quinta-feira, 14 de agosto de 2025

ENTREVISTA: SCOTT WEEMS - FRAGMENTO - VEJA - ABRIL - COM GABARITO

 Entrevista: Scott Weems – Fragmento

        “O riso é tão importante para nossa vida quanto a inteligência ou a criatividade”

        Rir nos torna mais inteligentes, criativos e saudáveis, segundo o neurocientista cognitivo Scott Weems. Nesta entrevista, ele conta como isso acontece e explica de que maneira algumas gargalhadas revelam crenças e preconceitos e oferecem soluções inéditas para nossos problemas.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjEQefxug9Ar56e628I2u2MiPTrGP1hPK7IYq9c3CSIPv9vLaZ4IoONcmgoqeotmotWxI22uugpdxT-VMTSBADTyGQ8O6fFvQPU7ktH8upJ54vYc6WwoWcz1TvqT3GSFLv_xp8CsNyrXoTM11EylY8djuJHy84D1PyhqnAwlEQKeuM61_8fhXYGvjdmf98/s320/bg2.png


        [...]

        Analisando a piada

        Em suas pesquisas, Weems descobriu que o humor é o segredo de pessoas inteligentes e criativas para suas associações rápidas e inesperadas. [...]. Nesta entrevista site da Veja, Weems explica por que não levamos o humor a sério e conta como piadas e anedotas são a chave para atingir pensamentos sofisticados e nos tornar mais saudáveis e criativos. [...]

        Por que costumamos explodir em risadas frente a situações constrangedoras? 

        Nossa mente transforma ambiguidade e confusão em prazer. O cérebro é lugar cheio de conexões e ideias competindo por atenção. Isso nos leva a raciocinar, mas também traz conflito, pois às vezes temos duas ou mais ideias inconsistentes sobre o mesmo assunto. Quando isso acontece, nosso cérebro só tem uma coisa a fazer: rir.

        E isso resolve alguma coisa? 

        Gostamos de trabalhar em meio a essa confusão e rimos quando chegamos a uma solução. O humor traz respostas súbitas, que chegam por vias diferentes do pensamento lógico e analítico. Cada vez que rimos de uma piada é como se tivéssemos um pequeno insight, pois pensamos algo inédito. E isso só dá certo porque o processo nos alegra — uma mente entediada é uma mente sem humor.

        [...].

Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/o-riso-e-tao-importante-para-nossa-vid-quanto-a-inteligencia-ou-a-criatividade. Acesso em:26 fev. 2015.

Fonte: Língua Portuguesa: Singular & Plural. Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar e Shirley Goulart – 7º ano – Moderna. 2ª edição, São Paulo, 2015. p. 313-314.

Entendendo a entrevista:

01 – Qual é a principal afirmação de Scott Weems sobre o riso em relação a outras qualidades humanas?

      Para Scott Weems, o riso é tão fundamental para a vida quanto a inteligência ou a criatividade. Ele defende que rir nos torna mais inteligentes, criativos e saudáveis.

02 – Como o humor se relaciona com a inteligência e a criatividade, de acordo com as pesquisas de Weems?

      Em suas pesquisas, Weems descobriu que o humor é o segredo de pessoas inteligentes e criativas para suas associações rápidas e inesperadas, sendo a chave para atingir pensamentos sofisticados.

03 – Por que, segundo Weems, costumamos rir diante de situações constrangedoras?

      Nossa mente transforma ambiguidade e confusão em prazer. Quando o cérebro lida com ideias inconsistentes sobre o mesmo assunto, a única coisa que ele pode fazer é rir.

04 – O riso é capaz de resolver problemas? Se sim, como?

      Sim, o riso pode resolver problemas. O humor traz respostas súbitas que chegam por vias diferentes do pensamento lógico e analítico. Cada vez que rimos de uma piada, é como ter um pequeno insight, pois pensamos algo inédito.

05 – Qual a importância da alegria no processo de resolução de problemas através do humor?

      A alegria é crucial porque o processo de chegar a uma solução através do humor nos alegra. Uma mente entediada é, segundo Weems, uma mente sem humor, o que sugere que o prazer é um catalisador para esses insights.

 

ENTREVISTA: CAETANO VELOSO - CONCEDIDA A MONIQUE DEHEINZELIN - COM GABARITO

 Entrevista: Caetano Veloso

 

        Monique — Caetano, a ideia central desta proposta de educação infantil — tratada no livro “A fome com a vontade de comer” — é que as transformações têm a chave do saber e que essas transformações se dão quando existe uma interação entre o que a pessoa é, o que ela sabe, os seus conhecimentos prévios, e aquilo que é ensinado a ela. Essa é a função da escola, ensinar algumas coisas para as pessoas, não é? Aqui no estado da Bahia a gente tem uma diversidade enorme de modos de vida e cultura, e essa diversidade está, me parece, mais fundada atualmente nas coisas de uma cultura popular que se mantém pela preservação das tradições, do que uma cultura popular que se transforma. Algumas pessoas acreditam que não se pode, ao mesmo tempo, ser um ouvinte de rock and roll e preservar a tradição dos ternos de Reis, por exemplo. Como é que você vê essa questão, dessa diversidade do estado em relação a essa questão da cultura popular e daquilo que pode ser trazido como contribuição pela educação? Eu fico pensando que educação é exatamente o lugar de acesso ao conhecimento, aos bens culturais que são daquele lugar, mas que também dão acesso às pessoas que são daquele lugar a qualquer outra coisa, de qualquer outro lugar do mundo. Como é que você vê essa questão?

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi6UqYzdjwoxZBiAnmYlv0CsVl1huefg_Aj6tGtQ5EHvllZzqUG_uJ2XI5cmv2h1cFez26E0kSDIc7-Eh2nv3vWTD7HcAcDOao-aOA2kJgsLWfL1nwk5IrPDdpqxV5rnME-Vqdfqq4q-KQQVGgJIx4Ax0ujtG-G4nzysaOlerIB3aQxHmWBV3u_e3QsoH0/s320/Caetano_Veloso.jpg


        Caetano — Bom, até onde a minha cabeça pode chegar, eu concordo sobretudo com a sua conclusão, esta última parte do que você falou, o conhecimento local como meio de acesso para o conhecimento universal, não sendo uma defesa contra o contato com o conhecimento exterior àquela área, mas como na verdade uma instrumentação maior para você entrar em contato, para fazer conexões com os outros círculos de saber, eu concordo sobretudo com isso. Quando você menciona a posição de algumas pessoas que creem que o fato de as pessoas ouvirem rock and roll impede que elas mantenham contato com tradições como um terno de Reis, ou um samba de roda, que essas coisas não podem conviver, eu tenho a experiência pessoal que essas coisas convivem. Agora, não sei por quanto tempo, nem em que termos, qual dessas duas expressões culturais, digamos o rock and roll e o samba de roda, vai ser dominante, ou estar mais ligada ao futuro das pessoas que participam dela e qual a que ficaria com apenas um resíduo do passado; se é assim que o rock and roll e o samba de roda se contrapõem em sociedades onde essas duas coisas podem conviver, ou se pelo contrário uma ou outra coisa vai nascer da audição de rock and roll por pessoas que cresceram praticando samba de roda e que não deixaram, por ouvir rock and roll, ou fox-trot, ou boleros mexicanos, ou tangos, não deixaram de praticar samba de roda. É o caso do Recôncavo da Bahia: em Santo Amaro, por exemplo, o samba de roda continua sendo uma prática normal, não uma prática assim programada por grupos de preservação do folclore: é uma prática normal. Quando tem uma festa na minha casa em Santo Amaro, tem samba de roda, e assim em muitas outras casas em Santo Amaro.

        Monique — Pois é exatamente isso, e você eu acho que é um excelente exemplo que responde essa questão, porque você traz, conserva no sentido de guardar, todas essas tradições e ao mesmo tempo cria sempre novas coisas. Mas você foi uma pessoa que teve dentro de casa uma situação muito especial, de acesso a uma série de informações sobre o mundo. Quando você diz que lia a revista Senhor, ou que você tinha uma professora de português que te sugeriu a leitura de poemas de João Cabral de Melo Neto, isso deu a você possibilidades, que talvez você não tivesse, se permanecesse na situação estrita do samba de roda.

        Caetano — É claro.

        Monique — Então o que eu acho é que a escola é o lugar de acesso ao João Cabral, ao que é o existencialismo...

        Caetano — É, eu acho.

        Monique — Enfim, que a escola é o lugar...

        Caetano — A escola é o lugar de acesso democrático ao conhecimento universal, quer dizer, que tem valor em qualquer lugar. Agora, eu não sei o que é que preocupa você propriamente nisso. Essa definição me parece muito boa, e a sua posição me parece boa e nesse exemplo do rock and roll com as coisas tradicionais eu pude falar alguma coisa. Em trechos da sua conversa eu poderia ter pensado em alguma outra coisa, mas não sei assim no todo o que é que preocupa você, o que é que une essas coisas todas.

        Monique — É o seguinte: a chamada educação tradicional, que vem sendo revista e criticada, ela dava acesso aos bens culturais, não é? Então, quando você diz "para a escola pública eu ia, não só porque em casa não teríamos condições de ir a outra...

        Caetano — Porque eram melhores, é.

        Monique — ...mas porque era a melhor que tinha". A escola pública ensinava os objetos do conhecimento, os elementos da cultura. Houve, nos últimos 25 anos, um movimento de crítica à escola tradicional no que se refere ao comportamento, às normas, de ser uma escola muito restritiva, de propor uma aprendizagem mecânica, repetitiva. Essa crítica, me parece, tem sua razão de ser por aí. Mas foi uma crítica que fez com que muitos educadores passassem a descartar o ensino intencional dos objetos de conhecimento. Assim, a escola chamada nova, renovada, ela não tem a intenção de transmitir o conhecimento. Então, você tem crianças que podem ser muito espontâneas, muito criativas, muito alegres...

        Caetano — ...e pouco informadas, é.

        Monique — ...mas muito pouco informadas! E paralelamente a isso houve um movimento de recuperação da cultura local, uma intenção de trabalhar a partir das realidades dos sujeitos. Propõe-se então um trabalho gerado pelos interesses dos alunos, por temas geradores vinculados a determinados modos de vida e cultura das pessoas envolvidas. Essa forma de trabalho pedagógico é extremamente interessante, mas existe a ideia que só se pode trabalhar a partir desses elementos. Então, a rigor, aqui no estado da Bahia, o pessoal do Recôncavo só teria acesso à cultura local, o do sertão idem, e assim por diante. O que me preocupa é que dessa forma a escola não seja o lugar de acesso democrático ao conhecimento, que haja uma intenção, consciente ou não, de impedir esse acesso.

        Caetano — É uma reação contra a verdadeira democratização do conhecimento, da educação, da própria alfabetização no Brasil. Agora, pelo que você está dizendo aí, essa reação se mostra como uma atitude mais ou menos consciente, em pessoas que nos querem preservar a injustiça social que é muito gritante no Brasil. Por outro lado, pessoas de muito boas intenções terminam contribuindo para isso também, não é, com a ideia de renovação da escola e de uma educação mais espontaneísta, isto é, com menos conhecimento do que seja disciplina. Eu tive uma experiência pessoal que talvez lhe sirva um pouco. Quando Moreno, meu filho mais velho foi se matricular numa escola do Rio, ele saiu de uma escola primária e foi para um ginásio. Então eu fui na reunião de pais e mestres, a primeira para a entrada dos alunos. Os professores explicando como era a escola, davam muita ênfase à diferença entre o que eles faziam nessa escola e o que as escolas tradicionais faziam. Eles demonstravam — o diretor e algumas professoras enfatizavam muito o fato de que eles faziam do aprendizado uma coisa muito agradável, divertida, que aquela ideia que estudar era uma coisa maçante, difícil, era ultrapassada, era uma ideia antiga. Eu acompanhava com simpatia aquilo, mas cresceu demais nessa direção e todos, os professores e os pais, pareciam concordar que a escola deveria ser algo agradável, divertida e atraente para a criança. Eu não discordava disso, mas comecei a temer que estivesse faltando ali uma noção de disciplina. Aí eu me levantei e disse assim: "eu fico um pouco preocupado porque tenho a impressão que vocês estão querendo negar que alguma coisa no ensino e no estudo, e tem que ser chata". Eles ficaram um pouco chocados e as pessoas também, alguns pais. Moreno ficou até meio duvidoso, ele estava com onze anos de idade, dez para onze anos, e veio falar comigo: "pai, algumas pessoas falaram que você foi careta na reunião", ... e eu contei a ele...

        Monique — É muito difícil você procurar conhecer as coisas, custa muito esforço, não é? Não tem outro jeito e é bom que seja assim...

        Caetano — Não, eu disse o seguinte: "para vocês, disciplina tem um aspecto que tem que ser maçante? Em algum momento a escola dá ideia de disciplina? Estou falando assim até por ciúme, porque não quero que meu filho ache que a escola é mais divertida do que o parque de diversão e nem mais amorosa do que a minha casa. A escola é uma outra coisa na vida dele, não pode ser tão amorosa quanto os pais e tão divertida quanto o Tivoli Park! Eu acho que justamente na escola é que deve haver alguma coisa onde... em casa também se aprende isso, mas na escola sobretudo, onde se aprende mais que você tem que passar por coisas em princípio maçantes para chegar a ter capacidade de ter prazeres superiores". Eu disse assim, "até pra tocar pandeiro, que é uma coisa muito difícil", e ficaram aqueles professores me olhando, "tocar pandeiro é uma das coisas mais difíceis que existem? Então, você vê um cara tocando pandeiro, se divertindo na esquina, se ele está tocando bem, o que ele passou de maçada, para chegar àquela técnica mínima de tocar pandeiro, de treinamento, de autodisciplina, é incomensurável; é isso que vocês devem ensinar na escola, mais do que a criança ser espontânea ou a escola ser divertida". É claro que quanto mais divertida a escola puder ser, melhor, quanto mais atraente, mais amorosa, melhor, quanto menos repressiva precise ser, melhor. Porém, que não se perca de vista que a escola é que deve ensinar pessoas a aceitar o lado chato da vida, entendeu? É o lugar, de todos os lugares onde uma criança vai, frequentemente, até crescer, onde mais se deve ensinar como enfrentar o chato, ou seja, ficar horas diante de um livro estudando, obedecer ordens, ter tarefas a cumprir, tarefas que são difíceis, que ele deve treinar para ser capaz de executar, isso de alguma forma, em algum momento é, ou tem que ser, ou parecer chato para a criança e a escola tem que reconhecer que é também o seu papel, não é? Então a escola tradicional que era repetitiva e repressiva, que tinha hipertrofiado, digamos assim, mas tinha isso, não é? A escola deve ensinar a estudar também, não apenas ensinar o que já é sabido. Eu acho que deve, eu estou dizendo isso como opinião de um pai que viu essa questão no processo de educação do filho, na minha história com Moreno nessa escola. Onde aliás ele se deu até bem, aprendeu até algumas coisas, mas era toda uma série de negações das repressões e da disciplina sem uma nova formulação da ideia de disciplina, entendeu? Agora, não sei se já é a sua segunda pergunta, mas saiu um pouco da primeira. Porque a primeira era mais essa questão da área cultural e acesso à cultura universal. Mas eu acho que você tem a resposta melhor. A formulação conclusiva da sua pergunta traz a melhor resposta a ela. Você ouça de novo gravada, você vai ver: eu concordo com aquilo, essa é minha opinião. A formulação conclusiva da sua pergunta traz a melhor resposta à sua pergunta.

        Monique — Então, diante dessa questão que a gente não está nomeando, e que está no final da minha pergunta, a gente tem a seguinte situação: a educação infantil é uma profissão quase estritamente feminina: são raríssimos os homens que estão nesta profissão.

        Caetano — É verdade, é engraçado isso não é?

        Monique — Então, eu fico pensando o seguinte: as mulheres, ou esse aspecto mais feminino nelas, ele é maternal, tem como possibilidade uma tentativa de quase substituir a casa, e essa coisa que você falou que não queria ser substituído...

        Caetano — É eu não quero mesmo.

        Monique — ...no seu amor de pai. Tanto é assim, que as professoras de educação infantil são chamadas de tias, como se fossem não uma profissional, mas uma pessoa da família. Então você tem nessas profissionais uma coisa ao mesmo tempo de uma dedicação que às vezes é espantosa, isso que Dolores nos dizia de professoras que têm um amor a essa causa e a esse trabalho com as crianças, uma dedicação, um ânimo pra coisa que é extraordinário, sobretudo se você for pensar nas condições de trabalho, que são muito ruins.

        Caetano — Eu fico espantado como ainda há professores no Brasil. É um gosto mesmo, porque não há estímulo não é verdade?

        Monique — Exatamente...

        Caetano — Eu fico apaixonado quando uma pessoa diz que é professora, ou professor, de escola primária, é inacreditável. Porque a pessoa deveria ser muito bem assistida. Deveria ter um bom salário, e muitas regalias na sociedade brasileira para estimular a educação, o ensino. Mas os professores não têm isso, ao contrário.

        Dolores — A Monique coloca um exemplo que eu acho vital: a gente vai ao médico, a gente confia no médico, não pode dar palpite. Mas quando chega a hora das professoras, ela não pode fazer o que acredita, porque diretor, pai, mãe, todo mundo dá palpite. É aí que ela insiste na coisa de a gente poder se profissionalizar.

        Caetano — É, eu acho. Olha, isso daí eu acho importante.

        Monique — É exatamente minha segunda pergunta. Porque você tem uma profissão feminina que tem essa dedicação, tem esse desvelo, mas tem uma precariedade imensa de conhecimento de ofício: as pessoas são, no máximo, muito boas reprodutoras de procedimentos que já vêm de muitos e muitos anos, com aqueles mesmos textos: essas são as boas professoras. Mas a educação é um terreno, assim, maravilhoso de investigações. Se formos pensar como um ser humano aprende, por exemplo, só por aí você tem coisas extraordinárias; toda questão da arte, toda questão da constituição das linguagens. Raríssimos são os professores que têm acesso a essas coisas e que se preocupam com elas, que buscam se profissionalizar nesse sentido. Quero dizer que se perguntam: "que base científica eu preciso para exercer essa profissão, o que é que eu preciso saber?". Então, eu queria saber como é que você vê essa questão, eu pergunto, por ser uma profissão feminina é que existe na educação essa dificuldade de tomar o ofício mais a sério?

        Caetano — Eu não sei, eu não sei. Talvez o fato de ser predominantemente feminino o contingente de professores de crianças pequenas contribua, ou seja, mesmo uma condição para que essa função seja exercida de uma maneira muito menos profissional, de uma maneira quase pessoal, familiar. Em vez de profissional, e sem muita tendência profissionalizante. Talvez seja porque junto com várias coisas arcaicas tem aí também a própria ideia de que a mulher não é, nem deve, nem precisa ser muito intelectualmente desenvolvida. Eu acho que está embutido aí, talvez, uma velha visão da mulher, também, talvez esteja. Eu vejo, quando você descreve essas questões...

        Monique — Que visão da mulher você tem em relação a isso? Porque você é bem ambíguo, muitas vezes, assim, publicamente...

        Caetano — Ah! Sou, sou, intimamente mais ambíguo ainda! Intimamente mais ambíguo ainda. Eu acho que evidentemente tem coisas boas nesse fato de ser sobretudo mulheres que ensinam as crianças, tem coisas boas no fato de as mulheres não serem muito boas profissionais também, não terem uma tendência, ou um convite da sociedade para que elas sejam intelectualmente muito responsáveis. Isso leva coisas boas também no trato das professoras de crianças na primeira fase.

        Monique — Que tipo de coisas?

        Caetano — Eu não sei, talvez esse próprio calor personalizado, maternal, confundido com a família, tenha em si mesmo algumas vantagens que se a gente...

        Monique — Mas você disse na escola do Moreno que você não queria...

        Caetano — Não queria e não quero... eu estou dizendo apenas que embora..., eu não quero, mas eu acho que deve ter coisas boas, que é o que mantém isso. Eu acho que deve ter, porque eu vejo que tem. Eu acho o seguinte: essas pessoas que se desvelam nessa profissão são pessoas maravilhosas e não é o fato de haver um equívoco dessa natureza em relação a isso que diminui aos meus olhos a beleza do perfil psicológico da professora da criança pequena, entendeu? Eu digo assim, a ideia geral que eu faço da moça que ensina as crianças na primeira fase é uma ideia benigna, em primeiro lugar, uma ideia boa. Essas características pouco profissionais devem conter alguma coisa de muito boa, eu acho, porque tudo isso, a mera existência de professoras já é uma coisa muito boa, entendeu, quando não há estímulo profissional para que haja professoras. Então eu queria apenas estar dizendo uma coisa carinhosa que elas merecem. O que não quer dizer que eu ache que as coisas devam permanecer assim, ao contrário: eu acho que quanto maior desenvolvimento intelectual e consciência do que elas estão fazendo por essas pessoas, sobretudo mulheres, puderem ganhar, melhor será para elas e para a profissão e melhor será para o ensino no Brasil. Até mesmo para aquela visão mais geral de que a gente estava falando sobre a necessidade de democratização do ensino público no Brasil...

        Monique — Exatamente.

        Caetano — Então, a minha posição é nitidamente favorável a uma superação de uma fase amadorística, embrionária do ensino para crianças pequenas. Mas, quando eu disse que deve haver coisas boas é porque eu suponho que há alguma coisa muito delicada, muito profunda nessa questão da ambição moderna de equiparar o homem à mulher nas suas potencialidades como sujeitos sociais, entendeu? Eu acho que esse é um assunto que me interessou desde a minha primeira infância, uma coisa que me interessa desde que eu era criança, que os assuntos que são assuntos do feminismo são assuntos meus...

        Monique — A terceira pergunta é a seguinte: você, como pai do Zeca, se você pudesse fazer uma escola dos seus sonhos, o que você gostaria que a escola oferecesse?

        Caetano — Olha, uma escola dos meus sonhos não teria dificuldade de ser posta em funcionamento, é muito simples: uma escola que ensinasse, fosse limpa, organizada... Não achei basicamente muito difícil educar o meu primeiro filho em escolas, aquela questão que eu enfrentei, eu a descrevi, mais não cheguei a ter grandes dificuldades, nem quando ele foi para uma escola muito careta, ele chegou a ter dificuldades, serviu para ele de complementação, de experiência, de aprendizado também de como as coisas são. Então, não posso dizer que eu particularmente tenha tido dificuldades com escolas, e não penso que venha a ter com o Zeca, necessariamente, porque eu acho, se não houver problemas sérios, as escolas são basicamente fáceis em me satisfazer. É verdade, é fácil para uma escola me satisfazer como pai, porque para mim basta que haja um nível razoável de informação, que os professores se comportem bem, ensinem. Eu não tenho uma ideia muito criativa de como uma escola deve ser, nem preciso ter como pai. O que me preocupa mais é a possibilidade de muitas outras crianças, que nasceram nessa mesma altura que o Zeca nasceu, poderem ter acesso a um ensino razoável, a algum ensino, não é? O maior problema de Zeca para mim não está nem com ele, nem na escola que ele poderá encontrar, eu acho que está mais no número imenso de companheiros de geração dele que não chegarão a nenhuma escola, ou chegarão apenas a frequentar uma sub-escola por um ano e meio ou dois, e depois terem que sair, ou terminarem saindo. Eu acho que esse é que vai ser o maior problema para Zeca, porque a escola em si, para uma pessoa com os meus meios, no Brasil, eu acho que dificilmente chega propriamente a ser um problema: eu não senti isso com meu primeiro filho e não vejo que eu venha a sentir com o segundo. Eu ouço muito dizer entre pessoas da minha área, quer dizer, até entre pessoas da classe artística, mas sobretudo entre pessoas de alto poder aquisitivo no Brasil, ouço dizer, e tenho visto eles se decidirem por isso, que preferem botar os filhos para estudar em escolas estrangeiras. Então uns estudam em escolas alemãs, outros na americana, outros na escola inglesa. Eu não tenho desejo nenhum de fazer isso, eu até reajo um pouco contra isso. Primeiro porque não sinto problema — como se houvesse uma deficiência nas escolas em que meu filho mais velho estudou —, e depois porque eu tenho um pouco de desconfiança, e até de repulsa mesmo por essa atitude. É mais um agravante da disparidade social brasileira e econômica, esses atos das pessoas de alto poder aquisitivo no Brasil, praticamente só usarem o Brasil para sugar o dinheiro dele, para sugar posses, para poder gastar em outros países e ainda por cima botar os filhos em escolas de outros países. Então, parece que o Brasil como país não existe, gradativamente vai se tornando apenas um lugar que algumas pessoas, muito poucas, sugam de onde as pessoas retiram tudo para gastar em outros lugares. Então eu tenho esse problema; mas a escola, é claro que eu quero, por exemplo, que o Zeca tenha uma escola não muito repressiva, com uma capacidade de permitir que ele desenvolva a individualidade dele, que expresse a personalidade individual dele, mas não acho que isso seja muito difícil de encontrar hoje em dia. Eu gostei das escolas que eu frequentei. Sei que houve uma queda muito grande na questão da qualidade de ensino e de manutenção de escolas públicas no Brasil — o que eu acho uma tragédia —, e porque eu estudei em escolas públicas, se pudesse haver uma reversão desse quadro eu adoraria; se Zeca já pudesse se beneficiar disso, para mim isso sim seria um sonho.

        Monique — Eu tenho até um sonho...

        Caetano — Mas eu espero até que você tenha, porque é da sua profissão. Eu estou falando com você porque eu adoro esse assunto e para estimular seu próprio pensamento. É por isso que eu estou falando, para você também, eu acho que vale a pena. Mas eu acho que eu próprio não posso contribuir com ideia nenhuma para essas coisas. Eu acho que talvez a nossa conversa sirva a você, mas eu não posso trazer ideias novas a uma atividade à qual eu não estou ligado.

        Monique — Assim como eu não poderia trazer ideias novas para uma canção sua...

        Caetano — É, talvez. Mas você sabe que eu queria ser professor, eu queria ser professor. Eu já lhe disse isso, não é? Se eu não fosse artista, eu ia ser professor. Está bom?

        Monique — Está ótimo!

Concedida a Monique Deheinzelin em Salvador, em 18 de janeiro de 1993. Extraída de Trilha: educação, construtivismo, de Monique Deheinzelin, Petrópolis/RJ: Vozes, 1996. Participou da entrevista a educadora baiana Maria Dolores Coni Campos. Petrópolis, Editora Vozes, 1994.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 239-245.

Entendendo a entrevista:

01 – Qual é a ideia central da proposta de educação infantil que Monique menciona, baseada no livro "A fome com a vontade de comer"?

      A ideia central é que as transformações têm a chave do saber e que essas transformações ocorrem por meio da interação entre o que a pessoa é, o que ela sabe (conhecimentos prévios) e aquilo que lhe é ensinado.

02 – Como Caetano Veloso se posiciona em relação à convivência entre a cultura local (ex.: samba de roda) e influências externas (ex.: rock and roll)?

      Caetano Veloso afirma que, por sua experiência pessoal, essas coisas convivem sim. Ele não sabe por quanto tempo ou em que termos, mas cita o Recôncavo da Bahia, em Santo Amaro, onde o samba de roda continua sendo uma prática normal, mesmo para pessoas que ouvem outros gêneros musicais.

03 – Qual é o papel principal da escola, segundo a conclusão de Monique e a concordância de Caetano Veloso?

      A escola é o lugar de acesso democrático ao conhecimento universal, onde o conhecimento local serve como meio para acessar e fazer conexões com outros círculos de saber, não como uma defesa contra o que é exterior.

04 – Que crítica Monique faz à "escola nova" ou "renovada" em contraste com a escola tradicional?

      Monique critica que, ao descartar o ensino intencional dos objetos de conhecimento, a escola nova, apesar de formar crianças espontâneas, criativas e alegres, as deixa "muito pouco informadas". Além disso, a ênfase excessiva na cultura local pode impedir o acesso democrático ao conhecimento universal.

05 – Qual foi a experiência pessoal de Caetano Veloso com a escola de seu filho Moreno que o fez questionar a "escola divertida"?

      Em uma reunião de pais e mestres, a escola de Moreno enfatizava demais o quão agradável e divertida a aprendizagem deveria ser. Caetano se levantou e expressou sua preocupação de que a escola estivesse negando que "alguma coisa no ensino e no estudo, e tem que ser chata", defendendo a importância da disciplina e do esforço para alcançar prazeres superiores.

06 – Como Caetano Veloso justifica a necessidade de aceitar o "lado chato da vida" na educação, usando o exemplo de tocar pandeiro?

      Ele explica que, para tocar pandeiro bem e se divertir na esquina, é preciso um "maçada incomensurável" de treinamento e autodisciplina. A escola, portanto, deve ensinar a criança a enfrentar o que é difícil e chato para adquirir capacidades e habilidades, mais do que apenas ser espontânea ou divertida.

07 – Qual a visão de Monique sobre a profissão de educador infantil no Brasil, especialmente por ser predominantemente feminina?

      Monique observa que é uma profissão com grande dedicação e desvelo, mas com uma imensa precariedade de conhecimento de ofício. Ela questiona se o fato de ser uma profissão feminina contribui para essa dificuldade em levá-la mais a sério, com menor busca por base científica e profissionalização.

08 – Como Caetano Veloso interpreta o fato de a educação infantil ser predominantemente feminina e ter um aspecto "pouco profissional"?

      Ele sugere que, talvez, isso contribua para que a função seja exercida de uma maneira menos profissional, mais pessoal/familiar, e que isso pode estar relacionado a uma "velha visão da mulher" que não a vê como intelectualmente desenvolvida. No entanto, ele também acredita que esse "calor personalizado, maternal" tem suas vantagens que mantêm a beleza do perfil psicológico dessas professoras.

09 – Qual seria a "escola dos sonhos" de Caetano Veloso para seu filho Zeca?

      Ele descreve uma escola simples, limpa, organizada e que ensinasse com um "nível razoável de informação", onde os professores se comportassem bem. Para ele, o maior problema não está na escola para seu filho, mas sim no acesso de muitas outras crianças à educação de qualidade no Brasil.

10 – Por que Caetano Veloso reage à atitude de pais de alta poder aquisitivo que mandam seus filhos para escolas estrangeiras?

      Ele vê essa atitude como um agravante da disparidade social e econômica brasileira, onde o país é "sugado" para que o dinheiro seja gasto em outros lugares e os filhos estudem no exterior. Ele sente "desconfiança e até repulsa" por essa prática, pois parece que "o Brasil como país não existe" para essas pessoas.

 

CRÔNICA: PARA MARIA DA GRAÇA - PAULO MENDES CAMPOS - COM GABARITO

 Crônica: Para Maria da Graça

              Paulo Mendes Campos

        Agora, que chegaste à idade avançada de 15 anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas.

        Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgYGgECNacZ9r1Wpbp127zluI7lBDNcDnibFyNnERd-XWVGICeuTGCCEXUl2rO29GjCKUCdmZF2WdOWhD6FBLqRfexPVhyoy1986-h_tCcuVibRCXDPKPJDA1_Irrf3Q_Yo8lSjKn8Am2w7HMd1KqK46JWumDUXvtueutgyLQ1Ag_V3g8V0xUWBLFMc0Aw/s1600/CRONICA.jpg


        Escuta: se não descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade.

        A realidade, Maria, é louca.

        Nem o papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: "Fala a verdade, Dinah, já comeste um morcego?".

        Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. "Quem sou eu no mundo?" Essa indagação perplexa é o lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.

        A sozinhez (esquece essa palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: "Estou tão cansada de estar aqui sozinha!". O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta fechada, e vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.

        Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial, e temos a presunção petulante de esperar dela grandes consequências. Quando Alice comeu o bolo, e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, às pessoas que comem bolo.

        Maria, há uma sabedoria social ou de bolso; nem toda sabedoria tem de ser grave.

        A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia: "Oh, I beg your pardon!". Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para a tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou a Alice: "Gostaria de gatos se fosses eu?".

        Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, na política, nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namoradas, todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: "A corrida terminou! Mas quem ganhou?". É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida se a gente não irá saber quem venceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupes a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre aonde quiseres, ganhaste.

        Disse o ratinho: "Minha história é longa e triste!". Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: "Minha vida daria um romance". Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance é só o jeito de contar uma vida, foge, polida mas energicamente, dos homens e das mulheres que suspiram e dizem "Minha vida daria um romance!" Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.

        Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: "Devo estar diminuindo de novo". Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.

        E escuta esta parábola perfeita: Alice tinha diminuído tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e de rinocerontes que parecem camundongos.

        O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e o grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom humor.

        Toda pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para as grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.

        Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago, pensava: "Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas".

        Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida. É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.

Extraído de: Para gostar de ler (volume 4 – crônicas) Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, São Paulo, Ática/Edição Didática.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 288-289.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é o presente que o narrador oferece a Maria da Graça, e o que ele simboliza?

      O narrador presenteia Maria da Graça com o livro "Alice no País das Maravilhas". Este livro não é apenas uma história, mas um símbolo e um guia para que Maria da Graça aprenda a "ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas". Ele representa uma chave para compreender a realidade complexa, por vezes absurda, e para encontrar significado naquilo que parece sem sentido.

02 – Segundo o narrador, qual é a principal lição que Maria da Graça deve aprender sobre a "loucura" da realidade?

      A principal lição que Maria da Graça deve aprender é que "a realidade, Maria, é louca" e que é essencial descobrir um sentido nessa loucura para não acabar louca. O narrador enfatiza que, ao invés de se espantar com o mundo irreconhecível, ela deve aprender a decifrar a "charada" da existência e a inventar suas próprias respostas, mesmo que "seja mentira", para se fortalecer.

03 – Como a crônica aborda a questão da identidade e do autoconhecimento?

      A crônica aborda a questão da identidade através da indagação "Quem sou eu no mundo?", que o narrador descreve como o "lugar-comum de cada história de gente". Ele sugere que, quanto mais vezes Maria da Graça decifrar essa charada, mais forte ela se tornará. A crônica enfatiza que a resposta não é tão importante quanto o ato de dar ou inventar uma resposta, indicando que o autoconhecimento é um processo contínuo de construção pessoal.

04 – O que o narrador sugere sobre a "sabedoria de bolso" e como ela se relaciona com as interações sociais?

        A "sabedoria de bolso" é descrita como uma sabedoria prática e menos "grave", focada na convivência social. O narrador sugere a importância de pedir desculpas frequentemente ("Oh, I beg your pardon!") e de exercitar a empatia, tentando ver o mundo do ponto de vista do outro, como exemplificado pela pergunta do rato a Alice: "Gostaria de gatos se fosses eu?". Essa sabedoria visa à leveza e à compreensão nas relações humanas.

05 – Qual é a crítica do narrador em relação às "corridas" e competições na vida adulta?

      O narrador critica as competições incessantes e muitas vezes fúteis da vida adulta, sejam elas no trabalho, na política, nas artes ou mesmo nas relações pessoais. Ele as descreve como "confusas, cheias de truques, desnecessárias, fingindo que não é, ridículas". A crítica central é que muitas vezes as pessoas competem sem um propósito claro, e o mais importante não é ser o primeiro a chegar, mas sim chegar "aonde quiseres", independentemente da posição em relação aos outros.

06 – Como o conceito de "milagres" é redefinido pelo narrador na crônica?

      O narrador redefine o conceito de "milagres", afirmando que eles sempre acontecem na vida, mas "não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar". Ele sugere que os verdadeiros e mais profundos milagres são processos lentos e graduais. Essa visão contrasta com a expectativa comum de eventos súbitos e espetaculares, incentivando Maria da Graça a reconhecer as transformações lentas e importantes em sua vida.

07 – O que significa a metáfora das "três caixas para guardar humor" e qual a importância da "caixinha preciosa"?

      A metáfora das "três caixas para guardar humor" representa a necessidade de gerenciar o humor em diferentes situações da vida. A caixa grande é para o humor cotidiano; a média, para o humor pessoal, que permite rir de si mesma e perdoar-se. A "caixinha preciosa" é a mais importante e escondida, reservada para as "grandes ocasiões", ou seja, os momentos de dor ou vaidade extrema, em que se sente o fracasso ou o triunfo. Ela é crucial para manter o equilíbrio e o bom humor nessas situações de vulnerabilidade, evitando a autodestruição ou o excesso de presunção.

 

CRÔNICA: O RÁDIO APAIXONADO - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

 Crônica: O rádio apaixonado

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj2cbEg5fuEWJ4Jd9C4TzTnjg_lgh7RuRz8jPW5jCXkd8yNPl_HO3ILChiRUM-lW3w-_IJeA-Id9ae1lary1M-fl1mtbuyiAnUTya_QZ22xJ6SHFeJPkiSlBS9l7_hBUODamE8Pr5jshG5wlmSTlWe67eQ_kpmg1fD6438Vg68xU9Vy0bljnpcdVS9Bmkk/s320/Pinterest(1).png

               Moacyr Scliar

        MINHA QUERIDA DONA, sei que você anda se queixando de mim, publicamente, até. Você não pode imaginar o sofrimento que isto me causa, mesmo porque você provavelmente acha que rádios são objetos inanimados, sem vida própria.

        Você está enganada. Ao menos no meu caso, você está enganada. Ao contrário do que você pensa, tenho sentimentos, tenho emoções. É em nome desses sentimentos e dessas emoções que lhe falo agora, tanto em AM como em FM. Na verdade, eu nem tinha tomado conhecimento de minha própria existência, até que fui instalado em seu carro.

        Você estava muito feliz; tinham lhe dito que minha marca é ótima, e que você contaria com um som maravilhoso para lhe ajudar no estresse que é esse trânsito. E, eu colocado no meu lugar, você me acariciou, você tocou os meus botões. Senti um verdadeiro choque, eu que já deveria estar acostumado com eletricidade. Você fez de mim um ser vivo.

        Vivo e apaixonado. Daquele momento em diante, passei a ansiar por sua presença. Era para você que eu queria transmitir as melodias que recebia por meio de tantas canções. Você ao volante, minha felicidade era completa. Acontece que você não se deu conta disso, ou fingiu que não se dava conta disso. Você me ligava, você sintonizava uma emissora qualquer e pronto, voltava à sua vidinha. Pior: tratava-se de uma vidinha partilhada. Amigas embarcavam em seu carro. Amigos também. Você conversando com um homem, aquilo me dava ciúmes, ciúmes terríveis.

        O Bentinho, do Machado de Assis, aquele que desconfiava da Capitu, não sofreu tanto.

        Lá pelas tantas eu tinha ciúmes até do seu MP4.

        Agora: o que poderia eu fazer? Humanos têm como demonstrar seus ciúmes, têm como descarregar a frustração. Mas eu sou um rádio, um bom rádio, mas rádio, de qualquer maneira. A mim não estava facultado fazer cenas. Recorri, então, àquilo que estava a meu alcance: o som.

        Quando você estava com alguém de quem eu não gostava, eu aumentava meu volume – e volume, você sabe, é coisa que não me falta – até chegar a níveis insuportáveis, uma avalanche de decibéis. E aí, subitamente me calava. Para lembrar a você que o silêncio também fala, especialmente o silêncio dos traídos. Ah, sim, e queimei o seu MP4. Tinha de queimar: era ele ou eu.

        Você foi se queixar com um técnico, achando que eu estava desconfigurado. Num certo sentido você está certa: estou desconfigurado, estou desfigurado, estou perturbado – mas tudo isso por causa do sofrimento que você me causou.

        Querida dona, estas são minhas derradeiras palavras, antes de sair definitivamente do ar, antes do silêncio final. Minha última mensagem é esta: nunca brinque com os sentimentos de um rádio apaixonado. Você vai ter, no mínimo, surpresas desagradáveis.

SCLIAR, Moacyr. O rádio apaixonado. In: SCLIAR, Moacyr. Histórias que os jornais não contam. 3. ed. Porto Alegre: L&M Editores, 2018.p.14-16. (Adaptado).

Entendendo a crônica:

01 – Qual é a premissa inusitada que o narrador da crônica apresenta?

      A premissa inusitada é que o narrador é um rádio de carro que possui sentimentos e emoções, contrariando a percepção de sua dona de que ele é apenas um objeto inanimado.

02 – Como o rádio descreve o momento em que se tornou "vivo e apaixonado" por sua dona?

      O rádio descreve o momento como um "choque" elétrico, ocorrido quando a dona o instalou no carro e o acariciou e tocou seus botões, fazendo-o sentir-se vivo e despertar sua paixão.

03 – Quais são os principais motivos de ciúme do rádio em relação à sua dona?

      Os principais motivos de ciúme do rádio são a presença de amigas e, principalmente, de outros homens no carro da dona, além de ter ciúme até do MP4 dela.

04 – De que forma o rádio expressa sua frustração e ciúmes, já que não pode fazer cenas como os humanos?

      O rádio recorre ao som para expressar sua frustração e ciúmes. Ele aumentava o volume a níveis insuportáveis quando a dona estava com alguém de quem não gostava e, em seguida, calava-se subitamente para lembrá-la que "o silêncio também fala". Ele também queimou o MP4.

05 – Qual é a analogia que o rádio faz com um personagem da literatura brasileira?

      O rádio se compara a Bentinho, de Machado de Assis, aquele que desconfiava de Capitu, para ilustrar a intensidade de seu sofrimento com o ciúme.

06 – Qual a condição atual do rádio e qual sua última mensagem para a dona?

      O rádio está "desconfigurado, desfigurado, perturbado" pelo sofrimento e está prestes a "sair definitivamente do ar". Sua última mensagem é um alerta: "nunca brinque com os sentimentos de um rádio apaixonado. Você vai ter, no mínimo, surpresas desagradáveis."

07 – Qual o tom geral da crônica, considerando a personificação do rádio e suas "queixas" para a dona?

      O tom geral da crônica é bem-humorado e irônico, apesar de o rádio expressar sentimentos de sofrimento e ciúme. A personificação de um objeto inanimado com emoções humanas cria uma situação cômica e reflexiva sobre as relações e a negligência afetiva.

 

CRÔNICA: O BOM E O MAU - CARLOS HEITOR CONY - COM GABARITO

 Crônica: O bom e o mau

              Carlos Heitor Cony

        Se me perguntarem (ninguém me pergunta nada há muito tempo) o que mais me irrita atualmente e o que mais me gratifica, eu responderei que é o computador. Na verdade, fica difícil imaginar a vida profissional sem ele, seus recursos de memória e arquivo, a capacidade de fazer correções, eliminar ou acrescentar palavras e parágrafos.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJUzbNTraRpfZmnP2jmMHjPzhQFfCBliXl2rOEjNiM6SMIrCtzIBqpLXpYLroDBN5ZwaLLbkq5MDMzBIR9QnJtgvBqrbh1Bg4M0bQuqgbCG1gesxMXUjMyLALIPrVoMDi24L_M7g1jyE4bIm9BrKQlHzed9wumntiUxBORycO6yq9S8mM_580x3uFC78M/s1600/lossy-page1-250px-Carlos_Heitor_Cony_autografa_seu_livro_%E2%80%9CO_ato_e_o_fato%E2%80%9D,_1964.tif.jpg


        É também irritante, sobretudo com os programas cada vez mais avançados que bolam para os usuários. Não sei qual foi o gênio que programou os dias da semana (segunda, terça, quarta etc.) com maiúsculas. Não os uso assim, e toda vez que começo a escrever "na segunda fila" ou "ter ou não ter, eis a questão" sou obrigado a eliminar a maiúscula, pois o computador, para melhor e mais rapidamente me servir, acha que eu vou escrever o que não quero nem preciso escrever.

        Acho que já contei esta história. Se contei, conto-a outra vez, pois ela expressa exatamente o que o computador pode nos dar de bom e ruim. Um escritor norte-americano escreveu um romance em que o personagem principal teria o nome de Julieta. Um amigo, que leu os originais, achou que o nome italianado não combinava com a mocinha do oeste dos Estados Unidos, que devia se chamar Bárbara, Carol ou Kate.

        O autor concordou e usando o recurso do "replace", ordenou que toda a vez que aparecesse a palavra "Julieta", fosse ela substituída pela palavra "Bárbara". Mandou o original assim emendado para a editora e quando recebeu o primeiro exemplar de sua obra, verificou que os seus personagens haviam ido ao teatro assistir a uma peça de Shakespeare intitulada "Romeu e Bárbara".

        Ao computador pode-se aplicar aquele pensamento do cão de Quincas Borba, que para facilitar as coisas, tinha o mesmo nome do dono: "Nada é completamente bom, nada é completamente mau".

CONY, Carlos Heitor. In: Manuel da Costa Pinto (Org.). Crônica brasileira contemporânea: antologia de crônicas. São Paulo: Salamandra, 2005. p. 30-31.

Fonte: Língua Portuguesa: Singular & Plural. Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar e Shirley Goulart – 6º ano – Moderna. 2ª edição, São Paulo, 2015. p. 266.

Entendendo a crônica:

01 – O que o autor Carlos Heitor Cony aponta como a coisa que mais o irrita e mais o gratifica atualmente?

      O autor aponta o computador como a coisa que mais o irrita e, ao mesmo tempo, mas o gratifica.

02 – Quais são os principais benefícios do computador, de acordo com o cronista?

      Os principais benefícios do computador, segundo Cony, são seus recursos de memória e arquivo, e a capacidade de fazer correções, eliminar ou acrescentar palavras e parágrafos, tornando a vida profissional muito mais fácil.

03 – Qual é um dos aspectos "irritantes" do computador mencionados pelo autor, relacionado aos programas?

      Um dos aspectos irritantes é a autocorreção e sugestão de escrita dos programas. Cony se irrita com o fato de o computador, por exemplo, escrever os dias da semana com maiúsculas, forçando-o a fazer correções constantes para o que ele realmente quer escrever.

04 – Qual a história que Carlos Heitor Cony utiliza para ilustrar os lados bom e ruim do computador?

      Cony conta a história de um escritor norte-americano que, ao decidir mudar o nome de sua personagem principal de "Julieta" para "Bárbara", usou o recurso "replace" no computador. O problema é que o programa substituiu todas as ocorrências da palavra "Julieta", resultando na infame peça "Romeu e Bárbara", demonstrando uma falha cômica do uso indiscriminado da ferramenta.

05 – Que citação de Quincas Borba o autor usa para resumir sua visão sobre o computador?

      Para resumir sua visão sobre o computador, o autor aplica o pensamento do cão de Quincas Borba: "Nada é completamente bom, nada é completamente mau".