domingo, 24 de janeiro de 2021

REPORTAGEM: A PLANTA DA FELICIDADE - JOGENDRA SAKSENA - COM GABARITO

 Reportagem: A planta da felicidade            

Jogendra Saksena

     Na Índia, uma arte popular para todas as estações

        Na Índia as artes populares tradicionais inspiram-se frequentemente nas crenças religiosas. No estado de Rajasthan, a sudoeste de Délhi, nas férteis planícies pontilhadas pelos célebres palácios e fortalezas rajput, a arte do mehndi – pintura de mãos para mulheres – integra-se no ciclo de festas e cerimônias.

        Durante séculos as mulheres da Índia e do Oriente Médio usaram mehndi (ou henê) para decoração, mas as mulheres da comunidade Vaixía, do Rajasthan, destacam-se por usá-lo para cobrir de desenhos artísticos as palmas das mãos, os dedos dos pés e até os pés. Esses enfeites variam conforme a ocasião – casamentos, nascimentos ou festas como o Holi e o Gangur.

        O henê é uma planta muito cultivada na África e no sudoeste da Ásia para ornamento e para tintura. É empregado para tingir os cabelos, para pintar animais e tingir peles. Também serve como adstringente nas doenças da pele, em queimaduras e contusões.

        Desde os tempos bíblicos s mulheres do Egito e da Índia usam o creme de henê para pintar de vermelho-alaranjado as unhas e diversas partes das mãos e dos pés, a fim de realçar sua beleza. A cor se mantém por três ou quatro semanas.

        [...]

        Acredita-se que a pintura de mehndi tivesse chegado à Índia com os muçulmanos, mas na verdade começou muito antes, antes mesmo do período Gupta (350 a.D.). As antigas pinturas murais de Ajanta-Ellora mostram cenas de decoração com mehndi; numa cena vê-se uma princesa de Pataliputra repousando semi-adormecida sob uma árvore, enquanto uma amiga lhe decora os pés e as mãos com desenhos feitos com mehndi.

        [...] Hoje essa ornamentação corporal tornou-se um complexo de desenhos geográficos e florais que continua a ser indispensável em algumas regiões, mas que em outras já desapareceu.

        O mehndi, sob a forma de folhas, é amassado, reduzindo a pó e misturado com caldo de limão, água açucarada e algumas gotas de óleo de parafina. O resultado é uma pasta escura, cuja cor persiste muito tempo. As mãos e os pés são muito bel lavados com besan (farinha de grão-de-bico) ou sabão.

        Os belos desenhos são feitos com palito, com arame fino ou mesmo com o dedo indicador. A pasta é aplicada em riscos delgados, e a pessoa que a aplica não de tocar a pele que está pintando. Quando o desenho está pronto, espera-se que seque e penetre na pele.

        Aplicando-se pasta de calcário sobre henê vermelho obtêm-se desenhos brancos em fundo vermelho: é o método batik. Para manter a intensidade da cor vermelha, as mãos são esfregadas com óleo de sésamo ou de mostarda e depois lavados. Os desenhos mantêm-se por duas ou três semanas. Há também desenhos já prontos, que podem ser aplicados com rapidez, mas desaparecem mais depressa. É preciso tempo e dedicação para fazer pintura com mehndi; o trabalho leva de quatro a oito horas no caso de uma noiva.

        O mehndi dá sorte no casamento. Quanto mais escuro o vermelho na palma da mão de uma mulher, mais ela é amada pelo marido. Como a arte do mehndi simboliza a durabilidade do amor entre marido e mulher, só pode ser praticada por mulheres casadas, para as quais é símbolo do estado matrimonial. Solteiras e viúvas não podem ostentar esses desenhos, mas as mulheres mortas são ornadas com mehndi como se fossem noivas. Moças e rapazes solteiros não podem untar os pés com mehndi porque dá azar. Mulher grávida não pode usar o mehndi.

        Acredita-se que Lakshimi, deusa da sorte e da felicidade, esteja presente nos desenhos feitos com mehndi. Um sinal feito com mehdi na fronte de uma pessoa atrai boa sorte, como também dá sorte oferecer mehndi aos deuses e deusas para aplica-los, pedir-lhes favores ou afastar maus espíritos. As decorações com mehndi são indispensáveis nas mãos e nos pés das noivas durante a cerimônia do casamento.

        [...]

        Os desenhos de mehndi dividem-se em várias categorias: estações, festas, cerimônias e miscelânea. Esta última categoria serve para enriquecer os desenhos específicos e limitados que se fazem para as festas e cerimônias. Neles são representados muitos costumes e crenças populares.

        Bicchu (escorpião) é um símbolo do amor e um desenho muito popular, especialmente no verão. O papagaio também é um símbolo importante nas canções populares de Rajasthan; representa o mensageiro das heroínas. O pavão, notável por suas muitas cores, é o companheiro querido das mulheres sepradas dos maridos. Também são representados objetos da vida cotidiana: gulodices, roupas, flores e objetos usados em jogos, como chakaris (brinquedos que giram como piões). Os keris (mangas verdes), as castanhas-d’água e o lótus são motivos frequentes.

        Desenhos onde aparecem o sol, a lua, estrelas e keri representam o casamento perfeito que dura a vida inteira. As flores simbolizam a felicidade; as mangas verdes são a virgindade e a chegada do verão. O pavão, o papagaio e o escorpião são símbolos do amor.

        As estações do ano na Índia são o verão, as chuvas e o inverno. O verão e a estação das chuvas duram das festas Holi às festas Deepavali, ou seja, de março a outubro. O mehndi é apropriado ao verão porque refresca e amacia as mãos. Tem também propriedades medicinais apreciadas durante a estação chuvosa. Os bijanis (leques), em centenas de variedade, são motivo popular próprio para o verão, por simbolizarem o ar fresco e um alívio para o calor.

        Na estação das chuvas os desenhos são mais numerosos, mais trabalhados e até mais exuberantes do que no verão e no inverso. É a época em que a decoração com mehndi atinge sua maior beleza. Desenham-se keri e chopar (jogo parecido com o gamão). Laharia – onda do mar ou de rio – reflete os sentimentos de alegria e excitação próprios da época e do espírito da estação. É também a estação do mela, das feiras, dos festivais; muitas mulheres passam tempo no jardim, brincando em balanços. Os sentimentos próprios dessa estação se exprimem nas vestimentas vibrantes, onde se misturam as cores do arco-íris, e nas formas do laharia e dos keni. Tudo isso se encontra nos desenhos feitos com mehndi. Vários desenhos são inspirados no ghevar, espécie de guloseima que os irmãos oferecem às irmãs nos dias de festa.

        Como o mehndi tem características refrescantes, o inverno é a estação que lhe é menos favorável. Nessa época há menos desenhos. [...]

        A arte do mehndi está profunda e intimamente ligada à vida popular e até originou provérbios. “Mão pintada com mehndi” refere-se a uma pessoa que procura fugir do trabalho. Também se diz que “o mehndi só produz cor quando é amassado sobre uma pedra”. Isso quer dizer que só com sofrimento se adquire experiência da vida.

        O mehndi fornece um quadro verdadeiro da vida do povo e esclarece aspectos de sua mentalidade. A beleza, o encanto e a riqueza dessa tradição estão muito bem resumidos nestes versos de um poeta urdu: “Resolvi agora escrever os desejos do meu coração sobre as folhas do mehndi. Quando ela vier colher estas folhas, colocará a mão sobre elas, lerá minha mensagem e saberá meu segredo”.

   O Correio. Rio de Janeiro, ano 5, n. 4, 1977.

Fonte: Livro – Ler, entender, criar – Português – 6ª Série – Ed. Ática, 2007 – p. 233-6.

Entendendo a reportagem:

01 – Para que você possa compreender bem a origem da pintura corporal de que fala o texto lido, faça as seguintes atividades:

a)   Em um atlas geográfico mundial, localize a Índia e Délhi, uma importante cidade desse país.

Resposta pessoal do aluno.

b)   Em um mapa da Índia, localize o estado de Rajasthan, que fica a sudoeste de Délhi.

Resposta pessoal do aluno.

c)   Compare os resultados de sua pesquisa com os encontrados por um colega.

Resposta pessoal do aluno.

02 – Dividimos a seguir o texto em seis partes. Escreva em seu caderno quais parágrafos podem constar de cada parte:

·        Localização no espaço e no tempo da arte do mehndi – pintura de mãos para mulheres;

Do 1° ao 6° parágrafos.

·        A técnica do mehndi;

Do 7° ao 9° parágrafos.

·        As crenças associadas ao mehndi;

10° e 11° parágrafos.

·        As categorias e os símbolos do mehndi;

Do 12° ao 14° parágrafos.

·        Mehndi e as estações do ano;

Do 15° ao 17° parágrafos.

·        Mehndi e a cultura popular.

18° e 19° parágrafos.

03 – Pesquise em um dicionário as palavras do texto cujo significado você desconhece. Lembre que você poderá encontrar mais de um significado para cada palavra procurada. Anote apenas o significado mais adequado, considerando a frase em que ela está.

      Resposta pessoal do aluno.

04 – O título e a chamada de reportagem estão adequados à reportagem? Comente um pouco sua resposta.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: O título e a chamada são uma síntese das ideias expressas na reportagem.

05 – Vamos fazer uma nova divisão do texto, desta vez em três partes:

·        Apresentação do assunto (do 1° ao 66° parágrafo);

·        Desenvolvimento (do 7° ao 17° parágrafo);

·        Conclusão (18° e 19° parágrafos).

        Crie um intertítulo para a segunda e outro para a terceira parte. Compare seus intertítulos com os criados por seus colegas.

      Resposta pessoal do aluno.

HISTÓRIA: O VELHO LOBO-DO-MAR (FRAGMENTO) - R.L. STEVENSON - COM GABARITO

 História: O velho lobo-do-mar (Fragmento)

               R. L. Stevenson

        O squire Trelawney, o Dr. Livesey e os outros cavalheiros tendo pedido para que eu escrevesse sobre a Ilha do Tesouro, lance por lance, do começo até o fim, não deixando nada de fora a não ser a localização da ilha, e isso apenas porque há nela um tesouro ainda não retirado, pego de minha pena no ano da graça de 17... e recuo até a época em que meu pai possuía a estalagem Almirante Benbow e em que o velho marinheiro moreno, com um corte de sabre, veio hospedar-se sob nosso teto.

        Lembro-me dele como se fosse ontem, de como foi aproximando-se devagar da porta da estalagem, de seu baú de marujo vindo atrás num carrinho de mão; um homem alto, forte, pesado, de pele amorenada; um rabo-de-cavalo seboso caía sobre os ombros de seu casaco azul manchado; as mãos, cheias de calos e cicatrizes, as unhas pretas e quebradas; o corte de sabre de um lado do rosto era de um branco lívido, sujo. Lembro-me dele olhando a enseada e assoviando para si mesmo, como costumava fazer, e súbito entoando aquela velha canção do mar que, depois, ele cantou tantas vezes:

        Quinze homens sobre o baú do morto

        Yo-ho-ho, e uma garrafa de rum! No mais alto de uma voz trêmula, velha, que parecia ter sido modulada e triturada nas barras do cabrestante. Então bateu na porta com um pedaço de vara igual a uma estaca que carregava e, quando meu pai apareceu, pediu com rispidez um copo de rum. Quando foi servido, bebeu lentamente, como um bom apreciador, demorando-se a saboreá-lo e olhando sempre à sua volta para os rochedos e espiando nossa tabuleta.

        -- É uma enseada jeitosa – disse, por fim. – E um boteco agradavelmente situado. Muita gente, companheiro?

        Meu pai disse-lhe que não, muito pouca gente, o que era mesmo uma pena.

        -- Bem – ele disse –, para mim isto é uma cabine. Você aí, camarada – gritou para o homem que empurrava o carrinho. – Traga meu baú para cá e o leve para dentro. Vou ficar aqui algum tempo – continuou. – Sou um homem simples; rum, bacon e ovos é tudo que quero e ficar vendo daqui de cima passar os navios. Como é que deve me chamar? Pode me chamar de capitão. Ah, já sei em que é que... está aqui. – E jogou na soleira três ou quatro moedas de ouro. – Pode me avisar quando eu já tiver gasto – disse, olhando ameaçadoramente como um comandante.

        E, de fato, apesar das roupas ruins e do jeito grosseiro de falar, não tinha a aparência de um simples marinheiro; parecia mais um capitão de navio, acostumado a ser obedecido ou a intimidar. O homem que trouxe o carrinho disse-nos que a diligência o deixara de manhã diante do Royal George; que ele perguntara sobre as estalagens que existiam ao longo da costa e ouvindo falar bem da nossa, suponho, que fora descrita como isolada, escolhera-a para sua residência. E isso foi tudo que pudemos saber sobre nosso hóspede.

        Ele era um homem silencioso por hábito. Passava os dias rondando a enseada ou sobre os rochedos, com um telescópio de metal; à noite, sentava-se a um canto da sala de estar perto do fogo e bebia rum forte misturado com água. Na maioria das vezes não respondia quando falavam com ele, apenas olhava de modo rápido e feroz, e a soprar pelo nariz como um fole; e nós e as pessoas que vinham à nossa casa logo aprendemos a deixa-lo a sós. Todo dia, quando voltava de seu passeio, perguntava se algum marinheiro tinha passado pela estrada. No início, pensamos que era o desejo de companhia de alguém de seu meio que o fazia perguntar, mas por fim começamos a desconfiar que ele desejava evita-los. Quando algum marujo parava no Almirante Benbow (como ainda hoje alguns fazem, tomando a estrada costeira para Bristol), ele o olhava através das frestas da porta antes de entrar na sala; e sempre mantinha-se calado como um rato quando havia alguém assim. Para mim, pelo menos, o caso já não tinha mais segredo, pois eu, de certo modo, partilhava de seus alarmes. Um dia chamou-me de lado e me prometeu uma moeda de prata de quatro pence no primeiro dia de cada mês se eu ficasse “de olho num marujo com uma perna só” e o avisasse quando ele aparecesse. Muitas vezes, quando chegava o primeiro dia do mês e eu lhe pedia meu pagamento, ele apenas soprava pelo nariz e me fazia baixar a vista; mas antes que a semana terminasse ele sempre mudava de ideia, dava-me a moeda de quatro pence e repetia suas ordens sobre “o marujo com uma perna só”.

        Como esse personagem assombrava meus sonhos, eu nem sei dizer-lhe. Nas noites de tempestade, quando o vento sacudia os quatro cantos da casa e a rebentação zoava ao longo da enseada e contra os rochedos, eu ficava a vê-lo de mil formas e com mil expressões diabólicas. Ora a perna era cortada até o joelho, ora até os quadris, ora era um tipo monstruoso de criatura que sempre tivera uma perna só, bem no meio de seu corpo. Vê-lo saltar e correr e perseguir-me entre as sebes e sobre o fosso era o pior dos pesadelos. E assim, no fim de contas, eu pagava muito caro pelos quatro pence mensais, sob a forma dessas fantasias abomináveis.

        Mas, embora eu tivesse aterrorizado com a ideia do marujo de uma perna só, era eu quem tinha menos medo do próprio capitão do que qualquer outro que o conhecia. Havia noites em que ele tomava bem mais rum com água do que sua cabeça podia aguentar; e aí algumas vezes sentava-se e cantava as suas velhas, perversas, rudes canções de marujo, sem ligar para ninguém; mas às vezes pedia copos para os outros e forçava seus trêmulos convivas a ouvir suas histórias ou a acompanha-lo, fazendo coro para sua cantoria. Ouvi muitas vezes a casa estremecer com seu “Yo-ho-ho, e uma garrada de rum!”; todos o acompanhavam por amor à vida, com medo de morrer ali mesmo, e cada um cantando mais alto que o outro, para evitar reprimendas. Pois nesses acessos ele era o mais tirânico companheiro que jamais se viu; dava murros na mesa para impor silêncio a todos; ficava tomado pela raiva a uma pergunta qualquer ou às vezes porque ninguém perguntava e, desse modo, julgava que sua plateia não estava seguindo a história. Nem permitia também que ninguém saísse da estalagem enquanto não estivesse caindo de bêbado e fosse cambaleando para a cama.

        Mas eram suas histórias o que mais assustava as pessoas. Eram terríveis histórias, essas; sobre enforcamentos e andar em cima da prancha e tempestades no mar e sobre Tortuga e façanhas selvagens e lugares nos mares da Espanha. Pelo que contava, devia ter passado sua vida entre alguns dos mais perversos homens que Deus colocava sobre o mar; e a linguagem em que contava essas histórias chocava nossa simples gente do campo quase tanto quanto os crimes que descrevia. Meu pai estava sempre dizendo que a estalagem iria arruinar-se, pois logo as pessoas deixariam de vir para não serem tiranizadas e humilhadas e irem para a cama tremendo; mas eu acreditava de fato que sua presença nos fazia bem. Na época, as pessoas estavam apavoradas, mas lembrando direito elas bem que gostavam daquilo; era uma bela excitação numa tranquila vida no campo; e havia até mesmo uma parte dos mais jovens que achava que o admirava, chamando-o de “um verdadeiro lobo-do-mar” e um “autêntico marinheiro da velha-guarda” e outros nomes assim, e dizendo que aquele era o tipo de homem que tinha tornado a Inglaterra temível nos mares.

        [...]

        A Ilha do Tesouro. São Paulo, Ática, 1997.

Fonte: Livro – Ler, entender, criar – Português – 6ª Série – Ed. Ática, 2007 – p.217-220.

Entendendo a história:  

01 – No texto lido, qual é o significado da expressão lobo-do-mar? A quem ela é atribuída?

      No texto, “lobo-do-mar” significa marinheiro experiente, que conhece bem todos os detalhes de sua profissão. A expressão é atribuída ao velho marinheiro que se intitula “capitão” e se hospeda na estalagem Almirante Benbow.

02 – Qual é o significado da expressão ano da graça? Por que existem reticências depois de 17?

      A expressão “ano da graça” tem origem religiosa e é utilizada para indicar um ano determinado depois do nascimento de Cristo. As reticências foram empregadas porque o narrador não quis precisar para o leitor o ano exato em que se passaram os fatos que pretende narrar.

03 – Faça uma lista de palavras e expressões cujo significado você desconhece. Se não puder deduzi-lo do próprio texto, pesquise num dicionário. Lembre que nos dicionários as palavras podem apresentar mais de um significado. Anote apenas o adequado para cada palavra ou expressão na frase em que ela aparece.

      Resposta pessoal do aluno.

04 – Quem narra a história da Ilha do Tesouro?

      O filho do dono da estalagem Almirante Benbow, que é um narrador-personagem.

05 – Quais aspectos físicos do marinheiro o narrador selecionou para descrevê-lo?

      Homem alto, forte, pesado, de pela amorenada; um rabo-de-cavalo seboso caído sobre os ombros; mãos calosas e com cicatrizes; unhas pretas e quebradas; um corte de sabre de um lado do rosto.

06 – Quais aspectos do modo de ser do marinheiro o narrador selecionou para descrevê-lo?

      Ríspido, autoritário, modo grosseiro de falar, silencioso, preferia o isolamento, desconfiado em relação aos desconhecidos. Gostava de cantar canções do mar e de contar histórias de terror numa linguagem rude, que despertava medo em seus interlocutores.

07 – A descrição do velho marinheiro permite ao leitor visualizá-lo? Leve em conta suas respostas às questões 5 e 6 para chegar a uma conclusão e comente sua resposta.

      Resposta pessoal do aluno.

08 – De seu ponto de vista, qual aspecto do marinheiro mais chamava a atenção dos que visitavam a estalagem e do narrador e pode despertar também a curiosidade do leitor?

      O seu gosto por contar histórias de terror. Essa característica do marinheiro pode criar no leitor a expectativa de que a história que vai ler certamente envolve aventuras e façanhas no mar.

09 – Quais fatos do texto permitem ao leitor imaginar que o marinheiro esperava alguém?

      Ele passava os dias rondando a enseada ou sobre os rochedos, com um telescópio de metal. Depois, ofereceu dinheiro para o filho do dono da estalagem (e narrador da história) para que ele o avisasse a respeito da chegada de um marujo com uma perna só.

10 – O marujo que talvez apareça na estalagem é amigo do “capitão” ou pode haver um conflito entre eles? Justifique sua resposta com elementos do texto.

      Pode haver um conflito entre eles. O fato de o “capitão” ter oferecido dinheiro para que o filho do dono da estalagem vigiasse a chegada desse marujo comprova a possibilidade de um conflito.

11 – Informe-se sobre o que é uma enseada e, em seu caderno, desenhe-a cercada de rochedos.

      Resposta pessoal do aluno.

12 – O texto que você leu é um trecho do 1° capítulo de um livro chamado A Ilha do Tesouro. Em sua opinião, este é um bom início? Comente um pouco sua resposta.

      Resposta pessoal do aluno.

 

 

     

HISTÓRIA: ULISSES CONTRA O CICLOPE (FRAGMENTO) - TRAD.E ADAPT. MARQUES REBELO - COM GABARITO

 História: Ulisses contra o ciclope (Fragmento)

             Trad. E adapt. Marques Rebelo

    Em sua obra Odisséia, o poeta grego Homero conta que, em tempos muito distantes, houve uma longa guerra entre dois povos: os gregos e os troianos. Dentre os guerreiros gregos, destacava-se Odisseu, hoje mais conhecido como Ulisses, que muito contribuiu para a vitória de seu povo. Com a destruição de Tróia, Ulisses quis voltar para Ítaca, uma das ilhas gregas, da qual era rei. Mas nessa viagem, que durou dez anos, encontrou inúmeras dificuldades, já que Posêidon, o deus do mares e protetor de Tróia, prometera vingar os troianos e impedir que Ulisses retornasse a seu reino. Contando com a proteção de Atena, a deusa da sabedoria, o herói viveu muitas aventuras: encontros com deuses, sereias, monstros. O texto a seguir narra um episódio em que a coragem e a inteligência de Ulisses são postas à prova: ele chega a uma ilha habitada por gigantes devoradores de gente, os ciclopes.

        [...] Certo dia, quando o sol se punha, Ulisses deu com uma ilha deserta, onde uma mansa praia favorecia seguro abrigo.

        [...]

        Entraram no barco e remaram em direção à ilha. Lá chegando, Ulisses escolheu doze dos mais valentes homens da tripulação e desembarcou para explorar o lugar. Levava um saco de couro de bode cheio do generoso vinho que o sacerdote de Apolo em Ísmaros lhe oferecera para salvar a si e a família, quando a cidade fora atacada. Era um vinho sem igual: bastava juntar uma medida dele a vinte de água para se obter uma bebida maravilhosa. Levava também uma razoável porção de trigo tostado, por pressentir que talvez precisasse de alimento.

        Vagaram algum tempo até que encontraram uma gruta, que parecia ser a moradia de um precavido pastor. Havia baias para os carneiros e cabritos, cestos cheios até a borda de cereais e cântaros de leite encostados nas paredes.

        [...]

        Anoitecia quando o ciclope voltou. Era um gigante imenso, o olho na testa muito aberto e encimado por espessa sobrancelha. Vinha trazendo às costas um enorme feixe de troncos de pinheiro para alimentar seu fogo. Jogou-o estrondosamente no chão, recolheu o rebanho, após o que vedou a entrada com uma pedra tão grande que vinte carroças mal poderiam carregá-la. [...] E, então, reanimou o fogo com uns poucos troncos de pinheiro. As chamas se elevaram logo e o clarão denunciou os gregos que se haviam escondido no fundo da caverna, quando viram o gigante entrar.

        –– Quem são vocês? Mercadores ou piratas? – gritou.

        –– Nós não somos piratas, senhor – respondeu Ulisses –, mas gregos que retornam de Tróia, onde lutamos pelo grande Rei Agamenon, cuja fama se espalha por todos os cantos do mundo. Rogamos que nos receba com hospitalidade que os deuses recompensam.

        [...]

        O gigante não disse uma palavra, mas lentamente agarrou dois dos homens, com a facilidade com que Ulisses teria agarrado dois cachorrinhos, lançou-os ao chão, despedaçou-os e devorou-os inteiramente, entrecortando a deglutição com grandes goles de leite. Terminando de comê-los, deitou-se entre os carneiros e caiu no sono.

        Ulisses raciocinou: poderia matar aquele monstro enquanto ele estava adormecido, furando-lhe o coração com sua forte espada; mas, se assim fizesse, morreriam todos, pois não tinham forças para remover a descomunal pedra que impedia a saída. E deixou a noite passar com o coração pesado de aflição.

        Bem cedo o ciclope despertou, ordenhou as ovelhas, devorou mais dois homens e saiu para as pastagens, levando o seu rebanho, mas recolocando a pedra na boca da gruta.

        Ulisses passou muitas horas imaginando como poderia safar-se e safar seus companheiros. E afinal armou um plano. Havia na gruta um tronco de oliveira, ainda verde, que o ciclope usaria como bordão, depois de tê-lo convenientemente secado com fumaça. Ulisses tirou uma boa acha de pau, aguçou-a numa das suas pontas, endureceu-a no fogo e escondeu-a. À noitinha o gigante regressou e comeu mais dois homens. Quando acabara de comê-los, Ulisses dirigiu-se a ele com o saco de vinho na mão e disse:

        –– Agora que acabou de cear prove este vinho, senhor. Veja que coisas maravilhosas trazíamos no nosso navio. Mas ninguém trará coisas iguais para esta ilha se for tão cruel com os estrangeiros. O gigante tomou o saco, entornou um bom trago, gostou imensamente do vinho e disse:

        –– Quero mais.  É uma bebida magnífica. Acho que é a que deuses bebem no Olimpo. Mas diga qual é o seu nome, pois desejo lhe dar um presente como todo hóspede merece.

        –– Meu nome é Ninguém –respondeu Ulisses. –Agora me dê o presente.

        –– Meu presente é muito simples: você será comido por último. – E dito isto, o ciclope tombou num sono de bêbado.

        Aí, Ulisses dirigiu-se a seus homens:

        –– Sejam valentes, rapazes! Chegou a hora de nos livrarmos desta prisão.

        Puseram a acha no fogo até que ela, embora verde, ficasse incandescente e assim a enfiaram no olho do ciclope e ela chiou na órbita como ferro em brasa dentro d’água.  É preciso dizer que Ulisses fê-la girar como se girasse uma chave na fechadura. O gigante deu um pulo, arrancou a acha fumegante e soltou tão alto e medonho uivo que todos os ciclopes da ilha, que estavam dormindo, acudiram para ver o que sucedera.

        –– Que diabo tem você para fazer tal escarcéu a ponto de nos acordar? – perguntaram do lado de fora. –– Será que estão lhe roubando ou estão lhe ferindo?

        –– Ninguém me feriu! – berrou o gigante.

        –– Se ninguém lhe feriu, foram então os deuses que o fizeram e contra eles de nada valemos.

        E os ciclopes se retiraram. Ulisses não pôde deixar de sorrir quando viu que os havia enganado dando um nome trocado, mas não atinara ainda de que maneira ele e os companheiros iriam escapar.

        O ciclope sentara-se à entrada da gruta, barrando a passagem e apalpando os carneiros para evitar que os estrangeiros tentassem escapulir escondidos no meio deles. Ulisses, então, depois de muitos tratos à bola, arquitetou um plano para fuga.  O ciclope, felizmente, havia levado para dentro da gruta os carneiros maiores, que habitualmente deixava do lado de fora. Ulisses arrebanhou alguns deles e utilizando varas de vime, ligou-os três a três. O carneiro do meio levava um homem convenientemente amarrado na barriga e os outros, um de cada lado, ajudaram a escondê-lo. Só que Ulisses ficou desamarrado, pois não podia atar-se a si próprio, mas como era astucioso, resolveu prontamente a sua dificuldade. Como havia um carneiro maior do que os outros, agarrou-se a ele, segurando a lã com unhas e dentes.

        Assim que rompeu o dia, os rebanhos deixaram a caverna como de costume; o ciclope ia apalpando-os quando passaram perto dele, mas não descobriu nenhum dos homens. Ao apalpar o carneiro maior, estranhou:

        –– Que houve? Nunca ficou para trás, pelo contrário, sempre foi você o primeiro a desabalar pelo pasto de manhã e o primeiro a correr para o aprisco de tardinha... Será que está perturbado com o olho do seu dono que o vil Ninguém furou? Ah, se você pudesse falar e me dizer onde está aquele miserável! Eu arrebentaria a cabeça dele contra a pedra! – e deixou o animal sair.

        Tão depressa Ulisses se viu longe do ciclope, desprendeu-se do carneiro, desamarrou os companheiros e correram todos para o lugar onde tinham deixado o barco, virando-se várias vezes na corrida para se certificarem de que o gigante não os perseguia. [...] E, sem dizer palavras, chegaram a bordo e logo remaram com quanta força tinham.

                   A Odisséia. Trad. E adapt. Por Marques Rebelo. Rio de Janeiro, Ediouro, 1971. Col. Clássicos para o Jovem Leitor.

Fonte: Livro – Ler, entender, criar – Português – 6ª Série – Ed. Ática, 2007 – p. 28-34.

Entendendo a história:

01 – Agora voltando ao texto “Ulisses contra o ciclope”. Quais são as características que fazem de Ulisses um herói?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Ulisses superou um obstáculo que parecia intransponível por meio da astúcia, da inteligência, do espírito de liderança, da coragem de tomar decisões e de correr riscos.

02 – Que semelhanças e diferenças você notou entre Ulisses, herói da mitologia grega, e os heróis modernos da ficção, isto é, criados pela imaginação?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Nesse episódio, Ulisses não demonstra possuir nenhum tipo de poder mágico, os chamados superpoderes, comuns entre os heróis modernos. As características que lhe permitem vencer o perigo são humanas, e não sobrenaturais.

03 – Com um colega, tente descobrir o significado das palavras destacadas nos trechos abaixo. Se necessário, usem o dicionário. Depois, copie os trechos no caderno, substituindo os termos destacados por outros de mesmo sentido. Faça nas frases os ajustes necessários:

a)   “[...] encontraram uma gruta, que parecia ser a moradia de um precavido pastor”.

Moradia: morada, casa, habitação;

Precavido: prevenido.

b)   “[...] recolheu o rebanho, após o que vedou a entrada com uma pedra tão grande que vinte carroças mal poderiam carrega-la”.

Vedar: fechar; Mal: a custo, dificilmente.

c)   “Bem cedo o ciclope despertou, ordenhou as ovelhas, devorou mais dois homens e saiu [...]”.

Ordenhou: tirar o leite.

d)   “Havia na gruta um tronco de oliveira, ainda verde, que o ciclope usaria como bordão, depois de tê-lo convenientemente secado com fumaça”.

Oliveira: árvore cujo fruto (as azeitonas) são usadas na alimentação humana;

Bordão: cajado, bastão (usado pelos pastores para conduzir o rebanho);

Convenientemente: de forma conveniente, adequada.

04 – Identifique no texto e copie no caderno trechos que informem:

a)   Como era a alimentação dos viajantes e dos habitantes da ilha.

“Levava também uma razoável porção de trigo tostado [...]”, “[...] cestos cheios até a borda de cereais e cântaros de leite encostados nas paredes”.

b)   De que forma iluminavam suas moradias.

“E, então, reanimou o fogo com uns poucos troncos de pinheiro”.

c)   Algumas das atividades realizadas pelos homens naquele tempo.

“Quem são vocês? Mercadores ou piratas?”, “Nós não somos piratas, senhor [...], mas gregos que retornam de Tróia, onde lutamos pelo grande Rei Agamenon [...]”.

05 – Por que Ulisses concluiu que não deveria matar o ciclope enquanto ele dormia?

      Porque o ciclope era o único que poderia remover a descomunal pedra que vedava a entrada da gruta; se ele morresse, os gregos permaneceriam presas lá e morreriam.

06 – Leia:

        “–– Ninguém me feriu! – berrou o gigante.

        –– Se ninguém lhe feriu, foram então os deuses que o fizeram e contra eles de nada valemos.

        E os ciclopes se retiraram.”

a)   A quem o ciclope se refere quando diz que Ninguém o feriu?

A Ulisses, que enganara o gigante dizendo-lhe que se chamava Ninguém.

b)   Quem, entretanto, os outros ciclopes imaginaram que havia ferido o gigante?

Os outros ciclopes entenderam que pessoa alguma o atacara, portanto o ferimento só poderia ter sido obra dos deuses.

c)   Na sua opinião, por que os ciclopes dizem que contra os deuses eles nada valiam?

Resposta pessoal do aluno. Sugestão: No pensamento dos gregos antigos, acreditavam que os deuses controlavam o destino dos homens.

07 – Ulisses, com um pedaço de pau incandescente, furou e cegou o único olho do ciclope. Ainda assim os gregos teriam que passar pelo gigante, que barrava a entrada da gruta e apalpava os carneiros que saiam, verificando se os prisioneiros não se escondiam neles. Explique no caderno, com suas palavras, que plano o herói arquitetou para fuga.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Utilizando varas de vime, Ulisses juntou alguns carneiros, três a três; em cada grupo de três carneiros, o do meio levava um homem amarrado na barriga. Quanto ao próprio Ulisses, agarrou-se ao maior dos carneiros. Quando de manhã, os carneiros deixaram a caverna, os viajantes viram-se livres.

08 – Releia:

        Entraram no barco e remaram em direção à ilha. Lá chegando, Ulisses escolheu doze dos mais valentes homens da tripulação e desembarcou para explorar o lugar.”

a)   Em que pessoa gramatical estão os verbos destacados nesse trecho?

Na terceira pessoa gramatical.

b)   Pode-se dizer então que, nesse texto, o narrador é uma personagem da história? Ou ele é um observador que não participa dos fatos narrados?

O narrador é um observador que não participa da história.

c)   Que tempo verbal predomina nesse trecho da narrativa? Por que, na sua opinião, esse tempo é o mais usado nesse trecho?

O pretérito perfeito do indicativo. O narrador usa esse tempo verbal porque está relatando fatos passados, totalmente concluídos.

09 – Em que espaço se passam os fatos narrados? Copie no caderno trechos do texto em que há descrição desses locais.

      Os fatos narrados acontecem na praia e em uma gruta de uma ilha deserta. “Certo dia, quando o sol se punha, Ulisses deu com uma ilha deserta, onde uma mansa praia favorecia seguro abrigo”, “Vagaram algum tempo até que encontraram uma gruta, que parecia ser a moradia de um precavido pastor. Havia [...] nas paredes”.

10 – Quais são as personagens principais de “Ulisses contra ciclope”? Escreva no caderno um parágrafo caracterizando-as. Procure dar detalhes significativos sobre elas. Empregue substantivos acompanhados de adjetivos.

      Ulisses e o ciclope. Sugestão: “O ciclope é um gigante imenso, forte, com um olho muito aberto na testa e sobrancelha espessa. Ulisses, o herói, é inteligente e esperto”.

11 – Em diversos momentos do texto o relato do narrador é interrompido pelo discurso direto, isto é, pela transcrição das falas das personagens. Nesses momentos, é como se o narrador desse a palavra às personagens, deixando-as falar. Transcreva no caderno um trecho em que ocorra discurso direto. Depois, de sua opinião: a presença de discurso direto em uma narrativa enriquece ou empobrece o texto?

      Resposta pessoal do aluno.

12 – As narrativas de aventuras contêm, em geral:

·        Uma situação inicial, em que são apresentados as personagens e o espaço onde a ação ocorre;

·        Um ou mais obstáculos à ação do herói, estabelecendo-se um conflito entre ele e seu antagonista (adversário);

·        Diversos momentos de ação, um dos quais apresenta maior emoção, mantendo o leitor em clima de suspense: é o clímax;

·        Um desfecho, após o clímax, momento em que tudo se resolve.

Identifique no texto lido:

a)   A situação inicial: Ulisses e seus companheiros chegam à ilha e encontram a gruta do ciclope gigante.

b)   O clímax: Surge o gigante, que fecha a porta da gruta com uma pedra e devora alguns gregos.

c)   O obstáculo: Os gregos, prisioneiros na gruta, serão devorados pelo ciclope. Para salvar a si e a seus companheiros, Ulisses terá que arquitetar um plano.

d)   O desfecho: Os gregos já saíram da gruta amarrados aos carneiros. Ulisses, entretanto, ainda não se salvou. O gigante apalpa o último carneiro, ao qual Ulisses está agarrado, e o herói corre o risco de ser descoberto e morrer.

e)   O conflito entre o herói e seu antagonista: Ulisses consegue sair da gruta e desamarra os companheiros. Todos correm para o barco e remam com força para longe da praia.

 

 

CARTA: ANITA MALFATTI - MÁRIO DE ANDRADE - COM GABARITO

 Carta: Anita Malfatti


Mário de Andrade

S. Paulo 1-12-1924

        Anita do coração, estou pra te escrever faz dias dando-te os parabéns pela tua aceitação no Salão de Outono. Fiquei contentíssimo e consegui notícias no Jornal do Comércio e Correio Paulistano. No Estado não posso chegar. Inimigos. Mas soube pela tua mãi que reproduziram a notícia. Ainda bem. Apareceu alguma crítica? Também é tanta gente a concorrer ao Salão!... E teus quadros ficaram bem colocados? Morri de desejo de vê-los. E a estátua do Brecheret? Aquele animal não há meio de me escrever nem uma linha. Estou danado com ele. Por que não pede pra noiva, não? Quem tem uma noivinha boa como me dizem que é a dele, pode pedir a ela que escreva. Depois bota um abraço em baixo e pronto. Vi a fotografia da Porteuse de Parfums. Achei-a lindíssima. Que equilíbrio e que construção! Morri de desejos de vê-la também. Vivo morrendo por causa de vocês. Que amigos assassinos, puxa! Brecheret ao menos mandou fotografias. E tu nem isso! Pois si já me contaste que as fotografias foram tiradas, por que se fazer de rogada agora? Manda as fotografias in continente sinão me zango de verdade.

      Nós aqui bem. Eu como sempre de cangalha no pescoço. Mal posso me mexer. Antes-de-ontem caí do bonde. Um Horror! Assim: De bunda no trilho. Felizmente há um anjo-da-guarda pros malucos que tomam bonde andando. O caradura me pegou com as pernas e me atirou longe. Rolei no asfalto que nem uma bolinha de papel, disse um que viu. Felizmente não aconteceu nada. Escangalhei roupa, chapéu e botina. No corpo umas arranhaduras. Só que tudo me dói, pescoço, braços, joelhos, costas, tudo. Está sarando, não te assustes.

        Já te falei do baile futurista? Esteve estupendo. Um pintor russo de muito valor que mora agora aqui fez as decorações duma sala. Estupendas, nem imaginas. E esteve divertidíssimo até 6 horas da manhã.

        Não tenho mais nada pra te contar. Ando miquiado e saí de Ariel. São trezentos milréis de menos. Justamente o que te devo e não me esqueço. Dia virá. Espera. Dia virá, minha querida Anita. O “querida” não está aqui pra adoçar a tua espera. Está porque te quero bem. Até logo.

        O mais apertado dos abraços do Mário.

   Marta Rossetti Batista, org. Mário de Andrade – Cartas a Anita Malfatti. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1989.

Fonte: Livro – Ler, entender, criar – Português – 6ª Série – Ed. Ática, 2007 – p.131-3.

Fonte da imagem - https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fpt.wikipedia.org%2Fwiki%2FAnita_Malfatti&psig=AOvVaw18_iIFEz4qlg4p4TBEXork&ust=1611610652312000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCMC6y-DDte4CFQAAAAAdAAAAABAD

Entendendo a carta:

01 – O texto acima é uma carta enviada pelo escritor Mário de Andrade à pintora Anita Malfatti. Onde e quando foi escrita essa carta?

      Em São Paulo, em 1/12/1924.

02 – Muitas das expressões usadas por Mário de Andrade em sua carta à amiga nos soam estranhas. No entanto, ela foi redigida em português, a mesma língua que falamos hoje. Como se explica essa estranheza?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Em mais de setenta anos, a língua – que não é algo rígido e imutável – se transformou: fixou-se de alguma forma a grafia de certas palavras que ainda era oscilante. Certos vocábulos deixaram de ser usados e outros foram incorporados, etc. Acrescentem-se a isso certas maneiras de grafar próprias de Mário de Andrade, que escrevia, por exemplo, mãi, sinão e si, em lugar de mãe, senão e se.

03 – Leia: “Pois si já me contaste que as fotografias foram tiradas, por que se fazer de rogada agora? Manda as fotos in continente sinão me zango de verdade”. Tanto em sua correspondência como em algumas obras, o escritor Mário de Andrade grafou certas palavras da forma como são pronunciadas, e não como estão registradas no dicionário. Identifique no trecho acima as palavras em que isso ocorre.

      Si e sinão (em lugar de se e senão).

04 – Pesquise no dicionário ou converse com pessoas mais velhas para descobrir o significado, no texto, de:

a)   Fazer-se de rogado;

Agir como pessoa que gosta que lhe peçam algo com insistência.

b)   In continente;

Imediatamente.

c)   De cangalha no pescoço;

Trabalhando bastante, sem tempo livre.

d)   Escangalhar;

Estragar.

e)   Estupendo;

Maravilhoso.

f)    Miquiado.

Sem dinheiro.

05 – Mário de Andrade grafou antes-de-ontem (com hifens) e milréis (em uma palavra só). Como essas palavras aparecem registradas hoje nos dicionários?

      Anteontem (ou antes de ontem); mil-réis.

06 – Releia: “Anita do coração, estou pra te escrever faz dias dando-te os parabéns pela tua aceitação no Salão de Outono”.

a)   Que pronome pessoal Mário de Andrade emprega para dirigir-se a sua interlocutora?

Tu.

b)   Como você chegou a essa conclusão?

Pelo emprego do pronome pessoal oblíquo te e do pronome possessivo tua.

07 – A carta de Mário de Andrade transmite certa jovialidade e revela a intimidade que havia entre os interlocutores. Essa impressão é causada pelo emprego de algumas expressões próprias da linguagem informal. Quais são elas?

      Entre outras, “pra”, “aquele animal”, “estou danado”, “puxa!”, “pros”, “que nem”, “pra adoçar a tua espera”.