Conto: Entre os Adjetivos – Emília no país da gramática
Monteiro Lobato
No bairro dos ADJETIVOS O aspecto das
ruas era muito diferente. Só se viam palavras atreladas. Os meninos
admiraram-se da novidade e o rinoceronte explicou:
— Os Adjetivos, coitados, não têm
pernas; só podem movimentar-se atrelados aos Substantivos. Em vez de designarem
seres ou coisas, como fazem os Nomes, os adjetivos designam as qualidades dos
Nomes.
Nesse momento os meninos viram o Nome
Homem, que saía duma casa puxando um Adjetivo pela coleira.
— Ali vai um exemplo — disse Quindim. —
Aquele Substantivo entrou naquela casa para pegar o Adjetivo Magro. O meio da
gente indicar que um homem é magro consiste nisso — atrelar o Adjetivo Magro ao
Substantivo que indica o Homem.
— Logo, Magro é um Adjetivo que
qualifica o Substantivo — disse Pedrinho — porque indica a qualidade de ser
magro.
— Qualidade ou defeito? — asneirou
Emília. — Para Tia Nastácia ser magro é defeito gravíssimo.
— Não burrifique tanto, Emília! —
ralhou Narizinho. — Deixe o rinoceronte falar.
O armazém dos Adjetivos era bem
espaçoso e algumas prateleiras recobriam as paredes. Na prateleira dos
qualificativos PÁTRIOS, Narizinho encontrou muitos conhecidos seus, entre os
quais Brasileiro, Inglês, Chinês, Paulista, Polaco, Italiano, Francês e
Lisboeta, que só eram atrelados a seres ou coisas do Brasil, da Inglaterra, da
China, de São Paulo, da Polônia, da Itália, da França e de Lisboa.
Havia ali muito poucos Adjetivos
daquela espécie. Mas as prateleiras dos que não eram Pátrios estavam
atopetadinhas. Os meninos viram lá centenas, porque todas as coisas possuem
qualidades e é preciso um qualificativo para cada qualidade das coisas. Viram
lá Seguro, Rápido, Branco, Belo, Mole, Macio, Áspero, Gostoso, Implicante,
Bonito, Amável, etc. — todos os que existem.
— E na sala vizinha? — perguntou o
menino.
— Lá estão guardadas as LOCUÇÕES
ADJETIVAS.
— O que são essas Senhoras Locuções? —
perguntou Emília.
— São expressões que equivalem a um
adjetivo e são empregadas no lugar deles. Por exemplo, quando digo: O calor da
tarde aborrece o Visconde, estou usando a Locução Da tarde em lugar do Adjetivo
Vespertino; ou quando digo Presente de Rei, em lugar de Presente Rêgio.
Aquele Presente Régio agradou Emília,
que ficou pensativa.
O movimento no bairro dos Adjetivos
mostrava-se intenso. Milhares de Nomes entravam constantemente para retirar das
prateleiras os Adjetivos de que precisavam — e lá se iam com eles na trela.
Outros vinham repor nos seus lugares os
Adjetivos de que não necessitavam mais.
— As palavras não param — observou
Quindim. — Tanto os homens como as mulheres (e sobretudo estas) passam a vida a
falar, de modo que a trabalheira que os humanos dão às palavras é enorme.
Nesse momento uma palavra passou por
ali muito alvoroçada. Quindim indicou-a com o chifre, dizendo:
— Reparem na talzinha. É o Substantivo
Maria, que vem em busca de Adjetivos. Com certeza trata-se de algum namorado
que está a escrever uma carta de amor a alguma Maria e necessita de bons
Adjetivos para melhor lhe conquistar o coração.
A palavra Maria achegou-se a uma
prateleira e sacou fora o Adjetivo Bela; olhou-o bem e, como se o não achasse
bastante, puxou fora a palavra Mais; e por fim puxou fora o Adjetivo Belíssima.
— A palavra Mais forma o
Comparativo, com o qual o namorado diz que essa Maria é Mais Bela do que tal
outra; e com o Adjetivo Belíssima ele dirá que Maria é extraordinariamente
bela. E desse modo, para fazer uma cortesia à sua namorada, ele usa os dois
GRAUS DO ADJETIVO. Partindo da forma normal que é a palavra Bela, usa o GRAU
COMPARATIVO, com a expressão Mais Bela, e usa o GRAU SUPERLATIVO, com a palavra
Belíssima.
— Mas nem sempre é assim — observou
Emília. — Lá no sítio, quando eu digo Mais Grande, Dona Benta grita logo:
"Mais grande é cavalo".
— E tem razão — concordou o rinoceronte
—, porque alguns Adjetivos, como Bom, Mau, Grande e Pequeno, saem da regra e
dão-se ao luxo de ter formas especiais para exprimir o Comparativo. Bom usa a
forma Melhor. Mau usa a forma Pior. Grande usa a forma Maior, e Pequeno usa a
forma Menor. O resto segue a regra.
— E para que serve o SUPERLATIVO?
— Para exagerar as qualidades do
Adjetivo. Forma-se principalmente com um íssimo ou com um Érrimo no fim da
palavra, como Feliz, Felicíssimo; Salubre, Salubérrimo. Ou então usa o O Mais,
como O Mais Feliz.
— E se quiser exagerar para menos? —
indagou Pedrinho.
— Nesse caso usa a expressão O Menos
Feliz...
— Sim — murmurou Emília distraidamente,
com os olhos postos no Visconde, que continuava calado e apreensivo como quem
está incubando uma ideia. — O Sonsíssimo Visconde, ou O Mais Sonso de todos os
sabugos científicos...
De fato, o Visconde estava preparando
alguma. Deu de ficar tão distraído, que até começou a atrapalhar o trânsito.
Tropeçou em várias palavras, pisou no pé de um Superlativo e chutou um O
maiúsculo, certo de que era uma bolinha de futebol.
Que seria que tanto preocupava o Senhor
Visconde?
OBRA INFANTO-JUVENIL DE
MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.
Entendendo o conto:
01 – Qual é a principal
característica das palavras no bairro dos Adjetivos e qual é a função dessas
palavras, segundo Quindim?
A principal
característica é que as palavras (Adjetivos) andam atreladas aos Substantivos,
pois não têm pernas. A função dos Adjetivos é designar as qualidades (ou
defeitos) dos Nomes / Substantivos.
02 – O que são os Adjetivos
Pátrios e onde Narizinho os encontrou?
Os Adjetivos
Pátrios são qualificativos que indicam a origem de seres ou coisas. Narizinho
os encontrou na prateleira dos qualificativos PÁTRIOS do armazém dos Adjetivos
(Ex: Brasileiro, Chinês, Lisboeta).
03 – O que são as Locuções
Adjetivas e qual exemplo Quindim usou para ilustrar a substituição de um
adjetivo por uma locução?
Locuções
Adjetivas são expressões que equivalem a um adjetivo e são usadas no lugar deles.
O exemplo dado foi a substituição do Adjetivo Vespertino pela Locução Adjetiva
"Da tarde" (em calor da tarde).
04 – Qual Substantivo (Nome)
foi visto buscando Adjetivos no armazém, e qual era a provável razão dessa
busca?
O Substantivo que
buscava Adjetivos era Maria. A razão provável era que algum namorado estava
escrevendo uma carta de amor para alguma Maria e necessitava de bons Adjetivos
para conquistar o coração dela.
05 – Quais são os dois Graus
do Adjetivo que a palavra Maria usou para fazer uma cortesia ao seu namorado, e
quais palavras foram usadas para formá-los?
Os dois graus
usados foram:
GRAU COMPARATIVO (com as palavras
Mais Bela, usando a palavra Mais).
GRAU SUPERLATIVO (com a palavra
Belíssima, usando o sufixo -íssima).
06 – Quais são os quatro
Adjetivos que, de acordo com Quindim, fogem à regra do Comparativo e usam
formas especiais? Cite a forma Comparativa de cada um.
Os quatro Adjetivos são:
Bom (usa a forma Melhor).
Mau (usa a forma Pior).
Grande (usa a forma Maior).
Pequeno (usa a forma Menor).
07 – O que o Visconde de
Sabugosa estava fazendo no final do trecho, e por que Emília o chamou de
"O Sonsíssimo Visconde"?
O Visconde estava
calado, apreensivo, tropeçando e atrapalhando o trânsito, pois estava incubando
uma ideia (preparando alguma coisa). Emília o chamou de "O Sonsíssimo
Visconde" (ou "O Mais Sonso de todos os sabugos científicos")
usando um Superlativo (aumentando a qualidade de sonso) para brincar com a
distração e a natureza pensativa do sabugo.
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