História: Ulisses contra o ciclope (Fragmento)
Trad. E adapt. Marques Rebelo
Em sua obra Odisséia, o poeta grego
Homero conta que, em tempos muito distantes, houve uma longa guerra entre dois
povos: os gregos e os troianos. Dentre os guerreiros gregos, destacava-se
Odisseu, hoje mais conhecido como Ulisses, que muito contribuiu para a vitória
de seu povo. Com a destruição de Tróia, Ulisses quis voltar para Ítaca, uma das
ilhas gregas, da qual era rei. Mas nessa viagem, que durou dez anos, encontrou
inúmeras dificuldades, já que Posêidon, o deus do mares e protetor de Tróia,
prometera vingar os troianos e impedir que Ulisses retornasse a seu reino.
Contando com a proteção de Atena, a deusa da sabedoria, o herói viveu muitas
aventuras: encontros com deuses, sereias, monstros. O texto a seguir narra um
episódio em que a coragem e a inteligência de Ulisses são postas à prova: ele
chega a uma ilha habitada por gigantes devoradores de gente, os ciclopes.
[...] Certo dia, quando o sol se punha,
Ulisses deu com uma ilha deserta, onde uma mansa praia favorecia seguro abrigo.
[...]
Entraram no barco e remaram em direção
à ilha. Lá chegando, Ulisses escolheu doze dos mais valentes homens da
tripulação e desembarcou para explorar o lugar. Levava um saco de couro de bode
cheio do generoso vinho que o sacerdote de Apolo em Ísmaros lhe oferecera para
salvar a si e a família, quando a cidade fora atacada. Era um vinho sem igual: bastava
juntar uma medida dele a vinte de água para se obter uma bebida maravilhosa.
Levava também uma razoável porção de trigo tostado, por pressentir que talvez
precisasse de alimento.
Vagaram algum tempo até que encontraram
uma gruta, que parecia ser a moradia de um precavido pastor. Havia baias para
os carneiros e cabritos, cestos cheios até a borda de cereais e cântaros de
leite encostados nas paredes.
[...]
Anoitecia quando o ciclope voltou. Era
um gigante imenso, o olho na testa muito aberto e encimado por espessa
sobrancelha. Vinha trazendo às costas um enorme feixe de troncos de pinheiro
para alimentar seu fogo. Jogou-o estrondosamente no chão, recolheu o rebanho,
após o que vedou a entrada com uma pedra tão grande que vinte carroças mal poderiam
carregá-la. [...] E, então, reanimou o fogo com uns poucos troncos de pinheiro.
As chamas se elevaram logo e o clarão denunciou os gregos que se haviam
escondido no fundo da caverna, quando viram o gigante entrar.
–– Quem são vocês? Mercadores ou
piratas? – gritou.
–– Nós não somos piratas, senhor – respondeu
Ulisses –, mas gregos que retornam de Tróia, onde lutamos pelo grande Rei Agamenon,
cuja fama se espalha por todos os cantos do mundo. Rogamos que nos receba com
hospitalidade que os deuses recompensam.
[...]
O gigante não disse uma palavra, mas
lentamente agarrou dois dos homens, com a facilidade com que Ulisses teria
agarrado dois cachorrinhos, lançou-os ao chão, despedaçou-os e devorou-os
inteiramente, entrecortando a deglutição com grandes goles de leite. Terminando
de comê-los, deitou-se entre os carneiros e caiu no sono.
Ulisses raciocinou: poderia matar
aquele monstro enquanto ele estava adormecido, furando-lhe o coração com sua
forte espada; mas, se assim fizesse, morreriam todos, pois não tinham forças
para remover a descomunal pedra que impedia a saída. E deixou a noite passar
com o coração pesado de aflição.
Bem cedo o ciclope despertou, ordenhou
as ovelhas, devorou mais dois homens e saiu para as pastagens, levando o seu
rebanho, mas recolocando a pedra na boca da gruta.
Ulisses passou muitas horas imaginando
como poderia safar-se e safar seus companheiros. E afinal armou um plano. Havia
na gruta um tronco de oliveira, ainda verde, que o ciclope usaria como bordão,
depois de tê-lo convenientemente secado com fumaça. Ulisses tirou uma boa acha
de pau, aguçou-a numa das suas pontas, endureceu-a no fogo e escondeu-a. À
noitinha o gigante regressou e comeu mais dois homens. Quando acabara de
comê-los, Ulisses dirigiu-se a ele com o saco de vinho na mão e disse:
–– Agora que acabou de cear prove este
vinho, senhor. Veja que coisas maravilhosas trazíamos no nosso navio. Mas
ninguém trará coisas iguais para esta ilha se for tão cruel com os
estrangeiros. O gigante tomou o saco, entornou um bom trago, gostou imensamente
do vinho e disse:
–– Quero mais. É uma bebida magnífica. Acho que é a que
deuses bebem no Olimpo. Mas diga qual é o seu nome, pois desejo lhe dar um
presente como todo hóspede merece.
–– Meu nome é Ninguém –respondeu
Ulisses. –Agora me dê o presente.
–– Meu presente é muito simples: você
será comido por último. – E dito isto, o ciclope tombou num sono de bêbado.
Aí, Ulisses dirigiu-se a seus homens:
–– Sejam valentes, rapazes! Chegou a
hora de nos livrarmos desta prisão.
Puseram a acha no fogo até que ela,
embora verde, ficasse incandescente e assim a enfiaram no olho do ciclope e ela
chiou na órbita como ferro em brasa dentro d’água. É preciso dizer que Ulisses fê-la girar como
se girasse uma chave na fechadura. O gigante deu um pulo, arrancou a acha
fumegante e soltou tão alto e medonho uivo que todos os ciclopes da ilha, que
estavam dormindo, acudiram para ver o que sucedera.
–– Que diabo tem você para fazer tal
escarcéu a ponto de nos acordar? – perguntaram do lado de fora. –– Será que
estão lhe roubando ou estão lhe ferindo?
–– Ninguém me feriu! – berrou o
gigante.
–– Se ninguém lhe feriu, foram então os
deuses que o fizeram e contra eles de nada valemos.
E os ciclopes se retiraram. Ulisses não
pôde deixar de sorrir quando viu que os havia enganado dando um nome trocado,
mas não atinara ainda de que maneira ele e os companheiros iriam escapar.
O ciclope sentara-se à entrada da
gruta, barrando a passagem e apalpando os carneiros para evitar que os
estrangeiros tentassem escapulir escondidos no meio deles. Ulisses, então, depois
de muitos tratos à bola, arquitetou um plano para fuga. O ciclope, felizmente, havia levado para
dentro da gruta os carneiros maiores, que habitualmente deixava do lado de
fora. Ulisses arrebanhou alguns deles e utilizando varas de vime, ligou-os três
a três. O carneiro do meio levava um homem convenientemente amarrado na barriga
e os outros, um de cada lado, ajudaram a escondê-lo. Só que Ulisses ficou
desamarrado, pois não podia atar-se a si próprio, mas como era astucioso, resolveu
prontamente a sua dificuldade. Como havia um carneiro maior do que os outros,
agarrou-se a ele, segurando a lã com unhas e dentes.
Assim que rompeu o dia, os rebanhos
deixaram a caverna como de costume; o ciclope ia apalpando-os quando passaram
perto dele, mas não descobriu nenhum dos homens. Ao apalpar o carneiro maior,
estranhou:
–– Que houve? Nunca ficou para trás,
pelo contrário, sempre foi você o primeiro a desabalar pelo pasto de manhã e o
primeiro a correr para o aprisco de tardinha... Será que está perturbado com o
olho do seu dono que o vil Ninguém furou? Ah, se você pudesse falar e me dizer
onde está aquele miserável! Eu arrebentaria a cabeça dele contra a pedra! – e
deixou o animal sair.
Tão depressa Ulisses se viu longe do
ciclope, desprendeu-se do carneiro, desamarrou os companheiros e correram todos
para o lugar onde tinham deixado o barco, virando-se várias vezes na corrida
para se certificarem de que o gigante não os perseguia. [...] E, sem dizer palavras,
chegaram a bordo e logo remaram com quanta força tinham.
A Odisséia. Trad. E adapt.
Por Marques Rebelo. Rio de Janeiro, Ediouro, 1971. Col. Clássicos para o Jovem
Leitor.
Fonte: Livro – Ler,
entender, criar – Português – 6ª Série – Ed. Ática, 2007 – p. 28-34.
Entendendo a história:
01 – Agora voltando ao texto
“Ulisses contra o ciclope”. Quais são as características que fazem de Ulisses
um herói?
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: Ulisses superou um obstáculo que parecia intransponível por
meio da astúcia, da inteligência, do espírito de liderança, da coragem de tomar
decisões e de correr riscos.
02 – Que semelhanças e
diferenças você notou entre Ulisses, herói da mitologia grega, e os heróis
modernos da ficção, isto é, criados pela imaginação?
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: Nesse episódio, Ulisses não demonstra possuir nenhum tipo
de poder mágico, os chamados superpoderes, comuns entre os heróis modernos. As
características que lhe permitem vencer o perigo são humanas, e não
sobrenaturais.
03 – Com um colega, tente
descobrir o significado das palavras destacadas nos trechos abaixo. Se
necessário, usem o dicionário. Depois, copie os trechos no caderno,
substituindo os termos destacados por outros de mesmo sentido. Faça nas frases
os ajustes necessários:
a) “[...] encontraram uma gruta, que parecia ser a moradia de um precavido pastor”.
Moradia: morada, casa, habitação;
Precavido: prevenido.
b) “[...] recolheu o rebanho, após o que vedou a entrada com uma pedra tão grande que vinte carroças mal poderiam carrega-la”.
Vedar: fechar; Mal: a custo,
dificilmente.
c) “Bem cedo o ciclope despertou, ordenhou as ovelhas, devorou mais dois homens e saiu [...]”.
Ordenhou: tirar o leite.
d) “Havia na gruta um tronco de oliveira, ainda verde, que o ciclope usaria como bordão, depois de tê-lo convenientemente secado com fumaça”.
Oliveira: árvore cujo fruto (as azeitonas) são usadas na alimentação humana;
Bordão: cajado, bastão (usado pelos pastores para conduzir o rebanho);
Convenientemente: de forma conveniente, adequada.
04 – Identifique no texto e
copie no caderno trechos que informem:
a) Como era a alimentação dos viajantes e dos habitantes da ilha.
“Levava também uma razoável porção de trigo tostado [...]”, “[...]
cestos cheios até a borda de cereais e cântaros de leite encostados nas
paredes”.
b) De que forma iluminavam suas moradias.
“E, então, reanimou o fogo com uns poucos troncos de pinheiro”.
c) Algumas das atividades realizadas pelos homens naquele tempo.
“Quem são vocês? Mercadores ou piratas?”, “Nós não somos piratas,
senhor [...], mas gregos que retornam de Tróia, onde lutamos pelo grande Rei
Agamenon [...]”.
05 – Por que Ulisses
concluiu que não deveria matar o ciclope enquanto ele dormia?
Porque o ciclope
era o único que poderia remover a descomunal pedra que vedava a entrada da
gruta; se ele morresse, os gregos permaneceriam presas lá e morreriam.
06 – Leia:
“––
Ninguém me feriu! – berrou o gigante.
–– Se ninguém lhe feriu, foram então os
deuses que o fizeram e contra eles de nada valemos.
E os ciclopes se retiraram.”
a) A quem o ciclope se refere quando diz que Ninguém o feriu?
A Ulisses, que enganara o gigante dizendo-lhe que se chamava
Ninguém.
b) Quem, entretanto, os outros ciclopes imaginaram que havia ferido o gigante?
Os outros ciclopes entenderam que pessoa alguma o atacara, portanto
o ferimento só poderia ter sido obra dos deuses.
c) Na sua opinião, por que os ciclopes dizem que contra os deuses eles nada valiam?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: No pensamento dos gregos
antigos, acreditavam que os deuses controlavam o destino dos homens.
07 – Ulisses, com um pedaço
de pau incandescente, furou e cegou o único olho do ciclope. Ainda assim os
gregos teriam que passar pelo gigante, que barrava a entrada da gruta e
apalpava os carneiros que saiam, verificando se os prisioneiros não se
escondiam neles. Explique no caderno, com suas palavras, que plano o herói
arquitetou para fuga.
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: Utilizando varas de vime, Ulisses juntou alguns carneiros,
três a três; em cada grupo de três carneiros, o do meio levava um homem
amarrado na barriga. Quanto ao próprio Ulisses, agarrou-se ao maior dos carneiros.
Quando de manhã, os carneiros deixaram a caverna, os viajantes viram-se livres.
08 – Releia:
“Entraram
no barco e remaram em direção
à ilha. Lá chegando, Ulisses escolheu
doze dos mais valentes homens da tripulação e desembarcou para explorar o lugar.”
a) Em que pessoa gramatical estão os verbos destacados nesse trecho?
Na terceira pessoa gramatical.
b) Pode-se dizer então que, nesse texto, o narrador é uma personagem da história? Ou ele é um observador que não participa dos fatos narrados?
O narrador é um observador que não participa da história.
c) Que tempo verbal predomina nesse trecho da narrativa? Por que, na sua opinião, esse tempo é o mais usado nesse trecho?
O pretérito perfeito do indicativo. O narrador usa esse tempo verbal
porque está relatando fatos passados, totalmente concluídos.
09 – Em que espaço se passam
os fatos narrados? Copie no caderno trechos do texto em que há descrição desses
locais.
Os fatos narrados
acontecem na praia e em uma gruta de uma ilha deserta. “Certo dia, quando o sol
se punha, Ulisses deu com uma ilha deserta, onde uma mansa praia favorecia
seguro abrigo”, “Vagaram algum tempo até que encontraram uma gruta, que parecia
ser a moradia de um precavido pastor. Havia [...] nas paredes”.
10 – Quais são as
personagens principais de “Ulisses contra ciclope”? Escreva no caderno um
parágrafo caracterizando-as. Procure dar detalhes significativos sobre elas.
Empregue substantivos acompanhados de adjetivos.
Ulisses e o
ciclope. Sugestão: “O ciclope é um gigante imenso, forte, com um olho muito
aberto na testa e sobrancelha espessa. Ulisses, o herói, é inteligente e
esperto”.
11 – Em diversos momentos do
texto o relato do narrador é interrompido pelo discurso direto, isto é, pela
transcrição das falas das personagens. Nesses momentos, é como se o narrador
desse a palavra às personagens, deixando-as falar. Transcreva no caderno um
trecho em que ocorra discurso direto. Depois, de sua opinião: a presença de
discurso direto em uma narrativa enriquece ou empobrece o texto?
Resposta pessoal
do aluno.
12 – As narrativas de
aventuras contêm, em geral:
·
Uma situação
inicial, em que são apresentados as personagens e o espaço onde a ação
ocorre;
·
Um ou mais obstáculos à ação do herói, estabelecendo-se um conflito entre ele e seu antagonista (adversário);
·
Diversos momentos de ação, um dos quais
apresenta maior emoção, mantendo o leitor em clima de suspense: é o clímax;
·
Um desfecho,
após o clímax, momento em que tudo se resolve.
Identifique no texto lido:
a)
A
situação inicial: Ulisses e seus
companheiros chegam à ilha e encontram a gruta do ciclope gigante.
b)
O
clímax: Surge o gigante, que fecha a
porta da gruta com uma pedra e devora alguns gregos.
c)
O
obstáculo: Os gregos, prisioneiros na
gruta, serão devorados pelo ciclope. Para salvar a si e a seus companheiros,
Ulisses terá que arquitetar um plano.
d)
O
desfecho: Os gregos já saíram da gruta
amarrados aos carneiros. Ulisses, entretanto, ainda não se salvou. O gigante
apalpa o último carneiro, ao qual Ulisses está agarrado, e o herói corre o
risco de ser descoberto e morrer.
e)
O
conflito entre o herói e seu antagonista: Ulisses consegue sair da gruta e desamarra os companheiros.
Todos correm para o barco e remam com força para longe da praia.
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