Crônica: A árvore de ouro – Fragmento
José Carlos Oliveira
Ele morou vinte dias no apartamento do
amigo que tinha ido à Europa. Talvez fosse um quarto e sala, mas só tinha mesmo
um quarto relativamente comprido. O banheiro, sem água quente. A cozinha, sem
fogão. E dando para os fundos. Durante catorze dias manteve a janela fechada,
porque pela fresta da veneziana, numa mirada rápida, vira toda a paisagem que
poderia descortinar: duas estruturas de concreto separadas por uma nesga de
terreno baldio. Dois prédios estavam sendo levantados ali. Os operários começavam
bem cedo a martelar. Então resolveu não olhar nunca mais pela janela.
O quarto era frio como uma queda de
pressão. [...] E começou a morar. Chegava de madrugada, deitava-se, acordava no
dia seguinte e ia embora. Não tinha ânimo para ficar no apartamento mais tempo
do que um sono. A escura e gélida morada assemelhava-se, mal comparando, à
gélida e escura melancolia que contraíra ao perder seu amor. Saía, fechava a
porta, entrava no elevador, atravessava o saguão sem olhar os dois porteiros
que passavam o dia jogando damas, e ia embora. Mas não ia a lugar nenhum. Não
tinha aonde ir. Não queria conversar com ninguém. No prédio era o homem
invisível. Na rua, o desconhecido. No coração, a angústia gelada e
irremediável. [...]
No décimo quinto dia, tendo dormido
muito tarde, e precisando acordar cedo para cumprir uma obrigação, abriu os
olhos aflito. Quantas horas seriam? Não tinha relógio. No quarto escuro teve
medo de ter ficado adormecido a manhã inteira e a tarde também. Pulou da cama
tiritante e concluiu que a única solução era abrir a janela sobre a paisagem
detestável, para calcular as horas pela tonalidade da luz. E assim fez. A
claridade não tinha cor; meio branca, meio cinza, meio inodora e bastante
insípida. Podia ser manhã ou tarde. Arre! Então começou o milagre. [...]
José Carlos Oliveira.
In: Boa companhia: crônicas (organização, introdução e notas Humberto Werneck).
São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
Fonte: Linguagem em
Movimento – língua Portuguesa Ensino Médio – vol. 1 – 1ª edição – FTD. São
Paulo – 2010. Izeti F. Torralvo/Carlos A. C. Minchillo. p. 233.
Entendendo a crônica:
01
– Qual o estado emocional do personagem principal?
O personagem
principal demonstra um profundo estado de melancolia e tristeza, decorrente da
perda de um amor. Essa tristeza se manifesta em seu isolamento social e em sua
apatia em relação ao mundo exterior.
02
– Como o ambiente físico do apartamento reflete o estado emocional do
personagem?
O apartamento
frio, escuro e sem vida reflete o estado emocional do personagem. O ambiente
frio e sem luz natural simboliza a tristeza e a falta de esperança que o
habitam. A falta de objetos pessoais e a ausência de cuidados com o espaço
reforçam a ideia de um interior vazio e desolado.
03
– Qual o significado da árvore de ouro para o personagem?
A árvore de ouro
representa uma metáfora para a esperança e a beleza que surgem em meio à
tristeza e à desolação. A imagem da árvore com folhas de ouro contrasta com o
ambiente cinza e monótono do apartamento, simbolizando a possibilidade de
renovação e de encontro com a felicidade.
04
– Qual a importância da janela para o personagem?
A janela
representa a conexão do personagem com o mundo exterior. Inicialmente, ele
evita olhar pela janela por medo de se confrontar com a realidade e com a dor
da perda. No entanto, ao abrir a janela, ele se depara com a beleza inesperada
da árvore de ouro, que representa uma nova perspectiva e uma possibilidade de
superação.
05
– Qual a função do tempo na narrativa?
O tempo é um
elemento fundamental na narrativa, pois marca a evolução do estado emocional do
personagem. A passagem dos dias, marcada pela contagem dos dias que ele passa
no apartamento, revela a gradual transformação de sua tristeza em esperança.
06
– Qual o gênero literário predominante na crônica?
O gênero
literário predominante na crônica é o lírico, pois o autor explora os
sentimentos e as emoções do personagem de forma subjetiva e poética. A
linguagem utilizada é rica em figuras de linguagem e cria um clima de
melancolia e introspecção.
07
– Qual a mensagem principal da crônica?
A mensagem
principal da crônica é que mesmo nos momentos mais difíceis, a esperança pode
surgir de forma inesperada. A beleza da árvore de ouro representa a
possibilidade de encontrar alegria e significado na vida, mesmo diante da dor e
da perda. A crônica nos convida a buscar a beleza nas pequenas coisas e a não
perder a fé na capacidade de superação humana.
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