Crônica: De repente
Eunice Jacques
Vejo o menino cor-de-chocolate, pés
descalços, perninhas magras, brincando distraído com uma lata de óleo. E, nem
sei por quê, de repente me lembro do outro Menino que a gente ocidental
acredita ter sido loiro e de olhos azuis. Penso que o Menino estará de
aniversário em poucos dias e continuo a pensar nisso, mesmo sabendo que os
homens alteraram o calendário e fixaram uma data que coincidisse com festas
pagãs que deveriam ser banidas.
De repente, me invade a sensação de ser
Papai Noel e finjo estar vestida de vermelho e ter gorda barriga apertada em
casaco de cetim e algodão. E de um saco feito de pedaços de pano, imagino tirar
um pacote enfeitado de luzes e sinos para presentear o menino de chocolate.
Depois, também tão de repente, volto a pensar no Menino que dos reis recebeu
incenso e mirra, aconchegado em seu tosco berço. Diz o Livro que havia uma
estrela enorme a indicar o caminho à manjedoura.
De repente, me escuto a pedir a
estrela. Eu, ansiando por doar, me surpreendo pedindo. Quero um céu profundo e
luminoso nesta noite, para que nos acalente de paz. E que vaga-lumes imitem nas
ruas o brilho dos astros. E que se escutem risos, e que se sinta pelo ar a
ternura que o mundo teima em esconder. E que brote de muitos lábios, uma prece
intensa pela vida e
pelos seus mistérios, e que os
seres, todos eles, de repente, fiquem impregnados de esperanças. Eu vi um
menino cor-de-chocolate, que me fez lembrar do Outro, que os homens desenharam
louro e com olhos claros como bolitas vivazes. E, de repente, imaginei a minha
árvore de verdes grimpas feita de enfeites de chocolate e de doces de azulanil.
E, então, me ouvi cantando uma canção
de ninar aos dois meninos, tão próximos entre a distância de séculos. Mas, em
seguida, notei surpresa que a minha voz era menina: de repente, cantávamos nós,
as três crianças.
Eunice Jacques. Zero
Hora, s.d. (adaptação).
Fonte: Português – José
De Nicola – Ensino médio – Volume 1 – 1ª edição, São Paulo, 2009. Editora
Scipione. p. 164.
Entendendo a crônica:
01
– Qual a principal reflexão proposta pela autora na crônica?
A crônica nos
convida a refletir sobre a universalidade da infância, da esperança e da busca
por um mundo mais justo e solidário, transcendendo as diferenças culturais e religiosas.
02
– Qual a importância da imagem do menino cor-de-chocolate?
A imagem do
menino cor-de-chocolate serve como ponto de partida para a reflexão da autora
sobre a representação da criança na cultura ocidental, contrastando com a
imagem tradicional do Menino Jesus. Essa imagem também simboliza a diversidade
e a riqueza cultural da humanidade.
03
– Como a autora conecta o Natal cristão com outras tradições?
A autora
estabelece uma conexão entre o Natal cristão e outras tradições ao mencionar as
festas pagãs e os reis magos. Essa conexão evidencia a universalidade da
celebração do nascimento e da renovação.
04
– Qual o papel da natureza na crônica?
A natureza,
representada pela estrela, pelos vaga-lumes e pela árvore de Natal, simboliza a
beleza, a esperança e a renovação. Ela serve como um pano de fundo para as
reflexões da autora sobre a condição humana.
05
– Qual o significado da mudança de perspectiva da autora ao longo da crônica?
A mudança de
perspectiva da autora, que se vê ora como Papai Noel, ora como uma criança
cantando, revela a natureza fluida da memória e da imaginação. Essa mudança
também permite uma aproximação mais íntima com as personagens e com o tema da
crônica.
06
– Qual a importância da repetição da palavra "de repente" no texto?
A repetição da
palavra "de repente" enfatiza a natureza espontânea e inesperada dos
pensamentos e sentimentos da autora. Ela cria um ritmo e uma atmosfera de
surpresa e encantamento.
07
– Qual a mensagem final da crônica?
A mensagem final da crônica é uma mensagem de esperança e
união. A autora convida o leitor a celebrar a vida, a cultivar a solidariedade
e a acreditar em um futuro melhor para todos. A imagem das crianças cantando
juntas simboliza a união e a fraternidade entre os seres humanos.
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