quinta-feira, 16 de maio de 2019

ROMANCE: O TEMPO E O VENTO - (FRAGMENTO) ÉRICO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Romance: O tempo e o vento – (Fragmento)
                 Érico Veríssimo

        “Os Terras continuaram mudos. O índio ainda sorria quando murmurou:
        -- Louvado seja Nosso Senhor.
    Tinha uma voz que não se esperava daquele corpo tão vigoroso: macia e doce.
        Os outros não faziam o menor movimento, não pronunciavam a menor palavra. Mas o índio sorria sempre e agora repetia: amigo, amigo, amigo...
        Depois inclinou o busto para trás e recostou-se na parede de barro. De repente seu rosto se contorceu de dor e ele lançou um olhar oblíquo na direção do ombro ferido.
        Nesse instante Maneco Terra deu dois passos na direção do catre e perguntou:
        -- Como é o nome de vosmecê?
        O outro pareceu não entender. Maneco repetiu a pergunta e o índio respondeu:
        -- Meu nombre é Pedro.
        -- Pedro de quê?
        -- Me jamam Missioneiro.
        Maneco lançou-lhe um olhar desconfiado.
        -- Castelhano?
        -- No.
        -- Continentino?
        -- No.
        -- Donde é, então?
        -- De parte ninguna.
        Maneco Terra não gostou da resposta. Foi com voz irritada que insistiu:
        -- Mas onde foi que nasceu?
        -- Na mission de San Miguel.
        -- Qual é o seu ofício?
        -- Ofício?
        -- Que é que faz? Em que trabalha?
        -- Peleio.
        -- Isso não é ofício.
        Pedro sorriu. Tinha dentes fortes e alvos.
        -- Que anda fazendo por estas bandas? – insistiu.
        No seu português misturado com espanhol, Pedro contou que fugira da redução quando ainda muito menino e que depois crescera nos acampamentos militares dum lado e doutro do rio Uruguai; ultimamente acompanhara os soldados da Coroa de Portugal em suas andanças de guerra; também fizera parte das forças de Rafael Pinto Bandeira e fora dos primeiros a escalar o forte castelhano de San Martinho...”

                               Érico Veríssimo. O tempo e o vento.
                    Porto Alegre: Globo, 1985, v. 1, p. 41.
Entendendo o romance:

01 – No primeiro diálogo entre Maneco Terra, pai de Na Terra, e o índio percebem-se características do temperamento de ambos? Comente isso.
      Maneco Terra era um homem desconfiado, hostil, não gostava de estranhos; por isso irritou-se com a chegada de Pedro, que se mostrou gentil, de jeito manso e amigo. Pedro tinha espírito aventureiro, era um andarilho.

02 – Retire do texto as frases com pronomes interrogativos e passe-as para interrogativa indireta.
      -- Pedro de quê? – Quero saber que Pedro.
      -- Qual é o seu ofício? – Gostaria de saber qual é o seu ofício.
      -- Que é que faz? Em que trabalha? – Quero saber que é que faz, em que trabalha. 
      -- Que anda fazendo por estas bandas? – Desejo saber que anda fazendo por estas bandas.    

03 – Copie as frases do texto em que há advérbios interrogativos e classifique-os.
      -- Como é o nome de vosmecê? (Advérbio de modo).
      -- Donde é, então? (Advérbio de lugar).
      -- Mas onde foi que nasceu? (Advérbio de lugar).

04 – Transforme as duas orações numa única oração, empregando os pronomes relativos adequados (que, quem, qual, quanto ou onde).
a)   O juiz decretou recesso no tribunal. A audiência foi marcada para amanhã.
O juiz que decretou recesso no tribunal marcou a audiência para amanhã.

b)   No metrô havia tipos estranhos. Nós o utilizávamos várias vezes ao dia.
Várias vezes ao dia nós utilizávamos o metrô, onde havia tipos estranhos.

c)   Os participantes do show de rock chegaram ao Rio de Janeiro. Os fãs já comemoravam o grande evento.
Os participantes do show de rock chegaram ao Rio de Janeiro, onde os fás já comemoravam o grande evento.

d)   A imobiliária ampliou seus negócios. Meus pais adquiriram o apartamento através dela.
A imobiliária, através da qual meus pais adquiriram o apartamento, ampliou seus negócios.

e)   Os moradores chamaram os bombeiros. Eles atenderam rapidamente.
Os bombeiros a quem os moradores chamaram atenderam rapidamente.

f)    O antiquário avaliou várias peças. Nem tudo entrou no leilão.
Nem tudo quanto foi avaliado pelo antiquário entrou no leilão.


MENSAGEM ESPÍRITA: SEGURANÇA ÍNTIMA - JOANNA DE ÂNGELIS - PSICOGRAFIA DE DIVALDO FRANCO

Segurança Íntima

        Embora atingido pela maleivosa insinuação da inveja, não te deixes arrastar à inquietação.
        Não obstante a urdidura da maledicência tentando envolver-te em suas malhas, não te perturbes com a sua insídia.
        Mesmo que te percebas incompreendido, quando não caluniado pelos frívolos e despeitados, não te aflijas.
        Segurança interior deve ser a tua força de equilíbrio, a resistência dos teus propósitos.
        Quem é fiel a um ideal dignificante não consegue isentar-se da animosidade gratuita, que grassa soberana, ou sequer logra permanecer inatacável pela pertinácia da incúria...
        Somente os inúteis poderiam acreditar-se não agredidos.
        O bom operário, todavia, quando na desincumbência dos deveres, experimenta as agressões de todo porte com que os cômodos e insatisfeitos pretendem desanimá-lo.
        De forma alguma concedas acesso à irritação ou à informação malsã na tua esfera de atividades.
        Quando te sentires compreendido, laureado pelos sorrisos e beneplácitos humanos, quiçá estejas atendendo aos interesses do mundo, contudo não te encontrarás em conduta correta em relação aos compromissos com Jesus.
        Quem serve ao mundo e a ele se submete certamente não dispõe de tempo para os deveres relevantes, em relação ao espírito. 
        A recíproca, no caso, é verdadeira.
        Não te eximirás, portanto, à calúnia, à difamação, às artimanhas dos famanazes da irresponsabilidade, exceto se estiveres de acordo com eles.
        Não produzem e sentem-se atingidos por aqueles que realizam, assim desgastando-se e partindo para a agressividade, com as armas que lhes são afins.
        Compreende-os, malgrado não te concedas sintonizar com eles nas faixas psíquicas em que atuam.
        Não reajas, nem os aceites.
        Suas farpas não devem atingir-te.
        Eles estão contra tudo. Afinal estão contra eles mesmos, por padecerem de hipertrofia dos sentimentos e enregelamento da razão.
        Segurança íntima é fruto de uma consciência tranquila, que decorre do dever retamente cumprido, mediante um comportamento vazado nas lições que haures na Doutrina de Libertação espiritual, que é o Espiritismo.
        Assim, não te submetas ou te condiciones às injunções de homens ou Entidades, se pretendes servir ao Senhor...
        Toda sujeição aos transitórios impositivos das paixões humanas, em nome do Ideal de vida espiritual, se transforma em escravidão com lamentável desrespeito aos compromissos reais assumidos em relação ao Senhor.
        Recorda-te d’Ele, crucificado, desprezado, odiado por não se
submeter aos impositivos da mentira e das vacuidades humanas, todavia triunfante sempre pela Sua fidelidade ao Pai.

Autor: Joanna de Ângelis
Psicografia de Divaldo Franco. Do livro: As Leis Morais da Vida


DIÁRIO: CONFLITOS DE LUCAS -JÚLIO EMÍLIO BRAZ - COM GABARITO

DIÁRIO:(FRAGMENTO): CONFLITOS DE LUCAS
       
    Júlio Emílio Braz

        Dinheiro meu, problema seu.  A frase se encaixa como uma luva no meu relacionamento com a mesada que papai me dá.
        Não dá para dizer que ele seja injusto. Tanto eu quanto Serginho, meu irmão, recebemos exatamente a mesma quantia e na mesma data.  O meu dinheiro acaba bem antes e quase sempre peço emprestado a ele. Serginho empresta, mas cobra juros e ainda faz questão que meu pai saiba. Conclusão: acabo endividado e levando bronca.
        [...]
        Gosto de Gastar, qual o problema?
        Sou uma vítima da mídia, presa fácil dessa sociedade consumista, qualquer marketing mais esperto me leva no bico. O mundo enche meus olhos com coisas demais e eu gosto de ter, preciso ter. Todo mundo tem, quer ter. Afinal, são tantos apelos da mídia martelando nossa cabeça, criando necessidades...
        Será que é a fase?
        Há coisas que eu compro por comprar e outras, porque eu acho que vão ficar legais ou têm tudo a ver comigo. Muitas vezes nem preciso.
        É crime querer gastar?
        Já posso ouvir meu pai respondendo:
        “Ótimo! Então comece a gastar o seu!”
        Concordo. Tudo a ver. Falo em arranjar um emprego. Briga novamente.
        “Primeiro a escola!”
        Ele repete a mesma frase um montão de vezes, um disco quebrado, enquanto acrescenta mais alguns trocados na mesada. Um cala-boca financeiro.
        Estou ficando de saco cheio de mesada. Quero ganhar o meu. Dá para colocar as duas coisas no mesmo saco: trabalho e escola. Viver dependendo de mesada é como viver à mercê das broncas de meu pai e do agiota juvenil do meu irmão.

        Júlio Emílio Braz. Os papéis de Lucas: pequeno inventário de um adolescente comum. São Paulo: Ediouro, 2000. p. 51.
Entendendo o texto:

01 – Em sua opinião, o que teria motivado Lucas a escrever um diário?
      Resposta pessoal do aluno.

02 – O que você acha da postura de Lucas diante de seus gastos e sua relação com o consumo? Explique.
      Resposta pessoal do aluno.

03 – O autor do texto que você leu registra fatos e pontos de vista em 1ª pessoa. A escolha do foco narrativo está adequada ao gênero textual? Justifique sua resposta relacionando-a ao gênero em questão.
      O foco narrativo em 1ª pessoa está adequado ao gênero textual, porque se trata de uma página de diário. Nesse gênero, o autor escreve suas próprias experiências, sentimentos e fatos vividos de forma íntima e confidente.

04 – A linguagem utilizada pressupõe qual tipo de situação comunicativa: formal ou informal? Justifique sua resposta.
      Informal. Porque o produtor do texto registra fatos e sentimentos dele para ele mesmo.

05 – O que motivou Lucas a escrever essa página de diário?
      A relação dele com o consumo e a mesada que recebe do pai.

06 – O relato de Lucas apresenta continuidade ou é registrado livremente, sem a preocupação com a linearidade dos fatos?
      É registrado livremente, de acordo com o que vem à mente de Lucas.

07 – A que público textos como esse, geralmente, são destinados?
      Normalmente, textos como esse são destinados ao próprio autor, como registro de memória de fatos que acontecem consigo.

08 – No início do diário, Lucas afirma que a mesada dele acaba antes da de Serginho. Ao longo do texto, ele deixa claro por que isso ocorre? Justifique apontando as diferenças entre o comportamento de Lucas e o de seu irmão.
      Sim. Lucas tem hábitos consumistas, gasta em excesso e não consegue administrar sua mesada. Já seu irmão é mais contido, pois consegue administrar bem o dinheiro que recebe do pai.

09 – Diante da falta de dinheiro, Lucas atribui a culpa a quem? Por quê?
      Aos apelos da mídia, pois ela estimula aquisição de algo que nem sempre é realmente necessário.

10 – Para fechar o relato dessa página de diário, Lucas expõe sua opinião sobre mesada e consumo. O que ele conclui?
      Lucas conclui que ser dependente de mesada dada pelo pai não é bom. Assim, deseja ter seu próprio dinheiro, por meio de um emprego, conciliando-o com a escola.


quarta-feira, 15 de maio de 2019

POEMA: EVOCAÇÃO DO RECIFE - MANUEL BANDEIRA - COM GABARITO

Poema: Evocação do Recife
              Manuel Bandeira


Recife 
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois 
-- Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância.

A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
          Coelho sai!
          Não sai!

A distância as vozes macias das meninas politonavam:
          Roseira dá-me uma rosa
          Craveiro dá-me um botão
(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)

De repente
          nos longos da noite
                                          um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.
Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de Dr. Fulano de Tal)

Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
-- Capiberibe

Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu

Foi o meu primeiro alumbramento

Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras

Novenas
             Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
-- Capiberibe

Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
          Ovos frescos e baratos
          Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...

A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
          Ao passo que nós
          O que fazemos
          É macaquear
          A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam

Recife...
             Rua da União...
                                      A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade

Recife...
             Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro como a casa de meu avô.

                           Manuel Bandeira. Estrela da vida inteira, cit. p. 114-7.
Entendendo o poema:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Evocação: ato de se lembrar, trazer à lembrança.
·        Mauritsstad: nome dado por Maurício de Nassau à cidade do Recife durante o domínio holandês.
·        Pataca: antiga moeda brasileira.
·        Pegão: maciço em que se apoiam os arcos das pontes.
·        Pincenê: óculos sem haste.
·        Politonar: cantar em vários tons.
·        Pregão: fala ou pequena melodia por meio das quais os vendedores ambulantes anunciam seus produtos.

02 – Na 1ª estrofe do poema, o eu lírico delimita o Recife que evoca. Não é o Recife histórico nem o Recife turístico ou cultural.
a)   Qual é o Recife que ele evoca? Destaque um verso que justifique sua resposta.
É o Recife que habita sua memória: “Recife da minha infância”.

b)   O retrato do Recife evocado é feito, portanto, de modo objetivo ou subjetivo?
De modo subjetivo.

03 – Observe estes versos do poema: “Uma pessoa grande dizia: / Fogo em Santo Antônio!”; “Tenho medo que hoje se chame de Dr. Fulano de Tal”.

Com base nesses versos, responda: O eu lírico, ao evocar o passado, coloca-se no texto como adulto ou como criança? Justifique.
      Há uma mistura de perspectiva: no 1° e 2° versos, o eu lírico revive cenas do passado, como se fosse criança outra vez; no terceiro verso, deixa transparecer a visão crítica do adulto.

04 – Procurando dessacralizar a poesia, os modernistas aproximam-na das coisas simples, como o cotidiano e a cultura popular. Identifique no texto o aproveitamento desses elementos.
      As brincadeiras de roda com suas cantigas infantis, os pregões dos vendedores, as crenças e as festas populares, os nomes de ruas, etc.

05 – Manuel Bandeira nunca aderiu às novidades modernistas como modismo. Ao contrário, empregava-as como critério, sabendo extrair efeitos delas. Observe a irregularidade métrica e a pontuação destes versos:
        “Os homens punham o chapéu saíam fumando”.
        “Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu”.

Buscando estabelecer relações entre a forma e o conteúdo, responda:
a)   Por que a ausência de pontuação torna o sentido desses dois versos mais preciso?
No primeiro verso, a ausência de pontuação sugere a rapidez das ações; no segundo verso, a violência das águas durante as cheias.

b)   Observe o tamanho do segundo desses versos. Relacionando-o com o conteúdo do verso (as cheias), o que justificaria esse tamanho?
A enumeração caótica, num único verso, dos vários elementos arrastados pela água imita formalmente os caos promovido pelas cheias, que arrastam tudo de uma vez.

06 – Assim como Mário e Oswald de Andrade, Bandeira também se uma nova língua literária. De acordo com o texto:
a)   Qual é a “língua certa do povo”?
É a língua espontânea e natural falada pelo povo.

b)   A quem possivelmente se refere o pronome nós dos versos “Ao passo que nós/O que fazemos”?
As pessoas cultas: escritores, leitores, professores, etc.

c)   É possível afirmar que Bandeira pôs em prática no poema essa concepção de língua? Justifique com palavras ou expressões do texto.
Sim, pois o poema apresenta vocabulário e construções sintáticas simples, além de empregar palavras do uso popular, como “midubim” e “macaquear”.

07 – Releia no texto do capítulo o comentário de Bandeira feito em itinerário de Pasárgada e também nos últimos versos do poema. A seguir, responda:
a)   Por que o eu lírico afirma “Meu avó morto/Recife morto[...]”?
Porque, com a morte do avô – uma das figuras centrais da mitologia da infância do poeta –, ocorre também a morte do Recife que vivia na memória do eu lírico.

b)   Que tipo de sentimento revela o eu lírico em relação ao Recife de sua infância?
Melancolia, nostalgia, tristeza.






POEMA: EXORTAÇÃO - MAURÍCIO DE ALMEIDA GOMES - COM GABARITO

Poema: Exortação
              Maurício de Almeida Gomes

Ribeiro Couto e Manuel Bandeira,
poetas do Brasil,
do Brasil, nosso irmão,
disseram:
“-- É preciso criar a poesia brasileira,
de versos quentes , fortes, como o Brasil,
sem macaquear a literatura lusíada”.

          Angola grita pela minha voz
          pedindo a seus filhos nova poesia!

Deixemos moldes arcaicos,
ponhamos de lado,
corajosamente, suaves endeixas,
brandas queixas,
e cantemos a nossa terra
e toda a sua beleza.

Angola, grande promessa do futuro,
forte realidade do presente,
inspira novas ideias,
encerra ricos motivos.

É preciso inventar a poesia de Angola!

Fecho meus olhos e sonho,
abrindo de par em par o coração,
e vejo a projecção dum filme colorido
com tintas de fantasia
e cenas de magia:

As imagens são paisagens, gentes, feras.
e sucedem-se lenta, lenta, lentamente…
assisto maravilhado
ao despenhar gemente
das quedas d’água do duque de Bragança…
vejo crescer florestas colossais
no maiombe, onde o verde é símbolo
de tanta esperança…

Amboim fecundo, amboim cafezeiro,
de alcantis envoltos sempre em nevoeiro denso,
como um fumo cheiroso
do seu café gostoso,
tão famoso no mundo.

O deserto de namib a espreguiçar-se
num bocejo mole,
estendendo tentáculos de areia
como polvo gigante
-- visão alucinante,
miragem
no escrínio esquisito
que guarda avaramente
a joia mais horrivelmente linda
e única no mundo
-- a welwitshia mirabilis,
que em si encerra mistério tão profundo…

É preciso escrever a poesia de Angola!

Vejo anharas infindáveis,
onde noivam no capim,
pelo amor amansadas,
feras bravas, indomáveis…
vejo lagos de safiras,
tão calmos
como olhos ternos,
chorosos,
de tímidas gazelas…

E terras rendilhadas do litoral,
secas, rugosas, escalvadas,
onde reina o imbondeiro,
gigantesco prometeu agrilhoado,
visão estranha, infernal, horrenda,
verde pálido, branco, cinzento,
lembrando líquen mágico, colossal

Baías, cabos, estuários,
praias morenas,
mares verdes, mares azuis,
e rios de aspecto inofensivo
mas cheios de jacarés…

Terras de mandioca e batata doce,
campos de sisal, minas e metais,
goiabeiras, palmeiras, cajueiros,
areais imensos, cheios de diamantes,
chuvadas torrenciais,
filas tristes de negros carregadores gemendo,
cantando tristemente seus cantares…
planaltos, montanhas e fogueiras,
feiticeiros dançando loucamente:
Angola é grande e rica e bela e vária.

É preciso criar a poesia de Angola!

Terra enorme onde o insecto impera:
mosquito da febre e mosca tzé-tzé,
cobrindo tudo de sono.

Olhai o senhor arquitecto Salalé,
tão pequenino, tão teimoso e diligente…
como ele projecta e constrói castelos,
milhões de vezes maiores que ele é,
para vergonha nossa,
que pouco fazemos,
presos de fútil, preguiçoso dandismo…


Encostai o ouvido atento
ao coração do novo negro,
escutareis só vós, poetas da minha terra,
que estais por nascer,
aquilo que para outros é segredo defeso,
mistério da esfíngica, malsinada alma negra.
criai ânimo, ganhai alento,,
e vibrantemente cantai a nossa terra!

É preciso forjar a poesia de Angola!

Essa nova poesia
será vasada em forma candente
sem limites nem peias,
diferente!...

Mas onde estão os filhos de Angola,
se os não oiço cantar e exaltar
tanta beleza e tanta tristeza,
tanta dor e tanta ânsia
desta terra e desta gente?

Essa nova poesia,
forte, terna, nova e bela,
Amálgama de lágrimas e sangue,
sublimação de muito sofrimento,
afirmação duma certeza.

Poesia inconformista,
diferente,
será revolucionária,
como arte literária,
desprezando regras estabelecidas,
ideias feitas, pieguices, transcendências…

Poesia nossa, única, inconfundível,
diferente,
quente, que lembre o nosso sol,
suave, lembrando nosso luar…
que cheire o cheiro do mato,
tenha as cores do nosso céu.
o nervosismo do nosso mar,
o paroxismo das queimadas,
o cantar das nossas aves,
rugir de feras, gritos de negros,
gritos de há muitos anos,
de escravos, de engenhos das roças,
no espaço vibrando, vibrando…

Sons magoados, tristíssimos, enervantes,
de quissanges e marimbas…
versos que encerrem e expliquem
todo o mistério desta terra,
versos nossos, húmidos, diferentes,
que, quando recitados,
nos façam reviver o drama negro
e suavizem corações,
iluminem consciências,
e evoquem paisagens
e mostrem caminhos,
rumos, auroras…

Uma poesia nossa, nossa, nossa!
-- cântico, reza, salmo, sinfonia,
Que uma vez cantada,
Rezada,
Escutada,
Faça toda a gente sentir
Faça toda a gente dizer:

          -- É a poesia de Angola!
                             In: Tania Macêdo e Rita Chaves, op. cit. p. 61-66.

Entendendo o poema:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo.
·        Amálgama: reunião, mistura, ajuntamento.

·        Marimba: tambor.

·        Quissange: música.

02 – A primeira estrofe do poema cita nominalmente dois escritores brasileiros, Ribeiro Couto e Manuel Bandeira, que pertenceram à primeira geração do nosso Modernismo. Sabendo que essa geração empenhava-se, entre outras coisas, pelo resgate das tradições da cultura popular brasileira e pela definição de uma identidade nacional, responda: O que justifica a citação desses poetas no poema de Maurício Gomes?
      Assim como os modernistas brasileiros da primeira geração, os poetas angolanos da geração de Maurício Gomes também estavam interessados em criar uma poesia livre dos modelos lusitanos ou europeus, uma poesia que fosse expressão da identidade nacional.

03 – O título do poema é “Exortação”. O que o poema procura exortar?
      O poema procura exortar os poetas angolanos a fazer uma nova poesia, genuinamente angolana.

04 – Observe estes versos do poema:
        “Deixemos moldes arcaicos,
        ponhamos de lado,
        corajosamente, suaves endeixas,
        brandas queixas,
        [...]
        Desprezando regras estabelecidas,
        Ideias feitas, pieguices, transcendências...”

a)   De acordo com esses versos, o que a nova “poesia de Angola” deve desprezar? Comprove sua resposta com palavras e expressões do texto.
Deve desprezar modelos literários antigos e tudo aquilo que seja etéreo ou excessivamente sentimental como comprovam as expressões: “moldes arcaicos”; “ideias feitas”; “pieguices”; “transcendências”.

b)   Portanto, qual é a visão do poeta sobre a função da nova “poesia de Angola”?
A nova poesia de Angola deve tratar da realidade do país, das coisas próprias da terra e do povo angolanos.

05 – Observe as duas últimas estrofes do poema:
a)   A partir de que elementos – temas, assuntos – deve ser feita a nova “poesia de Angola”? Comprove sua resposta.
A poesia deve ser feita a partir dos elementos naturais (o luar, o mato, o céu, o mar, as aves), culturais (quissanges e marimbas) sociais e históricos (as roças, a escravidão) de Angola.

b)   Considerando o contexto em que o poema foi escrito, é possível dizer que ele tem um caráter anticolonialista? Por quê? Justifique sua resposta.
Sim, pois, no contexto do colonialismo português, o rompimento com os modelos literários portugueses e a valorização de elementos próprios da terra revelam uma atitude nacionalista, em contraposição aos interesses da metrópole portuguesa.

06 – Releia estes versos finais do poema:
        “Uma poesia nossa, nossa, nossa!
        -- cântico, reza, salmo, sinfonia,
        Que uma vez cantada,
        Rezada,
        Escutada,
        Faça toda a gente sentir
        Faça toda a gente dizer:

        -- É a poesia de Angola!”

a)   O que justifica a repetição da palavra nossa no 1° verso desse fragmento?
Há a intenção de reforçar a ideia da identidade cultural angolana, ou seja, a nova poesia angolana seria expresso cultural do povo angolano.

b)   Por que o poeta mistura elementos de diferentes naturezas, como cântico, reza, salmo e sinfonia para caracterizar a nova “poesia de Angola”?
Porque a nova poesia seria um elemento de comunhão do povo angolano, uma espécie de espaço sagrado da cultura angolana, em que se manifestariam as mais profundas raízes (místicas, religiosas e profanas) do povo de Angola.