segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

SONETO: SETE ESTUDOS PARA A MÃO ESQUERDA VI - (FRAGMENTO) - PAULO HENRIQUES BRITTO - COM GABARITO

 Soneto: Sete estudos para a mão esquerda VI – Fragmento

          Paulo Henriques Britto

Nenhuma lição nesta paisagem

que não o fartamente conhecido:

as coisas nos lugares, engrenagens

 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg3gvqEz8z4VMpFb8OYvt3VnODEfkkw_KhiftqSzKJjJ71nlmRJ3a4evjNfOrkDEup_MPm9Wrv6QX4sKSWsCRefD5q56QbnEMk3ESjcq4yEyY1a3pZDcaQbdgjOxL1mu-wWZiynaOj7fsqMRkcFj9J57xP0UzMBJdXLU1keMfrdBGkRHKkWv6VmY3Hcy2U/s1600/PAISAGEM.jpg

do estar-em-si, do tudo-é-relativo,

etc. A mesma grafitagem

inconsequente de sempre: rabisco

 

logo existo. — O mundo segue opaco,

imune à consciência e seus lampejos

de lógica, sua falta de tato,

sua avidez, seus deuses e desejos.

 

(Aqui termina o sonho. Fim das névoas,

caramelos e almofadas formidáveis.

Daqui pra frente, as portas sem remédio

e todas as maçãs assassinadas.)

Paulo Fernando Henriques Britto – Rio de Janeiro RJ 1951.

Entendendo o soneto:

01 – Qual é a principal ideia expressa no soneto "Sete estudos para a mão esquerda VI – Fragmento" de Paulo Henriques Britto?

      O soneto aborda a sensação de tédio e de repetição diante da mesmice da vida. O eu-lírico expressa a percepção de que a paisagem e as experiências se tornaram familiares e previsíveis, perdendo a capacidade de surpreender ou emocionar.

02 – O que significa a expressão "Nenhuma lição nesta paisagem / que não o fartamente conhecido"?

      Essa expressão sugere que a paisagem, tanto física quanto metafórica, perdeu a capacidade de ensinar ou revelar algo novo. Tudo se tornou "fartamente conhecido", repetitivo e previsível, sem novidades ou desafios a serem explorados.

03 – Qual é a crítica presente na referência à "mesma grafitagem inconsequente de sempre: rabisco / logo existo"?

      Essa referência critica a busca vazia por significado e reconhecimento através de ações superficiais e repetitivas. A frase "rabisco logo existo" ironiza a ideia de que a simples ação de deixar uma marca, um registro, garante a existência ou a importância do indivíduo.

04 – O que o eu-lírico quer dizer com "O mundo segue opaco, / imune à consciência e seus lampejos / de lógica"?

      Essa passagem expressa a frustração do eu-lírico diante da falta de sentido e da resistência do mundo à sua compreensão. O mundo é descrito como "opaco", ou seja, incompreensível e impenetrável à razão e à lógica. A consciência, com seus "lampejos" de racionalidade, é impotente para dar sentido ao caos e à complexidade da existência.

05 – Qual é o significado do último verso "Daqui pra frente, as portas sem remédio / e todas as maçãs assassinadas"?

      Esse verso final marca o fim do sonho e da ilusão, confrontando o eu-lírico com a realidade crua e implacável. As "portas sem remédio" simbolizam a falta de oportunidades e de saídas para a situação de tédio e frustração. As "maçãs assassinadas" representam a perda da inocência, da beleza e do potencial de renovação. A imagem da maçã, tradicionalmente associada ao conhecimento e à tentação, sugere que a busca por significado e a experiência da realidade levaram à desilusão e à morte simbólica.

 

SONETO: SETE ESTUDOS PARA A MÃO ESQUERDA II - (FRAGMENTO) - PAULO HENRIQUES BRITTO - COM GABARITO

 Soneto: Sete estudos para a mão esquerda II – Fragmento

              Paulo Henriques Britto

Tento dizer: a tarde tem o tom

exato de outra tarde que conheço,

mas qual? (Mas neste instante escuto o som

 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2gX-iljm5oJy2MQfiVgDb8dWyMmHuu7mffy94jOEZG5E78aASbcn7d_ZpHa8irjH8MK1u1-05x-9Z_745Djs2eDhhDbw_ogxCNYOrVmIB4cAUfXMYRCFi7r136be-5OC9KmNh-zNxPN1V0yI1C09WuLl-QnZzCVX_r5CEEhNM6CRGO27vrWM4SCFya6Y/s320/TARDE.jpg

de uma outra voz, que é minha e desconheço,

e o que ela diz é belo, é certo e é bom.

Mas o que digo assim não reconheço.

 

É como um deus de bolso, esta presença

que o próprio gesto de negar evoca.

A voz é dela, embora me pertença

a música. E mais a mão que a toca.)

 

Naturalmente, enquanto isso a tarde

se apaga, anêmica, despercebida,

e vem a noite, com seu negro alarde.

Desde o começo a causa era perdida.

Paulo Fernando Henriques Britto – Rio de Janeiro RJ 1951.

Entendendo o soneto:

01 – Qual é o tema central do soneto "Sete estudos para a mão esquerda II – Fragmento" de Paulo Henriques Britto?

      O tema central do soneto é a dificuldade de expressar a própria experiência e a complexidade da relação entre o eu e a linguagem. O poeta tenta descrever a tarde, mas se depara com a descoberta de uma voz interior desconhecida, que parece ditar suas palavras. Essa voz, embora seja sua, é experimentada como algo externo, quase divino.

02 – Que recursos poéticos o autor utiliza para expressar a dualidade entre o eu e a voz interior?

      O autor utiliza vários recursos poéticos para expressar essa dualidade. A contraposição entre o "eu" que tenta dizer e a voz interior que fala ("Mas o que digo assim não reconheço") é central. A metáfora do "deus de bolso" evoca a ideia de uma presença divina íntima, mas também incontrolável. A distinção entre a música, que pertence ao eu, e a voz, que é "dela", reforça a separação entre o eu consciente e a voz interior.

03 – Qual é o significado da expressão "a tarde / se apaga, anêmica, despercebida"?

      Essa expressão metaforiza a passagem do tempo e a perda da experiência inicial. Enquanto o poeta se debate com a tentativa de expressar a tarde, ela se esvai, "anêmica" e "despercebida". A imagem da tarde que se apaga sugere a fragilidade da memória e a dificuldade de capturar a essência do momento.

04 – O que significa a frase "Desde o começo a causa era perdida"?

      Essa frase expressa a frustração do poeta diante da impossibilidade de expressar plenamente o que sente. A “causa perdida” refere-se à tentativa de traduzir a experiência em palavras, que desde o início está fadada ao fracasso. A consciência dessa derrota permeia o soneto, conferindo-lhe um tom melancólico.

05 – Qual é a relação entre o título "Sete estudos para a mão esquerda" e o conteúdo do poema?

      O título "Sete estudos para a mão esquerda" sugere um exercício de habilidade e técnica, como os estudos musicais. No entanto, o poema revela a complexidade e a dificuldade da expressão poética, que vai além da técnica. A "mão esquerda" pode simbolizar o lado mais intuitivo e inconsciente do poeta, que se manifesta através da voz interior. Os "estudos" seriam, então, tentativas de compreender e dominar essa voz, mesmo que a "causa" seja "perdida" desde o começo.

 

 

SONETO: SETE ESTUDOS PARA A MÃO ESQUERDA III - (FRAGMENTO) - PAULO HENRIQUES BRITTO - COM GABARITO

 Soneto: Sete estudos para a mão esquerda III – Fragmento

             Paulo Henriques Britto            

Sou uma história, a voz que a conta, e o imenso

desejo de contar outra diversa,

que porém não deixasse de ser essa.

 

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgIbgfyM8N0AiA-ydCwf1XqqNF6MUkDZwKBXZ9GbHSrpY6mg1S3_iZuruX0nY-YErP_u2q6jgEqQvTmfgEmtrE_UOokjUT3zqgtq9apz07ssCWRWOhiaxzlIAJOkHDSe3SuYPnpdlxfdy5lW_JBQ6uKMdo5sLDSNepvq_vr7vSMOoNr_ZcM_FK15vnUHDo/s320/MAOSSS.jpg

Palavra que não digo e que não penso

e no entanto escrevo — eu sou você?

(Mas não era isso o que eu ia dizer,

 

e sim uma outra coisa, obscura e bela,

que sei, com uma certeza visceral,

ser a verdade última e total —

e só por isso já não creio nela,

 

pois a certeza, tal como a memória,

é por si só demonstração sobeja

da falsidade do que quer que seja —)

Mas isso já seria uma outra história.

Paulo Fernando Henriques Britto – Rio de Janeiro RJ 1951.

Entendendo o soneto:

01 – Qual é a principal reflexão apresentada no soneto?

      O soneto reflete sobre a natureza da narrativa, a relação entre o narrador e a história, e a busca por uma verdade que se revela elusiva. O eu-lírico expressa o desejo de contar uma história diferente, mas que ainda seja parte da sua própria história.

02 – O que significa a frase "Palavra que não digo e que não penso / e no entanto escrevo — eu sou você?"?

      Essa frase revela a complexidade da relação entre o eu-lírico e o "você" do poema. Sugere que as palavras que ele escreve podem não ser totalmente conscientes ou intencionais, mas sim uma manifestação de outra pessoa ou de outra parte de si mesmo. A pergunta retórica expressa a dúvida sobre a própria identidade e a autoria da narrativa.

03 – Qual é a importância da "outra coisa, obscura e bela" que o eu-lírico menciona?

      Essa "outra coisa" representa uma verdade profunda e visceral que o eu-lírico sente que existe, mas que não consegue expressar em palavras. É uma intuição, uma certeza que reside no plano do indizível. A beleza e a obscuridade dessa verdade a tornam ainda mais intrigante e desafiadora.

04 – Por que o eu-lírico afirma que "a certeza, tal como a memória, / é por si só demonstração sobeja / da falsidade do que quer que seja"?

      Essa afirmação paradoxal sugere que a certeza, assim como a memória, pode ser uma construção subjetiva que não corresponde necessariamente à realidade. A memória é seletiva e moldada pelas nossas emoções e experiências, o que a torna passível de distorção. Da mesma forma, a certeza pode ser uma ilusão que nos impede de ver a complexidade e a incerteza do mundo.

05 – Qual é a relação entre o último verso "Mas isso já seria uma outra história" e o restante do poema?

      O último verso indica a consciência do eu-lírico de que a busca pela verdade e a tentativa de narrar sua história são um processo contínuo. A "outra história" que ele menciona representa a possibilidade de novas narrativas e novas descobertas sobre si mesmo e sobre o mundo. O poema termina com a abertura para novas explorações e reflexões.

 

 

 

 

SONETO: SETE ESTUDOS PARA A MÃO ESQUERDA V - (FRAGMENTO) - PAULO HENRIQUES BRITTO - COM GABARITO

 Soneto: Sete estudos para a mão esquerda V – Fragmento

            Paulo Henriques Britto

Não é assim: os dias claros, noites límpidas,

cada gaveta satisfeita em seu lugar,

e a consciência administrando tudo isso —

 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhKcAn68C_1xF1bXPz6b7FK2MzoGEPLXi5ZVVgxhndtX9VKJLdKdfIVgdUo1L6KGh28sN7jaXjgIpugvutUNDcfr37vgglZFpJc9eN498WKqG2JfnD5OBglTS2lOHirF3mBjGCPcuKZcDkIR6JMIu8pzE3YAynkC3d110_6Cm-5ZBmKZHoQjlb7rombHOQ/s320/MAO.jpg

Nada é assim. Nada é tão bom. Na hora H

algum detalhe escapa, talvez uma vírgula

fatal, ou falta o risco no meio do A,

 

e o mundo vira um caos de músculo e metal.

Ou então o dia até que cumpre sua rotina

sem aporias nem contradições, mas mal

a noite desce as velhas dúvidas cretinas

 

levam de volta ao estribilho inicial,

ao X do problema: as coisas fora de esquadro,

o desajuste entre o desejo e o vegetal

da consciência, complacente, amputada.

Paulo Fernando Henriques Britto – Rio de Janeiro RJ 1951.

Entendendo o soneto:

01 – Qual é a principal ideia expressa no soneto "Sete estudos para a mão esquerda V – Fragmento" de Paulo Henriques Britto?

      O soneto explora a frustração e a desilusão diante da discrepância entre a ordem idealizada e a realidade caótica. O eu-lírico expressa a constatação de que a vida não se encaixa em padrões perfeitos e que, por mais que se tente controlar e organizar tudo, sempre haverá algo que escapa e desequilibra o sistema.

02 – Que imagens o autor utiliza para contrastar a ordem idealizada e a realidade caótica?

      O autor utiliza imagens contrastantes para expressar essa dualidade. A ordem idealizada é representada por "dias claros, noites límpidas", "cada gaveta satisfeita em seu lugar" e a "consciência administrando tudo isso". Em contraposição, a realidade caótica é descrita como um "caos de músculo e metal", onde "algum detalhe escapa, talvez uma vírgula fatal, ou falta o risco no meio do A".

03 – Qual é o significado da expressão "Na hora H / algum detalhe escapa, talvez uma vírgula fatal"?

      Essa expressão sugere que, mesmo quando tudo parece estar perfeito e sob controle ("Na hora H"), um pequeno detalhe, um erro aparentemente insignificante ("uma vírgula fatal"), pode ser suficiente para desencadear o caos e a desordem.

04 – O que representam as "dúvidas cretinas" que assombram o eu-lírico durante a noite?

      As "dúvidas cretinas" representam as inquietações e incertezas existenciais que retornam à noite, após um dia de aparente normalidade. São dúvidas sobre o sentido da vida, a inadequação do mundo e a fragilidade da consciência.

05 – Qual é o significado do último verso "o desajuste entre o desejo e o vegetal / da consciência, complacente, amputada"?

      Esse verso final expressa a tensão entre o desejo, a pulsão vital, e a consciência, que se mostra complacente e incapaz de conciliar as aspirações do indivíduo com a realidade. A consciência é descrita como "amputada", sugerindo que ela perdeu a capacidade de agir e transformar o mundo de acordo com os desejos do eu-lírico.

 

 

 

SONETO: SETE ESTUDOS PARA A MÃO ESQUERDA VII - (FRAGMENTO) - PAULO HENRIQUES BRITTO - COM GABARITO

 Soneto: Sete estudos para a mão esquerda VII – Fragmento

             Paulo Henriques Britto

A solução difícil. As adversárias.

Escrever a contrapelo do papel.

E aquela que acabou sendo riscada —

 

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh6Qpn0jqF_Yhnn3KASvY3swIXhjzK6fKXbD04iFPpb5Z1akO9zkgzFboW0TA5qn_UmIuwWc7uYoBme6aVYL22uRuspF1eZFdHTHtbkyapf66g93h4IJfDdL1ey1wAbG7ScxMuYbjRM9EojfXjFNiw3JGW7p1H_dnsfvxLKYVcI3H9pcJEU0lNvf2-SVJI/s1600/MAO.jpg

calou-se, escapuliu, não se rendeu —

era precisamente a procurada.

Sobrou só isso que, leitor, é teu.

 

Só isso, sim. Que ao mesmo tempo é tudo.

Um suscitar de sílabas — não mais

a deusa atarantada a nos soprar

um vento em nosso ouvido (aliás surdo) —

e no entanto cabe dentro um mundo,

um universo, um homem a espernear.

Um que afinal domou as adversárias,

essas palavras que me deixam mudo.

Paulo Fernando Henriques Britto – Rio de Janeiro RJ 1951.

Entendendo o soneto:

01 – Qual é o tema central do soneto?

      O soneto reflete sobre o processo de criação poética, a luta com as palavras e a busca pela expressão adequada. O eu-lírico descreve a dificuldade de encontrar as palavras certas, que parecem resistir e escapar, mas que, ao final, são dominadas e transformadas em poesia.

02 – O que significa a expressão "Escrever a contrapelo do papel"?

      Essa expressão sugere a dificuldade e o esforço envolvidos no ato de escrever. "Escrever a contrapelo" significa ir contra a facilidade, enfrentar a resistência das palavras e do próprio material.

03 – Qual é a importância da "aquela que acabou sendo riscada"?

      A palavra ou ideia "que acabou sendo riscada" representa a frustração e a persistência do poeta. Mesmo não sendo utilizada diretamente no poema, ela faz parte do processo criativo e contribui para o resultado final. A palavra "riscada" simboliza as tentativas falhas e os caminhos abandonados na busca pela expressão perfeita.

04 – O que significa a frase "Sobrou só isso que, leitor, é teu"?

      Essa frase indica que o poema finalizado, apesar de ser fruto do esforço do poeta, é oferecido ao leitor para que este o interprete e complete com sua própria experiência. O poema se torna um espaço de encontro entre o autor e o leitor, onde a significação é construída em conjunto.

05 – Qual é o significado do último verso "essas palavras que me deixam mudo"?

      Esse verso final expressa a dualidade da relação do poeta com as palavras. Ao mesmo tempo em que as palavras são a matéria-prima da sua arte e a forma de expressão, elas também o deixam "mudo", ou seja, incapaz de expressar completamente o que sente. As palavras são, ao mesmo tempo, fonte de expressão e de silêncio.

 

 

POESIA: CLÁUDIO - MANOEL DE BARROS - COM GABARITO

 Poesia: CLÁUDIO

            Manoel de Barros

        Cláudio, nosso arameiro, acampou debaixo da árvore para tirar posts de cerca

        Muito brabo aquele ano de seca

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9c__opsAPvAVnWTO15kR-gJASQSgxbqm6uyGMM21DQ6HC7Cb8cRCM9K99uHImG_3AeeeGKJHuJvxX-LEWNNzjS93PPA0S42rebHGDhGMsFE3hFfnYXRaXtLLu2iSBP1vcg_91yYVTkACu51hqnSRNMp9C4goMGxyz1fZY4WmqXSS2T4JYFI7iWcGIU3M/s320/BARRACA.jpg


        Vinte línguas ao redor, conte, só restava aquela pocinha d’água:

        Lama quase

        Metro de redondo

        Palmo de fundura.

        Ali tinha um jacaré morador magrento

        Compartilhando essa aguinha bem pouca

        De tão sós e sujos, Cláudio

        E esse jacaré se irmanavam

        De noite na rede estirada

        Nos galhos da árvore

        Cláudio cantava cantarolava:

        Ai morena, não me escreve

        Que eu não sei ler

        Pra lavar a feição

        Bem de cedo

        Esse Cláudio abaixava no poço, batia no ombrinho magro daquele jacaré: — licença, amigo…

        Que se afastava do homem lavar-se

        Que se lava, enchia o cantil

        E rumei pra cerca de uma língua dali

        Depois, conte, Cláudio levou esse jacaré para casa

        Que vive hoje no seu terreiro

        Bigiando as crianças.

        Pode ser.

Poesia completa de Manoel de Barros. https://www.academia.edu.

 

Entendendo a poesia:

01 – Qual é a profissão de Cláudio e o que ele está fazendo no início do poema?

      Cláudio é arameiro e está acampado debaixo de uma árvore para retirar postes de cerca.

02 – Qual é a situação do local onde Cláudio está acampado?

      O local está sofrendo com uma seca severa. Há pouquíssima água, apenas uma poça de lama com um metro de diâmetro e um palmo de profundidade, onde Cláudio e um jacaré magro compartilham a água.

03 – Que tipo de relação se estabelece entre Cláudio e o jacaré?

      Cláudio e o jacaré estabelecem uma relação de companheirismo e até mesmo de amizade, dada a solidão e a escassez de recursos. O poema usa a palavra "irmanavam" para descrever essa relação.

04 – O que Cláudio faz pela manhã antes de sair para trabalhar?

      Pela manhã, Cláudio se abaixa até a poça, pede licença ao jacaré, lava seu rosto, enche seu cantil e segue para trabalhar na cerca, a uma légua de distância.

05 – Qual é o destino do jacaré após o período de seca?

      Após o período de seca, Cláudio leva o jacaré para casa, onde ele vive em seu terreiro, vigiando as crianças.

 

SONETO: IDÍLIO - PAULO HENRIQUES BRITTO - COM GABARITO

 Soneto: IDÍLIO

            Paulo Henriques Britto

Um sonho, musculoso e maternal,

um sonho quer pacificar o mundo.

 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi86lzZbxhbIZQahn_o2pUikk_rxDjVBwSlmaW1t7OFkgaXFgjKmSuv1hwW4SwPIwRbPP24mWvnqXlVAxeHHr1mgDxW_AQ5Vvf_GtSm2TY6tIXcq08S8s6cXkYAafBH7WZj99uP0zpjXDGP_8fFBI0gl3Wab0ZXSrHyNAd7VhDvjCzFpw6tHpGaqa0aunQ/s320/IDILIO.jpeg

Desejo de formas claras e puras,

de nitidezes simples, minerais,

certezas retilíneas como agulhas.

 

Nada de nebuloso, frouxo ou úmido

há de turvar o brilho do cristal

de uma razão sem jaça e sem nervuras,

sem óleos malcheirosos e carnais.

 

O sonho, sorridente e diurnal,

espargirá sobre um túmulo de dúvidas

flores estritamente artificiais,

 

entre diagonais e ângulos agudos.

O sonho quer estrangular o mundo.

Paulo Fernando Henriques Britto – Rio de Janeiro RJ 1951.

Entendendo o soneto:

01 – Qual é o tema central do soneto "IDÍLIO" de Paulo Henriques Britto?

      O tema central do soneto é a tensão entre o desejo de ordem, clareza e controle (representado pelo "sonho musculoso e maternal") e a realidade complexa e "nebulosa" do mundo. O idílio, aqui, é uma representação irônica de um mundo idealizado, onde tudo é "claro e puro", mas que, em última análise, revela-se opressivo e sufocante.

02 – Que imagens o autor utiliza para construir a ideia de um mundo idealizado e controlado?

      O autor utiliza imagens como "formas claras e puras", "nitidezes simples, minerais", "certezas retilíneas como agulhas", "razão sem jaça e sem nervuras" e "flores estritamente artificiais". Essas imagens evocam a ideia de um mundo artificialmente ordenado, onde não há espaço para ambiguidades, incertezas ou emoções "carnais".

03 – Qual é o significado da expressão "O sonho quer estrangular o mundo"?

      Essa expressão paradoxal revela a face sombria do sonho de um mundo idealizado. O desejo de ordem e controle, levado ao extremo, transforma-se em uma força opressora que "estrangular" a vitalidade e a diversidade do mundo. O sonho, que a princípio parece "maternal" e pacificador, revela-se autoritário e castrador.

04 – Como a adjetivação utilizada no soneto contribui para a construção do tema central?

      A adjetivação é fundamental para a construção do tema central. Termos como "musculoso e maternal", "claras e puras", "retilíneas", "sem jaça e sem nervuras", "artificiais" e "agudos" carregam conotações que ora expressam o desejo de ordem e controle, ora revelam a artificialidade e a rigidez desse mundo idealizado. A combinação desses adjetivos cria uma atmosfera de tensão entre o ideal e o real.

05 – Qual é o tom geral do soneto?

      O tom geral do soneto é irônico e crítico. O autor utiliza a forma do idílio, tradicionalmente associada à representação de um mundo ideal e harmonioso, para expressar justamente o contrário: a opressão e a artificialidade de um mundo onde não há espaço para a complexidade e a contradição. O uso de imagens paradoxais e a adjetivação carregada de significados contribuem para a construção desse tom irônico e crítico.

 

SONETO: HISTÓRIA NATURAL - PAULO HENRIQUES BRITTO - COM GABARITO

 Soneto: História natural

             Paulo Henriques Britto

Primeira pessoa do singular:

a forma exata da sombra difusa.

Quem fala sou sempre eu a falar.

A máscara é sempre de quem a usa.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzhEytV0pmyR-ssfZBZVtKBOZKWNB5ypNDub_scyLtF0HgmEA4MCdPk0oCNA9zdNEqGJMAr8SRXoi7RHlESnoIKLS1PRn3GhVDegHD0pKj71wVbo6yRRhenchHtLmYauvd5dl1tDLMJkAH2ImmnIo0pXP_px7XdzItROmIlO7esTe4DNpyVCR2nFlDGOE/s320/EU.png


 

No entanto, é preciso dizer-se — mesmo

que a moda agora mande (e a moda manda,

e muito) acreditar que o eu é o esmo,

o virtual, o quase extinto, o panda

 

desgracioso da história do Ocidente,

a devorar o alimento cru

que já não sabe como digerir.

 

Leitor amigo: Pára. Pensa. Sente.

Conheces bem o gosto do bambu,

o ardor nas entranhas. Tenta não rir.

Paulo Fernando Henriques Britto – Rio de Janeiro RJ 1951.

Entendendo o soneto:

01 – Qual é o tema central do soneto "História natural" de Paulo Henriques Britto?

      O tema central do soneto é a reflexão sobre a identidade do "eu" na poesia e no mundo contemporâneo. O eu-lírico questiona a validade e a relevância do "eu" como sujeito poético em um contexto cultural que tende a negar ou relativizar a individualidade.

02 – Que recursos poéticos o autor utiliza para expressar a relação entre o "eu" e a máscara?

      O autor utiliza a metáfora da máscara para expressar a relação complexa entre o "eu" e a sua representação. A frase "A máscara é sempre de quem a usa" sugere que a identidade individual é construída e performada, sendo a máscara a forma visível e reconhecível do "eu".

03 – Qual é a crítica presente na referência à "moda" que manda acreditar que o "eu" é "o virtual, o quase extinto, o panda desgracioso da história do Ocidente"?

      Essa referência critica a tendência contemporânea de negar ou relativizar a importância do "eu" como sujeito individual e autônomo. A comparação com o "panda desgracioso" ironiza a imagem de um "eu" fragilizado, deslocado e incapaz de se adaptar ao mundo moderno.

04 – O que significa o verso "a devorar o alimento cru / que já não sabe como digerir"?

      Esse verso expressa a dificuldade do "eu" em lidar com a complexidade e a sobrecarga de informações do mundo contemporâneo. O "alimento cru" representa a experiência bruta e não processada, que o "eu" não consegue assimilar ou integrar de forma significativa.

05 – Qual é o significado do chamado ao leitor nos versos finais "Leitor amigo: Pára. Pensa. Sente. / Conheces bem o gosto do bambu, / o ardor nas entranhas. Tenta não rir"?

      Esse chamado ao leitor convida-o a uma reflexão profunda sobre a própria identidade e sobre a sua relação com o mundo. A referência ao "gosto do bambu" e ao "ardor nas entranhas" sugere uma experiência visceral e pessoal, que o leitor é convidado a reconhecer em si mesmo. O tom irônico do último verso ("Tenta não rir") adverte para o risco de banalizar ou ridicularizar a experiência do "eu" em sua busca por sentido e autenticidade.

 

 

 

POESIA: EU NÃO VOU PERTURBAR A PAZ - MANOEL DE BARROS - COM GABARITO

 Poesia: Eu não vou perturbar a paz

             Manoel de Barros

De tarde um homem tem esperanças.
Está sozinho, possui um banco.
De tarde um homem sorri.
Se eu me sentasse a seu lado
Saberia de seus mistérios
Ouviria até sua respiração leve.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSP7gZIUwwbRgPHwoyhSa100b1fwCoqANYUycDs2aDuaZ-6yt0RWe5tDPoio_HIs4-2OFS9Ca9CAcaW_rS4Eu_yHvpmpavS7ttUoAJJkNsNAHu5u1TZSM3CD3jK-6HbB4OWLUmEt-8EA3cre09_BwnEVmZDNykGsH0UPiOCSOMK7mhjxUkuAcAHP6oc0s/s320/BANCO.jpeg



Se eu me sentasse a seu lado
Descobriria o sinistro
Ou doce alento de vida
Que move suas pernas e braços.
Mas, ah! eu não vou perturbar a paz
[que ele depôs na praça, quieto].

Poesia completa de Manoel de Barros. Tudo é Poema. https://www.tudoepoema.com.br

 

Entendendo a poesia:

01 – Qual é o tema central do poema?

      O poema aborda a contemplação da paz e a decisão de não a perturbar. O eu-lírico observa um homem em um momento de tranquilidade e pondera sobre a possibilidade de se juntar a ele, mas escolhe respeitar sua quietude.

02 – Que elementos do poema sugerem a atmosfera de paz?

      A repetição da palavra "paz" no título e no último verso, a descrição do homem "quieto" e "sozinho", o cenário da "praça" e a menção à "respiração leve" do homem evocam uma atmosfera de tranquilidade e serenidade.

03 – Qual é a intenção do eu-lírico ao expressar o desejo de "saber de seus mistérios"?

      O desejo de "saber de seus mistérios" revela a curiosidade do eu-lírico em relação à vida do homem e seus pensamentos. No entanto, essa curiosidade é ponderada pela decisão de não perturbar a paz do outro.

04 – O que significa a expressão "o sinistro / Ou doce alento de vida"?

      A expressão "o sinistro / Ou doce alento de vida" representa a dualidade da experiência humana. O "sinistro" pode se referir aos desafios e dificuldades da vida, enquanto o "doce alento" representa os momentos de alegria e esperança. O eu-lírico reconhece que a vida do homem pode conter tanto um quanto o outro.

05 – Qual é a importância do último verso "Mas, ah! eu não vou perturbar a paz / que ele depôs na praça, quieto"?

      O último verso resume a decisão do eu-lírico de respeitar a paz do homem. A imagem de alguém que "depôs a paz na praça" sugere que a paz é algo frágil e que precisa ser cultivado e protegido. O eu-lírico demonstra sensibilidade ao reconhecer a importância desse momento de quietude para o outro.

 

POEMA: MINHA SOMBRA - JORGE DE LIMA - COM GABARITO

 Poema: MINHA SOMBRA

             Jorge de Lima

De manhã a minha sombra

com meu papagaio e o meu macaco

começam a me arremedar.

E quando eu saio

a minha sombra vai comigo

fazendo o que eu faço

seguindo os meus passos.

 

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh6CJW67B4fBJEQ2TdsBNG5iRFONs9gpzLTmuD8RqXcfdGyWtVlWmlUOweUjiUaI2UJpL512bN7F-fQmNBkJVdj88CPlvO9jADP62YBXb2yXuCGL3KXGRvhwTQZ2PbyJmnjLSqtV3VvqpEMvPuPH71CT7N3c7DbS2XCr-V7qVHPRrtN1M3GSnjwd8uPxxU/s320/papagaio-verdadeiro_768116731.jpg 

Depois é meio-dia.

E a minha sombra fica do tamaninho

de quando eu era menino.

 

Depois é tardinha.

E a minha sombra tão comprida

brinca de pernas de pau.

 

Minha sombra, eu só queria 

ter o humor que você tem, 

ter a sua meninice, 

ser igualzinho a você.

 

E de noite quando escrevo,

fazer como você faz,

como eu fazia em criança:

Minha sombra

você põe a sua mão

por baixo da minha mão,

vai cobrindo o rascunho dos meus poemas

sem saber ler e escrever.

Jorge de Lima. Melhores poemas. https://www.tudoepoema.com.br.

Entendendo o poema:

01 – Qual é o tema central do poema?

      O poema tem como tema central a relação do eu-lírico com sua própria sombra, que é personificada e vista como uma companheira divertida e espontânea. O poema explora a relação entre o eu-lírico adulto e sua criança interior, representada pela sombra.

02 – Que elementos do poema sugerem a personificação da sombra?

      Vários elementos sugerem a personificação da sombra, como o fato de ela ter um papagaio e um macaco (animais de estimação), "arremedar" o eu-lírico (imitar), "seguir os seus passos" e "brincar de pernas de pau". Esses elementos atribuem à sombra características e ações humanas, tornando-a uma personagem.

03 – Como a mudança do tamanho da sombra ao longo do dia é utilizada no poema?

      A mudança do tamanho da sombra ao longo do dia é utilizada para representar as diferentes fases da vida do eu-lírico. De manhã, a sombra é grande e ativa, representando a vitalidade da juventude. Ao meio-dia, a sombra diminui, representando a fase adulta, e à tarde, a sombra se torna comprida, representando a velhice e a nostalgia da infância.

04 – Qual é o significado do desejo do eu-lírico de "ter o humor" da sombra e "ser igualzinho a você"?

      O desejo do eu-lírico de ter o humor da sombra e ser igual a ela revela a admiração pela espontaneidade, leveza e alegria da infância, que ele associa à sua sombra. O eu-lírico expressa a vontade de resgatar essas características em si mesmo.

05 – O que significa a imagem da sombra que "cobre o rascunho dos poemas sem saber ler e escrever"?

      A imagem da sombra que cobre o rascunho dos poemas sem saber ler e escrever representa a criatividade e a inspiração poética, que muitas vezes surgem de forma intuitiva e inconsciente, como na infância. A sombra, nesse contexto, simboliza a criança interior que habita o eu-lírico e que se expressa através da poesia.