domingo, 10 de agosto de 2025

CONTO: ASSOMBRAÇÕES DE AGOSTO - GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ - COM GABARITO

 Conto: Assombrações de agosto

           Gabriel García Márquez

        Chegamos a Arezzo, pouco antes do meio-dia, e perdemos mais de duas horas buscando o castelo renascentista que o escritor venezuelano Miguel Ottero Silva havia comprado naquele rincão idílico da planície toscana. Era um domingo de princípios de agosto, ardente e buliçoso, e não era fácil encontrar alguém que soubesse alguma coisa nas ruas abarrotadas de turistas. Após muitas tentativas inúteis voltamos ao automóvel, abandonamos a cidade por uma trilha de ciprestes sem indicações viárias e uma velha pastora de gansos indicou-nos com precisão onde estava o castelo. Antes de se despedir perguntou-nos se pensávamos dormir por lá, e respondemos, pois era o que tínhamos planejado, que só íamos almoçar.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnTkGn0w60LGB3df5WFbZ7KwbLPUbeiD102C0NrCfeAz3BUCiPck41ozOWRr5nip0waLGCYPAotQFjqRDaH2rtaozky1VkgkO8GG9z_SmrqwQd0cdYuC8GTcvY61RQbRkhXxchDx7esroTRqz_pFU2p_KhrsMpQCC11BS6DqZoz9R3WYKRZS1rd9ExQo0/s320/sddefault.jpg


        — Ainda bem, — disse ela —, porque a casa é assombrada.

        Minha esposa e eu, que não acreditamos em aparição do meio-dia, debochamos de sua credulidade. Mas nossos dois filhos, de nove e sete anos, ficaram alvoroçados com a ideia de conhecer um fantasma em pessoa.

        Miguel Ottero Silva, que além de bom escritor era um anfitrião esplêndido e um comilão refinado, nos esperava com um almoço de nunca esquecer. Como havia ficado tarde não tivemos tempo de conhecer o interior do castelo antes de sentarmos à mesa, mas seu aspecto, visto de fora, não tinha nada de pavoroso, e qualquer inquietação se dissipava com a visão completa da cidade vista do terraço florido onde almoçávamos. Era difícil acreditar que naquela colina de casas empoeiradas, onde mal cabiam noventa mil pessoas, houvessem nascido tantos homens de gênio perdurável. Ainda assim, Miguel Ottero Silva nos disse, com seu humor caribenho, que nenhum de tantos era o mais insigne de Arezzo.

        — O maior — sentenciou — foi Ludovico.

        Assim, sem sobrenome, Ludovico, o grande senhor das artes e da guerra, que havia construído aquele castelo de sua desgraça, e de quem Miguel Ottero nos falou durante o almoço inteiro. Falou-nos de seu poder imenso, de seu amor contrariado e de sua morte espantosa. Contou-nos como foi que, num instante de loucura do coração, havia apunhalado sua dama no leito onde tinham acabado de se amar, e depois atiçara contra si mesmo seus ferozes cães de guerra que o despedaçaram a dentadas. Garantiu-nos muito a sério que a partir da meia-noite o espectro de Ludovico perambulava pela casa em trevas, tentando conseguir sossego em seu purgatório de amor.

        O castelo, na realidade era imenso e sombrio. Mas em pleno dia, com o estômago cheio e o coração contente, o relato de Miguel só podia parecer outra de suas tantas brincadeiras para entreter seus convidados. Os 82 quartos que percorremos sem assombro depois da sesta tinham padecido de todo tipo de mudanças, graças aos seus donos sucessivos. Miguel havia restaurado por completo o primeiro andar e tinha construído para si um dormitório moderno, com piso de mármore e instalações para sauna e cultura física, e o terraço de flores imensas onde havíamos almoçado. O segundo andar, que tinha sido mais usado no curso dos séculos, era uma sucessão de quartos sem nenhuma personalidade, com móveis de diferentes épocas abandonados à própria sorte. Mas no último andar era conservado um quarto imenso, por onde o tempo tinha esquecido de passar. Era o dormitório de Ludovico.

        Foi um instante mágico. Lá estava a cama de cortinas bordadas com fios de ouro, e o cobre-leito de prodígios de passamanarias ainda enrugado pelo sangue seco da amante sacrificada. Estava a lareira com as cinzas geladas e o último tronco de lenha convertido em pedra, o armário com suas armas bem escovadas e o retrato a óleo do cavalheiro pensativo numa moldura de ouro, pintado por algum dos mestres florentinos que não teve a sorte de sobreviver ao seu tempo. No entanto, o que mais me impressionou foi o perfume de morangos recentes que permanecia estancado sem explicação possível no ambiente do dormitório.

        Os dias de verão são longos e parcimoniosos na Toscana, e o horizonte se mantém em seu lugar até as nove da noite. Quando terminamos de conhecer o castelo, eram mais de cinco da tarde, mas Miguel insistiu em levar-nos para ver os afrescos de Piero della Francesca na igreja de São Francisco, depois tomamos um café com muita conversa debaixo das pérgulas da praça, e quando regressamos para buscar as maletas, encontramos a mesa posta. Portanto, ficamos para o jantar.

        Enquanto jantávamos, debaixo de um céu de malva com uma única estrela, as crianças acenderam algumas tochas na cozinha e foram explorar as trevas nos andares altos. Da mesa ouvíamos seus galopes de cavalos, errantes pelas escadarias, os lamentos das portas, os gritos felizes chamando Ludovico nos quartos tenebrosos. Foi deles a má ideia de ficarmos para dormir, Miguel Ottero Silva apoiou-os encantado e nós não tivemos a coragem civil de dizer não.

        Ao contrário do que eu temia, dormimos muito bem, minha esposa e eu num dormitório do andar térreo e meus filhos no quarto contíguo. Ambos haviam sido modernizados e não tinham nada de tenebrosos. Enquanto tentava conseguir sono, contei os doze toques insones do relógio de pêndulo da sala e recordei a advertência pavorosa da pastora de gansos. Mas estávamos tão cansados que dormimos logo, num sono denso e contínuo, e despertei depois das sete com um sol esplêndido entre as trepadeiras da janela. Ao meu lado, minha esposa navegava no mar aprazível dos inocentes. "Que bobagem", disse a mim mesmo, "alguém continuar acreditando em fantasmas nestes tempos." Só então estremeci com o perfume de morangos recém-cortados, e vi a lareira com as cinzas frias e a última lenha convertida em pedra e o retrato do cavalheiro triste que nos olhava há três séculos por trás na moldura de ouro. Pois não estávamos na alcova do térreo onde havíamos deitado na noite anterior, e sim no dormitório de Ludovico, debaixo do dossel e das cortinas poeirentas e dos lençóis empapados ainda quentes de sua cama maldita.

Gabriel García Márquez In Doze contos peregrinos, Rio de Janeiro, Record, 1993.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 91-92.

Entendendo o conto:

01 – Onde e em que circunstâncias os narradores chegam ao castelo de Miguel Ottero Silva?

      Os narradores chegam a Arezzo, Itália, em um domingo de princípios de agosto, um dia quente e movimentado por turistas. Eles perdem mais de duas horas procurando o castelo renascentista do escritor venezuelano antes de serem guiados por uma velha pastora de gansos.

02 – Qual a primeira menção à assombração no conto e como os adultos e as crianças reagem a ela?

      A primeira menção à assombração é feita pela velha pastora de gansos, que adverte que a casa é "assombrada". Os narradores (adultos), que "não acreditam em aparição do meio-dia", debocham da credulidade dela. No entanto, os dois filhos (crianças), de nove e sete anos, ficam "alvoroçados com a ideia de conhecer um fantasma em pessoa".

03 – Quem é Ludovico e qual a história trágica associada a ele, segundo Miguel Ottero Silva?

      Ludovico é descrito como o "grande senhor das artes e da guerra" que construiu o castelo onde a história se passa. Miguel Ottero Silva conta que Ludovico, num acesso de loucura por amor, apunhalou sua dama no leito após terem se amado e, em seguida, atiçou seus cães de guerra contra si mesmo, sendo despedaçado. Seu espectro, segundo a lenda, perambula pela casa após a meia-noite.

04 – Que particularidade é notada no quarto de Ludovico pelos narradores durante a visita ao castelo, antes do jantar?

      No quarto de Ludovico, os narradores se impressionam com o perfume de morangos recentes que permanece "estancado sem explicação possível no ambiente", além da cama com cortinas bordadas, o cobre-leito manchado de sangue seco, a lareira com cinzas frias e o retrato do cavalheiro.

05 – Qual foi a "má ideia" das crianças que leva os adultos a pernoitar no castelo?

      A "má ideia" das crianças foi explorar os andares altos do castelo à noite, com tochas, e brincar de chamar Ludovico. Isso as fez querer ficar para dormir no castelo, e Miguel Ottero Silva as apoiou, fazendo com que os adultos não tivessem "coragem civil de dizer não".

06 – Onde os narradores (o casal) pensaram ter dormido e onde realmente acordaram?

      Os narradores (o casal) pensaram ter dormido em um dormitório modernizado no andar térreo. No entanto, eles acordaram no dormitório de Ludovico, no último andar, identificando o local pelo perfume de morangos, a lareira com cinzas frias e o retrato do cavalheiro.

07 – Qual é o elemento final que confirma a "assombração" para o narrador ao despertar?

      Ao despertar, o narrador, que inicialmente duvidava de fantasmas, sente o perfume de morangos recém-cortados e, ao olhar ao redor, vê a lareira com as cinzas frias, a lenha "convertida em pedra" e o retrato de Ludovico, confirmando que eles estavam no quarto assombrado, e não no quarto térreo onde acreditavam ter dormido.

CONTO: AS LONGAS COLHERES - GRUPO GRANADA DE CONTADORES DE HISTÓRIAS - COM GABARITO

 Conto: As longas colheres

        Uma vez, num reino não muito distante daqui, havia um rei que era famoso tanto por sua majestade como por sua fantasia meio excêntrica.

        Um dia ele mandou anunciar por toda parte que daria a maior e mais bela festa de seu reino. Toda a corte e todos os amigos do rei foram convidados.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMtN00Io5Tbz1uVr_1oAONZkr1xBCBbw0pMIHFJy9O0S_FPJmptDpP_Ye875ol2yQs4JOzBAn4WTe1mWkyM1_zyE-JJVTGVHYO2a8YGbSjJT2sfeyYRxUCVxqv8-CueLoNBD8txWSKkVA4-PVVaOnwfhsTAwVHF50bTBqg2PzETaZBuJ7s-k3KUMvFjro/s1600/images.jpg


        Os convidados, vestidos nos mais ricos trajes, chegaram ao palácio, que resplandecia com todas as suas luzes.

        As apresentações transcorreram segundo o protocolo, e os espetáculos começaram: dançarinos de todos os países se sucediam a estranhos jogos e aos divertimentos mais refinados.

        Tudo, até o mínimo detalhe, era só esplendor. E todos os convidados admiravam fascinados e proclamavam a magnificência do rei.

        Entretanto, apesar da primorosa organização da festa, os convidados começaram a perceber que a arte da mesa não estava representada em parte alguma.

        Não se podia encontrar nada para acalmar a fome que todos sentiam mais duramente à medida que as horas passavam.

        Essa falta logo se tornou incontrolável.

        Jamais naquele palácio nem em todo o país aquilo havia acontecido.

        A festa não parava de esforçar-se para atingir o auge, oferecendo ao público uma profusão de músicos maravilhosos e excelentes dançarinos.

        Pouco a pouco o mal-estar dos espectadores se transformou numa surda, mas visível contrariedade.

        Ninguém, no entanto, ousava elevar a voz diante de um rei tão notável.

        Os cantos continuaram por horas e horas. Depois foram distribuídos presentes, mas nenhum deles era comestível.

        Finalmente, quando a situação se tomou insustentável, e a fome, intolerável, o rei convidou seus hóspedes a passarem para uma sala especial, onde uma refeição os aguardava. Ninguém se fez esperar. Todos como um conjunto harmonioso, correram em direção ao delicioso aroma de uma sopa que estava num enorme caldeirão no centro da mesa.  

        Os convidados quiseram servir-se, mas grande foi sua surpresa ao descobrirem, no caldeirão, enormes colheres de metal, com mais de um metro de comprimento. E nenhum prato, nenhuma tigela, nenhuma colher de formato mais acessível.

        Houve tentativas, mas só provocaram gritos de dor e decepção. Os cabos desmesurados não permitiam que o braço levasse à boca a beberagem suculenta, porque não se podiam segurar as escaldantes colheres a não ser por uma pequena haste de madeira em suas extremidades.

        Desesperados, todos tentavam comer, sem resultado. Até que um dos convidados, mais esperto ou mais esfaimado, encontrou a solução: sempre segurando a colher pela haste situada em sua extremidade, levou-a à… boca de seu vizinho, que pôde comer à vontade.

        Todos o imitaram e se saciaram, compreendendo enfim que a única forma de alimentar-se, naquele palácio magnífico, era um servindo ao outro.

Extraído de: Grupo Granada de Contadores de Histórias (seleção e tradução) & Nícia Grillo (coord.). Histórias da tradição Sufi. Edições Dervish/Instituto Tarika, 1993.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 168-169.

Entendendo o conto:

01 – Qual era a característica mais notável do rei mencionado no início do conto?

      O rei era famoso tanto por sua majestade quanto por sua fantasia meio excêntrica.

02 – O que os convidados começaram a perceber durante a festa, apesar de toda a magnificência?

      Eles começaram a perceber que a arte da mesa não estava representada em parte alguma, ou seja, não havia comida para acalmar a fome.

03 – Como a contrariedade dos convidados se manifestou, mesmo sem ninguém ousar falar abertamente?

      O mal-estar dos espectadores transformou-se numa surda, mas visível contrariedade.

04 – O que o rei fez quando a fome dos convidados se tornou insuportável?

      O rei convidou seus hóspedes a passarem para uma sala especial, onde uma refeição os aguardava.

05 – Qual foi a grande surpresa dos convidados ao tentar se servir da sopa?

      Eles descobriram que havia apenas enormes colheres de metal com mais de um metro de comprimento no caldeirão, e nenhum prato ou tigela.

06 – Por que as colheres gigantes dificultavam a alimentação dos convidados?

      Os cabos desmesurados não permitiam que o braço levasse a sopa à boca, pois só era possível segurar as colheres por uma pequena haste de madeira nas extremidades.

07 – Qual foi a solução encontrada para que todos pudessem se alimentar?

      Um dos convidados, mais esperto, descobriu que a única forma de comer era servindo a sopa na boca do vizinho, e todos o imitaram, saciando-se ao se servirem mutuamente.

 

CONTO: A MOURA TORTA - HENRIQUETA LISBOA - COM GABARITO

 Conto: A moura torta

           Henriqueta Lisboa.

        Era uma vez um rei que tinha um filho único, e este, chegando a ser rapaz, pediu para correr mundo. Não houve outro remédio senão deixar o príncipe seguir viagem como desejava.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEihAsJNmddnrAgCcdttNUPWvC86WYDir2sJBJ9sCATKX0dFGsXLdO22T4uj9dTNyH_v0UYQp0NPj0r5byGkQK0M99B_ZiBelMHuhwnMvMTyz9N5XVjGB3I9kIgMrpvOCGWnu4ixvkFl6sL70e9BxPxhQ_Jq-pjRSbi8FZJBrEomqegL_l0uAn1Wahq3Rtc/s320/DI03868.jpg


        Nos primeiros tempos nada aconteceu de novidades. O príncipe andou, andou, dormindo aqui e acolá, passando fome e frio. Numa tarde ia ele chegando a uma cidade quando uma velhinha, muito corcunda, carregando um feixe de gravetos, pediu uma esmola. O príncipe, com pena da velhinha, deu dinheiro bastante e colocou nos ombros o feixe de gravetos, levando a carga até pertinho das ruas. A velha agradeceu muito, abençoou e disse:

        – Meu netinho, não tenho nada para lhe dar; leve essas frutas para regalo mas só abra perto das águas correntes.

        Tirou do alforje sujo três laranjas e entregou ao príncipe, que as guardou e continuou sua jornada.

        Dias depois, na hora do meio-dia, estava morto de sede e lembrou-se das laranjas. Tirou uma, abriu o canivete e cortou. Imediatamente a casca abriu para um lado e outro e pulou de dentro uma moça bonita como os anjos, dizendo:

        – Quero água! Quero água!

        Não havia água por ali e a moça desapareceu. O príncipe ficou triste com o caso. Dias passados sucedeu o mesmo. Estava com sede e cortou a segunda laranja. Outra moça, ainda mais bonita, apareceu, pedindo água pelo amor de Deus.

        O príncipe não pôde arranjar nem uma gota. A moça sumiu-se como uma fumaça, deixando-o muito contrariado.

        Noutra ocasião o príncipe tornou a ter muita sede. Estava já voltando para o palácio de seu pai. Lembrou-se do sucedido com as duas moças e andou até um rio corrente. Parou e descascou a última laranja que a velha lhe dera. A terceira moça era bonita de fazer raiva. Muito e muito mais bonita que as duas outras. Foi logo pedindo água e o príncipe mais que depressa lhe deu. A moça bebeu e desencantou, começando a conversar com o rapaz e contando a história. Ficaram namorados um do outro. A moça estava quase nua e o príncipe viajava a pé, não podendo levar sua noiva naqueles trajes. Mandou subir para uma árvore, na beira do rio, despediu-se dela e correu para casa.

        Nesse momento chegou uma escrava negra, cega de um olho, a quem chamavam a Moura Torta. A negra baixou-se para encher o pote com água do rio mas avistou o rosto da moça que se retratava nas águas e pensou que fosse o dela. Ficou assombrada de tanta formosura.

        – Meu Deus! Eu tão bonita e carregando água? Não é possível… Atirou o pote nas pedras, quebrando-o e voltou para o palácio, cantando de alegria. Quando a viram voltar sem água e toda importante, deram muita vaia na Moura Torta, brigaram com ela e mandaram que fosse buscar água, com outro pote.

        Lá voltou a negra, com o pote na cabeça, sucumbida. Meteu o pote no rio e viu o rosto da moça que estava na árvore, mesmo por cima da correnteza. Novamente a escrava preta ficou convencida da própria beleza. Sacudiu o pote bem longe e regressou para o palácio, toda cheia de si.

        Quase a matam de vaias e de puxões. Deram o terceiro pote e ameaçaram a negra de uma surra de chibata se ela chegasse sem o pote cheio d’água. Lá veio a Moura Torta no destino. Mergulhou o pote no rio e tornou a ver a face da moça. Esta, não podendo conter-se com a vaidade da negra, desatou uma boa gargalhada. A escrava levantou a cabeça e viu a causadora de toda sua complicação.

        – Ah! É vossimicê, minha moça branca? Que está fazendo aí, feito passarinho? Desça para conversar comigo.

        A moça, de boba, desceu, e a Moura Torta pediu para pentear o cabelo dela, um cabelão louro e muito comprido que era um primor. A moça deixou. A Moura Torta deitou a cabeça no seu colo e começou a catar, dando cafuné e desembaraçando as tranças. Assim que a viu muito entretida, fechando os olhos, tirou um alfinete encantado e fincou-o na cabeça da moça. Esta deu um grito e virou-se numa rolinha, saindo a voar.

        A negra trepou-se na mesma árvore e ficou esperando o príncipe, como a moça lhe tinha dito, de boba.

        Finalmente o príncipe chegou, numa carruagem dourada, com os criados e criadas trazendo roupa para vestir a noiva. Encontrou a Moura Torta, feia como a miséria. O príncipe, assim que a viu, ficou admirado e perguntou a razão de tanta mudança. A Moura Torta disse:

        – O sol queimou minha pele e os espinhos furaram meu olho. Vamos esperar que o tempo melhore e eu fique como era antes.

        O príncipe acreditou e lá se foi a Moura Torta de carruagem dourada, feito gente. O rei e a rainha ficaram de caldo vendo uma nora tão horrenda como a negra. Mas palavra de rei não volta atrás e o prometido seria cumprido. O príncipe anunciou seu casamento e mandou convite aos amigos.

        A Moura Torta não acreditava nos olhos. Vivia toda coberta de seda e perfumada, dando ordens e ainda mais feia do que carregando o pote d’água. Todos antipatizavam com a futura princesa.

        Todas as tardes o príncipe vinha espairecer no jardim e notava que uma rolinha voava sempre ao redor dele, piando triste de fazer pena. Aquilo sucedeu tantas vezes que o príncipe acabou ficando impressionado. Mandou um criado armar um laço num galho e a rolinha ficou presa. O criado levou a rolinha ao príncipe e este a segurou com delicadeza, alisando as peninhas. Depois coçou a cabecinha da avezinha e encontrou um caroço duro. Puxou e saiu um alfinete fino. Imediatamente a moça desencantou-se e apareceu bonita como os amores.

        O príncipe ficou sabendo da malvadeza da negra escrava. Mandou prender Moura Torta e contou a todo o mundo a perversidade dela, condenando-a a morrer queimada e as cinzas serem atiradas ao vento.

        Fizeram uma fogueira bem grande e sacudiram a Moura Torta dentro, até que ficou reduzida a poeira.

        A moça casou com o príncipe e viveram como Deus com seus anjos, querida por todos. Entrou por uma perna de pinto e saiu por uma de pato, mandou dizer El-Rei Meu Senhor que me contassem quatro…

Conto popular. Recontado por Lourença Maria da Conceição, in Câmara Cascudo, Contos tradicionais do Brasil. Rio de Janeiro, Ediouro, data?

Entendendo o conto:

01 – Qual foi o pedido do príncipe ao seu pai e qual foi a condição inicial de sua viagem?

      O príncipe pediu ao seu pai, o rei, para correr mundo (viajar e conhecer lugares). Inicialmente, ele "andou, andou, dormindo aqui e acolá, passando fome e frio", ou seja, enfrentou dificuldades e privações.

02 – Como o príncipe ajudou a velhinha corcunda e qual presente ele recebeu dela?

      O príncipe ajudou a velhinha corcunda dando-lhe dinheiro e colocando o feixe de gravetos dela em seus próprios ombros, carregando-o até a cidade. Como agradecimento, a velhinha lhe deu três laranjas, com a instrução de só abri-las perto de águas correntes.

03 – Por que as duas primeiras moças que saíram das laranjas desapareceram?

      As duas primeiras moças desapareceram porque, ao saírem das laranjas, imediatamente pediram água, e o príncipe não conseguiu providenciar nenhuma gota de água por perto. A falta de água as fez sumir.

04 – Qual a atitude da Moura Torta ao ver o reflexo da moça na água e qual foi a consequência de suas ações para ela mesma?

      A Moura Torta, ao ver o reflexo da moça na água, pensou que fosse o seu próprio e ficou extremamente vaidosa com tanta formosura. Por causa dessa vaidade, ela quebrou os potes que deveria encher com água, o que resultou em "muita vaia", brigas e ameaças de surra por parte das pessoas do palácio.

05 – Como a Moura Torta enganou a moça encantada da laranja?

      A Moura Torta enganou a moça pedindo para pentear seu cabelo e, enquanto a moça estava relaxada e de olhos fechados, a negra fincou um alfinete encantado na cabeça dela, transformando-a em uma rolinha.

06 – De que forma o príncipe descobriu a verdadeira identidade da moça transformada em rolinha e o que ele fez com a Moura Torta?

      O príncipe notou uma rolinha piando triste no jardim e, impressionado, mandou um criado capturá-la. Ao alisar as peninhas e coçar a cabecinha da rolinha, encontrou um caroço duro e puxou um alfinete fino, o que fez a moça desencantar. Ao saber da maldade, o príncipe mandou prender a Moura Torta, condenando-a a morrer queimada e ter suas cinzas atiradas ao vento.

07 – Qual o desfecho da história para a moça e para o príncipe?

      A moça casou com o príncipe e, segundo o conto, "viveram como Deus com seus anjos, querida por todos", indicando um final feliz e harmonioso.

 

CONTO: A LINHA MÁGICA - WILLIAM J. BENNETT - COM GABARITO

 Conto: A linha mágica

           William J. Bennett

        Era uma vez uma viúva que tinha um filho chamado Pedro. O menino era forte e são, mas não gostava de ir à escola e passava o tempo todo sonhando acordado.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj6F6ue8xuoM_yPaIInl8BLYn9hkFveJnjEBay3-0nPLIDBpxzSC-UYFOBH9j9hV-nqAI7denieQxybZkSGq2EPO3HPxFMqIxaXKjF453loOSASxJ-fzCBT-28ThcUyut-C1FrVucg9Zkk2d3f_6j-_ROrYx1JjNiipGSc4hi5FPHic7xvMiIvLKVT6Gkw/s320/a-linha-magica.jpg

        — Pedro, com o que você está sonhando a uma hora dessas? — perguntava-lhe a professora. Estava pensando no que serei quando crescer — respondia ele.

        — Seja paciente. Há muito tempo para pensar nisso. Depois de crescido, nem tudo é divertimento, sabe? — dizia ela.

        Mas Pedro tinha dificuldades para apreciar qualquer coisa que estivesse fazendo no momento, e ansiava sempre pela próxima. No inverno, ansiava pelo retorno do verão; e no verão, sonhava com passeios de esqui e trenó, e com as fogueiras acesas durante o inverno. Na escola, ansiava pelo fim do dia, quando poderia voltar para casa; e nas noites de domingo, suspirava dizendo: “Ah, se as férias chegassem logo!”. O que mais o entretinha era brincar com a amiga Lise. Era companheira tão boa quanto qualquer menino, e a ansiedade de Pedro não a afetava, ela não se ofendia. “Quando crescer, vou casar-me com ela”, dizia Pedro consigo mesmo.

        Costumava perder-se em caminhadas pela floresta, sonhando com o futuro. Às vezes, deitava-se ao sol sobre o chão macio, com as mãos postas sob a cabeça, e ficava olhando o céu através das copas altas das árvores. Uma tarde quente, quando estava quase caindo no sono, ouviu alguém chamando por ele. Abriu os olhos e sentou-se. Viu uma mulher idosa em pé à sua frente. Ela trazia na mão uma bola prateada, da qual pendia uma linha de seda dourada.

        — Olhe o que tenho aqui, Pedro — disse ela, oferecendo-lhe o objeto.

        — O que é isso? — perguntou, curioso, tocando a fina linha dourada.

        — É a linha da sua vida — retrucou a mulher. — Não toque nela e o tempo passará normalmente. Mas se desejar que o tempo ande mais rápido, basta dar um leve puxão na linha e uma hora passará como se fosse um segundo. Mas devo avisá-lo: uma vez que a linha tenha sido puxada, não poderá ser colocada de volta dentro da bola. Ela desaparecerá como uma nuvem de fumaça. A bola é sua. Mas se aceitar meu presente, não conte para ninguém; senão, morrerá no mesmo dia. Agora diga, quer ficar com ela?

        Pedro tomou-lhe das mãos o presente, satisfeito. Era exatamente o que queria. Examinou-a. Era leve e sólida, feita de uma peça só. Havia apenas um furo de onde saía a linha brilhante. O menino colocou-a no bolso e foi correndo para casa. Lá chegando, depois de certificar-se da ausência da mãe, examinou-a outra vez. A linha parecia sair lentamente de dentro da bola, tão devagar que era difícil perceber o movimento a olho nu. Sentiu vontade de dar-lhe um rápido puxão, mas não teve coragem. Ainda não.

        No dia seguinte na escola, Pedro imaginava o que fazer com sua linha mágica. A professora o repreendeu por não se concentrar nos deveres. “Se ao menos”, pensou ele, “já fosse a hora de ir para casa!” Tateou a bola prateada no bolso. Se desse apenas um pequeno puxão, logo o dia chegaria ao fim. Cuidadosamente, pegou a linha e puxou. De repente, a professora mandou que todos arrumassem suas coisas e fossem embora, organizadamente. Pedro ficou maravilhado. Correu sem parar até chegar em casa. Como a vida seria fácil agora! Todos seus problemas haviam terminado. Dali em diante, passou a puxar a linha, só um pouco, todos os dias.

        Entretanto, logo apercebeu-se que era tolice puxar a linha apenas um pouco todos os dias. Se desse um puxão mais forte, o período escolar estaria concluído de uma vez. Ora, poderia aprender uma profissão e casar-se com Lise. Naquela noite, então, deu um forte puxão na linha, e acordou na manhã seguinte como aprendiz de um carpinteiro da cidade. Pedro adorou sua nova vida, subindo em telhados e andaimes, erguendo e colocando a marteladas enormes vigas que ainda exalavam o perfume da floresta. Mas às vezes, quando o dia do pagamento demorava a chegar, dava um pequeno puxão na linha e logo a semana terminava, já era a noite de sexta-feira e ele tinha dinheiro no bolso.

        Lise também mudara-se para a cidade e morava com a tia, que lhe ensinava os afazeres do lar. Pedro começou a ficar impaciente acerca do dia em que se casariam. Era difícil viver tão perto e tão longe dela, ao mesmo tempo. Perguntou-lhe, então, quando poderiam se casar.

        No próximo ano — disse ela. — Eu já terei aprendido a ser uma boa esposa. Pedro tocou com os dedos a bola prateada no bolso.

        — Ora, o tempo vai passar bem rápido — disse, com muita certeza.

        Naquela noite, não conseguiu dormir. Passou o tempo todo agitado, virando de um lado para outro na cama. Tirou a bola mágica que estava debaixo do travesseiro. Hesitou um instante; logo a impaciência o dominou, e ele puxou a linha dourada. Pela manhã, descobriu que o ano já havia passado e que Lise concordara afinal com o casamento. Pedro sentiu-se realmente feliz.

        Mas antes que o casamento pudesse realizar-se, recebeu uma carta com aspecto de documento oficial. Abriu-a, trêmulo, e leu a notícia de que deveria apresentar-se ao quartel do exército na semana seguinte para servir por dois anos. Mostrou-a, desesperado, para Lise.

        — Ora — disse ela —, não há o que temer, basta-nos esperar. Mas o tempo passará rápido, você vai ver. Há tanto o que preparar para nossa vida a dois!

        Pedro sorriu com galhardia, mas sabia que dois anos durariam uma eternidade para passar. Quando já se acostumara à vida no quartel, entretanto, começou a achar que não era tão ruim assim. Gostava de estar com os outros rapazes, e as tarefas não eram tão árduas a princípio. Lembrou-se da mulher aconselhando-o a usar a linha mágica com sabedoria e evitou usá-la por algum tempo. Mas logo tornou a sentir-se irrequieto. A vida no exército o entediava com tarefas de rotina e rígida disciplina. Começou a puxar a linha para acelerar o andamento da semana a fim de que chegasse logo o domingo, ou o dia da sua folga. E assim se passaram os dois anos, como se fosse um sonho.

        Terminado o serviço militar, Pedro decidiu não mais puxar a linha, exceto por uma necessidade absoluta. Afinal, era a melhor época da sua vida, conforme todos lhe diziam. Não queria que acabasse tão rápido assim. Mas ele deu um ou dois pequenos puxões na linha, só para antecipar um pouco o dia do casamento. Tinha muita vontade de contar para Lise seu segredo; mas sabia que, se contasse, morreria.

        No dia do casamento, todos estavam felizes, inclusive Pedro. Ele mal podia esperar para mostrar-lhe a casa que construíra para ela. Durante a festa, lançou um rápido olhar para a mãe. Percebeu, pela primeira vez, que o cabelo dela estava ficando grisalho. Envelhecera rapidamente. Pedro sentiu uma ponta de culpa por ter puxado a linha com tanta frequência. Dali em diante, seria muito mais parcimonioso com seu uso, e só a puxaria se fosse estritamente necessário.

        Alguns meses mais tarde, Lise anunciou que estava esperando um filho. Pedro ficou entusiasmadíssimo, e mal podia esperar. Quando o bebê nasceu, ele achou que não iria querer mais nada na vida. Mas sempre que o bebê adoecia ou passava uma noite em claro chorando, ele puxava a linha um pouquinho para que o bebê tornasse a ficar saudável e alegre.

        Os tempos andavam difíceis. Os negócios iam mal e chegara ao poder um governo que mantinha o povo sob forte arrocho e pesados impostos, e não tolerava oposição. Quem quer que fosse tido como agitador era preso sem julgamento, e um simples boato bastava para se condenar um homem. Pedro sempre fora conhecido por dizer o que pensava, e logo foi preso e jogado numa cadeia. Por sorte, trazia a bola mágica consigo e deu um forte puxão na linha. As paredes da prisão se dissolveram diante dos seus olhos e os inimigos foram arremessados à distância numa enorme explosão. Era a guerra que se insinuava, mas que logo acabou, como uma tempestade de verão, deixando o rastro de uma paz exaurida. Pedro viu-se de volta ao lar com a família. Mas era agora um homem de meia-idade.

        Durante algum tempo, a vida correu sem percalços, e Pedro sentia-se relativamente satisfeito.

        Um dia, olhou para a bola mágica e surpreendeu-se ao ver que a linha passara da cor dourada para a prateada. Foi olhar-se no espelho. Seu cabelo começava a ficar grisalho e seu rosto apresentava rugas onde nem se podia imaginá-las. Sentiu um medo súbito e decidiu usar a linha com mais cuidado ainda do que antes. Lise dera-lhe outros filhos e ele parecia feliz como chefe da família que crescia. Seu modo imponente de ser fazia as pessoas pensarem que ele era algum tipo de déspota benevolente. Possuía um ar de autoridade como se tivesse nas mãos o destino de todos. Mantinha a bola mágica bem escondida, resguardada dos olhos curiosos dos filhos, sabendo que se alguém a descobrisse, seria fatal.

        Cada vez tinha mais filhos, de modo que a casa foi ficando muito cheia de gente. Precisava ampliá-la, mas não contava com o dinheiro necessário para a obra. Tinha outras preocupações, também. A mãe estava ficando idosa e parecia mais cansada com o passar dos dias. Não adiantava puxar a linha da bola mágica, pois isto só aceleraria a chegada da morte para ela.

        De repente, ela faleceu, e Pedro, parado diante do túmulo, pensou como a vida passara tão rápido, mesmo sem fazer uso da linha mágica.

        Uma noite, deitado na cama, sem conseguir dormir, pensando nas suas preocupações, achou que a vida seria bem melhor se todos os filhos já estivessem crescidos e com carreiras encaminhadas. Deu um fortíssimo puxão na linha, e acordou no dia seguinte vendo que os filhos já não estavam mais em casa, pois tinham arranjado empregos em diferentes cantos do país, e que ele e a mulher estavam sós. Seu cabelo estava quase todo branco e doíam-lhe as costas e as pernas quando subia uma escada ou os braços quando levantava uma viga mais pesada. Lise também envelhecera, e estava quase sempre doente. Ele não aguentava vê-la sofrer, de tal forma que lançava mão da linha mágica cada vez mais frequentemente. Mas bastava ser resolvido um problema, e já outro surgia em seu lugar. Pensou que talvez a vida melhorasse se ele se aposentasse. Assim, não teria que continuar subindo nos edifícios em obras, sujeito a lufadas de vento, e poderia cuidar de Lise sempre que ela adoecesse. O problema era a falta de dinheiro suficiente para sobreviver. Pegou a bola mágica, então, e ficou olhando. Para seu espanto, viu que a linha não era mais prateada, mas cinza, e perdera o brilho. Decidiu ir para a floresta dar um passeio e pensar melhor em tudo aquilo.

        Já fazia muito tempo que não ia àquela parte da floresta. Os pequenos arbustos haviam crescido, transformando-se em árvores frondosas, e foi difícil encontrar o caminho que costumava percorrer. Acabou chegando a um banco no meio de uma clareira. Sentou-se para descansar e caiu em sono leve. Foi despertado por uma voz que chamava-o pelo nome: “Pedro! Pedro!”.

        Abriu os olhos e viu a mulher que encontrara havia tantos anos e que lhe dera a bola prateada com a linha dourada mágica. Aparentava a mesma idade que tinha no dia em questão, exatamente igual. Ela sorriu para ele.

        — E então, Pedro, sua vida foi boa? — perguntou.

        — Não estou bem certo — disse ele — Sua bola mágica é maravilhosa. Jamais tive que suportar qualquer sofrimento ou esperar por qualquer coisa em minha vida. Mas tudo foi tão rápido. Sinto como se não tivesse tido tempo de aprender tudo que se passou comigo; nem as coisas boas, nem as ruins. E, agora falta tão pouco tempo! Não ouso mais puxar a linha, pois isto só anteciparia minha morte. Acho que seu presente não me trouxe sorte.

        — Mas que falta de gratidão! — disse a mulher — Como você gostaria que as coisas fossem diferentes?

        — Talvez se você tivesse me dado uma outra bola, que eu pudesse puxar a linha para fora e para dentro também. Talvez, então, eu pudesse reviver as coisas ruins.

        A mulher riu-se. — Está pedindo muito! Você acha que Deus nos permite viver nossas vidas mais de uma vez? Mas posso conceder-lhe um último desejo, seu tolo exigente.

        — Qual? — perguntou ele.

        — Escolha — disse ela. Pedro pensou bastante.

        Depois de um bom tempo, disse:

        — Eu gostaria de tornar a viver minha vida, como se fosse a primeira vez, mas sem sua bola mágica. Assim poderei experimentar as coisas ruins da mesma forma que as boas sem encurtar sua duração, e pelo menos minha vida não passará tão rápido e não perderá o sentido como um devaneio.

        — Assim seja — disse a mulher. — Devolva-me a bola.

        Ela esticou a mão e Pedro entregou-lhe a bola prateada. Em seguida, ele se recostou e fechou os olhos, exausto.

        Quando acordou, estava na cama. Sua jovem mãe se debruçava sobre ele, tentando acordá-lo carinhosamente.

        — Acorde, Pedro. Não vá chegar atrasado na escola. Você estava dormindo como uma pedra!

        Ele olhou para ela, surpreso e aliviado.

        — Tive um sonho horrível, mãe. Sonhei que estava velho e doente e que minha vida passara como num piscar de olhos sem que eu sequer tivesse algo para contar. Nem ao menos algumas lembranças.

        A mãe riu-se e fez que não com a cabeça.

        — Isso nunca vai acontecer — disse ela. — As lembranças são algo que todos temos, mesmo quando velhos. Agora, ande logo, vá se vestir. A Lise está esperando por você, não deixe que se atrase por sua causa.

        A caminho da escola em companhia da amiga, ele observou que estavam em pleno verão e que fazia uma linda manhã, uma daquelas em que era ótimo estar vivendo. Em poucos minutos, estariam encontrando os amigos e colegas, e mesmo a perspectiva de enfrentar algumas aulas não parecia tão ruim assim. Na verdade, ele mal podia esperar.

Extraído de: O livro das virtudes. 5. ed. Uma antologia de William J. Bennett. Nova Fronteira, 1995.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 185-189.

Entendendo o conto:

01 – Qual era a principal característica de Pedro quando criança, que o diferenciava dos outros?

      Pedro era um menino que não gostava de ir à escola e passava o tempo todo sonhando acordado, sempre ansiando pelo futuro e pela próxima coisa a acontecer, em vez de aproveitar o presente.

02 – Que presente a mulher idosa ofereceu a Pedro na floresta?

      Ela ofereceu uma bola prateada com uma linha de seda dourada, que ela disse ser a linha da vida de Pedro, capaz de acelerar o tempo com um puxão.

03 – Qual foi o primeiro uso significativo que Pedro fez da linha mágica na escola?

      Quando a professora o repreendeu por não se concentrar, ele puxou a linha um pouco para que o dia escolar chegasse ao fim mais rápido.

04 – O que Pedro fez com a linha mágica para se tornar logo um aprendiz de carpinteiro e se casar com Lise?

      Ele deu um forte puxão na linha, acelerando o tempo para concluir o período escolar e antecipar o casamento.

05 – Por que Pedro começou a se sentir culpado após seu casamento?

      Ele percebeu que sua mãe havia envelhecido rapidamente, e sentiu culpa por ter puxado a linha com tanta frequência, acelerando o tempo para todos.

06 – Que evento inesperado fez Pedro usar a linha mágica de forma drástica, saltando um longo período de tempo?

      Ele foi preso e jogado na cadeia sob um governo opressor, e usou a linha para acelerar o tempo, dissolvendo as paredes da prisão e a guerra.

07 – Qual foi o primeiro sinal físico que Pedro notou que a linha mágica estava afetando seu próprio envelhecimento?

      Ele olhou no espelho e viu que seu cabelo começava a ficar grisalho e seu rosto apresentava rugas, além da linha mágica ter mudado de cor de dourada para prateada.

08 – Qual foi a grande tristeza de Pedro relacionada à sua mãe, apesar de possuir a linha mágica?

      Ele percebeu que a linha mágica não adiantava para evitar a morte dela; na verdade, só aceleraria sua chegada. Sua mãe faleceu, e ele refletiu sobre como a vida passara rápido mesmo sem usar a linha para ela.

09 – Qual foi o último desejo de Pedro à mulher idosa na floresta, depois de perceber os efeitos negativos da linha?

      Ele desejou tornar a viver sua vida como se fosse a primeira vez, mas sem a bola mágica, para poder experimentar as coisas boas e ruins sem encurtar sua duração e perder o sentido.

10 – Como o conto termina para Pedro, e o que ele aprendeu?

      Pedro acorda em sua cama como um menino, descobrindo que tudo foi um sonho. Ele aprendeu a valorizar o presente, as pequenas coisas da vida, e a perspectiva de ir à escola e encontrar amigos, percebendo que "mal podia esperar" pelas experiências cotidianas.

 

CARTA DE DECLARAÇÃO: DÚVIDA ETERNA: DEVO ME DECLARAR? - FRAGMENTO - CAPRICHO ABRIL - COM GABARITO

 Carta de declaração: Dúvida eterna: devo me declarar? – Fragmento

        A decisão de se declarar para o gatinho é SEMPRE muito difícil. Será que a gente consegue ajudar a A?:

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjslpZJm9Va8zp7m3ertrkmGT6g7NRJNLpfApuWr8pfWbOPWZC3tbsblM3IhCT7UaZGWakeSSgHNX7pt3VsG_J42DxLCgLzgXNQZQQGc9qQA0xpTx6_jgfDW6s_yFmDrhLBDVzaYieQYvU0hyphenhyphenNClBBptwRScfK8B_ZmfQU2l7WgYOJbC7r77TGDcnZ8Mds/s320/Cartas_de_amor-1080x720.jpg


        [...] Acho essa história de se declarar um perigo! Uma declaração não correspondida é das coisas que mais doem no coração, fora a possibilidade dela virar o maior mico. Por essas e outras fico super na dúvida se essa é a melhor atitude para conquistar um gatinho. Não me entendam mal, eu sou super a favor da gente correr atrás do que (ou quem!) quer, de se arriscar, de tentar, de não desistir. Mas, pra mim, não tem muita lógica a ideia de que um gatinho vai começar a gostar de você simplesmente porque você gosta dele. O que leva alguém se apaixonar por outra pessoa são outras coisas. É uma boa conversa, a troca de carinho, os gostos em comum e também as diferenças (por que não?)

        Por isso acho mais negócio ir se aproximando aos poucos, fazendo amizade, mostrando interesse sim, mas sem declaração aberta. Principalmente nesse caso da A., que nunca nem conversou com o menino.

        Eu entendo que, às vezes, a paixão é tão grande que parece não caber dentro da gente e por isso essa vontade louca de se abrir. Mas antes de tomar essa decisão é preciso pensar nas consequências possíveis, e uma delas, infelizmente, é o menino simplesmente sair correndo. E eu acho que indo com um pouco mais de calma a chance de isso acontecer diminui bastante.

        E aí? Se declarar ou não?

        Beijo

        Fê.

Disponível em:http://capricho.abril.com.br/blogs/papodeamiga/duvida-eterna-devo-me-declarar/. Acesso em: 5 mar. 2015.

Fonte: Língua Portuguesa: Singular & Plural. Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar e Shirley Goulart – 7º ano – Moderna. 2ª edição, São Paulo, 2015. p. 58-59.

Entendendo a carta:

01 – Qual é a principal preocupação da autora da carta (Fê) em relação a uma declaração amorosa?

      A principal preocupação da autora é o risco de uma declaração não correspondida, que pode causar muita dor e se transformar em um "mico" (situação embaraçosa).

02 – Por que a autora questiona a eficácia de uma declaração aberta para conquistar alguém?

      A autora questiona porque ela não vê lógica na ideia de que alguém vai gostar de você "simplesmente porque você gosta dele". Ela acredita que o que leva à paixão são outros fatores, como boa conversa, troca de carinho, gostos em comum e até mesmo as diferenças.

03 – Qual a estratégia sugerida pela Fê como alternativa à declaração direta?

      A Fê sugere ir se aproximando aos poucos, fazendo amizade e mostrando interesse, mas sem uma declaração aberta.

04 – Em que tipo de situação a autora da carta considera a estratégia de aproximação gradual ainda mais importante?

      Ela considera a aproximação gradual ainda mais importante no caso específico da leitora "A", que nunca sequer conversou com o menino.

05 – Qual a consequência negativa que a autora alerta sobre uma declaração feita sem calma?

      A autora alerta que uma declaração feita sem calma pode fazer com que o menino "simplesmente saia correndo". Ela sugere que ir com mais calma diminui essa chance.

 

ARTIGO DE OPINIÃO: AS 3 FASES DO AMOR ROMÂNTICO - HELEN FISHER - COM GABARITO

 Artigo de Opinião: As 3 fases do amor romântico

           Helen Fisher

        Foi a antropóloga Helen Fisher, famosa pelos seus estudos sobre a bioquímica do amor, que propôs a existência de 3 fases no amor, cada uma delas com as suas características emocionais e os seus compostos químicos próprios. [...]

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgX8Hnzo2wPveiWPL2Kw4GQNeT2orUqNRuajC-hbnEFWeqaFJhjGVaiP9VlGiHBB3RtD4z_raDfQbvWwLkgsybVuIHse4_Her8tt8axqBVeM3Ivctj_HiinWdAllG0msC2PuR6YStP5uJpW4m2VZ0vkmoPeqMPGIquVG85ezosWweqnLqxNJPVgept8RM4/s320/neurobiologia_do_amor.png


        A primeira fase é chamada “Fase do desejo” e é desencadeada pelos nossos hormônios sexuais, a testosterona nos homens e o estrogênio nas mulheres. [...]

        A segunda fase é a “fase da atração”, enamoramento ou paixão: é quando nos apaixonamos, ou seja, é a altura em que perdemos o apetite, não dormimos, não conseguimos concentrar-nos em nada que não seja o objeto da nossa paixão. É uma fase em que podem acontecer coisas surpreendentes, que por vezes dão origem a situações divertidas (para os outros) e embaraçosas (para o próprio): as mãos suam, a respiração falha, é difícil pensar com clareza, há “borboletas no estômago”... enfim... e isso tem a ver com outro conjunto de compostos químicos que afetam o nosso cérebro: a norepinefrina que nos excita (e acelera o bater do coração), a serotonina que nos descontrola, e a dopamina, que nos faz sentir felizes. [...]

        A terceira fase é a “Fase de ligação” – passamos à fase do amor sóbrio, que ultrapassa a fase de atração/paixão e fornece os laços para que os parceiros permaneçam juntos. Há dois hormônios importantes nessa fase: a oxitocina e a vasopressina. [...]

Química. Boletim SPQ (Sociedade Portuguesa de Química). Portugal, nº100, p. 47-50, mar. 2006. (Fragmento adaptado).

Fonte: Língua Portuguesa: Singular & Plural. Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar e Shirley Goulart – 7º ano – Moderna. 2ª edição, São Paulo, 2015. p. 210.

Entendendo o artigo:

01 – Quem propôs a existência das 3 fases do amor romântico e qual é a área de estudo dela?

      A existência das 3 fases do amor romântico foi proposta pela antropóloga Helen Fisher, conhecida por seus estudos sobre a bioquímica do amor.

02 – Qual é o nome da primeira fase do amor e por quais elementos químicos ela é desencadeada?

      A primeira fase é chamada "Fase do desejo" e é desencadeada pelos hormônios sexuais: a testosterona nos homens e o estrogênio nas mulheres.

03 – Descreva as principais características emocionais e físicas da "Fase da atração" (enamoramento ou paixão).

      Na "Fase da atração", as pessoas podem perder o apetite, ter insônia, dificuldade de concentração no objeto da paixão, mãos suadas, falha na respiração, dificuldade para pensar com clareza e a sensação de "borboletas no estômago".

04 – Quais são os três compostos químicos que afetam o cérebro durante a "Fase da atração" e qual o efeito de cada um?

      Os três compostos são: a norepinefrina, que excita e acelera o bater do coração; a serotonina, que descontrola; e a dopamina, que faz sentir feliz.

05 – Qual o nome da terceira fase do amor, o que ela representa para o relacionamento e quais hormônios são importantes nessa etapa?

      A terceira fase é a "Fase de ligação". Ela representa o amor sóbrio, que ultrapassa a paixão e fornece os laços para que os parceiros permaneçam juntos. Os hormônios importantes nessa fase são a oxitocina e a vasopressina.