segunda-feira, 21 de setembro de 2020

CRÔNICA: CHEGOU O OUTONO - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 CRÔNICA: CHEGOU O OUTONO

                  Rubem Braga

 Não consigo me lembrar exatamente o dia em que o outono começou no Rio de Janeiro neste 1935. Antes de começar na folhinha ele começou na Rua Marquês de Abrantes. Talvez no dia 12 de março. Sei que estava com Miguel em um reboque do bonde Praia Vermelha. [...]

Eu havia tomado o bonde na Praça José de Alencar; e quando entramos na Rua Marquês de Abrantes, rumo de Botafogo, o outono invadiu o reboque. Invadiu e bateu no lado esquerdo de minha cara sob a forma de uma folha seca. Atrás dessa folha veio um vento, e era o vento do outono. Muitos passageiros do bonde suavam.

No Rio de Janeiro faz tanto calor que depois que acaba o calor a população continua a suar gratuitamente e por força do hábito durante quatro ou cinco semanas ainda.

Percebi com uma rapidez espantosa que o outono havia chegado. Mas eu não tinha relógio, nem Miguel. Tentei espiar as horas no interior de um botequim, nada conseguindo. Olhei para o lado. Ao lado estava um homem decentemente vestido, com cara de possuidor de relógio.

– O senhor pode ter a gentileza de me dar as horas?

Ele espantou-se um pouco e, embora sem nenhum ar gentil, me deu as horas: 13:48. Agradeci e murmurei: chegou o outono.

Chegara o outono. Vinha talvez do mar e, passando pelo nosso reboque, dirigia-se apressadamente ao centro da cidade, ainda ocupado pelo verão.

As folhas secas davam pulinhos ao longo da sarjeta; e o vento era quase frio, quase morno, na Rua Marquês de Abrantes. E as folhas eram amarelas, e meu coração soluçava, e o bonde roncava.

[...] Era iminente a entrada em Botafogo; penso que o resto da viagem não interessa ao público. [...] O necessário é que todos saibam que chegou o outono. Chegou às 13:48 horas, na Rua Marquês de Abrantes, e continua em vigor. Em vista do que, ponhamo-nos melancólicos.

BRAGA, Rubem. 200 crônicas escolhidas. Rio de Janeiro: Record, 2004.

 

VOCABULÁRIO:

folhinha – expressão popularmente usada para se referir ao calendário impresso, com meses e dias de um ano. Pode-se dizer que se trata de uma “expressão de antigamente”, uma vez que, atualmente, quase não é usada para se referir a calendário.

ESTUDO DO TEXTO

1)   O gênero do texto é:

a)   Editorial

b)   Artigo de opinião

c)   Reportagem

d)   Crônica

 

2)   O trecho que expressa uma opinião do narrador é:

a)   “Muitos passageiros do bonde suavam”. – 2º parágrafo.

b)   “...penso que o resto da viagem não interessa ao público.” – último parágrafo.

c)   “Sei que estava com Miguel em um reboque do bonde Praia Vermelha”. – 1º parágrafo

d)   “Tentei espiar as horas no interior de um botequim, nada conseguindo”. – 4º parágrafo.

 

3)    No 1º parágrafo, o termo que expressa a dúvida do narrador sobre o dia em que se passou o fato narrado é

 (A) “Não”.

 (B) “exatamente”.

 (C) “neste”.

 (D) “Antes”.

 (E) “Talvez”.

 

    4) No 3º parágrafo, a palavra “gratuitamente” foi usada com o sentido de

      (A) sem motivo.

     (B) por gratidão.

     (C) com espanto.

     (D) de brincadeira.

     (E) de graça, sem valor.

 5)  Pela leitura da crônica e observando trechos como “E as folhas eram amarelas, e meu coração soluçava, e o bonde roncava.”, no penúltimo parágrafo, e “Em vista do que, ponhamo-nos melancólicos.”, no final da crônica, percebemos que uma característica marcante do narrador é ser

(A) apressado e inquieto.

(B) desatento e desligado.

(C) irritadiço e impaciente.

(D) sentimental e desligado.

(E) sentimental e emotivo.

 6) O trecho do texto que contém uma personificação, ou seja, o recurso de atribuir a objetos ou a seres não humanos ações ou emoções que são próprias dos seres humanos, é

(A) “... dia em que o outono começou no Rio de Janeiro...” – 1° parágrafo

(B) “No Rio de Janeiro faz tanto calor (...).” – 3º parágrafo

(C) “... um homem decentemente vestido (...).” – 4º parágrafo

(D) “As folhas secas davam pulinhos ao longo da sarjeta (...).” – penúltimo parágrafo

(E) “Em vista do que, ponhamo-nos melancólicos.” – final da crônica

7) O narrador afirma que “ponhamo-nos melancólicos” porque

(A) ele se vê triste diante das pessoas que estão viajando no bonde.

(B) o frio do outono o entristece porque não há mais o calor típico do verão carioca.

(C) a folha que caiu e o frio que soprou em seu rosto o deixou saudoso de outras épocas.

(D) o homem bem vestido com cara de possuidor de relógio o maltratou dentro do bonde.

(E) o frio o deixa doente e saudoso por causa dos maus tratos do homem bem vestido.

 8) O narrador afirma que o calor do Rio de Janeiro frequentemente

(A) sobrevive mesmo depois da folhinha marcar o início do outono.

 (B) acaba sempre às 13:48 horas de 12 de março.

(C) traz muito suor ao rosto das pessoas.

(D) vem através das horas no interior de um botequim.

(E) dirigia-se apressadamente ao centro da cidade.

9) O narrador afirma que “E as folhas eram amarelas, e meu coração soluçava...” o termo destacado expressa a ideia de

(A) alegria.

(B) perplexidade.

(C) tristeza.

(D) resignação.

(E) reflexão.

10)  O fato do cotidiano que levou o cronista a escrever esse texto foi

(A) o homem ter-lhe dito as horas de má vontade no bonde.

(B) ele estar no bonde acompanhado de seu amigo Miguel.

(C) o bonde estar passando pela Rua Marques de Abrantes.

(D) o narrador sentir um frio inesperado durante seu trajeto no bonde.

(E) o outono estar chegando à cidade do Rio de Janeiro antes do previsto.

ENTREVISTA: CONHEÇA O "PAI" DO ARMANDINHO - JORNAL DA CIDADE DE UBERABA - COM GABARITO

 Conheça o "pai" do Armandinho

NOTÍCIASENTREVISTA

PUBLICADO POR
Redação JC
jcuberabacontato@gmail.com

Um garoto inocente e cheio de dúvidas. Um cabelo azul e várias pernas de adultos. Um mundo visto sempre da melhor forma. Armandinho é o protagonista de uma das tirinhas mais famosas do momento no Brasil. Sua página oficial no Facebook já recebeu mais de 570 mil curtidas. Os quadrinhos encantam crianças, adultos e idosos e levam o público à reflexão de como encarar os problemas e pensar neles de forma positiva. 

 O pai de Armandinho é o ilustrador de Florianópolis (SC) Alexandre Beck. Antes de desenhar, ele se formou em Agronomia, Jornalismo e Publicidade. O sucesso já garantiu quatro livros sobre o personagem. O portal Jornal da Cidade conversou com exclusividade com o ilustrador. Acompanhe o bate-papo e conheça um pouco mais sobre as tirinhas:

 Jornal da Cidade: A vida adulta é difícil? Como levar a sensibilidade e a atenção das crianças para os adultos?

 Alexandre: Em geral, a vida de adulto é difícil. Em parte por nossa responsabilidade. Envolvidos por compromissos e na luta por satisfazermos as cobranças da sociedade, deixamos de questionar, de nos encantar, de perceber outros caminhos e de apreciar a beleza do simples. Penso que as crianças possuem isso. Talvez a vida nunca se torne fácil, mas talvez possamos torná-la mais leve.

 JC: Como e quando o personagem Armandinho surgiu? Ele foi criado com qual objetivo?

 Alexandre: As primeiras tiras do que veio a se tornar o Armandinho fiz em 2009. Foram feitas às pressas, pra ilustrar uma matéria que seria publicada no dia seguinte no jornal. As tiras que eu fazia na época, com outros personagens, não se encaixavam na matéria, que falava de economia familiar, com pais e filhos. Criei os roteiros das tiras, usei um desenho que já tinha pronto, rabisquei pernas para representar os pais e fiz as tiras, que foram publicadas no jornal no dia seguinte.

Depois disso, fui amadurecendo uma ideia, e em 2010 – seis meses depois - substituí os antigos personagens pelo menino de cabelo azul.

 JC: O Armandinho já foi hobby? Se sim, quando passou a se tornar um trabalho sério? 

 Alexandre: Sempre fiz as tiras de forma séria, mas por um bom tempo eu criava as tiras do Armandinho em meio a vários outros trabalhos. Sempre foi divertido, dinâmico, e prazeroso, mas antes me tomava relativamente pouco tempo. Gradualmente este tempo foi se ampliando, para responder mensagens e produzir os livros, e ocupando o espaço dos outros trabalhos.

 JC: O personagem se transformou em objeto de Educação, incluído no ensino fundamental e médio?

 Alexandre: Recebi pedidos de editoras para o uso de tiras em livros do ensino fundamental e médio. Muitos professores também relatam que usam as tiras em provas. Nunca imaginei isso, e jamais fiz uma tira com esse objetivo, mas pra mim é algo extremamente gratificante.

 

Nos diálogos com o pai, Armandinho sempre busca mostrar outra visão de encarar a realidade/ Foto: reprodução

 JC: Quais são os principais temas abordados por Armandinho? De onde você tira os assuntos?

 Alexandre: Um dos assuntos que abordo com mais frequência nas tiras é o meio ambiente. Sou engenheiro agrônomo e minha preocupação ambiental vem de criança. Mas acredito ser bastante eclético nos temas. Cidadania, justiça, relacionamento entre pais e filhos e reflexões diversas. Às vezes até me arrisco no humor.

 JC: Por que você escolheu as tirinhas para se comunicar?

 Alexandre: Aceitei um convite pra criar tirinhas no Diário Catarinense, em 2002. Já trabalhava com quadrinhos educativos, o que não é a mesma coisa, mas me dava alguma experiência. Foi um desafio na época – e continua sendo. 

 JC: Quais são suas principais influências no desenho?

 Alexandre: Os primeiros traços do desenho do Armandinho foram feitos de forma rápida, praticamente um esboço, e não foi alterado da forma original. É muito simples.

Já na linguagem e forma de comunicação, creio que uma grande influência tenha sido os livros do Pequeno Nicolau, que minha vó lia para os netos quando éramos crianças.

 JC: Quais são seus sonhos e objetivos para o Armandinho?

 Alexandre: Gostaria de continuar a fazer as tiras da forma que faço desde o início. Reflexões pessoais, assuntos que gosto, que julgo importantes e situações que eu vejo graça. Independência pra isso é fundamental. 

O Armandinho já foi muito além do que eu podia esperar. E a responsabilidade cresce com isso. Hoje fico feliz por poder - por meio do personagem - ajudar a divulgar projetos que julgo importantes, principalmente na área ambiental e de cidadania.

 

Tirinha sobre o incêndio da boate Kiss, em Santa Maria (RS) / Foto: reprodução

 JC: Você faz outros personagens?

 Alexandre: Trabalho com quadrinhos educativos há mais de 12 anos, e personagens que se mantiveram durante todo esse período. O Guto e a Ana, que fiz para trabalhar temas ambientais para a Polícia Militar Ambiental e Fundação do meio Ambiente de Santa Catarina, estão em mais de 25 histórias. Há também personagens que fiz para a Defesa Civil, prefeituras e empresas. 

 JC: Você já conseguiu mudar a postura, o pensamento e o comportamento de alguém com as tirinhas? Como é o retorno do público?

 Alexandre: O retorno dos leitores - principalmente na internet e em lançamentos - é muito grande e positivo. Há vários relatos e depoimentos. As tiras podem ajudar a refletir, motivar e trazer mais informações, mas quem faz a mudança é a pessoa. Eu - como autor - por buscar informações, pensar e repensar enquanto faço as tiras, com certeza tive, e continuo tendo, grandes mudanças.

 Matéria de Isabel Minaré

 

ESTUDO DE TEXTO

1)    O título da entrevista é: “Conheça o “pai” do Armandinho”.

a)    Por que a entrevista recebeu esse título?

             Porque o desenhista autor da personagem Armandinho é o entrevistado.

b)    Explique o uso das aspas na palavra “pai”.

               Elas indicam que a palavra foi usada em sentido conotativo; o desenhista é o criador da personagem, por isso foi chamado de pai.

2)    Releia os dois primeiros parágrafos para responder às perguntas a seguir.

a)    Quem é o entrevistado?

Alexandre Beck.

b)    Quem o entrevistou?

O Jornal da Cidade, de Uberaba.

c)    Ao ser escolhido para dar uma entrevista, pressupõe-se que o entrevistado tenha algo interessante ou relevante para contar. No caso da entrevista lida, qual seria a razão da escolha do entrevistado?

Alexandre Beck criou Armandinho, uma personagem infantil de tirinhas que ficou famosa no Facebook e conquistou um público leitor formado por crianças, adultos e idosos.

 d)    Quem se interessaria por essa entrevista?

Fãs das tiras de Armandinho que tenham curiosidade pelo autor da tira, por exemplo.

e)    Logo após os dois   primeiros parágrafos o texto se modifica. O que aparece? Como o leitor percebe que há uma mudança?

A entrevista propriamente dita. O texto passa a ser organizado em perguntas e respostas que compõe a entrevista.

 f)     Que função esses dois primeiros parágrafos desempenham no texto?

Servem para fazer uma introdução e apresentar o entrevistado.

 

3)    A entrevista é feita por meio de perguntas endereçadas ao entrevistado. Releia a primeira pergunta e a primeira resposta.

a)    Alexandre considera a vida adulta difícil? Por quê?

Sim, pois acredita que os adultos têm muitas responsabilidades e compromissos e recebem muitas cobranças da sociedade.

b)    Para o entrevistado, como o olhar da criança pode ajudar na vida dos adultos?

Pode ajuda-los a se encantar, a apreciar a beleza das coisas simples.

 

c)    Por que o jornal acredita que o desenhista saberia de que modo é possível. “levar a sensibilidade e a atenção das crianças para os adultos”?

Porque criou uma tira cuja personagem principal é uma criança.

4)    Algumas perguntas se referem à criação e às características de Armandinho.

a)    Nos aspectos mencionados sobre Armandinho, identifique informações sobre:

·         a criação da personagem;

O processo de criação da personagem começou em 2009 e, em 2010, ela ganhou a forma que possui hoje.

 

·         meios em que as histórias da personagem passaram a circular;

Materiais didáticos, materiais voltados para a educação.

 

·         temas discutidos nas tiras pela personagem.

Meio ambiente, cidadania, justiça, relacionamento entre pais e filhos, entre outros.

 

b)    O que influenciou Alexandre a se tornar desenhista e a criar Armandinho?

As histórias do Pequeno Nicolau que a avó do desenhista lia para ele quando criança.

 

c)    Se você fosse o entrevistador, o que mais perguntaria sobre o personagem?

Resposta pessoal.

 

5)    Ao falar sobre a personagem que criou, Alexandre expõe alguns detalhes de sua vida pessoal.

a)    Qual é a formação do autor de Armandinho?

Agronomia, Jornalismo e Publicidade.

 

b)    Que relações podem ser estabelecidas entre a formação dele e a atividade que desempenha?

O fato de ser jornalista e publicitário foi uma influência para se tornar desenhista e trabalhar com linguagens.

Os estudos de Agronomia influenciam na escolha dos temas discutidos, por Armandinho, como meio ambiente.

 

6)    Para o “pai” de Armandinho, qual é a importância social das tirinhas?

Para ele, as tirinhas influenciam as pessoas a refletir e a pensar em mudar sua própria vida e a realidade em que vivem.

 

 

domingo, 20 de setembro de 2020

POEMA: JARDINEIRA - ROSEANA MURRAY - COM GABARITO

 POEMA: JARDINEIRA

  Roseana Murray

 A avó é jardineira                                                      

tem o dedo verde

e não só o dedo,

mas as mãos e os pés.

Hoje é dia de plantar flores,

e os netos, as netas

são seus aprendizes.

Com pás e terra boa,

sementes e regador,

todos cavam

feito uma orquestra

e afofam, aconchegam,

fazem para as futuras flores

caminhas macias.

Logo ali, no futuro,

girassóis, sempre-vivas

e margaridas dançarão ao som

do vento.

 

MURRAY, Roseana. Colo de avó. Rio de Janeiro: Manati, 2015.

ENTENDENDO O TEXTO

1)   Que texto é esse?

       É um poema.

 

2)   Quantos versos e quantas estrofes possui esse poema?

         O poema possui 18 versos e 4 estrofes.

 

3)   Quando se lê “A avó é jardineira / tem o dedo verde”, o que se pode esperar dela?

       Que ela tem o dedo verde, tem boa mão para a jardinagem, lida bem com as plantas.

 

4)   E se essa vovó tem “não só o dedo,/ mas as mãos e os pés”, o que fica diferente?

      Significa que ela é ainda melhor ao lidar com o jardim do que as pessoas que têm, simplesmente, um dedo verde. Ela ama o que faz e se dedica àquela tarefa.

5)   Você sabe o que é uma orquestra, não é mesmo? É um conjunto de músicos que tocam seus instrumentos. Um maestro rege a orquestra, para que os músicos saibam os momentos em que devem entrar em cena os instrumentos tocados harmoniosamente.

       Agora releia: “Com pás e terra boa,/ sementes e regador,/todos cavam / feito uma orquestra /e afofam, aconchegam, / fazem para as futuras flores/ caminhas macias.”

a)   Que ideia expressa a palavra destacada?

A palavra “feito” expressa uma comparação e pode ser substituída por “como”.

 

b)   O que há em comum entre uma orquestra e o ato de cavar?

Uma orquestra, para funcionar bem, precisa tocar de forma equilibrada, harmoniosa. E “cavar”, no poema, transmite a noção de trabalho em equipe, ao transformar a terra em camas macias para as flores.

 

c)   Que sentimento nos traz a ideia de “caminhas macias” para flores?

A ideia das caminhas macias sugere afeto, cuidado, proteção, conforto, no preparo da terra para plantar as flores.

LIVRO(FRAGMENTO): O MENINO DO DEDO VERDE - CAPÍTULO SEIS - MAURICE DRUON - COM GABARITO

 LIVRO(FRAGMENTO): O MENINO DO DEDO VERDE - CAPÍTULO SEIS

                                      Maurice Druon

  Onde Tistu recebe uma lição de jardim e descobre, ao mesmo tempo, que possui polegar verde.

         Tistu pôs chapéu de palha para ir à aula de jardim.

        Era a primeira experiência do novo sistema. O Sr. Papai havia julgado melhor começar por aí. Uma lição de jardim, afinal de contas, é uma lição de terra, essa terra em que caminhamos, que produz os legumes que comemos e o capim com que os animais se alimentam, até ficarem bastante gordos para serem comidos...

       A terra, tinha declarado o Sr. Papai, está na origem de tudo.

      "Tomara que o sono não venha!" — dizia Tistu consigo mesmo, a caminho da aula.

      O jardineiro Bigode, prevenido pelo Sr. Papai, já esperava o aluno na estufa.

      O jardineiro Bigode era um velho macambúzio, de pouca conversa, e não lá muito amável. Uma extraordinária floresta, cor de neve, brotava-lhe entre o nariz e a boca.

     Como descrever os bigodes de Bigode? Uma das maravilhas da natureza. Nos dias de vento, quando o jardineiro passava de pá ao ombro, era um verdadeiro espetáculo: pareciam duas chamas que lhe saíssem do nariz para queimar-lhe as orelhas.

     Tistu bem que gostava do velho jardineiro, mas tinha um pouco de medo.

     — Bom dia, Sr. Bigode — disse Tistu, tirando o chapéu.

     — Ah! Você já chegou... Vamos ver do que é capaz. Está vendo este monte de terra e estes vasos? Você vai encher os vasos de terra e enfiar o polegar bem no meio, para fazer um buraco. Depois ponha tudo em fila, ao longo do muro. Então a gente coloca nos buracos as sementes que quiser.

       As estufas do Sr. Papai eram admiráveis e dignas, em tudo, do resto da casa. Sob a proteção dos vidros cintilantes, mantinha-se, graças a um aquecedor, um ar úmido e quente. Ali mimosas 27 floresciam em pleno inverno, cresciam palmeiras importadas da África, e cultivavam-se lírios pela sua beleza e jasmins pelo seu perfume. E até orquídeas, que não são belas nem cheiram, por um motivo inteiramente inútil para uma flor: a raridade.

        Bigode era o senhor daquele recinto. Quando Dona Mamãe, aos domingos, trazia as amigas para ver a estufa, ele postava-se à porta, de avental novo, tão amável e falante quanto um cabo de enxada.

        À menor tentativa de acender um cigarro ou tocarem numa flor, Bigode saltava sobre a imprudente:

          — Era o que faltava! Será que as senhoras querem sufocar e estrangular minhas flores?

          Tistu, ao realizar o trabalho que Bigode lhe confiara, teve uma agradável surpresa: esse trabalho não lhe dava sono. Ao contrário, dava-lhe um grande prazer. Ele achava que a terra tinha um cheiro gostoso. Um vaso vazio, uma pá de terra, um buraco com o dedo, e o serviço estava pronto. Passava-se logo ao seguinte. Os vasos iam-se alinhando rente ao muro.

          Enquanto Tistu prosseguia o trabalho com afinco, Bigode dava lentamente uma volta pelo jardim. E Tistu descobriu aquele dia por que é que o velho jardineiro falava tão pouco com as pessoas: ele conversava com as flores.

          Vocês compreendem facilmente que depois de cumprimentar cada rosa de um ramo, cada cravo de uma touceira, já não há voz que chegue para distribuir "Boa noite, meu senhor!" ou "Bom apetite, minha senhora!" ou "Saúde!" quando alguém espirra, — todas essas coisas, enfim, que fazem os outros dizerem: "Como ele é bem educado!"

          Bigode ia de uma flor a outra, preocupando-se com a saúde de 28 cada uma.

         — Então, rosa-chá, sempre fazendo das suas! Guarda os botões escondido para fazê-los abrir quando ninguém espera... E você, trepadeira, está pensando que é a rainha da montanha, querendo fugir pelo alto dos caixilhos... Veja se isso são modos!

         Em seguida, virou-se para Tistu e gritou-lhe de longe:

         — Então, é para hoje ou para amanhã?

         — Um pouco de paciência, professor! Só faltam três vasos — respondeu Tistu.

         Apressou-se em terminar e foi ao encontro de Bigode, na outra ponta do jardim.

        — Pronto, acabei.

        — Bom, vamos ver — resmungou o jardineiro.

        Voltaram devagarinho, porque Bigode aproveitava, ora para cumprimentar uma grande peônia pelo seu belo aspecto, ora para encorajar uma hortênsia a se tornar mais azul... De repente, eles pararam imóveis, boquiabertos, estupefatos, fora de si.

        — Será que eu estou sonhando? — disse Bigode, esfregando os olhos. — Você está vendo o mesmo que eu?

        — Estou, Sr. Bigode.

        Ao longo do muro, ali mesmo, a poucos passos, todos os vasos que Tistu enchera haviam florescido em menos de cinco minutos!

        Mas é preciso explicar: não se tratava de uma tímida floração, hastes pálidas e hesitantes. Nada disso! Em cada vaso se avolumavam as mais soberbas begônias. E todas formavam, alinhadas, uma espessa sebe vermelha.

      — É inacreditável! — dizia Bigode. — É preciso pelo menos dois meses para begônias assim!

       Um prodígio é um prodígio. Primeiro, a gente o constata. Depois, procura explicá-lo. Tistu perguntou:

      — Mas, se não se havia posto semente, Sr. Bigode, de onde é que saíram estas flores?

     — Mistério, mistério... — respondeu Bigode.

     Em seguida, tomou bruscamente nas suas mãos calejadas a mãozinha de Tistu.

      — Deixe ver o polegar!

      Examinou atentamente o dedo do menino, em cima e embaixo, na sombra e na luz.

      — Meu filho — disse enfim, após madura reflexão — ocorre com você uma coisa extraordinária, surpreendente! Você tem polegar verde...

      — Verde! — exclamou Tistu muito espantado. — Acho que é cor-de-rosa, e até que está bem sujo! Verde coisa alguma!

      Olhou seu polegar, muito normal.

      — É claro, é claro que você não pode ver — replicou Bigode,.

      — O polegar verde é invisível. A coisa se passa por dentro da pele: é o que se chama um talento oculto. Só um especialista é que descobre. Ora, eu sou um especialista. Garanto que você tem polegar verde.

     — E para que serve isto de polegar verde?

    — Ah! é uma qualidade maravilhosa — respondeu o jardineiro. — Um verdadeiro dom do céu! Você sabe: há sementes por toda parte. Não só no chão, mas nos telhados das casas, no parapeito das janelas, nas calçadas das ruas, nas cercas e nos muros. Milhares e milhares de sementes que não servem para nada. Estão ali esperando que um vento as carregue para um jardim ou para um campo. Muitas vezes elas morrem entre duas 30 pedras, sem ter podido transformar-se em flor. Mas, se um polegar verde encosta numa, esteja onde estiver, a flor brota no mesmo instante. Aliás, a prova está aí, diante de você! Seu polegar encontrou na terra sementes de begônia, e olhe o resultado! Que inveja que eu tenho! Como seria bom para mim, jardineiro de profissão, um polegar verde como o seu!

        Tistu não pareceu muito entusiasmado com a descoberta.

        — Já vão dizer de novo que eu não sou como todo mundo — resmungou.

        — O melhor — replicou-lhe Bigode — é não falar nada com ninguém. Que adianta despertar curiosidade ou inveja? Os talentos ocultos, em geral, trazem aborrecimentos. Você tem o polegar verde, está acabado. Mas guarde para você, e fique em segredo entre nós.

         E no caderninho de notas, entregue pelo Sr. Papai e que Tistu devia fazer assinar no fim de cada aula, o jardineiro Bigode escreveu apenas:

         "Este menino revela boas disposições para a jardinagem."

 DRUON, Maurice. O menino do dedo verde. tradução de D. Marcos Barbosa 35.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.

ENTENDENDO O TEXTO

 1)   Sobre os bigodes do jardineiro...

a)   No trecho “Como descrever os bigodes de Bigode?”, temos uma mesma palavra escrita de dois modos diferentes. Por quê?

Porque a grafia do nome próprio (Bigode) e o bigode se refere a um substantivo, ou seja, ao vistoso bigode que o jardineiro tem.

 b)   A que o autor comparou os bigodes do Sr. Bigode? Copie do texto.

“Uma extraordinária floresta, cor de neve, brotava-lhe entre o nariz e a boca.”

“...pareciam duas chamas que lhe saíssem do nariz...”.

 2)   Releia com os seus colegas: “Bigode era o senhor daquele recinto. Quando Dona Mamãe aos domingos, trazia as amigas para ver a estufa, ele postava-se à porta, de avental novo, tão amável e falante quanto um cabo de enxada.”

a) Que recinto é esse?

O recinto é a estufa, um local que absorve o calor do sol e protege as plantas.

 b)   Que elementos estão sendo comparados em “tão amável e falante quanto um cabo de enxada”?

Compara-se aqui o jardineiro Bigode ao cabo de uma enxada.

 c)   Um cabo de enxada pode ser amável e falante? O que significa, então, essa comparação?

Foi levada em conta a característica de Bigode: ser pouco comunicativo, assim como um cabo de enxada ou qualquer outro objeto inanimado.

 d)   Talvez você, agora, possa deduzir o significado da palavra destacada em “O jardineiro Bigode era um velho macambúzio, de pouca conversa, e não lá muito amável.”

Resposta pessoal.

Macambúzio significa “tristonho, mal-humorado”.

 3)   O jardineiro Bigode é um adulto que conversa com as flores, mas é carrancudo com as pessoas. Que sentimento você percebe na relação desse adulto com suas plantas?

Ele demonstrava amor e interesse por elas, preocupava-se com a saúde delas, animava-se com seus progressos. Seus comentários podem ser comparados aos de responsáveis por

Crianças pequenas sobre suas travessuras.

 4)   Releia: “Tistu, ao realizar o trabalho que Bigode lhe confiara, teve uma agradável surpresa: esse trabalho não lhe dava sono. Ao contrário, dava-lhe um grande prazer. Ele achava que a terra tinha um cheiro gostoso.”

Que opinião o menino tinha sobre sua atividade com Bigode?

Ele gostava do trabalho e achava que a terra tinha um cheiro bom.

5)   O que significa ter um polegar verde? Que consequências isso traria para um jardineiro?

Ter polegar verde significa ter uma ótima capacidade para lidar com as plantas, cultivá-las, cuidar delas. Um jardineiro com esse dom produziria linda flores, que cresceriam muito mais rápido, além de seu cultivo dar menos trabalho.

 6)   “De repente, eles pararam imóveis, boquiabertos, estupefatos, fora de si.” Observe que Tistu e Bigode tiveram as mesmas reações e suas emoções foram aumentando de intensidade. Que fato desencadeou essas reações?

Todos os vasos que Tistu havia enchido de terra haviam florescido em menos de cinco minutos, e as flores eram lindas!

 7)   Tistu não ficou nem um pouco animado com a novidade. Que fala do menino expressa seu descontentamento?

“Já vão dizer de novo que eu não sou como todo mundo”.

 

8)   O que a expressão de novo, na resposta anterior, revela?

A expressão revela que ele já havia ouvido alguém dizer que ele não era como todo mundo.

 

9)   No trecho “Tistu, ao realizar o trabalho que Bigode lhe confiara teve uma agradável surpresa: esse trabalho não lhe dava sono.” O fato de não ficar com sono, durante o trabalho solicitado por Bigode, foi uma surpresa para o menino. O que essa surpresa indica?

Indica que, em outras situações, Tistu teria ficado com sono, já que as atividades realizadas não lhe teriam dado prazer.

 

10)              Que atitude de Bigode demonstra um profundo respeito pelo talento oculto de Tistu?

O fato de manter segredo.