domingo, 1 de maio de 2022

ENTREVISTA: CHEGA DE MÁGICA - THAÍS OYAMA - COM GABARITO

 Entrevista: Chega de mágica

                  Thaís Oyama

  Menos mago e mais interessado em prestígio, Paulo Coelho diz que telepatia é “sacal” e se proclama de vanguarda

        Fama e fortuna Paulo Coelho já tem de sobra. Agora, quer respeito. O escritor de 32 milhões de livros vendidos no mundo, amado pelo público e espinafrado pela crítica, decidiu partir para um novo patamar; o que ele escreve não só vende como, afirma, tem qualidade, sim. “Estou absolutamente convencido de que o que faço é bom”, diz. Aos que chamam de tosco seu estilo, que ele prefere classificar de “direto”, replica: “Burro é quem não sabe explicar”. Nessa trajetória em busca do reconhecimento, o escritor parece ter sacrificado o mago, como ele próprio se classificava na fase esotérica. O novo Paulo Coelho não troca uma discussão acadêmica (até na própria Academia Brasileira de Letras, se o destino assim o permitir) por encontro algum com mestres enigmáticos e entidades de outros planos. Diz que não faz mais ventar, afirma ter preguiça de conversar com seus discípulos e declara preferir o fax à telepatia, agora definida como “um negócio sacal”. Mágica mesmo continua sua autoestima: na entrevista a seguir, Paulo Coelho alinha entre suas referências literárias vultos do porte de Henry Miller e Jorge Luís Borges.

        Veja – Seus livros têm falado cada vez menos de esoterismo. O senhor ainda se considera um mago?

        Coelho – A ideia do mago é muito mais uma questão de percepção do universo. É uma maneira de olhar o mundo além da realidade concreta. Mas eu tenho vários livros que não tocam em magia. Meus livros falam de questões filosóficas.

        Veja – Seria esse o ponto comum entre eles, na sua opinião?

        Coelho – O ponto em comum é uma coisa chamada estilo. Do meu primeiro livro até agora, eu tenho mantido um estilo que é absolutamente direto, enxuto. Vou cortando, cortando, até chegar à essência da coisa. No começo, isso foi mal interpretado. Achavam que era uma coisa superficial. Mas é essa característica que dá aos meus livros o seu aspecto único.

        Veja – Depois de tanto sucesso, as críticas ainda o incomodam?

        Coelho – Eu sou um autor muito polarizador: as pessoas me amam ou me odeiam. Estou acostumado. Mas a única crítica que me magoou não foi dirigida a mim. Foi quando disseram que meu leitor era burro. Eu não quero generalizar, mas existe um fascismo cultural no país.

        Veja – O senhor se sente perseguido pela crítica?

        Coelho – Acho que são perseguidos por ela todos os que não se enquadram num certo padrão, que é o de valorizar o que é incompreensível e inacessível. Só que, felizmente, isso só vale para a crítica, que se isolou da realidade. As pessoas que escrevem esse tipo de coisa ficam numa torre de marfim, sem saber o que se passa em torno delas. Acham que estão abafando, que está todo mundo escutando o que elas dizem. Só que não sabem que ninguém dá ouvidos a elas. De que adianta um livro que impressiona mas que não é lido? O que eu disse sobre James Joyce é verdade: ele é ilegível, ilegível.

        Veja – Mas livros como Ulisses e Finnegans Wake, de Joyce, são considerados marcos do modernismo, talvez dos mais geniais do século XX. O senhor acha que a sua obra irá sobreviver também?

        Coelho – O fato de uma obra sobreviver não quer dizer que ela seja lida. Eu tentei ler Ulisses, não consegui e achei que era burro. Só que eu não sou burro, Ulisses é que é ilegível. Mas as pessoas se acovardam muito para falar dessas coisas. Você tem sempre de passar a ideia de que entendeu tudo. E a culpa não é sua, a culpa é dos caras que escreveram. Eles têm a obrigação de ser claros. Burro é quem não sabe se explicar. Mesmo um livro como Sidarta, do Hermann Hesse, é uma coisa mal-acabada. O cara não soube acabar o livro, entendeu? Termina com aquela frase: “Tem que olhar o rio”. Que rio, pô? Acho que Hermann Hesse não sabia como terminar o livro e meteu essa história aí de rio.

        Veja – Hesse é um prêmio Nobel...

        Coelho – Sim, mas eu tenho o direito de dizer isso sobre ele, até porque foi um escritor que me marcou muito. O fato de Sidarta acabar mal não invalida o resto do livro.

        Veja – Houve uma época em que o senhor dizia que era capaz de promover magias como fazer ventar, por exemplo. Hoje se arrepende dessas declarações?

        Coelho – Não me arrependo, porque isso é verdade.

        Veja – O senhor pode fazer ventar agora?

        Coelho – Não, não faço mais. Isso é bobagem. Não preciso mais fazer demonstrações públicas.

        Veja – E magias em benefício próprio? O senhor dizia que costumava abrir o trânsito com a força do pensamento. Ainda faz isso?

        Coelho – Não, de jeito nenhum. Não vou gastar energia com isso. Já fiz, já passou.

        Veja – Não fica mais invisível, como dizia ficar?

        Coelho – Não, isso é inútil. Gasto minha energia em outras coisas agora.

        Veja – Então, o senhor abriu mão da magia?

        Coelho – Talvez desse tipo de magia. Acho que faz parte do aprendizado brincar um pouquinho. Depois, tem de falar sério. Descobri que essas coisas não são importantes. Esse negócio de fazer chover, por exemplo. Pô, o que que isso vai me ajudar? Além disso, já cheguei a dar três grandes demonstrações públicas do que eu sou capaz e acho que basta.

        Veja – Quais foram elas?

        Coelho – Uma foi para o jornal O Globo, em 1987. Eu disse que fazia ventar, a jornalista pediu para eu fazer e eu fiz (na reportagem mencionada, a jornalista não pede ao escritor que faça ventar. Relata ter ficado impressionada com o fato de uma forte ventania ter ocorrido logo após ela ter perguntado se ele era de fato um mago). A segunda foi para a Marília Gabriela, assim que o presidente Fernando Collor foi eleito. Ela me perguntou como seria o seu governo. Eu disse: daqui a dois anos ele se ferra (a apresentadora informou, por meio de sua assessoria, que o episódio não ocorreu em seu programa). A terceira foi quando o Jô Soares me perguntou se eu sabia o nome do namorado da Zélia (então ministra da Economia, que teve um romance com o colega Bernardo Cabral). Eu dei as iniciais (o apresentador disse que nunca perguntou a Paulo Coelho o nome do namorado da ex-ministra. Informado de que o próprio escritor havia relatado o episódio, disse que talvez não se lembrasse).

        Veja – É uma etapa ultrapassada, então?

        Coelho – Digamos que foi um período de brincadeira, e brincar é permitido a todo mundo, até porque a vida é muito lúdica. Eu não tiro o valor dessa época em que via essa coisa da magia até com um certo deslumbramento.

        [...]
        Veja – O senhor não se acha devidamente respeitado?

        Coelho – O respeito principal eu tenho, que é o respeito do meu leitor. E não tenho complexo. Eu sou um ótimo escritor. Um ótimo escritor. Eu sou vanguarda.

        Veja – Quais as características de sua obra que a fazem ser vanguarda, na sua opinião?

        Coelho – Primeiro o fato de ela ser rejeitada pelo sistema acadêmico. E depois o fato de o público gostar dela. Porque o público sempre pensa à frente.

        [...]

        Veja – O senhor tem uma boa autoestima, não?

        Coelho – Eu diria que sou uma pessoa absolutamente convencida do que faço e absolutamente convencida de que o que faço é bom.

         Veja – O dizia que, na qualidade de mago, tinha alguns discípulos no Brasil e fora dele. Ainda tem?

        Coelho – Infelizmente. Quer dizer, retiro o infelizmente. Tenho porque sou obrigado. Mas eu não tenho o menor saco. Tenho muita preguiça e muito pouca paciência.

        Veja – E o senhor ainda fala com J., empresário que mora na Holanda e a quem o escritor se refere como seu mestre em alguns de seus livros?

        Coelho – Falo eventualmente.

        Veja – O senhor dizia que costumava falar com ele inclusive por telepatia.

        Coelho – Não, não. Telepatia dá muito trabalho, um negócio sacal. É por telefone ou fax mesmo.

          COELHO, Paulo. Chega de mágica. In: Veja, Abril, São Paulo, p. 15, 22 ago. 2001. Entrevista concedida a Thaís Oyama.

Fonte: Livro – Língua Portuguesa – Heloísa Harue Takazaki – ensino médio – Coleção Vitória-Régia – Volume único – IBEP. 2004, p. 137-9.

Entendendo a entrevista:

01 – Pra você, em uma entrevista, o diálogo travado é totalmente espontâneo? Por quê?

      Resposta pessoal do aluno.

02 – Na sua opinião, no cotidiano, as conversas são tão ordenadas como na entrevista reproduzida? Justifique.

      Resposta pessoal do aluno.

03 – Qual é a impressão que você tem de Paulo Coelho ao ler essa entrevista? Comentem entre todos.

      Resposta pessoal do aluno.

04 – Paulo Coelho é um escritor que, apesar de vender milhões de livros e ter uma vaga na Academia Brasileira de Letras, continua taxado pela crítica de escritor ruim e suas obras, superficiais. A entrevista parece conduzir-se na defesa do escritor que vende milhões de livros ou coloca em xeque as veleidades literárias dele?

      Coloca em xeque.

05 – Muitas obras de Paulo Coelho fazem menção a um suposto poder mágico que o escritor declarou possuir em entrevistas anteriores. A entrevista dá a entender que esse poder mágico é legítimo ou uma farsa?

      É uma farsa.

06 – Em geral, o tom da entrevista é favorável ao entrevistado ou não? Explique.

      Não é favorável. A entrevistadora questiona o tempo todo as afirmações de Paulo Coelho, atribui-lhe características negativas como presunção, vaidade excessiva, e faz questão de pedir “provas” de suas habilidades como mago.

 

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