quinta-feira, 14 de agosto de 2025

CRÔNICA: NA CONTRAMÃO DA HISTÓRIA - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

 Crônica: Na Contramão da História

              Moacyr Scliar

        Ao entrar na rodovia ficou surpreso em ver um carro vindo em sua direção – e aquela era uma pista de mão única. Acenou nervosamente para o motorista para que desviasse, e aí nova surpresa: o homem também lhe acenava, com o mesmo propósito. Passaram um ao lado do outro, de raspão. “Contramão!”, ele gritou indignado. O motorista do outro carro também gritou: “Contramão!”.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRcmU1jK0Rml9QbGqRmK6xpuamXW4k3TjCe0nYc5q4UQLrf5kjNrAVqFzTizpS0JsMomIeZtMSGEEEiRiNEzcQtWhHOKIcc1D7b1_pDsQ_3o7ORpdR8whqn2frNHu40MtUsE3LMtU1cSpR24K4vRxHqnl3vCN2axCx9AxsLg6-0nqsiZjurhQCLjDgn74/s320/ilus_contra_m-396780.jpg


        Ele mal se refizera do susto quando, de novo, avistou um veículo – um caminhão – igualmente em sentido contrário ao seu. E logo uma moto, uma van, e carros de passeio, e um ônibus – todos na contramão. Meu Deus, ele se perguntava, o que está acontecendo? Será que todo mundo enlouqueceu nesta rodovia, neste estado, neste país?

        A dúvida então lhe ocorreu: não seria ele o errado? Não estaria ele na contramão?

        Não. Ele não estava na contramão, disso tinha absoluta certeza. Conhecia bem aquela rodovia, era um caminho habitual para ele. Teria havido, sem que ele soubesse, uma inversão de pistas? Talvez, mas isso não lhe tirava a razão. Uma alteração tão significativa deveria ter sido previamente divulgada; e teria sido necessário colocar avisos na rodovia.

        Não. Ele estava certo, e continuaria em seu rumo, mesmo que todos os outros fizessem o contrário. Não seria a primeira vez na História que tal aconteceria. Afinal, Galileu Galilei tinha sido condenado pela Inquisição por dizer que a Terra girava em torno do Sol, quando todos afirmavam o contrário. Enfrentara corajosamente o julgamento, sem mudar de opinião. E ele não mudaria de pista. Continuaria dirigindo e fazendo sinais para os imprudentes até que todos se dessem conta da verdade.

        Não demorou muito e foi detido pela polícia. O que ele aceitou com resignação. A conspiração não era só dos motoristas, era das autoridades, dos seres humanos em geral. Um dia, porém, a Verdade apareceria naquela estrada. Avançando celeramente, e na mesma mão em que ele estava.

Moacyr Scliar. Folha de São Paulo.

Entendendo a crônica:

01 – Qual a situação inicial que causa surpresa e indignação ao protagonista da crônica?

      O protagonista fica surpreso e indignado ao ver um carro vindo em sua direção em uma rodovia de mão única, e mais ainda quando outros veículos, como caminhão, moto, van e ônibus, também aparecem no sentido contrário.

02 – Que dúvida surge na mente do protagonista diante do grande número de veículos na contramão?

      A dúvida que lhe ocorre é se não seria ele o errado, se não estaria ele mesmo na contramão, em vez de todos os outros motoristas.

03 – Com que figura histórica o protagonista se compara para justificar sua convicção de estar certo?

      Ele se compara a Galileu Galilei, que foi condenado pela Inquisição por defender que a Terra girava em torno do Sol, mesmo quando todos afirmavam o contrário. Ele usa essa comparação para reforçar sua decisão de não mudar de rumo.

04 – Como o protagonista interpreta sua detenção pela polícia no final da crônica?

      Ele aceita a detenção com resignação, interpretando-a como parte de uma conspiração não apenas dos motoristas, mas também das autoridades e dos seres humanos em geral.

05 – Qual é a principal mensagem ou reflexão que a crônica "Na Contramão da História" pretende transmitir?

      A crônica é uma alegoria sobre a teimosia, a convicção individual e a resistência contra a maioria, mesmo quando essa maioria parece estar equivocada. Ela explora a ideia de que, por vezes, a verdade pode parecer estar na "contramão" do que a maioria acredita ou pratica.

 

CRÔNICA: MINHA MÃE - NIKI DE SAINT PHALLE - COM GABARITO

 Crônica: Minha Mãe

               Niki de Saint Phalle

        Quando nasci, a 29 de outubro de 1930, em Paris, o cordão umbilical estava enrolado duas vezes em meu pescoço. Você me contou que o doutor me salvou deslizando a mão entre o cordão umbilical e meu pescoço. Senão eu teria nascido estrangulada.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHlisfOipJDqD8fEJ8QtcymdRlvho6D4tnQNPE_AoKKU-3jsxtrobUQa2I1o6X47VreCIrNJQq_PJCsDvNMzKBg7bkWCw22wyNcHv9ye1iMbb1li9PaStW6vHX0_bhYqcb5Cx6JuVKuZWwRXRxtqjuK4FZ9Kl0C0J_HdLAXtvHlTqGVRReBxUqlmjntYE/s320/capa-materia-signo-escorpiao.jpg


        Desde o princípio, o perigo esteve presente. Eu aprenderia a amar o perigo, o risco, a ação. Toda a vida eu seria torturada pela asma e por problemas respiratórios.

        Meu signo é Escorpião, com ascendente em Escorpião. Todo um programa para vencer obstáculos, para amar os obstáculos.

        Você me disse ainda que, em meu nascimento, você perdeu todo o dinheiro no craque da Bolsa de Nova Iorque. E, enquanto me esperava, descobriu a primeira infidelidade de meu pai. Eu trazia aborrecimentos.

        Eu tinha três meses quando fomos separadas. Você foi para Nova Iorque e me mandou para a casa de meus avós, em Nièvre. Lá passei meus primeiros três anos. Minha mãe, minha mãe, onde está você? Por que me deixou? Você nunca vai voltar? Tudo é minha culpa. Cada mulher se transforma em Você, Mamãe, Mamãe. Eu não preciso de você. Saberei viver sem você.

        Sua péssima opinião sobre mim, minha mãe, foi extremamente dolorosa e útil. Aprendi a só contar comigo. A opinião dos outros não me importava. Isso me deu imensa liberdade. A liberdade de ser eu mesma. Eu rejeitaria seu sistema de valores e inventaria o meu. Muito cedo, decidi tornar-me uma heroína. Quem eu seria? George Sand, Joana D'Arc? Napoleão de saias? Com quinze anos, ganhei o prêmio de poesias. Quem sabe eu escreveria?

        O que quer que eu fizesse no futuro, queria que fosse difícil, excitante, grandioso.

        Eu não me pareceria com você, minha mãe. Você aceitou o que lhe tinha sido transmitido por seus pais: a religião, os papéis masculino e feminino, as ideias sobre a sociedade e a segurança.

        Eu passaria minha vida questionando. Ficaria apaixonada pelo ponto de interrogação. Por você conquistei o mundo. Você era quem me faltava. Sou uma lutadora. O que teria feito de uma mãe me afogando de amor? Quando eu tinha vinte e cinco anos e vivia com Harry Mathews, algumas vezes você me visitava em meu atelier. Você escondia os olhos com as mãos, sobretudo para não ver minhas horríveis pinturas... Deus, como era estimulante!

        Você detestava o Harry. Um dia, viu-o passar o aspirador no apartamento e pensou que ele me roubava o papel de mulher. Você não podia compreender.

        Você era muito linda, minha mãe. Sua beleza e seu charme (quando queria usá-los) eram mágicos.

        Você poderia ter sido uma grande atriz, minha mãe. Como era teatral!

        Lembre-se da primeira vez que lhe apresentei Jean Tinguely. Nós nos encontramos no Coupole para almoçar. Você fechou seus olhos magníficos e disse tragicamente: "Não posso comer com o amante de minha filha... Por que você não pode ficar com o seu marido e ter um amante em segredo como todo mundo?".

        Isso divertiu muitíssimo Jean, mas eu deixei a mesa, furiosa. A partir desse momento, a cada vez que via Jean, ele flertava com você e você adorava isso. Você nunca foi a grande santa que pretendia ser. Lembro-me muito bem de seus amantes, quando eu era adolescente. Havia um ruivo, jornalista, sedutor, que eu odiava com todas as minhas forças.

        Para você, tudo deveria ficar escondido.

        Quanto a mim, eu me mostraria. Mostraria tudo. Meu coração, minhas emoções. Verde-vermelho-amarelo-azul-violeta. Ódio, amor, riso, medo, ternura.

        Gostaria que você ainda estivesse aqui, minha mãe. Gostaria de tomá-la pelas mãos e lhe mostrar o Jardim do Tarô. Bem que você poderia não ter mais uma opinião tão negativa sobre mim. Quem sabe?

        Minha mãe, obrigada. Que vida tediosa eu teria tido sem você. Sinto saudades.

Niki de Saint Phalle. Catálogo da Exposição de Niki de Saint Phalle, São Paulo, Pinacoteca, 1997.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP – São Paulo – 2005. p. 228-229.

Entendendo a crônica:

01 – Qual evento no nascimento da autora prefigura sua personalidade e os desafios que enfrentaria?

      O cordão umbilical enrolado duas vezes em seu pescoço ao nascer, quase a estrangulando, prefigura que o perigo esteve presente desde o início, e que ela aprenderia a "amar o perigo, o risco, a ação", além de ser torturada por problemas respiratórios.

02 – Como a separação precoce da mãe e a "péssima opinião" dela sobre a autora impactaram seu desenvolvimento?

      A separação e a opinião negativa da mãe foram, ironicamente, "extremamente dolorosas e úteis". Elas a fizeram aprender a contar apenas consigo mesma, a não se importar com a opinião alheia, o que lhe deu "imensa liberdade" para ser quem era e inventar seu próprio sistema de valores, decidindo muito cedo tornar-se uma "heroína".

03 – Quais são as principais diferenças que a autora destaca entre sua personalidade e a de sua mãe?

      A autora se descreve como alguém que questionaria tudo, apaixonada pelo "ponto de interrogação", uma "lutadora" que "mostraria tudo" (emoções, cores). Sua mãe, por outro lado, é descrita como alguém que aceitou os valores tradicionais (religião, papéis de gênero, ideias sobre sociedade e segurança) e preferia manter as coisas "escondidas".

04 – Como a mãe de Niki de Saint Phalle reagiu às pinturas da filha e ao relacionamento dela com Harry Mathews?

      A mãe detestava as pinturas da filha, chegando a esconder os olhos para não vê-las, o que a autora achava "estimulante". Em relação a Harry Mathews, a mãe o detestava por vê-lo passar o aspirador, interpretando que ele "roubava o papel de mulher" da filha, sem conseguir compreender a dinâmica do casal.

05 – Apesar das tensões e das diferenças, qual é a atitude final de Niki de Saint Phalle em relação à sua mãe, expressa no último parágrafo?

      Apesar de todas as dificuldades e desaprovações, a atitude final de Niki de Saint Phalle é de gratidão e saudade. Ela reconhece a influência da mãe em sua vida, afirmando que teria tido uma "vida tediosa" sem ela, e expressa o desejo de que a mãe ainda estivesse presente para ver seu trabalho e talvez mudar sua opinião negativa.

 

CRÔNICA: MEMÓRIA DO LIVROS - JOÃO UBALDO RIBEIRO - COM GABARITO

 Crônica: Memória de Livros

              João Ubaldo Ribeiro

        Aracaju, a cidade onde nós morávamos no fim da década de 40, começo da de 50, era a orgulhosa capital de Sergipe, o menor Estado brasileiro (mais ou menos do tamanho da Suíça). Essa distinção, contudo, não lhe tirava o caráter de cidade pequena, provinciana e calma, à boca de um rio e a pouca distância de praias muito bonitas. Sabíamos do mundo pelo rádio, pelos cinejornais que acompanhavam todos os filmes e pelas revistas nacionais. A televisão era tida por muitos como mentira de viajantes, só alguns loucos andavam de avião, comprávamos galinhas vivas e verduras trazidas à nossa porta nas costas de mulas, tínhamos grandes quintais e jardins, meninos não discutiam com adultos, mulheres não usavam calças compridas nem dirigiam automóveis e vivíamos tão longe de tudo que se dizia que, quando o mundo acabasse, só íamos saber uns cinco dias depois.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgv7-kb8Z4nDYXVSQnHnSvOqtictbxQ7wC5T5mSkvYLo01JFRDjAp59k2W3BsSEOMf00drccGSm78W7Iq1hxTSfXoHH5IZ2qcGoMpM1sh6hQrCkJYgnIVTAwmlGO9-BqOoaU-N0sEsiQW4n7lded6E1i7gP4FAwnJshx9ReB2SvctNCfpQgxSBY7HRdYPE/s1600/images.jpg


        Mas vivíamos bem. Morávamos sempre em casarões enormes, de grandes portas, varandas e tetos altíssimos, e meu pai, que sempre gostou das últimas novidades tecnológicas, trazia para casa quanto era tipo de geringonça moderna que aparecia. Fomos a primeira família da vizinhança a ter uma geladeira e recebemos visitas para examinar o impressionante armário branco que esfriava tudo. Quando surgiram os primeiros discos long-play, já tínhamos a vitrola apropriada e meu pai comprava montanhas de gravações dos clássicos, que ele próprio se recusava a ouvir, mas nos obrigava a escutar e comentar.

        Nada, porém, era como os livros. Toda a família sempre foi obcecada por livros e às vezes ainda arma brigas ferozes por causa de livros, entre acusações mútuas de furto ou apropriação indébita. Meu avô furtava livros de meu pai, meu pai furtava livros de meu avô, eu furtava livros de meu pai e minha irmã até hoje furta livros de todos nós. A maior casa onde moramos, mais ou menos a partir da época em que aprendi a ler, tinha uma sala reservada para a biblioteca e gabinete de meu pai, mas os livros não cabiam nela — na verdade, mal cabiam na casa. E, embora os interesses básicos dele fossem Direito e História, os livros eram sobre todos os assuntos e de todos os tipos. Até mesmo ciências ocultas, assunto que fascinava meu pai e fazia com que ele às vezes se trancasse na companhia de uns desenhos esotéricos, para depois sair e dirigir olhares magnéticos aos circunstantes, só que ninguém ligava e ele desistia temporariamente.

        Havia uns livros sobre hipnotismo e, depois de ler um deles, hipnotizei um peru que nos tinha sido dado para um Natal e que, como jamais ninguém lembrou de assá-lo, passou a residir no quintal e, não sei por que, era conhecido como Lúcio. Minha mãe se impressionou porque, assim que comecei meus passes hipnóticos, Lúcio estacou, pareceu engolir em seco e ficou paralisado, mas meu pai — talvez porque ele próprio nunca tenha conseguido hipnotizar nada, apesar de inúmeras tentativas — declarou que aquilo não tinha nada com hipnotismo, era porque Lúcio era na verdade uma perua e tinha pensado que eu era o peru. Não sei bem dizer como aprendi a ler. A circulação entre os livros era livre (tinha que ser, pensando bem, porque eles estavam pela casa toda, inclusive na cozinha e no banheiro), de maneira que eu convivia com eles todas as horas do dia, a ponto de passar tempos enormes com um deles aberto no colo, fingindo que estava lendo e, na verdade, se não me trai a vã memória, de certa forma lendo, porque quando havia figuras, eu inventava as histórias que elas ilustravam e, ao olhar para as letras, tinha a sensação de que entendia nelas o que inventara. Segundo a crônica familiar, meu pai interpretava aquilo como uma grande sede de saber cruelmente insatisfeita e queria que eu aprendesse a ler já aos quatros anos, sendo demovido a muito custo, por uma pedagoga amiga nossa. Mas, depois que completei seis anos, ele não aguentou, fez um discurso dizendo que eu já conhecia todas as letras e agora era só uma questão de juntá-las e, além de tudo, ele não suportava mais ter um filho analfabeto. Em seguida, mandou que eu vestisse uma roupa de sair, foi comigo a uma livraria, comprou uma cartilha, uma tabuada e um caderno e me levou à casa de D. Gilete.

        — D. Gilete — disse ele, apresentando-me a uma senhora de cabelos presos na nuca, óculos redondos e ar severo —, este rapaz já está um homem e ainda não sabe ler. Aplique as regras.

        "Aplicar as regras", soube eu muito depois, com um susto retardado, significava, entre outras coisas, usar a palmatória para vencer qualquer manifestação de falta de empenho ou burrice por parte do aluno. Felizmente D. Gilete nunca precisou me aplicar as regras, mesmo porque eu de fato já conhecia a maior parte das letras e juntá-las me pareceu facílimo, de maneira que, quando voltei para casa nesse mesmo dia, já estava começando a poder ler. Fui a uma das estantes do corredor para selecionar um daqueles livrões com retratos de homens carrancudos e cenas de batalhas, mas meu pai apareceu subitamente à porta do gabinete, carregando uma pilha de mais de vinte livros infantis.

        — Esses daí agora não — disse ele. — Primeiro estes, para treinar. Estas livrarias daqui são umas porcarias, só achei estes. Mas já encomendei mais, esses daí devem durar uns dias. Duraram bem pouco, sim, porque de repente o mundo mudou e aquelas paredes cobertas de livros começaram a se tornar vivas, frequentadas por um número estonteante de maravilhas, escritas de todos os jeitos e capazes de me transportar a todos os cantos do mundo e a todos os tipos de vida possíveis. Um pouco febril às vezes, chegava a ler dois ou três livros num só dia, sem querer dormir e sem querer comer porque não me deixavam ler à mesa — e, pela primeira vez em muitas, minha mãe disse a meu pai que eu estava maluco, preocupação que até hoje volta e meia ela manifesta.

        — Seu filho está doido — disse ela, de noite, na varanda, sem saber que eu estava escutando.

        — Ele não larga os livros. Hoje ele estava abrindo os livros daquela estante que vai cair para cheirar.

        — Que é que tem isso? É normal, eu também cheiro muito os livros daquela estante. São livros velhos, alguns têm um cheiro ótimo.

        — Ele ontem passou a tarde inteira lendo um dicionário.

        — Normalíssimo. Eu também leio dicionários, distrai muito. Que dicionário ele estava lendo?

        — O Lello.

        — Ah, isso é que não pode. Ele tem que ler o Laudelino Freire, que é muito melhor. Eu vou ter uma conversa com esse rapaz, ele não entende nada de dicionários. Ele está cheirando os livros certos, mas lendo o dicionário errado, precisa de orientação.

        Sim, tínhamos muitas conversas sobre livros. Durante toda a minha infância, havia dois tipos básicos de leitura lá em casa: a compulsória e a livre, esta última dividida em dois subtipos — a livre propriamente dita e a incerta. A compulsória variava conforme a disposição de meu pai. Havia a leitura em voz alta de poemas, trechos de peças de teatro e discursos clássicos, em que nossa dicção e entonação eram invariavelmente descritas como o pior desgosto que ele tinha na vida. Líamos Homero, Camões, Horácio, Jorge de Lima, Sófocles, Shakespeare, Euclides da Cunha, dezenas de outros. Muitas vezes não entendíamos nada do que líamos, mas gostávamos daquelas palavras sonoras, daqueles conflitos estranhos entre gente de nomes exóticos, e da expressão comovida de minha mãe, com pena de Antígona e torcendo por Heitor na Ilíada. Depois de cada leitura, meu pai fazia sua palestra de rotina sobre nossa ignorância e, andando para cima e para baixo de pijama na varanda, dava uma aula grandiloquente sobre o assunto da leitura, ou sobre o autor do texto, aula esta a que os vizinhos muitas vezes vinham assistir. Também tínhamos os resumos — escritos ou orais — das leituras, as cópias (começadas quando ele, com grande escândalo, descobriu que eu não entendia direito o ponto-e-vírgula e me obrigou a copiar sermões do Padre Antônio Vieira, para aprender a usar o ponto-e-vírgula) e os trechos a decorar. No que certamente é um mistério para os psicanalistas, até hoje não só os sermões de Vieira como muitos desses autores forçados pela goela abaixo estão entre minhas leituras favoritas. (Em compensação, continuo ruim de ponto-e-vírgula).

        Mas o bom mesmo era a leitura livre, inclusive porque oferecia seus perigos. Meu pai usava uma técnica maquiavélica para me convencer a me interessar por certas leituras. A circulação entre os livros permanecia absolutamente livre, mas, de vez em quando, ele brandia um volume no ar e anunciava com veemência:

        — Este não pode! Está proibido! Arranco as orelhas do primeiro que chegar perto deste daqui!

        O problema era que não só ele deixava o livro proibido bem à vista, no mesmo lugar de onde o tirara subitamente, como às vezes a proibição era para valer. A incerteza era inevitável e então tínhamos momentos de suspense arrasador (meu pai nunca arrancou as orelhas de ninguém, mas todo mundo achava que, se fosse por uma questão de princípios, ele arrancaria), nos quais lemos Nossa vida sexual do Dr. Fritz Kahn, Romeu e Julieta; O livro de San Michèle, Crônica escandalosa dos doze Césares, Salambô, O crime do Padre Amaro — enfim, dezenas de títulos de uma coleção estapafúrdia, cujo único ponto em comum era o medo de passarmos o resto da vida sem orelhas — e hoje penso que li tudo o que ele queria disfarçadamente que eu lesse, embora à custa de sobressaltos e suores frios.

        Na área proibida, não pode deixar de ser feita uma menção aos pais de meu pai, meus avós João e Amália. João era português, leitor anticlerical de Guerra Junqueiro e não levava o filho muito a sério intelectualmente, porque os livros que meu pai escrevia eram finos e não ficavam em pé sozinhos. "Isto é merda", dizia ele, sopesando com desdém uma das monografias jurídicas de meu pai. "Estas tripinhas que não se sustentam em pé não são livros, são uns folhetos". Já minha avó tinha mais respeito pela produção de meu pai, mas achava que, de tanto estudar altas ciências, ele havia ficado um pouco abobalhado, não entendia nada da vida. Isto foi muito bom para a expansão dos meus horizontes culturais, porque ela não só lia como deixava que eu lesse tudo o que ele não deixava, inclusive revistas policiais oficialmente proibidas para menores. Nas férias escolares, ela ia me buscar para que eu as passasse com ela, e meu pai ficava preocupado.

        — D. Amália — dizia ele, tratando-a com cerimônia na esperança de que ela se imbuísse da necessidade de atendê-lo —, o menino vai com a senhora, mas sob uma condição. A senhora não vai deixar que ele fique o dia inteiro deitado, cercado de bolachinhas e docinhos e lendo essas coisas que a senhora lê.

        — Senhor doutor — respondia minha avó —, sou avó deste menino e tua mãe. Se te criei mal, Deus me perdoe, foi a inexperiência da juventude. Mas este cá ainda pode ser salvo e não vou deixar que tuas maluquices o infelicitem. Levo o menino sem condição nenhuma e, se insistes, digo-te muito bem o que podes fazer com tuas condições e vê lá se não me respondes, que hoje acordei com a ciática e não vejo a hora de deitar a sombrinha ao lombo de um que se atreva a chatear-me. Passar bem, Senhor doutor.

        E assim eu ia para a casa de minha avó Amália, onde ela comentava mais uma vez com meu avô como o filho estudara demais e ficara abestalhado para a vida, e meu avô, que queria que ela saísse para poder beber em paz a cerveja que o médico proibira, tirava um bolo de dinheiro do bolso e nos mandava comprar umas coisitas de ler — Amália tinha razão, se o menino queria ler que lesse, não havia mal nas leituras, havia em certos leitores. E então saíamos gloriosamente, minha avó e eu, para a maior banca de revistas da cidade, que ficava num parque perto da casa dela e cujo dono já estava acostumado àquela dupla excêntrica. Nós íamos chegando e ele perguntava:

        — Uma de cada?

        — Uma de cada — confirmava minha avó, passando a superintender, com os olhos brilhando, a colheita de um exemplar de cada revista, proibida ou não-proibida, que ia formar uma montanha colorida deslumbrante, num carrinho de mão que talvez o homem tivesse comprado para atender a fregueses como nós.

        — Mande levar. E agora aos livros!

        Depois da banca, naturalmente, vinham os livros. Ela acompanhava certas coleções, histórias de Raffles, o ladrão de casaca, Ponson du Terrail, Sir Walter Scott, Edgar Wallace, Michel Zevaco, Emil Salgari, os Dumas e mais uma porção de outros, em edições de sobrecapas extravagantemente coloridas que me deixavam quase sem fôlego. Na livraria, ela não só se servia dos últimos lançamentos de seus favoritos, como se dirigia imperiosamente à seção de literatura para jovens e escolhia livros para mim, geralmente sem ouvir minha opinião — e foi assim que li Karl May, Edgar Rice Burroughs, Robert Louis Stevenson, Swift e tantos mais, num sofá enorme, soterrado por revistas, livros e latas de docinhos e bolachinhas, sem querer fazer mais nada, absolutamente nada, neste mundo encantado. De vez em quando, minha avó e eu mantínhamos tertúlias literárias na sala, comentando nossos vilões favoritos e nosso herói predileto, o Conde de Monte Cristo — Edmond de Nantès! como dizia ela, fremindo num gesto dramático. E meu avô, bebendo cerveja escondido lá dentro, dizia "ai, ai, esses dois se acham letrados, mas nunca leram o Guerra Junqueiro".

        De volta à casa de meus pais, depois das férias, o problema das leituras compulsórias às vezes se agravava, porque meu pai, na certeza (embora nunca desse ousadia de me perguntar), de que minha avó me tinha dado para ler tudo o que ele proibia, entrava numa programação delirante, destinada a limpar os efeitos deletérios das revistas policiais. Sei que parece mentira e não me aborreço com quem não acreditar (quem conheceu meu pai acredita), mas a verdade é que, aos doze anos, eu já tinha lido, com efeitos às vezes surpreendentes, a maior parte da obra traduzida de Shakespeare, O elogio da loucura, As décadas de Tito Lívio, D. Quixote (uma das ilustrações de Gustave Doré, mostrando monstros e personagens saindo dos livros de cavalaria do fidalgo me fez mal, porque eu passei a ver as mesmas coisas saindo dos livros da casa), adaptações especiais do Fausto e da Divina comédia, a Ilíada, a Odisséia, vários ensaios de Montaigne, Poe, Alexandre Herculano, José de Alencar, Machado de Assis, Monteiro Lobato, Dickens, Dostoievski, Suetônio, os Exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola e mais não sei quantos outros clássicos, muitos deles resumidos, discutidos ou simplesmente lembrados em conversas inflamadas, dos quais nunca me esqueço e a maior parte dos quais faz parte íntima de minha vida.

        Fico pensando nisso e me pergunto: não estou imaginando coisas, tudo isso poderia ter realmente acontecido? Terei tido uma infância normal? Acho que sim, também joguei bola, tomei banho nu no rio, subi em árvores e acreditei em Papai Noel. Os livros eram brincadeira como outra qualquer, embora certamente a melhor de todas. Quando tenho saudades da infância, as saudades são daquele universo que nunca volta, dos meus olhos de criança vendo tanto que se entonteciam, dos cheiros dos livros velhos, da navegação infinita pela palavra, de meu pai, de meus avós, do velho casarão mágico de Aracaju.

Extraído de: Um brasileiro em Berlim. Editora Nova Fronteira, 1995.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 70-74.

Entendendo a crônica:

01 – Como o narrador descreve Aracaju no final da década de 40 e começo da de 50?

      Aracaju é descrita como a orgulhosa capital de Sergipe, o menor estado brasileiro, mas com o caráter de cidade pequena, provinciana e calma, localizada à boca de um rio e perto de praias bonitas. O narrador enfatiza que o mundo era conhecido principalmente pelo rádio, cinejornais e revistas nacionais, com a televisão sendo vista com ceticismo e a vida sendo muito menos acelerada.

02 – O que diferenciava a família do narrador em termos de novidades tecnológicas?

      A família do narrador estava sempre à frente em termos de tecnologia. Eles foram a primeira família da vizinhança a ter uma geladeira e possuíam a vitrola apropriada para os primeiros discos long-play, mesmo que o pai não ouvisse os clássicos que comprava para os filhos.

03 – Qual era a grande paixão e causa de "brigas ferozes" na família do narrador?

      A grande paixão e causa de brigas na família era a obsessão por livros. Membros da família "furtavam" livros uns dos outros, incluindo avô, pai, narrador e irmã, em um ciclo contínuo de apropriação indébita de volumes.

04 – Descreva a organização e a quantidade de livros na casa do narrador.

      A maior casa onde moraram tinha uma sala reservada para a biblioteca e o gabinete do pai, mas os livros não cabiam nela, mal cabiam na casa. Eles estavam espalhados por todos os cômodos, inclusive na cozinha e no banheiro, cobrindo todos os assuntos, desde Direito e História até ciências ocultas.

05 – Qual foi a experiência do narrador com o hipnotismo e como seu pai reagiu a isso?

      Após ler um livro sobre hipnotismo, o narrador hipnotizou um peru chamado Lúcio que morava no quintal. Sua mãe ficou impressionada com a paralisia do peru, mas seu pai, que nunca havia conseguido hipnotizar nada, declarou que não era hipnotismo, e sim que Lúcio, sendo uma perua, pensou que o narrador era um peru.

06 – Como o narrador aprendeu a ler e qual a intervenção de seu pai nesse processo?

      O narrador convivia com os livros o tempo todo, fingindo ler e inventando histórias a partir das figuras. Aos seis anos, seu pai, cansado de ter um "filho analfabeto", levou-o a uma livraria para comprar material de estudo e o encaminhou a Dona Gilete, uma professora com fama de "aplicar as regras" (usar a palmatória). Felizmente, o narrador achou fácil juntar as letras e começou a ler rapidamente.

07 – Quais eram os dois tipos básicos de leitura praticados na casa do narrador durante sua infância?

      Havia a leitura compulsória e a leitura livre. A leitura livre era subdividida em "livre propriamente dita" e "incerta".

08 – Explique a "técnica maquiavélica" que o pai usava para incentivar certas leituras no filho.

      O pai usava uma técnica de proibição estratégica. Ele brandia um livro no ar, declarava-o proibido ("Este não pode! Está proibido! Arranco as orelhas do primeiro que chegar perto deste daqui!") e o deixava à vista, sabendo que a proibição despertaria a curiosidade do filho e o levaria a ler o livro, muitas vezes à custa de "sobressaltos e suores frios".

09 – Qual era a visão dos avós paternos do narrador sobre o conhecimento e os livros?

      O avô João, português e leitor anticlerical, não levava a sério os livros finos do pai do narrador, chamando-os de "folhetos". Já a avó Amália, embora respeitasse a produção do filho, achava que ele havia ficado "abobalhado" por tanto estudar. Ela, por outro lado, deixava o narrador ler tudo o que o pai proibia, incluindo revistas policiais, e o levava para comprar "uma de cada" revista e muitos livros.

10 – Como o narrador resume sua infância e qual o seu sentimento de saudade?

      O narrador reflete que teve uma infância normal, brincando de bola, nadando no rio e subindo em árvores, e que os livros eram a "melhor de todas" as brincadeiras. Sua saudade da infância é do universo que nunca volta, dos cheiros dos livros velhos, da navegação infinita pela palavra, e das lembranças de seus pais, avós e do "velho casarão mágico de Aracaju".

 

 

CRÔNICA: MÃE - FRAGMENTO - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Crônica: Mãe – Fragmento

              Rubem Braga

        [...] 

        Depois de fingir três vezes não ouvir seu nome gritado pelo pai, o garoto saiu do mar resmungando, mas logo voltou a se interessar pela alegria da vida, batendo bola com o amigo. Então a Mãe começou a folhear a revista mundana — “que vestido horroroso o da Marieta neste coquetel” — “que presente de casamento vamos dar à Lúcia? tem de ser uma coisa boa” — e outros pequenos assuntos sociais foram aflorados numa conversa preguiçosa. Mas de repente:

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZPxQbRhL19lo4m8W4fVo9pJCJ9pIMwa2SRfKuiW_J0Nd1BJrJhT6e0bnDroQgF_rRy8it2PsJh7cHSMQKuBqDTjPU6-wjwt7H4ZX9JqKXol7kKPg8EcPr-ALZ718XFjypRaVhLdPgMEAIX6-s8SFQ1sU_RpyJNFX-0Mrv8vjKan6fWuIn6cPBK3ypslg/s320/mae(1).png

        — Cadê Joãozinho?

        O outro menino, interpelado, informou que Joãozinho tinha ido em casa apanhar uma bola maior.

        — Meu Deus, esse menino atravessando a rua sozinho! Vai lá, João, para atravessar com ele, pelo menos na volta!

        O pai (fica em minúscula; o Dia é da Mãe) achou que não era preciso:

        — O menino tem OITO anos, Maria!

        — OITO anos, não, oito anos, uma criança. Se todo dia morre gente grande atropelada, que dirá um menino distraído como esse!

        [...]

Rubem Braga. A cidade e a roça. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964. p. 57. (Fragmento).

Fonte: Língua Portuguesa: Singular & Plural. Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar e Shirley Goulart – 6º ano – Moderna. 2ª edição, São Paulo, 2015. p. 284.

Entendendo a crônica:

01 – Como o garoto, Joãozinho, reage quando o pai o chama para sair do mar?

      Joãozinho fingiu não ouvir o pai três vezes antes de sair do mar, resmungando, mas logo em seguida se interessou novamente por brincar de bola com o amigo.

02 – O que a mãe estava fazendo e sobre o que ela conversava antes de notar a ausência do filho?

      A mãe estava folheando uma revista mundana e conversava sobre "que vestido horroroso o da Marieta" e "que presente de casamento vamos dar à Lúcia?", entre outros pequenos assuntos sociais.

03 – Qual foi a pergunta que a mãe fez de repente, indicando sua preocupação?

      A pergunta que a mãe fez de repente foi: "Cadê Joãozinho?"

04 – Onde o amigo de Joãozinho informou que ele havia ido?

      O amigo de Joãozinho informou que ele havia ido em casa apanhar uma bola maior.

05 – Qual foi o argumento da mãe para a preocupação com Joãozinho atravessando a rua, e como o pai reagiu a isso?

      A mãe argumentou que, apesar de Joãozinho ter oito anos, ele era uma criança e que, se adultos morrem atropelados, o que dirá um menino distraído. O pai, por sua vez, achou que não era necessário se preocupar tanto, destacando que o menino tinha "OITO anos".

 

CRÔNICA: CONCERTOS DE LEITURA - RUBEM ALVES - COM GABARITO

 Crônica: Concertos de leitura

              Rubem Alves

        Penso que, de tudo o que as escolas podem fazer com as crianças e os jovens, não há nada de importância maior que o ensino do prazer da leitura. Todos falam na importância de alfabetizar, saber transformar símbolos gráficos em palavras. Concordo. Mas isso não basta. É preciso que o ato de ler dê prazer. As escolas produzem, anualmente, milhares de pessoas com habilidade de ler mas que, vida afora, não vão ler um livro sequer. Acredito piamente no dito do evangelho: "No princípio está a Palavra…". É pela palavra que se entra no mundo humano.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMSlvV9j6v37FzgAd7pIQEqvAEx6PaoYHph1dq7hC0_CbRh1zQKaxTiwf5o5yn6oOyvh7gzDsZywK4GrAvqHaxe_Lih7FLm16nFUeN8KsU9jUBaAyWGF2jC_VNN6WN8db500f544m8egwGdLnVvWnVCtZD-iUIn7tfn1c2unkVxP1BkdviZqZHK1vqduI/s320/20240320_GCR_9a_Semana_Senac_de_Leitura_v2_pecas_digitais_portal-1920x700.png


        Tive a felicidade de aprender, muito cedo, a amar os livros. Lembro-me com enorme carinho do O livro de Lili, primeiro livro que li. "Olhem para mim. Eu me chamo Lili. Eu comi muito doce. Vocês gostam de doce? Eu gosto tanto de doce." Nunca me esqueci dessa primeira lição. Ficou gravada tão fundo dentro de mim que, faz uns meses, ao escrever o livro infantil A menina, a gaiola e a bicicleta a história me foi ditada (poesia e literatura são sempre ditadas; elas vêm de outro mundo) com ritmo preciso da primeira lição de O livro de Lili.

        O segundo livro foi minha grande aventura, voo solo, sozinho, no mundo das letras: A loja de brinquedos. Era fantástica a experiência de sozinho, ir andando pela floresta de letras e vendo um mundo. Quem não lê é cego. Só vê o que os olhos veem. Quem lê, ao contrário, tem muitos milhares de olhos: todos os olhos daqueles que escreveram. A leitura me deu alegria, mas a história me deu tristeza. Tanto assim que, 55 anos depois, eu escrevi um outro, A loja de brinquedos, para corrigir a tristeza do primeiro.

        Aprendi a ler. Mas isso não bastava. Faltava-me o domínio da técnica que faz da leitura algo suave como o voo de um urubu ou deslizante como um patim no gelo. Foi dona Iva — não sei se ela ainda vive — quem me ensinou que ler pode ser delicioso como voar ou como patinar. Ela lia para nós. Não era para aprender nada. Não havia provas sobre os livros lidos. Ela lia para que tivéssemos o prazer dos livros. Era pura alegria. Poliana, Heidi, Viagem ao céu, O saci. Ninguém faltava, ninguém piscava. A voz de dona Iva nos introduziu num mundo encantado. O tempo passava rápido demais. Era com tristeza que víamos a professora fechar o livro.

        A gente era pobre. Distrações não havia. Os jovens de hoje se sentem miseráveis se não podem viajar nas férias. Eu nunca viajei. Viagem, na melhor das possibilidades, era para a casa de algum parente. A gente ficava era em casa mesmo, com um tempo preguiçoso e vazio à nossa frente. Que fazer com o tempo? Meu pai entrou de sócio para um "clube do livro". Todo mês chegava um livro novo. Eram uns livros feios — brochuras de papel jornal, as páginas vinham grudadas — que a gente tinha que ir abrindo com uma faca à medida que lia. Isso me irritava porque interrompia o ritmo da leitura. Como eu não tinha outra coisa para fazer e desejando ter os poderes da professora, tornei-me um devorador de livros. Os livros do clube do livro eram literatura adulta. Mas para mim não fazia diferença. Ler um livro que eu não entendia era como viajar por uma terra cuja língua me era desconhecida: perdia muita coisa, mas, nos intervalos das incompreensões, havia os cenários. Tudo me espantava.

        As razões por que as pessoas não gostam de ler, eu as descobri acidentalmente muitos anos atrás. Uma aluna foi à minha sala e me disse: "Encontrei um poema lindo!". Em seguida disse a primeira linha. Fiquei contente porque era um de meus favoritos. Aí ela resolveu lê-lo inteiro. Foi o horror. Foi nesse momento que compreendi. Imagine uma valsa de Chopin, por exemplo a vulgarmente chamada "do minuto". Peço que o pianista Alexander Brailowiski a execute. Os dedos correm rápidos sobre as teclas, deslizando, subindo, descendo. É uma brincadeira, um riso. Aí eu pego a mesma partitura e peço que um pianeiro a execute. As notas são as mesmas. Mas a valsa fica um horror: tropeções, notas erradas, arritmias, confusões. O que a gente deseja é que ele pare.

        Pois a leitura é igual à música. Para que a leitura dê prazer é preciso que quem lê domine a técnica de ler. A leitura não dá prazer quando o leitor é igual ao pianeiro: sabem juntar as letras, dizer o que significam — mas não têm o domínio da técnica. O pianista dominou a técnica do piano quando não precisa pensar nos dedos e nas notas: ele só pensa na música. O leitor dominou a técnica da leitura quando não precisa pensar em letras e palavras: só pensa nos mundos que saem delas; quando ler é o mesmo que viajar.

        E o feitiço da leitura continua me espantando. Faz uns anos um amigo rico me convidou para passar uns dias no apartamento dele em Cabo Frio. Aceitei alegre, mas ele logo me advertiu: "Vão também cinco adolescentes…". Senti um calafrio. E tratei de me precaver. Fui a uma casa de armas, isto é, uma livraria, escolhi uma arma adequada, uma versão simplificada da Odisseia, de Homero, comprei-a e viajei, pronto para o combate. Primeiro dia, praia, almoço, modorra, sesta. Depois da sesta, aquela situação de não saber o que fazer. Foi então que eu, valendo-me do fato de que eles não me conheciam, e falando com a autoridade de um sargento, disse: "Ei, vocês aí. Venham até a sala que eu quero lhes mostrar uma coisa!". Eles obedeceram sem protestar. Aí, comecei a leitura. Não demorou muito. Todos eles estavam em transe. Daí para a frente foi aquela delícia, eles atrás de mim pedindo que continuasse a leitura.

        Ensina-se, nas escolas, muita coisa que a gente nunca vai usar, depois, na vida inteira. Fui obrigado a aprender muita coisa que não era necessária, que eu poderia ter aprendido depois, quando e se a ocasião e sua necessidade o exigisse. É como ensinar a arte de velejar a quem mora no alto das montanhas… Nunca usei seno ou logaritmo, nunca tive oportunidade de usar meus conhecimentos sobre as causas da Guerra dos Cem Anos, nunca tive de empregar os saberes da genética para determinar a prole resultante do cruzamento de coelhos brancos com coelhos pretos, nunca houve ocasião que eu me valesse dos saberes sobre sulfetos. Mas aquela experiência infantil, a professora nos lendo literatura, isso mudou minha vida. Ao ler — acho que ela nem sabia disso — ela estava me dando a chave de abrir o mundo.

        Há concertos de música. Por que não concertos de leitura? Imagino uma situação impensável: o adolescente se prepara para sair com a namorada, e a mãe lhe pergunta: "Aonde é que você vai?". E ele responde: "Vou a um concerto de leitura. Hoje, no teatro, vai ser lido o conto A terceira margem do rio, de Guimarães Rosa. Por que é que você não vai também com o pai?". Aí, pai e mãe, envergonhados, desligam o Jornal Nacional e vão se aprontar…

Extraído de: Entre a ciência e a sapiência - o dilema da educação, São Paulo, Editorial Loyola, 1996. Companhia das Letras, 1998. Edições Loyola, 1994. Ediouro, s.d. Outlet Books, 1996 Monteiro Lobato, Brasiliense, 1995. Idem.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 232-233.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é a principal importância do ensino da leitura para o autor, Rubem Alves?

      Para Rubem Alves, a maior importância é o ensino do prazer da leitura, pois, segundo ele, não basta apenas alfabetizar (transformar símbolos gráficos em palavras) se o ato de ler não proporcionar alegria e prazer.

02 – Quais foram os dois primeiros livros que marcaram a infância do autor e como ele os descreve?

      Os dois primeiros livros que marcaram sua infância foram "O livro de Lili", que ele lembra com carinho e que ditou o ritmo para um de seus livros infantis, e "A loja de brinquedos", que ele descreve como sua grande aventura no mundo das letras e que, apesar de lhe dar tristeza na época, o levou a reescrevê-lo 55 anos depois para corrigir essa sensação.

03 – Quem foi a pessoa que ensinou Rubem Alves a ver a leitura como algo prazeroso e como ela fazia isso?

      Foi Dona Iva quem o ensinou que ler pode ser delicioso. Ela lia para as crianças não para que aprendessem algo ou fizessem provas, mas sim para que tivessem o prazer dos livros, transformando a leitura em pura alegria e introduzindo-os em um mundo encantado.

04 – Como a falta de dinheiro e distrações na infância do autor contribuiu para seu hábito de leitura?

      Como a família era pobre e não havia muitas opções de distração ou viagens, o pai de Rubem Alves entrou para um "clube do livro". Isso fez com que ele, sem muito o que fazer, se tornasse um "devorador de livros", mesmo que fossem obras de literatura adulta que nem sempre compreendia completamente.

05 – Segundo o autor, qual é a principal razão pela qual as pessoas não gostam de ler?

      Ele compara a leitura à música e afirma que a principal razão é a falta de domínio da "técnica de ler". Assim como um "pianeiro" que não domina o instrumento torna uma música desagradável, um leitor que não domina a técnica da leitura não encontra prazer, pois ainda está focado nas letras e palavras em vez de se imergir nos mundos que elas criam.

06 – Que experimento Rubem Alves fez com adolescentes para provar o poder da leitura?

      Ele levou uma versão simplificada da "Odisseia" de Homero para um apartamento em Cabo Frio onde passaria uns dias com cinco adolescentes. Com a autoridade de um sargento, ele os chamou e começou a ler. Em pouco tempo, todos estavam em transe e depois pediam para que ele continuasse a leitura, demonstrando o fascínio que a leitura bem executada pode gerar.

07 – Qual é a visão utópica de Rubem Alves para o futuro da leitura, expressa no final da crônica?

      Ele imagina um futuro em que existam "concertos de leitura", assim como existem concertos de música. Neles, as pessoas (inclusive adolescentes) se preparariam para ir a um teatro ouvir um conto ou um livro ser lido, com a mesma naturalidade e entusiasmo que iriam a qualquer outro evento cultural, valorizando a experiência da leitura em voz alta.

 

CRÔNICA: COLHENDO OS FRUTOS DA GLÓRIA - JOÃO UBALDO RIBEIRO - COM GABARITO

 Crônica: Colhendo os frutos da glória

               João Ubaldo Ribeiro

        Um dos maiores problemas que enfrento na minha profissão é que não tenho cara de escritor.

        Aliás, não sei bem que cara tenho, mas sei que não presta para a maioria das atividades que exerço ou já exerci. Lembro-me de que, quando era professor, sempre tive dificuldade em convencer novos alunos de que era o professor. Um, chamado Bruno Maracajá e hoje meu amigo (um dos meus tipos inesquecíveis, pela razão que se segue), teve uma crise incontrolável de riso quando entrou numa sala de cursinho para vestibular, perguntou quem era o professor de inglês e me apontaram. Foi meio chato e, se não se tratasse de cursinho para vestibular, não haveria santo que desse um jeito de o Bruno passar em inglês sem pelo menos saber a obra completa de Shakespeare de cor.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxxf3xKPv2JN2GMP_aNMEE_b26RYvxbu63uaAiKpX2vUuYPxgqvOL8z1-2EzKBGUj-5wYuLtCWK2FP7OkKLvYszvhnym8uyao83VhWXljFn6LFVEwdHU0eicDL23GYHgr4T1yTeEHv2-icNu2vNfkU4fxxIkPV9WlCf3BIweVPIoPh7YSnJJpjTBhhfFI/s320/dia-nacional-do-escritor-como-presentear-um-literato.jpg


        Quando eu era jornalista em Salvador e metido a celebridade municipal, escrevendo já colunas e artigos assinados, Seu Severino, vizinho nosso, sorria no elevador com bondosa malícia, toda vez que perguntava se era eu mesmo quem havia escrito tal ou qual artigo e eu respondia que sim. Ele tinha certeza de que o autor era meu pai e acho que até hoje tem. Outra vez, em crise de indignação cívica combinada com um acesso de pernosticismo — síndrome de que nenhum baiano está livre vez por outra, e alguns permanentemente —, escrevi um artigo altamente polissilábico e proparoxítono contra um figurão, que, naturalmente, não gostou. Mas não veio tomar satisfações a mim, foi buscá-la furioso junto a meu pai; porque estava seguro de que "aquele rapaz não tem condição de escrever um artigo desse nível, nem muito menos coragem".

        Também não posso resistir à porta da conferência. Bem verdade que, à já natural falta de cara, somei ainda o estar barbado e meio andrajoso (quando minha mulher não me lembra de mudar as calças, eu me esqueço — ela já testou e eu entrava no Guinness fácil).Tinha vindo de Itaparica de mau humor, como sempre fico quando saio de lá, só atravessei a baía por honra da firma, porque assumira o compromisso. Mas aí, auditório cheio (já estive em voga, era especialista em generalidades esquerdóides que agradavam muito as plateias naquela época, embora a gente fosse em cana bastante) e tudo mais, cheguei à entrada, dei boa-noite, fui passando, a mocinha me barrou.

        — Cartão, por favor.

        — Cartão, que cartão?

        — O cartão que dá direito ao ingresso.

        — Não me deram cartão nenhum. Eu estava em Itaparica e…

        — Lamento muito, mas sem cartão o senhor não vai poder entrar.

        — Eu…

        — O senhor, por favor, quer dar licença? As pessoas atrás estão querendo entrar e o senhor está atrapalhando a passagem.

        Fiquei com preguiça de explicar que eu era o conferencista e — por que não confessar, oh mesquinharia humana — também um pouco com vontade de ver a cara da mocinha depois que me descobrissem ali à porta, barrado e rejeitado. Como de fato fui descoberto, uns vinte minutos mais tarde, quando a chamada mesa diretora dos trabalhos começou a pedir desculpas ao público porque o palestrante, apesar de ter confirmado várias vezes sua aquiescência em vir, havia deploravelmente faltado ao compromisso. Dei um pulinho do banco onde estava derreado, passei pela mocinha sem ela ter tempo de me deter, entrei, pedi a palavra e comuniquei à mesa que a culpa era dela, por não ter mandado o cartão.

        Para a atividade de escritor, a falta de uma cara apropriada é gravíssima, porque as pessoas são ainda mais rigorosas para com caras de escritores do que para com quaisquer outros tipos de cara. Cara de escritor influencia até a crítica, e é por isso que aqueles entre nós que são deficientes nesse setor ficam muito incomodados com problemas de cara. O Fernando Sabino mesmo, cujo caso não é tão sério quanto o meu, mas inspira cuidados, se queixa amargamente de uma recepcionista de hotel que não acreditou que ele era Fernando Sabino, o es-cri-tor, e passou o tempo todo chamando-o de "um homônimo". O grande poeta Almeidinha, queridíssimo presidente da famosa confraria etílica dos Amigos do Museu em São Paulo, de que sou sócio correspondente, me confundiu comigo mesmo. Fazia tempo que a gente não se via e, quando ele apareceu, fui-lhe ao encontro de braços abertos.

        — Grande Almeidinha! — exultei. — Que alegria! Valeu a pena vir a São Paulo só para estar com você!

        — Muito obrigado — respondeu ele com um sorriso amável. — E muito prazer em conhecê-lo. Aliás, o senhor lembra muito um amigo meu da Bahia, um escritor baiano amigo meu, interessante, lembra muito esse amigo meu.

        Mas agora, depois de haver "gramado uma pior anos e anos", como me lembrou jovialmente o colega Fausto Wolf na televisão, eis que a glória e o reconhecimento me bafejam, apesar de a cara não ter melhorado, antes pelo contrário. Meu abnegado editor, Dr. Sérgio Lacerda — o único editor que mente ao contrário para seu editado (não me deixa ver um relatório de vendas, aos berros de "best-seller, best-seller!", para que eu não chore ao descobrir que um livro meu só está vendendo em Araraquara, assim mesmo porque uma prima de minha mulher que mora lá faz rifa com ele todas as terças, quintas e sábados — ninguém esconde nada do romancista), me demoveu da relutância que eu tinha em ficar para a Feira do Livro ora acontecendo aqui no Rio. É bem verdade que, conhecedor de minha alma sensível, ele houve por bem me oferecer um suborno, o qual, naturalmente, aceitei de imediato.

        — Levas este mimo como lembrança da casa — anunciou-me ele orgulhosamente. — Ainda serás um "su" na Feira. Que queres mais da vida, um pôster na entrada do People? Pode ser arranjado.

        Acreditei, é claro. Todo mundo acredita em elogio, como já observou o Chacrinha, ao pronunciar um calouro banguela a cara do Burt Reynolds e ver que o calouro (que era a cara do Peter Lorre com malária e sem dentadura) acreditava piamente e fazia até uma pose reynoldiana. Saí então para testar minha popularidade, entrei numa livraria aqui da Visconde de Pirajá, senti que se declarou um frisson entre os balconistas, à minha chegada. Disfarcei, procurei assumir uma certa nonchalance, até para ser celebridade a gente tem de ser prático. Fingi que estava interessadíssimo em alguns livros, folheei atentamente um manual de datilografia sem mestre que caiu nas mãos. Com o rabo do olho, vi que um dos balconistas, em nome dos outros, tomava coragem para me falar. Fiquei firme no manual, obtive um timing perfeito na hora de levantar os olhos para reconhecer a presença dele junto a mim.

        — Sim? — falei com a mesma expressão que tinha visto num documentário em que Leonard Bernstein foi surpreendido por populares numa livraria da Quinta Avenida.

        — O senhor não é…? — falou ele, quase gaguejando.

        — Sim, sim, suponho que sim, ha-ha.

        Ele inflou o peito de orgulho. Olhou triunfalmente para os colegas do outro lado da loja — "eu não disse?".

        — Faça-me o favor — falou, me pegando pelo cotovelo na direção do grupo. — Eu tenho de apresentar o senhor.

        — Com prazer.

        — Pessoal! — trombeteou ele, cabeça erguida e mão no meu ombro. — Vocês são uns ignorantes e nem reconhecem quando pinta na casa um escritor consagrado! Quero apresentar a vocês o grande escritor (pausa dramática) João Antônio! João Antônio! Sempre fui fã do João Antônio!

        — Eu também — disse eu. — Tem alguma agência de viagem aqui por perto?

8 de setembro de 1985.

Extraído de: Arte e ciência de roubar galinha: crônica de João Ubaldo Ribeiro. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 216-218.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é o principal problema que o autor, João Ubaldo Ribeiro, afirma enfrentar em sua profissão de escritor?

      O maior problema que ele enfrenta é não ter "cara de escritor", o que o leva a ser frequentemente confundido ou desacreditado em sua verdadeira identidade profissional.

02 – Como o autor ilustra sua dificuldade em ser reconhecido como professor?

      Ele relata o caso de um aluno, Bruno Maracajá, que teve uma crise incontrolável de riso ao descobrir que João Ubaldo era seu professor de inglês, por não ter a "cara" esperada para um professor.

03 – Que situação o autor viveu em Salvador que demonstrava a desconfiança sobre sua capacidade de escrever?

      Seu vizinho, Seu Severino, sempre sorria com malícia e acreditava que era o pai do autor quem escrevia os artigos. Além disso, um "figurão" que não gostou de um artigo do autor foi tirar satisfações com seu pai, por não acreditar que "aquele rapaz" tivesse capacidade ou coragem para escrever algo daquele nível.

04 – Descreva a situação constrangedora que o autor passou na porta de uma conferência.

      Ele foi barrado por uma mocinha na entrada, que exigiu um cartão de ingresso. Mesmo sendo o próprio conferencista, ele não foi reconhecido e só conseguiu entrar cerca de vinte minutos depois, quando a mesa diretora anunciou que o palestrante havia faltado.

05 – Além de si mesmo, que outros escritores o autor menciona que também enfrentam problemas de "cara de escritor"?

      Ele menciona Fernando Sabino, que não foi reconhecido por uma recepcionista de hotel, e o poeta Almeidinha, que o confundiu com um "amigo baiano" que "lembrava muito" o próprio João Ubaldo.

06 – Como o editor de João Ubaldo, Dr. Sérgio Lacerda, o convenceu a participar da Feira do Livro?

      O editor o convenceu oferecendo um suborno (um "mimo como lembrança da casa") e elogiando sua futura popularidade na feira, prometendo até um pôster na entrada da revista People.

07 – Qual foi o desfecho hilário da tentativa do autor de testar sua popularidade em uma livraria?

      Um balconista, ao apresentá-lo aos colegas com grande orgulho, confundiu João Ubaldo Ribeiro com o escritor João Antônio, demonstrando que, apesar de toda a suposta glória, sua "cara de escritor" ainda não o tornava inconfundível.