Conto: No acampamento dos Verbos – Emília no país da gramática
Monteiro Lobato
— Agora iremos visitar o Campo de Marte
onde vivem acampados os VERBOS, uma espécie muito curiosa de palavras. Depois
dos Substantivos são os Verbos as palavras mais importantes da língua. Só com
um Nome e um Verbo já podem os homens exprimir uma ideia. Eles formam a classe
militar da cidade.

— Mas que é um Verbo, afinal de contas?
— perguntou Pedrinho.
—
Verbo é uma palavra que muda muito de forma e serve para indicar o que
os Substantivos fazem. A maior parte dos Verbos assumem sessenta e oito formas
diferentes.
— Nesse caso são os camaleões da língua
— observou Emília. — Dona Benta diz que o camaleão está sempre mudando de cor.
Sessenta e oito formas diferentes! Isso até chega a ser desaforo. Os Nomes e
Adjetivos só mudam seis vezes — para fazer o Gênero, o Número e o Grau.
— Pois os senhores Verbos até cansam a
gente de tanto mudar — disse o rinoceronte. — São palavras políticas, que se
ajeitam a todas as situações da vida. Moram aqui em quatro grandes
acampamentos, ou campos de CONJUGAÇÃO.
Os quatro acampamentos ocupavam todo o
Campo de Marte. Cada um trazia letreiro na entrada. Emília leu o letreiro mais
próximo — Acampamento dos Verbos da PRIMEIRA CONJUGAÇÃO. Em letras menores
vinha um aviso: "Só é permitida a entrada aos Verbos de Infinito terminado
em Ar".
— Que quer dizer Infinito? — indagou
Narizinho.
— É uma das sessenta e oito formas
diferentes dos Verbos, e a que dá nome a toda a tribo.
O acampamento imediato era o da SEGUNDA
CONJUGAÇÃO, para os Verbos terminados em Er. O acampamento seguinte era o da
TERCEIRA CONJUGAÇÃO, para os Verbos terminados em Ir. Os meninos viram um
acampamento mais novo, anexo ao acampamento dos Verbos da Segunda Conjugação.
— Vamos começar nossa visita por aquele
— disse Emília —, só porque ele é mais novinho e menor do que os outros.
Dirigiram-se todos para lá, mas o desapontamento
foi grande. Encontraram apenas o Verbo Pôr e sua família.
— Ora essa — disse Emília. — Explique,
Quindim, o que faz aí essa coruja? Por que não está no acampamento grande junto
com os outros?
Quindim suspirou e começou:
—
Antigamente Pôr pertencia à Segunda Conjugação e chamava-se Poer. Mas o tempo,
que tanto estraga e muda os Verbos, como tudo mais, fez que apodrecesse e
caísse o E de Poer. Ficou Pôr, como está hoje. Os gramáticos então criaram uma
nova conjugação para ele e seus parentes Compor, Depor, Propor, Dispor,
Antepor, Supor e outros. Depois outros gramáticos acharam que não estava bem
criarem uma conjugação inteira para um Verbo só, e trouxeram o pobre Pôr e sua
família para este anexo da Segunda Conjugação e lhe deram o nome de Verbo
ANÔMALO, que quer dizer Verbo Anormal da Segunda Conjugação.
— Que complicação! Seria muito mais
simples fabricarem um E novo de pau para substituir o que apodreceu — lembrou
Emília.
— Parece simples mas não é. Os
gramáticos mexem e remexem com as palavras da língua e estudam o comportamento
delas, xingam-nas de nomes rebarbativos, mas não podem alterá-las. Quem altera
as palavras, e as faz e desfaz, e esquece umas e inventa novas, é o dono da
língua — o Povo. Os gramáticos, apesar de toda a sua importância, não passam
dos "grilos" da língua.
— Nesse caso — insistiu Emília —, em
vez de xingá-lo de Anômalo, podiam ter posto um letreirinho no pescoço do
Verbo: "Ele é Poer; se está Pôr é porque o E apodreceu e caiu". Mas
vamos sair do anexo e ver o acampamento da Segunda Conjugação.
Lá estava coalhado de Verbos, a ponto
dos meninos nem poderem andar. O momento era bom. O batalhão do Verbo Ter, que
é dos mais importantes, ia desfilar. Uma cometa soou e o desfile teve começo.
Esse batalhão compunha-se de sessenta e
oito praças, ou PESSOAS, distribuídas em companhias, ou MODOS, e em pelotões,
ou TEMPOS. Abria a marcha o MODO INDICATIVO, com trinta e seis soldados
repartidos em seis Tempos. Na frente de todos vinha o TEMPO PRESENTE, composto
de seis soldadinhos, cada qual com um Pronome no bolso. Os Verbos não sabem
andar sós; vivem ligados a alguém ou alguma coisa, que é o SUJEITO; e quando o
Sujeito não está presente, botam em lugar dele um Pronome.
Os nomes dos seis soldadinhos do Tempo
Presente eram Tenho, Tens, Tem, Temos, Tendes e Têm, e os Pronomes que traziam
no bolso eram Eu, Tu, Ele, Nós, Vós e Eles. Seis soldadinhos vivos e enérgicos,
que marchavam muito seguros de si.
— Bravos! — gritou Emília. — Pelo jeito
de marchar a gente vê que eles têm mesmo...
Em seguida veio o Segundo Tempo, cujo
nome era PRETÉRITO IMPERFEITO; tinha igual número de soldadinhos, ou Pessoas,
embora menos jovens e com caras menos vivas.
Chamavam-se Tinha,
Tinhas, Tinha, Tínhamos,
Tinheis e Tinham.
— Esses não têm: tinham!... — observou
Pedrinho. — Por isso estão meio jururus.
Depois veio o Terceiro Tempo, chamado
PRETÉRITO PERFEITO, composto igualmente de seis soldados de olhos no fundo,
amarelos, magros, com expressão de medo na cara. Eram eles Tive, Tiveste, Teve,
Tivemos, Tivestes e Tiveram.
— Estou vendo! — comentou Emília. —
Tiveram, já não têm mais nada, os bobos. Bem feito! Quem manda...
—
Quem manda o quê, Emília? — indagou Narizinho.
— Quem manda perderem o que tinham?
Agora aguentem. Depois desfilou o Quarto Tempo, chamado PRETÉRITO
MAIS-QUEPERFEITO. Eram também seis soldados — Tivera, Tiver as, Tivera,
Tivéramos, Tiver eis e Tiveram.
Depois passou o Quinto Tempo, chamado
FUTURO DO PRESENTE, e foram recebidos com palmas por serem soldadinhos dos mais
alegres e esperançosos — Terei, Terás, Terá, Teremos, Ter eis, Terão.
—
Estes são espertos — disse Pedrinho. — Sabem contentar a todo mundo.
Viva o Futuro!...
Estava terminado o desfile do Modo
Indicativo, que exprime o que é, ou a realidade do momento.
Houve um pequeno descanso antes de
começar o desfile do MODO IMPERATIVO, que era orgulhosíssimo. Compunha-se
apenas de cinco soldados carrancudos, com ar mais autoritário que o do próprio
Napoleão. Eram eles o Tem, Tenha, Tenhamos, Tende, Tenham.
— Só fazem isso — explicou Quindim. —
Mandam que o pessoal tenha.
— Tenha que coisa? — indagou Emília.
— Tudo quanto há. Quando o Imperativo
diz para você, com voz de ditador: Tenha juízo, Emília!, ele não está pedindo
nada — está mandando como quem pode, ouviu?
— Fedorento!... — exclamou a boneca com
um muxoxo de pouco-caso.
Depois desfilou o MODO SUBJUNTIVO, com
três Tempos, de seis Pessoas cada um. O Primeiro Tempo, de nome PRESENTE,
trazia os soldados Tenha, Tenhas, Tenha, Tenhamos, Tenhais e Tenham.
Em seguida desfilou o Segundo Tempo, de
nome PRETÉRITO IMPERFEITO, com os seus seis soldados — Tivesse, Tivesse s,
Tivesse, Tivéssemos, Tivésseis e Tivessem. E por fim desfilou o Terceiro Tempo,
o FUTURO, com os seus seis soldados — Tiver, Tiveres, Tiver, Tivermos, Tiverdes
e Tiverem. E pronto! Acabou-se o Modo Subjuntivo, que é o Modo que indica
alguma coisa possível.
— Qual o que vem agora? — perguntou o
menino.
— Vai desfilar agora o MODO INFINITIVO
— respondeu Quindim. — Esse Modo só tem dois Tempos — o PRESENTE IMPESSOAL, com
um soldado único — Ter; e o PRESENTE PESSOAL, com seis soldados — Ter, Teres,
Ter, Termos, Terdes e Terem.
—
Hum!... — exclamou Emília quando viu passar, muito teso e cheio de si, o
soldadinho Ter, do Presente Impessoal. — Este é o tal Infinito, pai de todos e
o que dá nome ao Verbo. Um verdadeiro general. Merece parabéns pela disciplina
da sua tropa.
Fechava
a marcha do Modo Infinito o GERÚNDIO, composto do soldado Tendo, seguido logo
depois do PARTICÍPIO, composto também dum só soldado, um veterano muito velho,
com o peito cheio de medalhas — Tido.
— Parece o Garibaldi — asneirou a
boneca. — Escangalhado, mas glorioso.
Estava finda a revista do Verbo Ter. O
rinoceronte perguntou aos meninos se queriam assistir a outras.
— Não — respondeu Narizinho. — Quem vê
um Verbo, vê todos. Só quero saber que história é essa de Verbos REGULARES e
IRREGULARES. Estou notando ali uma cerca que separa uns de outros.
— Verbos Regulares são os
bem-comportados — explicou Quindim —, os que seguem as regras muito
direitinhos. Verbos Irregulares são os rebeldes, os que não se conformam com a
disciplina. Este Senhor Ter, por exemplo, é Irregular, visto como não segue o
PARADIGMA da Segunda Conjugação.
— Que Paradigma é esse agora? — indagou
Pedrinho.
— Cada Conjugação possui o seu
Regulamento, ou Paradigma, a fim de que todos os Verbos Regulares formem as
suas PESSOAS sempre do mesmo modo.
— Que Pessoas, Quindim?
— Os soldadinhos são as Pessoas dos
Verbos, creio que já expliquei. Tenho, Tens, Tem, Temos, Tendes e Têm, por
exemplo, são as seis Pessoas do Tempo Presente do Modo Indicativo.
— Com que então o tal Ter é irregular,
hein? Não parecia.
— E além de Irregular é AUXILIAR. Os
Verbos Ter, Ser, Estar e Haver são chamados Verbos Auxiliares porque além de
fazerem o seu serviço ainda ajudam outros Verbos. Quando alguém diz: Tenho
brincado muito, está botando o Verbo Ter como auxiliar do Verbo Brincar.
—
E que outras qualidades do Verbo há?
— Muitas. Verbo é coisa que não acaba
mais. Há Verbos DEFECTIVOS, uns coitados, com falta de Modos, Tempos ou
Pessoas.
Há os Verbos PRONOMINAIS, que não sabem
viver sem um Pronome Oblíquo adiante ou atrás, como Queixar-se. Sem esse Se, ou
outro Pronome, ele não se arruma na vida.
Há os Verbos ATIVOS, que dizem o que o
Sujeito faz; e há os Verbos PASSIVOS, que dizem o que fizeram para o Sujeito. A
frase: Eu comi o doce está com um Verbo Ativo. A frase: O doce foi comido por
mim está com um Verbo Passivo (Foi Comido).
Se formos falar tudo, tudo, a respeito
de Verbos, ficaremos aqui o dia inteiro. Gentinha que muda de forma como eles
fazem, dá pano para mangas! E são exigentíssimos. Uns não sabem viver sem um
COMPLEMENTO adiante, e por isso se chamam Verbos TRANSITIVOS. Outros dispensam
o Complemento, e por isso se chamam INTRANSITIVOS. Queimar, por exemplo, é
Transitivo, porque exige Complemento. Se alguém diz: O fogo queimou, a frase
fica incompleta; e quem ouve pergunta logo o que é que o fogo queimou. Essa
coisa que o fogo queimou, seja mato, lenha ou carvão, constitui o Objeto Direto
de Queimou.
— E os Intransitivos?
— Esses não pedem Complemento, como eu
já disse. O Verbo Morrer, por exemplo, é Intransitivo. Quando a gente diz: O
gato morreu, a frase está perfeita e ninguém pergunta mais nada.
— Eu pergunto! — gritou Emília. —
Pergunto de que morreu, e quem o matou e
onde jogaram o cadáver.
Quindim coçou a cabeça.
OBRA INFANTO-JUVENIL DE
MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.
Entendendo o conto:
01 – Qual é a importância do
Verbo, e qual o mínimo de palavras que, segundo Quindim, os homens precisam
para exprimir uma ideia?
Depois dos
Substantivos, os Verbos são as palavras mais importantes da língua, formando a
classe militar da cidade. O mínimo de palavras que os homens precisam para
exprimir uma ideia é um Nome e um Verbo.
02 – Qual é a função do Verbo,
e por que Emília os compara a camaleões?
A função do Verbo
é indicar o que os Substantivos fazem. Emília os compara a camaleões porque a
maior parte dos Verbos assume sessenta e oito formas diferentes, enquanto Nomes
e Adjetivos só mudam seis vezes.
03 – O que é o
"Infinito" de um Verbo, e como ele é usado para separar os Verbos nos
acampamentos de Conjugação?
O Infinito é uma
das sessenta e oito formas diferentes dos Verbos e a que dá nome a toda a
tribo. As conjugações são separadas pela terminação do Infinito:
Primeira Conjugação: termina em Ar.
Segunda Conjugação: termina em Er.
Terceira Conjugação: termina em Ir.
04 – Qual é a história do
Verbo Pôr, e por que ele é classificado como "Verbo ANÔMALO" da
Segunda Conjugação?
Pôr pertencia
originalmente à Segunda Conjugação e se chamava Poer. Com o tempo, o E
apodreceu e caiu, sobrando apenas Pôr. Os gramáticos o trouxeram para um anexo
da Segunda Conjugação e o chamaram de Anômalo porque ele não segue a forma
normal da conjugação (terminada em Er).
05 – Quem é o verdadeiro
"dono da língua" que faz e desfaz as palavras, e qual é o papel dos
gramáticos, segundo o texto?
O verdadeiro dono
da língua é o Povo. Os gramáticos, apesar de toda a sua importância, não podem
alterar as palavras; eles apenas as estudam, classificam e dão nomes
("grilos" da língua).
06 – Como o batalhão do Verbo
Ter se distribui na parada (desfile)?
O batalhão se
distribui em:
Pessoas (sessenta e oito praças ou
soldados).
Modos (companhias).
Tempos (pelotões).
07 – Qual é a regra para o
movimento dos Verbos no desfile, e qual o nome dado ao Pronome que eles levam
consigo?
Os Verbos não
sabem andar sós; eles vivem ligados a alguém ou a alguma coisa, que é o
SUJEITO. Quando o Sujeito não está presente, eles carregam consigo um Pronome
no bolso.
08 – Explique a diferença
entre os três Modos principais de um Verbo, segundo Quindim.
MODO INDICATIVO:
Exprime o que é, ou a realidade do momento (Ex: Tenho).
MODO IMPERATIVO: Exprime ordem ou ditado
(Ex: Tenha juízo!).
MODO SUBJUNTIVO: Indica alguma coisa
possível (Ex: Se eu tivesse...).
09 – O que são Verbos
Regulares e Irregulares, e quais são os quatro Verbos Auxiliares mencionados?
Verbos REGULARES:
Os "bem-comportados", que seguem as regras (o Paradigma) muito
direitinhos.
Verbos IRREGULARES: Os rebeldes, que não
se conformam com a disciplina (Ex: Ter).
Os quatro Verbos AUXILIARES (que ajudam
outros verbos) são: Ter, Ser, Estar e Haver.
10 – Qual é a diferença entre
Verbos Transitivos e Intransitivos, e qual o questionamento de Emília sobre o
Verbo Intransitivo Morrer?
Verbos
TRANSITIVOS: Exigem um COMPLEMENTO (Objeto Direto ou Indireto) para que a frase
fique completa (Ex: Queimar — exige saber o que queimou).
Verbos INTRANSITIVOS: Dispensam o
Complemento, pois a frase está perfeita por si só (Ex: Morrer).
Emília, sarcasticamente, pergunta sobre o
Verbo Morrer: "Pergunto de que morreu, e quem o matou e onde jogaram o
cadáver", mostrando que, para ela, mesmo os Intransitivos geram perguntas.
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