Poema: Diante de uma criança
Carlos Drummond de Andrade
Como fazer feliz meu filho?
Não há receitas para tal.
Todo o saber, todo o meu brilho
de vaidoso intelectual

vacila ante a interrogação
gravada em mim, impressa no ar.
Bola, bombons, patinação
talvez bastem para encantar?
Imprevistas, fartas mesadas,
louvores, prêmios, complacências,
milhões de coisas desejadas,
concedidas sem reticências?
Liberdade alheia a limites,
perdão de erros, sem julgamento,
e dizer-lhe que estamos quites,
conforme a lei do esquecimento?
Submeter-me à sua vontade
sem ponderar, sem discutir?
Dar-lhe tudo aquilo que há
de entontecer um grão-vizir?
E, se depois de tanto mimo
que o atraia, ele se sente
pobre, sem paz e sem arrimo,
alma vazia, amargamente?
Não é feliz. Mas que fazer
para consolo desta criança?
Como em seu íntimo acender
uma fagulha de confiança?
Eis que acode meu coração
e oferece, como uma flor,
a doçura desta lição:
dar a meu filho meu amor.
Pois o amor resgata a pobreza,
vence o tédio, ilumina o dia
e instaura em nossa natureza
a imperecível alegria.
Carlos Drummond de Andrade. Farewell. Rio de Janeiro, Record, 1996.
Fonte: Gramática da
Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil
S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 76.
Entendendo o poema:
01
– Qual é a "interrogação" central que confronta o eu lírico e como
ele caracteriza a sua própria capacidade intelectual de responder a ela no
início do poema?
A interrogação
central é: "Como fazer feliz meu filho?" O eu lírico, que se define
como um "vaidoso intelectual" cheio de "saber" e
"brilho," reconhece que todo esse conhecimento "vacila"
diante da simplicidade e da profundidade da questão. Isso estabelece a falha da
razão pura frente ao problema existencial e afetivo.
02
– Que técnica estrutural Drummond utiliza nas estrofes 2 a 5 para abordar as
possíveis "receitas" de felicidade, e qual é o efeito dessa técnica?
Drummond utiliza
a técnica da enumeração e da interrogação retórica. Ele lista exaustivamente
soluções materialistas e permissivas ("Bola, bombons,"
"mesadas," "liberdade alheia a limites") e as apresenta em
forma de perguntas, como se estivesse testando e, implicitamente, refutando
cada uma delas. O efeito é construir um argumento progressivo que demonstra o
esgotamento das soluções superficiais.
03
– Cite três exemplos de soluções materiais ou permissivas que o eu lírico
questiona no poema e qual é o risco final dessas atitudes.
Bens
materiais: "Bola, bombons,
patinação" ou "milhões de coisas desejadas."
Excesso de mesada:
"Imprevistas, fartas mesadas."
Permissividade:
"Liberdade alheia a limites," "perdão de erros, sem
julgamento."
O risco final é que a
criança se sinta "pobre, sem paz e sem arrimo, alma vazia,
amargamente," ou seja, o vazio existencial provocado pela superabundância
material e pela falta de limites.
04
– Na quinta estrofe, o eu lírico pergunta se deve dar ao filho "tudo
aquilo que há / de entontecer um grão-vizir." Qual é o significado dessa metáfora?
A metáfora do
"grão-vizir" (alto dignitário de um império oriental, associado a
poder e riqueza absolutos) é usada para expressar a ideia de opulência e poder
excessivos. O eu lírico questiona se deve entregar ao filho um nível de
privilégios e submissão que seria suficiente para "entontecer"
(tornar tolo, desorientar) até mesmo uma figura habituada ao máximo de riqueza.
05
– Nas estrofes 8 e 9, de onde vem a resposta para o dilema do eu lírico, já que
a razão falhou? Qual metáfora ele usa para descrever essa revelação?
A resposta não
vem da mente, mas sim do "coração," que "acode" (socorre) o
eu lírico. O coração oferece a lição "como uma flor," uma metáfora
que sugere que a verdade é simples, pura, espontânea e delicada, contrastando com
a complexidade e a aridez das "receitas" intelectuais que foram
previamente descartadas.
06
– Qual é a "doçura desta lição" oferecida pelo coração e qual a sua
relação com a "fagulha de confiança" da criança?
A lição central é
a importância irrefutável do amor incondicional, resumida na frase: "dar a
meu filho meu amor." O amor é apresentado como o único elemento capaz de
acender a "fagulha de confiança" na criança, preenchendo o vazio
existencial que nem os bens materiais nem a permissividade conseguiram suprir.
07
– De acordo com a estrofe final, quais são os quatro grandes poderes do amor na
natureza humana?
O amor é
apresentado como a força suprema que: Resgata a pobreza (espiritual); Vence o
tédio; Ilumina o dia; Instaura em nossa natureza a imperecível alegria.
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