Romance: Capitães de Areia – Reformatório - Fragmento
Jorge Amado
[...]
No refeitório, enquanto bebiam o café
aguado e mastigavam o bolachão duro, seu vizinho de mesa fala:
– Tu é o chefe dos Capitães da Areia? –
sua voz é baixíssima.
– Sou, sim.
– Vi teu retrato no jornal... Tu é um
macho! Mas te acabaram – olha o rosto magro de Bala.
Mastiga o bolachão. Continua:
– Tu vai ficar aqui?
– Vou arribar...
– Eu também. Tenho um plano... Quando
eu bater asa, posso ir pra teu grupo?
– Pode.
– Onde fica o buraco?
Pedro Bala olha com desconfiança:
– Tu encontra a gente no Campo Grande
toda tarde
– Pensa que vou dizer?
O
bedel Campos bate as mãos. Todos se levantam. Dirigem-se para as diversas
oficinas ou para os terrenos cultivados.
Pelo meio da tarde Pedro Bala vê o
Sem-Pernas que passa na estrada. Vê também um bedel que o tange.
Castigos... Castigos... É a palavra que
Pedro Bala mais ouve no reformatório. Por qualquer coisa são espancados, por um
nada são castigados. O ódio se acumula dentro de todos eles.
No extremo do canavial passa um bilhete
a Sem-Pernas. No outro dia encontra a corda entre as moitas de cana. Com
certeza a puseram durante a noite. É um rolo de corda fina e resistente. Está
novinha. No meio dela o punhal que Pedro mete nas calças. A dificuldade é levar
o rolo para o dormitório. Fugir durante o dia é impossível, com a vigilância
dos bedéis. Não pode levar o rolo entre a roupa, que notariam.
De repente surge uma briga. Jeremias se
joga sobre o bedel Fausto com o facão na mão. Outros meninos se atiram também,
mas vem um grupo de bedéis armados de chicotes. Estão sujeitando Jeremias.
Pedro mete o rolo de corda debaixo do
paletó, abre para o dormitório. Um bedel vem descendo a escada com um revólver
na mão. Pedro se esconde atrás de uma porta.
O bedel vem rápido, passa.
Empurra a corda para baixo do colchão,
volta para o canavial. Jeremias foi levado para a cafua. Os bedéis agora juntam
os meninos. Ranulfo e Campos foram em perseguição de Agostinho, que pulou a
cerca na confusão da briga. O bedel Fausto, com um talho no ombro, foi para a
enfermaria. O diretor está entre eles, os olhos fuzilando de raiva. Um bedel
conta os meninos. Pergunta a Pedro Bala:
– Onde estava metido?
– Saí pra não me meter no barulho.
O bedel o olha desconfiado, mas passa.
Voltam Ranulfo e Campos com Agostinho.
O fujão é surrado na vista de todos. Depois o diretor diz:
– Metam-no na cafua.
– Já está Jeremias – fala Ranulfo.
– Ficam os dois. Assim podem
conversar...
Pedro Bala se arrepia. Como irão ficar
dois na pequenez da cafua?
Nesta noite a vigilância é grande, ele
não tenta nada. Os meninos rangem os dentes de raiva.
Duas noites depois, quando o bedel
Fausto já tinha se recolhido há muito ao seu quarto de tabiques e quando todos
dormiam, Pedro Bala se levantou, tirou a corda de sob o colchão. Sua cama
ficava junto a uma janela. Abriu. Amarrou a corda num dos armadores de rede que
existiam na parede. Deixou que a corda caísse pela janela.
Era curta. Faltava ainda muito.
Recolheu. Procurava fazer o menor barulho possível, mas assim mesmo um dos seus
vizinhos de cama acordou:
– Tu vai bater asa?
Aquele não tinha boa fama. Costumava
delatar. Por isso mesmo fora colocado ao lado de Pedro Bala. Bala puxou o punhal,
mostrou a ele.
– Olha, xereta, trata de dormir. Se tu
piar, eu te abro a garganta, palavra de Pedro Bala. E se tu disser alguma coisa
depois que eu sair... Tu já viu falar nos Capitães da Areia?
– Já.
– Pois eles me vinga.
Põe o punhal ao alcance da mão. Recolhe
completamente a corda, amarra o lençol na ponta com um daqueles nós que o
Querido-de-Deus lhe ensinou. Ameaça mais uma vez o menino, joga a corda, passa
o corpo pela janela, começa a descida. Ainda no meio ouve os gritos
denunciadores do delator.
[...].
AMADO, Jorge.
Capitães de Areia. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009.
Fonte: Livro – Viva
Português 2° – Ensino médio – Língua portuguesa – 1ª edição 1ª impressão – São
Paulo – 2011. Ed. Ática. p. 16-8.
Entendendo o romance:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Arribar: partir sem dizer para onde.
·
Cafua: quarto escuro onde se prendiam os alunos castigados.
·
Tabique: parede fina, geralmente de madeira.
·
Tanger: acelerar de algum modo a marcha de uma pessoa ou de um
animal.
02 – Descreva o espaço onde
acontecem os fatos narrados.
Trata-se de um
reformatório onde há um refeitório, oficinas, campos de cultivo, dormitório e
uma cafua. Sabemos que o dormitório não fica no térreo, pois Pedro precisa de
corda e lençol para alcançar o chão.
03 – O comportamento de
Pedro Bala durante o diálogo no refeitório e no momento da briga revela algumas
de suas características. Quais?
Pedro Bala é
bastante esperto, tem senso de oportunidade, mas também é bastante desconfiado.
04 – O trecho foi
interrompido num momento decisivo da narrativa. Que momento é esse? Que
perguntas nos fazemos nesse momento?
O momento em que
Pedro Bala tenta uma fuga. Perguntamo-nos se ele vai conseguir, se os gritos do
companheiro de quarto despertarão os bedéis a tempo de conseguirem impedir a
fuga do garoto.
05 – Levante uma hipótese de
desfecho para o capítulo.
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: Se deixa escorregar pela corda, salta ao chão. O pulo é
grande, mas ela já salta correndo. Pula a cerca, após evitar os cachorros
policiais que estão soltos. Desaba pela estrada. Tem alguns minutos de
vantagem. O tempo dos bedéis se vestirem e saírem em sua perseguição e soltarem
os cachorros também. Pedro Bala prede o punhal nos dentes, tira a roupa. Assim
os cachorros não o conhecerão pelo faro. E nu, na madrugada fria, inicia a
carreira para o sol, para a liberdade.
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