domingo, 17 de novembro de 2024

CRÔNICA: A ILUSÃO DO FIM DE SEMANA (FRAGMENTO) - AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA - COM GABARITO

 Crônica: A ilusão do fim de semana – Fragmento

              Affonso Romano de Sant'Anna

        Há algo errado nisto.

        Onde havia florestas construímos cidades de concreto, asfalto e vidro. Aí vivemos. Ou melhor: trabalhamos. Mas como o lugar onde trabalhamos não é onde queremos viver, então no fim de semana rumamos para onde há floresta ou praia, onde, além do verde e do azul, se pode respirar.

        Chegamos. Acabamos de encostar o carro na garagem da casa de campo, fazenda ou do hotel nas montanhas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgh1wT-s0SsHVQw1QIGntN0ipkxO0siGTBAWjX4I5yW3SMVWJRFrIkDA8PmKoZtPIaTp0lyylIJ9GDe-dupdVRFXI2H3IZrNW3F5kx-i9CZkvbb7GT05pqfkma5xLkfG6SKqrqFKl-vjhZO9nZ7tgzuZVRYzeLq4vLU0npg4OPEB9hNB9o2JmaL47n7lEM/s1600/campo.jpg


        Chegar aqui não foi fácil. Duas, cinco, às vezes dez horas de engarrafamento. O verde e o azul, lá longe ainda, difíceis de alcançar. E a gente ali na estrada entalado num terrível rito de ultrapassagem.

        Mas digamos que a viagem foi normal. O simples fato de nos aproximarmos do verde já muda o clima psicológico dentro do carro. Vai ficando para trás a fuligem da cidade. E ao subir a serra começa uma descontração no diafragma. Aqueles que estavam tensos, indo para a natureza, já tornam suas frases mais macias, já começam a ficar mais amorosos. Algumas brigas de casal vão se diluindo na passagem da cidade para o campo.

        Enfim, chegamos. São desembarcadas as malas, as portas e janelas da casa e corpo se abrem e a clorofila começa a entrar pelos poros. As flores continuaram a elaborar suas cores em nossa ausência. Os pássaros continuaram a emplumar as estações. [...]

        À noite pode-se acender a lareira e ali se ficar prostrado com um copo de uísque ou vinho, uma xícara de chá ou café, olhando, olhando o fogo como um primitivo na caverna de si mesmo.

        Soa uma música ao piano, um concerto de Boccherini como se houvesse músicas fluindo diretamente do cosmos. [...]

        Todavia, essa incursão no paraíso vai acabar. O fim de semana escoou-se. Já começamos a refazer as malas e a ficar ansiosos e de mau humor. Vamos começar a descer a serra para retornar ao campo de concentração urbana. Mal sinalizadas, as estradas vez por outra nos deixam ver um cão morto no asfalto. [...]

        Aproximamo-nos da cidade. A temperatura começa a subir, um calor abafado vai grudando na pele. O mau cheiro irrita as narinas, o ruído agride os tímpanos. O ritmo do pulso é tenso e há um cruzar de buzinas, faróis, anúncios e sempre a possibilidade de uma emergente violência.

        Chegamos ao apartamento ou casa. Descarregamos tudo pelo elevador com ar de vitória e derrota. Na sala, jornais, correspondência acumulada. O dia seguinte já nos espreita na treva. Aí começaremos a fazer novos planos para fugir da cidade. Planejaremos outro feriado e contaremos quanto tempo falta para a aposentadoria.

        Há algo de errado nisto. E persistimos.

Sant”anna. Affonso Romano. Porta de colégio e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1997, p. 43-46. (Fragmento).

Fonte: Linguagem em Movimento – língua Portuguesa Ensino Médio – vol. 1 – 1ª edição – FTD. São Paulo – 2010. Izeti F. Torralvo/Carlos A. C. Minchillo. p. 56-57.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é a principal crítica social presente na crônica?

      A crônica critica a dicotomia entre a vida urbana e a vida rural, evidenciando a busca incessante do ser humano por um refúgio na natureza como forma de escapar das pressões da cidade. O autor questiona a ideia de que o fim de semana seja capaz de proporcionar um descanso verdadeiro e duradouro.

02 – Como o autor descreve a jornada para o campo?

      A jornada para o campo é descrita como um processo de transformação gradual. Á medida que se afasta da cidade, o autor percebe uma mudança no clima psicológico das pessoas, que se tornam mais relaxadas e menos tensas. No entanto, a beleza da natureza é contraposta à dificuldade em chegar até ela, com engarrafamentos e estresse.

03 – Qual é o significado da frase "O fim de semana escoou-se"?

      Essa frase simboliza a efemeridade do descanso e da paz proporcionados pela natureza. O fim de semana, assim como qualquer outro período de férias, é visto como um momento fugaz que não é capaz de solucionar os problemas da vida urbana.

04 – Como o autor retrata a volta para a cidade?

      A volta para a cidade é descrita como um choque, um retorno à realidade. O autor destaca a poluição, o ruído, a violência e o estresse como elementos característicos da vida urbana. Essa volta para a rotina é acompanhada por sentimentos de frustração e angústia.

05 – Qual é o papel da natureza na crônica?

      A natureza é representada como um refúgio, um lugar de paz e tranquilidade. No entanto, o autor questiona se a natureza é apenas uma ilusão, uma fuga temporária dos problemas da vida moderna. A natureza também serve como um símbolo daquilo que o homem perdeu ao construir as grandes cidades.

06 – Qual é a sensação geral que o autor transmite ao leitor?

      O autor transmite uma sensação de frustração e impotência diante da realidade. Ele questiona o modelo de vida atual e a busca incessante por um refúgio. A crônica evoca um sentimento de melancolia e insatisfação.

07 – Qual é a principal mensagem da crônica?

      A principal mensagem da crônica é a necessidade de refletir sobre o nosso modo de vida e buscar um equilíbrio entre a vida urbana e a vida em contato com a natureza. O autor sugere que a solução para os problemas da sociedade não está apenas em fugir para o campo, mas em transformar a cidade em um lugar mais humano e sustentável.

 

 

 

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