Poema: O Segundo, Que Me Vigia
Carlos Drummond de Andrade
Implacável ponteiro dos
segundos.
Não, não quero este decassílabo.

O que eu queria dizer era:
O segundo, não o tempo, é implacável.
Tolera-se o minuto. A hora suporta-se.
Admite-se o dia, o mês, o ano, a vida,
a possível eternidade.
Mas o segundo é implacável.
Sempre vigiando e correndo e vigiando.
De mim não se condói, não para, não perdoa.
Avisa talvez que a morte foi adiada
ou apressada
por quantos segundos?
Carlos Drummond de Andrade. Farewell. Rio de Janeiro, Record, 1996.
Fonte: Gramática da
Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil
S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 24.
Entendendo o poema:
01
– Qual é a correção ou a distinção que o eu lírico faz logo no início do poema,
e por que ele a considera importante?
O eu lírico
corrige a ideia inicial do "Implacável ponteiro dos segundos,"
rejeitando o verso por ser um decassílabo (métrica poética) e, principalmente,
por ser impreciso. A correção é: "O segundo, não o tempo, é
implacável." Essa distinção é crucial porque ele quer isolar a menor e
mais rápida unidade de tempo, o segundo, como o agente da implacabilidade. O
tempo em suas unidades maiores (minuto, hora, dia) é tolerável; o segundo, por
sua constância e rapidez, é o que realmente oprime e vigia.
02
– Por que o eu lírico afirma que as unidades de tempo maiores
("minuto," "hora," "dia," "vida") são
mais toleráveis que o segundo?
O eu lírico
sugere que as unidades maiores dão uma ilusão de controle, extensão ou pausa. O
minuto, a hora e a vida podem ser "tolerados," "suportados"
ou "admitidos" porque oferecem um horizonte mais vasto. Já o segundo,
por ser a unidade de medida mais imediata e constante, representa a pressão
incessante e ininterrupta do presente que escapa a todo instante, tornando-se o
verdadeiro símbolo da implacabilidade.
03
– Quais ações o eu lírico atribui ao segundo que reforçam seu caráter de
"vigilante" impiedoso?
O segundo é
personificado com ações de vigilância e falta de piedade. Ele está "Sempre
vigiando e correndo e vigiando," e dele se diz que "não se condói,
não para, não perdoa." Essas ações atribuem ao segundo uma qualidade de
observador constante e juiz severo que não tem empatia pela condição humana e
não concede trégua ao sujeito poético.
04
– Qual é a principal relação que o segundo estabelece com a morte na estrofe
final?
O segundo é
relacionado à morte como um anunciador ou agente de medida da finitude. A
pergunta retórica (o segundo "Avisa talvez que a morte foi adiada / ou
apressada / por quantos segundos?") sugere que o segundo é a unidade pela
qual se mede o quanto a vida foi prolongada ou encurtada. Ele representa o
limite temporal inegociável da existência, sendo a unidade mínima que determina
o momento do fim.
05
– O que o poema, em sua brevidade e foco em uma única unidade de tempo,
comunica sobre a experiência da passagem do tempo na modernidade ou na
consciência individual?
O poema comunica a ansiedade
e a opressão geradas pela passagem do tempo em sua forma mais fragmentada e
ininterrupta. Ao focar no segundo, Drummond reflete sobre a percepção aguda da
finitude e a sensação de que a vida é constantemente drenada, grão por grão. A
implacabilidade do segundo espelha a consciência angustiante de que a vida está
sempre correndo, sob vigilância, sem nunca poder ser verdadeiramente detida ou
controlada.
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