Crônica: MINUTAS
Érico Veríssimo
Um homem chega num balcão e tenta
chamar a atenção da balconista para atendê-lo.
– Senhorita...
– Um minutinho.
O homem vira-se para outro ao seu lado
e diz:
– Ih, já vi tudo.

– O que foi?
– Ela disse “um minutinho”. Quer dizer
que vai demorar. No Brasil, um minuto dura sessenta segundos, como em qualquer
outro lugar, mas “um minutinho” pode durar uma hora.
O homem tenta de novo:
– Senhorita...
– Só um instantinho.
– Ai...
– O que foi?
– Ela disse “um instantinho”. Um
“instantinho” demora mais que um minutinho. Parece que um minutinho é feito de
vários instantinhos, mas é o contrário. Um “instantinho” contém vários
“minutinhos”. Senhorita!
– Só dois segundinhos!
O homem começa a se retirar.
– Aonde é que o senhor vai?
– Ela disse “dois segundinhos”. Isso
quer dizer que só vai me atender amanhã.
Érico Veríssimo. Jornal do Brasil, 28/06/96.
Fonte: Gramática da
Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil
S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 66.
Entendendo a crônica:
01
– Qual é o problema inicial que impulsiona o diálogo e o humor da crônica?
O problema inicial é a dificuldade do cliente (o homem) em
ser atendido pela balconista. Ele tenta chamar a atenção dela, mas é
constantemente interrompido e adiado por expressões que, em vez de significar
rapidez, anunciam uma espera prolongada.
02
– De acordo com o homem da crônica, qual é a diferença de duração entre um
"minuto" e um "minutinho" no contexto brasileiro de
atendimento?
O homem ironiza
que o minuto real dura sessenta segundos, "como em qualquer outro
lugar". Já o "minutinho", no contexto do atendimento, é uma
expressão que sinaliza demora e, segundo ele, pode durar até "uma
hora", indicando uma promessa vazia de rapidez.
03
– Na hierarquia de espera criada pelo homem, qual expressão é mais longa:
"um minutinho" ou "um instantinho"? Por quê?
Para o homem,
"um instantinho" demora mais que "um minutinho". Ele
satiriza a lógica ao dizer que, embora um minuto seja maior que um instante
real, no jargão do mau atendimento, "um 'instantinho' contém vários
'minutinhos'", indicando que a expressão é usada para justificar uma
espera ainda maior e mais indefinida.
04
– Qual é a última expressão usada pela balconista, e qual é a conclusão radical
que o homem tira dela?
A última
expressão usada pela balconista é "Só dois segundinhos!". A conclusão
radical que o homem tira é que essa expressão significa que ela "só vai me
atender amanhã". Quanto menor a unidade de tempo usada na promessa, maior
é a certeza da demora, no que se torna o clímax irônico da crônica.
05
– Que crítica social ou cultural Erico Veríssimo faz ao satirizar o uso das
expressões de tempo como "minutinhos" e "instantinhos"?
Veríssimo faz uma
crítica social à qualidade e à procrastinação no atendimento (especialmente o
público ou comercial) e à falta de compromisso com a pontualidade no Brasil.
Ele ironiza o uso de diminutivos ("-inho") para mascarar a falta de
pressa e a ineficiência, transformando termos de brevidade em sinônimos de
longa espera.
06
– Qual figura de linguagem é central para o humor e a crítica desta crônica?
Justifique.
A figura central
é a hipérbole (o exagero) combinada com a ironia. A hipérbole está na
atribuição de durações absurdas às pequenas unidades de tempo ("um
minutinho pode durar uma hora"; "dois segundinhos" significa
"só amanhã"). A ironia reside no contraste entre o significado
literal das palavras (tempo curto) e o significado prático e social (tempo
indeterminado e longo).
07
– Por que o homem decide se retirar quando ouve "Só dois
segundinhos!"?
Ele se retira
porque, de acordo com a lógica satírica que ele estabeleceu, o uso de uma
unidade de tempo extremamente curta, como "dois segundinhos",
significa que a espera será a mais longa de todas, possivelmente um dia
inteiro. A promessa de rapidez extrema o convence, ironicamente, de que a
situação é irrecuperável e que não vale a pena esperar.
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