poema?
      O eu-poético manifesta-se contra valores burgueses estabelecidos: o culto ao dinheiro, às aparências, à cautela, ao convencional.

02 – Que versos marcam as relações familiares burguesas? Como essas relações são descritas?
      Os versos “Ai, filha, que te darei pelos teus anos? / Um colar... conto e quinhentos!!!” sugerem relações familiares baseadas em valores materiais.

03 – Que efeito é produzido com o uso repetitivo dos pontos de exclamação?
      Os pontos de exclamação reforçam a indignação do poeta e o texto ganha um tom de exacerbada fúria.

04 – Releia os seguintes versos e explique as imagens produzidas.
“O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, / é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!”
“Fora os que algarismam os amanhãs!”
“Que vivem dentro de muros sem pulos: / e gemem sangues de alguns mil-réisfracos!”
      Resposta pessoal.

05 – Releia as expressões: “burguês-níquel”, “burguês-mensal”, “burguês-cinema”, “burguês-tílburi”. Observe que cada expressão descreve um traço do burguês. Explique que característica burguesa está sendo criticada em cada uma delas.
      “Burguês-níquel”: o culto ao dinheiro. “Burguês-mensal”: o esperado, o convencional. “Burguês-cinema”: a diversão convencional que dispensa reflexões, equivalente à TV de hoje. “Burguês-tílburi”: é o carro da época, símbolo de status.

06 – O que sugere a menção aos “barões lampiões”, “condes joões” e “duques zurros”?
        A citação da hierarquia nobiliárquica pode estar ressaltando o desejo de nobreza dos burgueses que, segundo ele, não passam de trabalhadores (lampiões), pessoas comuns (joões) e ruidosas (zurros).

07 – Compare o título com o poema e responda:
a)   O que há de estranho no tom e no significado dessa ode, em relação ao sentido tradicional do termo?
Nessa Ode, em vez de tom alegre, entusiástico, temos um tom agressivo, de insulto e ódio, e um significado não de exaltação, mas de demolição. Com o jogo sonoro do título, que opõe ode ao ódio, o autor reforça esse paradoxo.

b)   A quem o autor dirige sua crítica?
O autor dirige sua crítica centralmente a uma classe social, a burguesia.

08 – “Ode ao burguês” possui estrofes heterogêneas e versos livres, isto é, sem rima nem métrica, embora apresente ritmo e recursos sonoros. Releia o poema, atentando para esses aspectos formais, característicos do Modernismo. Depois fundamente com exemplos as seguintes afirmações:
a)   As estrofes do poema são heterogêneas?
As estrofes do poema são irregulares quanto ao número de versos: a primeira e a segunda compõem-se de seis versos; a terceira, de sete; a quarta, de oito; a quinta, de onze; a sexta, de cincos; e a sétima, de apenas um verso.

b)   O poema é livre quanto à métrica e à organização de rimas (você pode escolher apenas uma estrofe do poema para exemplificar sua resposta).
Em qualquer uma das estrofes a métrica é nitidamente livre, como se observa pela diversidade desordenada de sílabas poéticas com que se estruturam. Também em qualquer das estrofes percebe-se a inexistência de uma organização rímica regular no poema.

09 – Dentre os recursos sonoros, podemos ressaltar a presença de rimas dentro de um mesmo verso ou em versos seguidos, como ocorre no segundo e no terceiro versos da segunda estrofe.
a)   Repare que as semelhanças sonoras presentes em “Os barões Lampeões! os condes Joões” reforçam o contraste irônico entre imagens de diferentes significados. Que imagens são essas?
Barões e condes, títulos honoríficos, são imagens de superioridade social, enquanto Lampeões e Joões lembram bandidos populares (como Lampião) e homens comuns, como surge o nome João pluralizado.

b)   Já em “... duques zurros! / Que vivem dentro de muros sem pulos” a repetição da vogal u constitui um elemento de ridicularização, expresso, por exemplo, na associação da palavra duque a urros de animais (repare na onomatopeia sugerida em “duques zurros”). Na sua opinião, qual a crítica contida no verso “... vivem dentro de muros sem pulos”?

O verso sugere a imobilidade da aristocracia, a sua incapacidade de correr riscos, a sua falta de ousadia.





4 comentários:

  1. 1) No Manifesto técnico da literatura futurista, publicado em 1912, encontramos a seguinte proposta: “Cada substantivo deve ter o seu duplo, isto é, o substantivo deve ser seguido, sem conjunção, do substantivo ao qual está ligado por analogia. Exemplo: mulher-golfo, multidão-ressaca, praça-funil, etc.”.
    Mário de Andrade, para caracterizar o burguês, cria uma série de substantivo compostos.
    a) Transcreva dois desses substantivos em que o segundo elemento é um substantivo funcionando como adjetivo.
    b) Transcreva dois substantivos compostos em que o segundo elemento é um adjetivo.
    c) Quais desses substantivos caracterizam fisicamente o burguês?

    alguém poderia me ajudar ???

    ResponderExcluir
  2. Esse blog foi o meu grande achado de 2020!! Obrigada por todos os conteúdos incríveis!!

    ResponderExcluir