domingo, 22 de maio de 2022

ROMANCE: CAPITÃES DE AREIA - REFORMATÓRIO - FRAGMENTO - JORGE AMADO -COM GABARITO

 Romance: Capitães de Areia – Reformatório - Fragmento

                Jorge Amado

        [...]

        No refeitório, enquanto bebiam o café aguado e mastigavam o bolachão duro, seu vizinho de mesa fala:

        – Tu é o chefe dos Capitães da Areia? – sua voz é baixíssima.

        – Sou, sim.

        – Vi teu retrato no jornal... Tu é um macho! Mas te acabaram – olha o rosto magro de Bala.

        Mastiga o bolachão. Continua:

        – Tu vai ficar aqui?

        – Vou arribar...

        – Eu também. Tenho um plano... Quando eu bater asa, posso ir pra teu grupo?

        – Pode.

        – Onde fica o buraco?

        Pedro Bala olha com desconfiança:

        – Tu encontra a gente no Campo Grande toda tarde

        – Pensa que vou dizer?

        O bedel Campos bate as mãos. Todos se levantam. Dirigem-se para as diversas oficinas ou para os terrenos cultivados.

        Pelo meio da tarde Pedro Bala vê o Sem-Pernas que passa na estrada. Vê também um bedel que o tange.

        Castigos... Castigos... É a palavra que Pedro Bala mais ouve no reformatório. Por qualquer coisa são espancados, por um nada são castigados. O ódio se acumula dentro de todos eles.

        No extremo do canavial passa um bilhete a Sem-Pernas. No outro dia encontra a corda entre as moitas de cana. Com certeza a puseram durante a noite. É um rolo de corda fina e resistente. Está novinha. No meio dela o punhal que Pedro mete nas calças. A dificuldade é levar o rolo para o dormitório. Fugir durante o dia é impossível, com a vigilância dos bedéis. Não pode levar o rolo entre a roupa, que notariam.

        De repente surge uma briga. Jeremias se joga sobre o bedel Fausto com o facão na mão. Outros meninos se atiram também, mas vem um grupo de bedéis armados de chicotes. Estão sujeitando Jeremias.

        Pedro mete o rolo de corda debaixo do paletó, abre para o dormitório. Um bedel vem descendo a escada com um revólver na mão. Pedro se esconde atrás de uma porta.

        O bedel vem rápido, passa.

        Empurra a corda para baixo do colchão, volta para o canavial. Jeremias foi levado para a cafua. Os bedéis agora juntam os meninos. Ranulfo e Campos foram em perseguição de Agostinho, que pulou a cerca na confusão da briga. O bedel Fausto, com um talho no ombro, foi para a enfermaria. O diretor está entre eles, os olhos fuzilando de raiva. Um bedel conta os meninos. Pergunta a Pedro Bala:

        – Onde estava metido?

        – Saí pra não me meter no barulho.

        O bedel o olha desconfiado, mas passa.

        Voltam Ranulfo e Campos com Agostinho. O fujão é surrado na vista de todos. Depois o diretor diz:

        – Metam-no na cafua.

        – Já está Jeremias – fala Ranulfo.

        – Ficam os dois. Assim podem conversar...

        Pedro Bala se arrepia. Como irão ficar dois na pequenez da cafua?

        Nesta noite a vigilância é grande, ele não tenta nada. Os meninos rangem os dentes de raiva.

        Duas noites depois, quando o bedel Fausto já tinha se recolhido há muito ao seu quarto de tabiques e quando todos dormiam, Pedro Bala se levantou, tirou a corda de sob o colchão. Sua cama ficava junto a uma janela. Abriu. Amarrou a corda num dos armadores de rede que existiam na parede. Deixou que a corda caísse pela janela.

        Era curta. Faltava ainda muito. Recolheu. Procurava fazer o menor barulho possível, mas assim mesmo um dos seus vizinhos de cama acordou:

        – Tu vai bater asa?

        Aquele não tinha boa fama. Costumava delatar. Por isso mesmo fora colocado ao lado de Pedro Bala. Bala puxou o punhal, mostrou a ele.

        – Olha, xereta, trata de dormir. Se tu piar, eu te abro a garganta, palavra de Pedro Bala. E se tu disser alguma coisa depois que eu sair... Tu já viu falar nos Capitães da Areia?

        – Já.

        – Pois eles me vinga.

        Põe o punhal ao alcance da mão. Recolhe completamente a corda, amarra o lençol na ponta com um daqueles nós que o Querido-de-Deus lhe ensinou. Ameaça mais uma vez o menino, joga a corda, passa o corpo pela janela, começa a descida. Ainda no meio ouve os gritos denunciadores do delator.

        [...].

AMADO, Jorge. Capitães de Areia. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009.

Fonte: Livro – Viva Português 2° – Ensino médio – Língua portuguesa – 1ª edição 1ª impressão – São Paulo – 2011. Ed. Ática. p. 16-8.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Arribar: partir sem dizer para onde.

·        Cafua: quarto escuro onde se prendiam os alunos castigados.

·        Tabique: parede fina, geralmente de madeira.

·        Tanger: acelerar de algum modo a marcha de uma pessoa ou de um animal.

02 – Descreva o espaço onde acontecem os fatos narrados.

      Trata-se de um reformatório onde há um refeitório, oficinas, campos de cultivo, dormitório e uma cafua. Sabemos que o dormitório não fica no térreo, pois Pedro precisa de corda e lençol para alcançar o chão.

03 – O comportamento de Pedro Bala durante o diálogo no refeitório e no momento da briga revela algumas de suas características. Quais?

      Pedro Bala é bastante esperto, tem senso de oportunidade, mas também é bastante desconfiado.

04 – O trecho foi interrompido num momento decisivo da narrativa. Que momento é esse? Que perguntas nos fazemos nesse momento?

      O momento em que Pedro Bala tenta uma fuga. Perguntamo-nos se ele vai conseguir, se os gritos do companheiro de quarto despertarão os bedéis a tempo de conseguirem impedir a fuga do garoto.

05 – Levante uma hipótese de desfecho para o capítulo.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Se deixa escorregar pela corda, salta ao chão. O pulo é grande, mas ela já salta correndo. Pula a cerca, após evitar os cachorros policiais que estão soltos. Desaba pela estrada. Tem alguns minutos de vantagem. O tempo dos bedéis se vestirem e saírem em sua perseguição e soltarem os cachorros também. Pedro Bala prede o punhal nos dentes, tira a roupa. Assim os cachorros não o conhecerão pelo faro. E nu, na madrugada fria, inicia a carreira para o sol, para a liberdade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário