sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

POESIA COMPLETA: PREFÁCIO INTERESSANTÍSSIMO - (FRAGMENTO) - MÁRIO DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poesia completa: Prefácio Interessantíssimo – Fragmento

            Mário de Andrade

        Leitor: 

        Está fundado o Desvairismo.

        Este prefácio, apesar de interessante, inútil.

        Alguns dados. Nem todos. Sem conclusões. Para quem me aceita são inúteis ambos. Os curiosos terão o prazer em descobrir minhas conclusões, confrontando obra e dados. Para que me rejeita trabalho perdido explicar o que, antes de ler, já não aceitou.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEimh0havcPt_OIGG3ot_DdG5AihJ7IiGLq4b4TKlDuL2YhSCyVSgHtdmm-HyMac4_X6ImATuHsA_D4h_owvqFUSjNE9bee3EP0uw12uu4GoXEMfgdho8xIYqmdVf_NnTYXnCiMoqCnBO3mrNggd6JXrJOrfRkOurwBE5LPrKd8HmE1SbYb_v9oZpqTy6l8/s320/DESVAIRISMO.jpg


        [...]
 
        Aliás muito difícil nesta prosa saber onde termina a blague, onde principia a seriedade. Nem eu sei.

        E desculpem-me por estar tão atrasado dos movimentos artísticos atuais. Sou passadista, confesso. Ninguém pode se libertar duma só vez das teorias-avós que bebeu; e o autor deste livro seria hipócrita si pretendesse representar orientação moderna que ainda não compreende bem.

        Não sou futurista (de Marinetti). Disse e repito-o. Tenho pontos de contacto com o futurismo. [...]

        Um pouco de teoria?

        Acredito que o lirismo, nascido no subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir tantas sílabas, com acentuação determinada.

        A inspiração é fugaz, violenta. Qualquer impecilho a perturba e mesmo emudece. Arte, que, somada a Lirismo, dá Poesia, não consiste em prejudicar a doida carreira do estado lírico para avisa-lo das pedras e cercas de arame do caminho. Deixe que tropece, caia e se fira. Arte é mondar mais tarde o poema de repetições fastientas, de sentimentalidades românticas, de pormenores inúteis ou inexpressivos.

        [...]

        Belo da arte: arbitrário, convencional, transitório – questão de moda. Belo da natureza: imutável, objetivo, natural – tem a eternidade que a natureza tiver. [...]

        Sei construir teorias engenhosas. Quer ver? A poética está muito mais atrasada que a música. Esta abandonou, talvez mesmo antes do século 8, o regime da melodia quando muito oitava, para enriquecer-se com os infinitos recursos da harmonia.

        A poética, com rara exceção até meados do século 19 francês, foi essencialmente melódica. Chamo de verso melódico o mesmo que a melodia musical: arabesco horizontal de vozes (sons) consecutivas, contendo pensamento inteligível.

        Ora, si em vez de unicamente usar versos melódicos horizontais:

        [...] fizemos que se sigam palavras sem ligação imediata entre si: estas palavras, pelo fato mesmo de não seguirem intelectual, gramaticalmente, se sobrepõem umas às outras, para nossa sensação, formando, não mais melodias, mas harmonias.

        Explico melhor:

        Harmonia: combinação de sons simultâneos.

        Exemplo:

        "Arroubos... Lutas... Setas... Cantigas... Povoar!..."

        Estas palavras não se ligam. [...]. Cada uma é fase, período elíptico, reduzido ao mínimo telegráfico.

        [...] Assim: em vez de melodia (frase gramatical) temos acorde arpejado, harmonia, – o verso harmônico. Mas, si em vez de usar só palavras soltas, uso frases soltas: mesma sensação de superposição, não já de palavras (notas) mas de frases (melodias). Portanto: polifonia poética. Assim, em "Paulicéia Desvairada" usam-se o verso melódico:

        "São Paulo é um palco de bailado russos"; o verso harmônico:

        "A cainçalha... A Bolsa... As jogatinas..." e a polifonia poética (um e às vezes dois e mesmo mais versos consecutivos):

        "A engrenagem trepida... Abruma neva..."

        Que tal? [...]

        Pronomes? Escrevo brasileiro. Si uso ortografia portuguesa é porque, não alterando o resultado, dá-me uma ortografia.

        [...]

        E está acabada a escola poética "Desvairismo".

        Próximo livro fundarei outra.

        E não quero discípulos. Em arte: escola = imbecilidade de muitos para vaidade dum só.

        [...]

Poesias completas. Ed. crítica de Diléa Zanotto Manfio. Belo Horizonte: Itatiaia. São Paulo, EDUSP, 1987.

Fonte: Português – Novas Palavras – Ensino Médio – Emília Amaral; Mauro Ferreira; Ricardo Leite; Severino Antônio – Vol. Único – FTD – São Paulo – 2ª edição. 2003. p. 252-253.

Entendendo a poesia:

01 – Qual é a principal característica do prefácio segundo o autor?

      O autor considera o prefácio "interessante, inútil". Interessante por conter dados e reflexões sobre sua poética, mas inútil pois ele acredita que quem o aceita não precisa de explicações e quem o rejeita não o aceitará mesmo com explicações.

02 – Qual a dificuldade que o autor aponta na prosa do prefácio?

      Mário de Andrade aponta a dificuldade em distinguir onde termina a "blague" (brincadeira) e onde começa a seriedade em sua escrita. Ele afirma que nem ele mesmo sabe.

03 – Como o autor se define em relação aos movimentos artísticos contemporâneos?

      O autor se confessa "passadista", admitindo que não consegue se libertar completamente das teorias artísticas que aprendeu no passado. Ele expressa dificuldade em compreender totalmente as orientações modernas e se distancia do Futurismo de Marinetti, apesar de reconhecer alguns pontos de contato.

04 – Qual a teoria poética defendida pelo autor?

      O autor acredita que o lirismo nasce no subconsciente e, após ser trabalhado pelo pensamento, cria frases que são versos completos. Ele defende que a arte não deve interferir no processo criativo inicial, mas sim trabalhar o poema posteriormente, eliminando repetições, sentimentalismos e detalhes desnecessários.

05 – Qual a distinção feita entre o belo da arte e o belo da natureza?

      O autor diferencia o belo da arte como arbitrário, convencional e transitório (questão de moda), enquanto o belo da natureza é imutável, objetivo e natural, possuindo a eternidade que a própria natureza tem.

06 – Que comparação o autor faz entre a poética e a música?

      O autor compara o desenvolvimento da música com o da poética. Enquanto a música evoluiu para a harmonia, a poética, segundo ele, permaneceu essencialmente melódica até meados do século XIX, com raras exceções.

07 – O que o autor chama de "verso melódico" e "verso harmônico"?

      O verso melódico é comparado à melodia musical, um arabesco horizontal de sons (palavras) consecutivas com pensamento inteligível. O verso harmônico, por sua vez, é a combinação de palavras sem ligação imediata, que se sobrepõem umas às outras, formando harmonias em vez de melodias.

08 – O que é a "polifonia poética" para o autor?

      A polifonia poética é a sobreposição não apenas de palavras (como no verso harmônico), mas de frases inteiras (melodias), criando uma sensação de simultaneidade e complexidade.

09 – Qual a justificativa do autor para usar "ortografia portuguesa"?

      O autor justifica o uso da ortografia portuguesa por considerar que ela não altera o resultado final de sua escrita, proporcionando-lhe uma ortografia estabelecida.

10 – O que o autor declara sobre a escola poética "Desvairismo"?

      O autor declara que o "Desvairismo" está acabado e que pretende fundar outra escola poética em seu próximo livro. Ele expressa sua aversão a discípulos, afirmando que em arte, escola é a imbecilidade de muitos para a vaidade de um só.

 

 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

CONTO: BOM DE OUVIDO - ANA MARIA MACHADO - COM GABARITO

 Conto: Bom de Ouvido

            Ana Maria Machado

        Volta e meia a gente encontra alguém que foi alfabetizado, mas não sabe ler. Quer dizer, até domina a técnica de juntar as sílabas e é capaz de distinguir no vidro dianteiro o itinerário de um ônibus. Mas passa longe de livro, revista, material impresso em geral. Gente que diz que não curte ler.

Fonte:  https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXp9PEKboLm43ZurqtSEYdXrpCnfsc4BYXEWJZhnkCvORnDMoaKtUj3WHaG6N6-HvKfuwUxZL2-PETSIxQ3fRyKSC53K1qxTEKInDL_veO1hdXmR3Gq0wKmmdsOqVlcFC1yXArQfPOJiezQuODCQZN7mas1vTY1i-mViOt_RzVMMTk3H52CLZdAWXdXEM/s320/leitura%202.png


        Esquisito mesmo. Sei lá, nesses casos, sempre acho que é como se a pessoa estivesse dizendo que não curte namorar. Talvez nunca tenha tido a chance de descobrir como é gostoso. Nem nunca tenha parado para pensar que, se teve alguma experiência desastrosa em um namoro (ou em uma leitura), isso não quer dizer que todas vão ser assim. É só trocar de namorado ou namorada. Ou de livro. De repente, pode descobrir delícias que nem imaginava, gostosuras fantásticas, prazeres incríveis. Ninguém devia ser obrigado a namorar quem não quer. Ou ler o que não tem vontade. E todo mundo devia ter a oportunidade de experimentar um bocado nessa área, até descobrir qual é a sua.

        Durante 18 anos, eu tive uma livraria infantil. De vez em quando, chegavam uns pais ou avós com a mesma queixa: "O Joãozinho não gosta de ler, o que é que eu faço?" Como eu acho que o ser humano é curioso por natureza e qualquer pessoa alfabetizada fica doida pra saber o segredo que tem dentro de um livro (desde que ninguém esteja tentando lhe impingir essa leitura feito remédio amargo pela goela abaixo), não acredito mesmo nessa história de criança não gostar de ler. Então, o que eu dizia naqueles casos não variava muito.

        A primeira coisa era algo como "pára de encher o saco do Joãozinho com essa história de que ele tem que ler". Geralmente, em termos mais delicados: "Por que você não experimenta aliviar a pressão em cima dele, e passar uns seis meses sem dar conselhos de leitura?"

        O passo seguinte era uma sugestão: "Experimente deixar um livro como este ao alcance do Joãozinho, num lugar onde ele possa ler escondido, sem parecer que está fazendo a sua vontade. No banheiro, por exemplo." E o que eu chamava de um livro como este, já na minha mão estendida em oferta, podia ser um exemplar de O Menino Maluquinho, do Ziraldo, ou do Marcelo, Marmelo, Martelo, da Ruth Rocha, ou de O Gênio do Crime, do João Carlos Marinho. Havia vários outros títulos que também serviam. Mas o fato é que, em 18 anos de experiência, NUNCA, nem uma única vez, apareceu depois um pai reclamando que aquela sugestão não tinha dado certo. Pelo contrário, incontáveis vezes o encontro seguinte já incluía um Joãozinho entusiasmado, comentando o livro lido e disposto a fazer novas descobertas. Para adolescentes e jovens, a coisa é um pouco mais complicada. Não porque não haja livro bom assim como os que citei. Pelo contrário, tem de montão. Eu seria capaz de encher páginas e páginas só dando sugestões e comentando cada uma delas. A quantidade chega até a atrapalhar a escolha, não é esse o problema. Mas aí já entram em cena muitas outras variáveis.

        O fôlego de leitura do sujeito, por exemplo. Igualzinho ao que acontece nos esportes. Como quem sabe que não vai aguentar jogar noventa minutos, e então nem bate uma bolinha, dizendo que acha futebol um jogo idiota. Há quem desanime só de ver o número de páginas do livro, ou o tamanho da letra, ou o fato de não ter ilustração. Nesse caso, o cara acha que vai ficar de língua de fora e pagar o maior mico. Não percebe que não está competindo com ninguém.

        Também não tem ninguém na arquibancada olhando sua performance. Dá para levar o tempo que quiser para chegar ao fim do livro. Ler uma página por dia, por exemplo, se não quiser ir mais depressa. Num livro como este aqui, dá pra fazer isso – as histórias são curtinhas.

        Para outros candidatos a leitor, não é uma questão de fôlego, mas de medo de não ter musculatura para ler. De só dar chute chocho e a bola não ir longe. De não aguentar a força do que está escrito, não entender umas palavras, não perceber o que o autor quer dizer e ficar se achando um burro. Se nunca usar, o músculo pode acabar tão atrofiado que o cara não consegue nem mastigar, fica feito um bebê, só come papinha, sopa e sorvete. Incapaz de traçar um churrasco – para não falar em ir ao supermercado trazer a carne, ou plantar a própria horta. Dá um trabalho... Quando vejo essa atitude, sempre me lembro daquela frase: “Acha que educação custa caro?”

        Experimente só a ignorância... Mas, de qualquer modo, dá também para ser solidário com quem ainda não teve chance de desenvolver sua musculatura leitora. Tudo bem, vamos devagar. Lendo textos curtos, fáceis, divertidos, variados, numa linguagem clara e parecida com a que a gente fala todo dia (e toda noite, não há limites).

        É só folhear este livro. Pode ser que alguma história atraia sua atenção e mostre que, mesmo que uma ou outra palavra lhe escape, ninguém está falando complicado.

        Outra questão difícil na escolha de uma leitura de jovens e adolescentes, em minha opinião, é que eles já são praticamente adultos. Ainda mais hoje em dia, e no nosso país. Não têm que ficar lendo histórias de uma turminha de garotos que só se trata por apelidinhos idiotas e inventa uma máquina do tempo ou apura um crime, ou enfrenta o terror de múmias e mortos-vivos a serviço de um cientista maluco, ou vive aventuras nos Mares do Sul, no Vale dos Dinossauros, na Galáxia Superior ou no Reino do Escambau. É até uma falta de respeito com a inteligência e a capacidade dos jovens. Eles podem rir, brincar, gostar de ter amigos e de se divertir, mas também gostam muito de pensar e de criticar um bocado das heranças malucas que esse chamado mundo dos adultos está deixando para eles. E muitos dos livros que esses adultos (que muitas vezes não leem) querem que eles leiam ficam batendo nessa tecla da “bobajada divertida”.

        Coisas que até tinham algum sentido em gerações anteriores, mas hoje apanham de goleada de qualquer videogame – porque são um tipo de diversão que não precisa de palavras.

        E quando os livros que os adultos querem que os jovens leiam não são esses, pior ainda: lá vem aqueles autores do século XIX... e já estamos no XXI! Podem ser ótimos, importantes e tudo o mais - ninguém está negando isso. Mas não são o tipo de leitura ideal para aquele primeiro namoro/leitura cheio de delícias e gostosuras, quando o leitor ainda nem tem vinte anos.

        E tem mais. Nessa idade, todo mundo gosta de procurar sua tribo. Há quem goste de pagode, quem se amarre em música sertaneja, quem só queira saber de rock. A turma que madruga e batalha para conciliar estudo e trabalho, o pessoal que discute política e faz manifestação, a moçada que não está nem aí. Se eles não se vestem igual, não frequentam os mesmos lugares, não se deslocam nos mesmos transportes, não curtem o mesmo tipo de música, não falam a mesma gíria, como é que de repente a gente vai encontrar um livro assim como O Menino Maluquinho para jovens, capaz de atingir a todos, tão diferentes?

        A sorte é que o Brasil é incrível e produz essas coisas. A nossa cultura tem sido capaz de revelar de vez em quando uns artistas que são assim, porta-vozes de todos. Tipo Chico Buarque na música. Ou um filme como Central do Brasil, no cinema. E muitos outros.

        Mais do que isso: tem sido uma permanente preocupação da arte brasileira, desde o modernismo de 1922, procurar ao mesmo tempo inventar uma linguagem nova e se expressar de uma maneira reconhecida por todos como nossa, brasileira. No caso da literatura, todo escritor que surgiu desde essa época teve que em algum momento decidir que tipo de língua ia usar para ajudar a criar a linguagem escrita brasileira. Um português que não seja artificial, enquadrado e certinho como impingiam os gramáticos lusitanos, mas que também não se transforme no vale-tudo dos locutores esportivos, tão pretensioso, ignorante e cheio de erros, tão consagrador das manias pessoais que pode acabar levando a uma situação em que daí a algum tempo ninguém mais se entende. Enfim, os escritores brasileiros do século XX tiveram que enfrentar o desafio de estabelecer o português do Brasil, fiel ao espírito do idioma que herdamos, mas atento ao que se diz de verdade pelo país afora, em casa ou na rua. Um português correto, mas brasileiro. Para ser um bom escritor, foi sendo necessário ter bom ouvido, ser meio músico. E, além disso, captar nossas pausas para rir. Coisa superimportante para todos nós.

        Tem humorista que acha que é escritor. Nem sempre dá certo, às vezes fica até meio patético, sem graça e sem garra, dá pena. Mas talvez ainda seja pior o caso dos escritores metidos a engraçados. Dão mais pena ainda, constrangem o leitor. Ainda bem que no Brasil esses casos até que são raros. Temos é uma belíssima tradição de excelentes humoristas-escritores. Gente que tem um texto límpido, ágil, maravilhosamente agudo e inteligente. Autores que leem muito, ouvem muita música, veem muita imagem, se metem no palco, transitam de uma arte para outra. São artistas que sabem plasmar a linguagem para que ela lhes obedeça, autores que conhecem profundamente o idioma, que são capazes de relacionar fatos quotidianos com episódios históricos, carregálos de alusões culturais, revirar sua lógica pelo avesso. Com isso, mostram seu ridículo, expõem seu absurdo... e arrancam gargalhadas ou sorrisos à vontade. Nomes como os de Millôr Fernandes, Ivan Lessa, Stanislaw Ponte Preta, Aldir Blanc. Nessa companhia, Luís Fernando Verissimo está absolutamente à vontade. É um dos grandes, numa área que, com toda certeza, e um dos pontos altos e originais da nossa literatura.

        A praia do Verissimo é o quotidiano principalmente na intimidade As conversas entre quatro paredes, as lembranças solitárias de infâncias e adolescências constantemente passadas a limpo, os desígnios de Deus (em geral, mascarados sob a forma clássica das velhas anedotas sobre um grupo de pessoas que morre e se apresenta diante de São Pedro). Mas o tema não é o mais importante. Sobre qualquer assunto e a qualquer pretexto, o autor revela suas obsessões, fala das mesmas coisas, preocupa-se com o social e o ético, despreza solenemente o econômico... e encontra sempre uma maneira nova de fazer isso, como se nunca o tivesse feito antes. As situações podem ser quotidianas, mas os ângulos geralmente são insólitos e inesperados. Ou então, reforçam o já esperado, mas com tão exatas pitadas de exagero que a caricatura até parece um retrato realista pelo avesso, em que o lado cômico é revelado em sua verdadeira grandeza e o sentido profundo aparece com nitidez.

        Para conseguir isso, Luís Fernando Verissimo conta com seu magistral domínio da linguagem e do ritmo da narração. Tem uma admirável economia no uso das palavras tudo é enxuto, nada sobra. No país do barroco, é quase minimalista. Seus diálogos dão até a impressão de que saíram de uma fita gravada. Mas é só a gente lembrar da realidade das transcrições de conversas gravadas (cada vez mais frequentes nas denúncias de escândalos pela imprensa), para perceber como essa impressão é falsa. Estamos exatamente diante daquele processo que Carlos Drummond de Andrade descreveu tão bem, ao dizer que queria a beleza da simplicidade – mas não a beleza do que nasceu simples e sim a beleza do que ficou simples. Fruto de atenção impiedosa, muito trabalho e aguda consciência de como cortar.

        Que ninguém se engane. Pode parecer que Luís Fernando Verissimo é que nem passarinho: abre o bico e sai cantando sem qualquer esforço, puro dom natural. Mas em arte isso não existe. E estamos falando de um artista da palavra. Alguém que vê a linguagem como dizia o crítico Roland Barthes para caracterizar um escritor. Se alguém duvida, vá direto a uma das crônicas selecionadas, como "Palavreado". Ou "Defenestração". Mas se não quiser pensar em nada disso, não faz mal. Relaxe e aproveite. Curta as histórias, as piadas, o jeito de falar. Seja nos relatos de desencontros que chamamos de Equívocos, nas historinhas com moral escondida que batizei de Fábulas, nas divagações sobre um tema (Falando Sério), nas memórias (Outros Tempos), nas brincadeiras com a linguagem ou o estilo. Sempre uma gostosura. Puro prazer. Um jardim de delícias.

        Depois de ler este livro, duvido que algum jovem ainda seja capaz de dizer, sinceramente, que não curte ler. E, para não ficar achando que só gosta deste livro, que leia os outros do autor. Aposto que, em sua maioria, os novos leitores vão se viciar em livro e sair procurando outros textos, de outros autores. Com vontade de, um dia, chegar a escrever assim. Quem sabe? O Verissimo nunca pensou que ia ser escritor quando crescesse. Seu negócio era mesmo um bom solo de saxofone, instrumento em que ainda arrasa, escondido. Mas com essa história de ser músico, desenvolveu tanto o ouvido que acabou assim: hoje ele ouve (e conta pra nós) até o que pensamos, sentimos e sonhamos em silêncio. Em qualquer idade.

Luís Fernando Veríssimo. Comédias para se ler na escola. PDL – Projeto Democratização da Leitura. www.portaldetonando.com.br.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a principal questão abordada no conto "Bom de Ouvido"?

      A principal questão abordada no conto é a dificuldade que algumas pessoas têm em se conectar com a leitura, seja por experiências negativas no passado ou por falta de incentivo adequado.

02 – Qual é a comparação utilizada pela autora para ilustrar a relação das pessoas com a leitura?

      A autora compara a relação das pessoas com a leitura com a relação delas com o namoro. Assim como uma experiência ruim não significa que todos os relacionamentos serão desastrosos, uma experiência de leitura negativa não significa que todos os livros serão desinteressantes.

03 – Qual era a profissão da autora durante 18 anos e como essa experiência contribuiu para sua reflexão sobre o tema?

      Durante 18 anos, a autora foi dona de uma livraria infantil. Essa experiência a permitiu observar de perto a relação das crianças e adolescentes com os livros, além de ouvir as queixas de pais preocupados com a falta de interesse dos filhos pela leitura.

04 – Qual era o conselho que a autora dava aos pais de crianças que não gostavam de ler?

      O conselho da autora era para que os pais parassem de pressionar as crianças para ler e, em vez disso, deixassem livros interessantes ao alcance delas em lugares onde elas pudessem ler escondido, sem se sentirem obrigadas.

05 – Que tipo de livros a autora costumava sugerir para crianças que não gostavam de ler?

      A autora costumava sugerir livros como "O Menino Maluquinho" de Ziraldo, "Marcelo, Marmelo, Martelo" de Ruth Rocha e "O Gênio do Crime" de João Carlos Marinho.

06 – Qual é a principal dificuldade enfrentada por adolescentes e jovens na escolha de um livro?

      A principal dificuldade enfrentada por adolescentes e jovens é que eles já são praticamente adultos e, por isso, não se identificam com histórias infantis. Ao mesmo tempo, podem ter dificuldades com leituras muito complexas.

07 – O que a autora observa sobre a produção literária brasileira para jovens e adolescentes?

      A autora observa que muitos livros para jovens e adolescentes caem na "bobajada divertida" ou são obras do século XIX, o que não atrai os jovens leitores.

08 – Qual é a característica que a autora destaca nos grandes escritores brasileiros, como Luís Fernando Verissimo?

      A autora destaca que grandes escritores brasileiros têm um "bom ouvido", ou seja, são capazes de captar a linguagem falada no dia a dia e transformá-la em uma linguagem escrita autêntica e envolvente.

09 – Qual é o tema central da obra de Luís Fernando Verissimo, segundo a autora?

      Segundo a autora, o tema central da obra de Luís Fernando Verissimo é o cotidiano, principalmente na intimidade, com suas conversas, lembranças e reflexões.

10 – O que a autora espera que os jovens sintam após ler o livro "Bom de Ouvido"?

      A autora espera que, após ler o livro, os jovens sintam vontade de se conectar com a leitura e descubram o prazer de ler, não apenas este livro, mas também outros de diferentes autores.

 

 

POEMA: CIDADE PREVISTA - (FRAGMENTO) - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poema: Cidade prevista – Fragmento

              Carlos Drummond de Andrade

[...]

Irmãos, cantai esse mundo

que não verei, mas virá

um dia, dentro em mil anos,

talvez mais… não tenho pressa.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0nwfIMo3p9LCqCcyMt2FpCVZRD4w8oBoP65FMLoLrfQxbnZyRSj8Pkql4brcFQ6-MP44K7oQW97tYIqzrUGGrrsVll9lquUOOFHqr_57o9DY_sVk20GW6HLIu93-KreVFD1AzMO0YLwp-Q_XAvePwbzAexStsgcGBBEHTbXgZFp_8g9WOu1tUjBXv6fM/s320/POEMA.jpg


Um mundo enfim ordenado,

uma pátria sem fronteiras,

sem leis e regulamentos,

uma terra sem bandeiras,

sem igrejas nem quartéis,

sem dor, sem febre, sem ouro,

um jeito só de viver,

mas nesse jeito a variedade,

a multiplicidade toda

que há dentro de cada um.

Uma cidade sem portas,

de casa sem armadilha,

um país de riso e glória

como nunca houve nenhum.

Este país não é meu

nem vosso ainda, poetas.

mas ele será um dia

o país de todo homem.

Carlos Drummond de Andrade. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992, p. 158-159.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 341.

Entendendo o poema:  

01 – Qual é o tema central do poema "Cidade Prevista"?

      O tema central do poema é a visão de um futuro utópico, um mundo idealizado onde a humanidade vive em paz, harmonia e liberdade.

02 – Que características o poeta destaca sobre o mundo que ele imagina?

      O poeta destaca diversas características do mundo que ele imagina, como a ausência de fronteiras, leis, regulamentos, bandeiras, igrejas, quartéis, dor, febre e ouro. Ele enfatiza a ideia de um mundo ordenado, com um único modo de viver, mas que ao mesmo tempo preserva a variedade e a individualidade de cada pessoa.

03 – Qual é a importância da imagem de uma "cidade sem portas" no poema?

      A imagem de uma "cidade sem portas" representa a ideia de um mundo aberto, sem barreiras, onde as pessoas podem circular livremente e se sentir seguras. Essa imagem reforça a utopia de um mundo sem violência e sem armadilhas.

04 – A quem o poeta se dirige no poema e qual é a sua mensagem principal?

      O poeta se dirige aos seus irmãos, os poetas, e a toda a humanidade. Sua mensagem principal é que esse mundo idealizado, apesar de não existir no presente, é um futuro que pode se concretizar um dia. Ele expressa a esperança de que esse mundo se torne "o país de todo homem".

05 – Qual é o sentimento que o poema transmite ao leitor?

      O poema transmite um sentimento de esperança, de otimismo em relação ao futuro da humanidade. O poeta nos convida a acreditar na possibilidade de um mundo melhor, mais justo e igualitário, onde todos possam viver em paz e liberdade.

 

 

POEMA: BANHO-MARIA - ROSEANA MURRAY - COM GABARITO

 Poema: BANHO-MARIA

             Roseana Murray

Amor não deve ser mantido
em banho-maria
pois seus poderes
de luz e encantamento
se esvaem neste lento
cozinhar

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEga5Dbl8jtn_QLocNMQR9N8tf0pGnVGLSqrsKOeVrq1YHdTYM8fPY6sgDQJbA_u5q40yP-UhC0AQPndp5Mr5TdcNC-3G4b1VwQbDmdIjR9KLQ9WDauU73VbAlJoG-frnNpyCDQ7K0pUt_Yww_Slw8VEiYS6S_EfpnzjyZBb8FqxHxja0eznGz15cMX1AMw/s320/BANHO%20MARIA.jpeg 


amor pede fogo alto
grossas chamas
sol intenso
e muita pimenta
amor pede tempero forte
pede tudo em exagero
mel de se lambuzar.

Fruta no ponto. São Paulo: FTD, 1994, p. 39.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 485.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a principal metáfora utilizada no poema "BANHO-MARIA"?

      A principal metáfora do poema é a comparação do amor com o cozimento em banho-maria. O banho-maria é um método de cozimento lento e suave, que não exige muito calor. A autora utiliza essa imagem para expressar que o amor não deve ser tratado com passividade ou falta de intensidade.

02 – O que a autora quer dizer com o verso "Amor não deve ser mantido em banho-maria"?

      Com esse verso, a autora expressa que o amor não deve ser tratado com indiferença, mornidão ou falta de paixão. O amor precisa de intensidade, de entrega e de "fogo alto" para se manter vivo e forte.

03 – Quais são os elementos que a autora utiliza para descrever o amor no poema?

      A autora utiliza elementos como "fogo alto", "grossas chamas", "sol intenso", "muita pimenta" e "tempero forte" para descrever o amor. Esses elementos representam a paixão, a intensidade, o entusiasmo e a vivacidade que o amor precisa ter para ser pleno.

04 – Qual é a importância do "exagero" no amor, segundo o poema?

      O "exagero" no amor, mencionado no poema, representa a necessidade de entrega total, de paixão ardente e de demonstrações intensas de afeto. O amor não deve ser medido ou controlado, mas sim vivido em sua plenitude, com todos os seus "temperos fortes".

05 – Qual é a mensagem principal do poema "BANHO-MARIA"?

      A mensagem principal do poema é que o amor precisa ser cultivado com intensidade, paixão e entrega. Não se deve ter medo de "exagerar" nos sentimentos e nas demonstrações de afeto. O amor morno e passivo não é capaz de trazer felicidade e plenitude.

 

 

CRÔNICA: ADOLESCÊNCIA - (FRAGMENTO) - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

 Crônica: Adolescência – Fragmento

               Luís Fernando Veríssimo

        O apelido dele era "cascão" e vinha da infância. Uma irmã mais velha descobrira uma mancha escura que subia pela sua perna e que a mãe, apreensiva, a princípio atribuiu a seguida descobriu que era sujeira mesmo.

        -- Você não toma banho, menino?

        -- Tomo, mãe.

        -- E não se esfrega?

        Aquilo já era pedir demais. E a verdade é que muitas vezes seus banhos eram representações. Ele fechava a porta do banheiro, ligava o chuveiro, forte, para que a mãe ouvisse o barulho, mas não entrava no chuveiro. Achava que dois banhos por semana era o máximo de que uma pessoa sensata precisava. Mais do que isso era mania.

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        O apelido pegou e, mesmo na sua adolescência, eram frequentes as alusões familiares à sua falta de banho. Ele as aguentava estoicamente. Caluniadores não mereciam resposta. Mas um dia reagiu.

        -- Sujo, não.

        -- Ah, é? – disse a irmã.

        -- E isto o que é?

        Com o dedo ela levantara do seu braço um filete de sujeira.

        -- Rosquinha não vale.

        -- Como não vale?

        -- Rosquinha, qualquer um.

        Entusiasmado com a própria tese, continuou:

        -- Desafio qualquer um nesta casa a fazer o teste da rosquinha! A irmã, que tomava dois banhos por dia, o que ele classificava de exibicionismo, aceitou o desafio.

        Ele advertiu que passar o dedo, só, não bastava. Tinha que passar com decisão. E, realmente, o dedo levantou, da dobra do braço da irmã, uma rosquinha, embora ínfima, de sujeira.

        -- Viu só – disse ele, triunfante. – E digo mais: ninguém no mundo está livre de uma rosquinha.

        -- Ah, essa não. No mundo? Manteve a tese.

        -- Ninguém.

        -- A rainha Juliana?

        -- Rosquinha. No pé. Batata.

        No dia seguinte, no entanto, a irmã estava preparada para derrubar a sua defesa.

        -- Cascão... – disse simplesmente. – A Catherine Deneuve. Ele hesitou. Pensou muito. Depois concedeu. A Catherine Deneuve, realmente, não.

        A irmã, sadicamente, ainda fingiu que queria ajudar.

        -- Quem sabe atrás da orelha?

        -- Não, não – disse o Cascão tristemente, renunciando à sua tese. – A Catherine Deneuve, nem atrás da orelha.

Luís Fernando Veríssimo. Comédias para se ler na escola. PDL – Projeto Democratização da Leitura. www.portaldetonando.com.br.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é o apelido do personagem principal e qual a origem dele?

      O apelido do personagem principal é "Cascão". A origem do apelido vem da infância, quando sua irmã mais velha descobriu uma mancha escura em sua perna, que a mãe inicialmente pensou ser sujeira.

02 – Qual era o hábito de higiene do personagem na infância?

      O personagem não gostava de tomar banho e muitas vezes fingia que estava se banhando, ligando o chuveiro sem entrar embaixo d'água. Ele achava que dois banhos por semana eram suficientes.

03 – Como o personagem reagia às alusões familiares sobre sua falta de higiene?

      O personagem aguentava estoicamente as alusões familiares sobre sua falta de banho, considerando os caluniadores como não merecedores de resposta.

04 – Qual é o argumento do personagem sobre a sujeira?

      O personagem argumenta que ninguém no mundo está livre de ter um pouco de sujeira, usando o termo "rosquinha" para se referir a essa sujeira.

05 – Como a irmã do personagem tenta refutar seu argumento?

      A irmã do personagem tenta refutar seu argumento mencionando a rainha Juliana e a atriz Catherine Deneuve como exemplos de pessoas que, segundo ela, não teriam "rosquinhas" de sujeira.

06 – Qual é a reação do personagem ao ser confrontado com o exemplo de Catherine Deneuve?

      O personagem hesita, pensa bastante e acaba concedendo que Catherine Deneuve realmente não teria "rosquinhas" de sujeira, nem mesmo atrás da orelha, renunciando à sua tese inicial.

07 – Qual é o tom geral da crônica de Luís Fernando Veríssimo?

      O tom geral da crônica é humorístico e irônico. Veríssimo utiliza uma situação cotidiana e familiar para fazer uma reflexão sobre hábitos de higiene, argumentos e a dificuldade de admitir quando estamos errados.

 

POEMA: AGOSTO 1964 - FERREIRA GULLAR - COM GABARITO

 Poema: Agosto 1964

             Ferreira Gullar

Entre lojas de flores e de sapatos, bares,

mercados, butiques,

viajo

num ônibus Estada de Ferro – Leblon

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Volto do trabalho, a noite em meio,

fatigado de mentiras.

O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,

relógio de lilases, concretismo,

neoconcretismo, ficções de juventude, adeus,

que a vida

eu a compro à vista dos donos do mundo.

Ao peso dos impostos, o verso sufoca,

a poesia agora responde a inquérito policial-militar.

Digo adeus à ilusão

mas não ao mundo. Mas não à vida,

meu reduto e meu reino.

Do salário injusto,

da punição injusta,

da humilhação, da tortura,

do terror,

retiramos algo e com ele construímos um artefato

um poema

uma bandeira.

Dentro da noite veloz & Poema sujo. São Paulo: Círculo do livro. s.d. p. 55.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 492.

Entendendo o poema:

01 – Qual é o contexto histórico e social retratado no poema "Agosto 1964"?

      O poema, "Agosto 1964" de Ferreira Gullar foi escrito durante um período de grande repressão política no Brasil, logo após o golpe militar de 1964. O país vivenciava uma atmosfera de medo, censura e perseguição, com a instauração da ditadura militar.

02 – Qual é a principal emoção expressa pelo poeta no poema?

      O poeta expressa principalmente a frustração e a desilusão diante da realidade política e social do país. Ele se mostra "fatigado de mentiras" e descreve um ambiente opressor, onde a poesia é submetida a "inquérito policial-militar" e o peso dos impostos sufoca a liberdade de expressão.

03 – O que o poeta quer dizer com os versos "Adeus, Rimbaud, relógio de lilases, concretismo, neoconcretismo, ficções de juventude"?

      Nesses versos, o poeta se despede de ideais e movimentos artísticos que representavam a liberdade e a esperança de um futuro melhor. Ele reconhece que a realidade daquele momento histórico o afasta dessas "ficções de juventude" e o coloca diante de um mundo mais cruel e opressor.

04 – Como o poeta relaciona a experiência da opressão com a criação artística no poema?

      O poeta mostra que, mesmo diante da opressão, da injustiça e da violência, é possível transformar a dor em arte. Ele afirma que "do salário injusto, da punição injusta, da humilhação, da tortura, do terror" é possível retirar algo e construir um "artefato", um poema, uma bandeira. A arte, nesse contexto, surge como uma forma de resistência e de expressão da esperança.

05 – Qual é a mensagem final do poema "Agosto 1964"?

      A mensagem final do poema é um chamado à resistência e à luta pela liberdade, mesmo em tempos de escuridão. O poeta se recusa a abandonar o mundo e a vida, que são seu "reduto e reino", e reafirma a importância da arte como forma de expressão e de resistência diante da opressão.

 

ANEDOTA: DUAS PEÇAS - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

 Anedota: Duas peças

               Luís Fernando Veríssimo

Pai e Filha, 1951, 52, por aí.
PAI – Minha filha, você vai usar... isso?
FILHA – Vou, pai.
PAI – Mas aparece o umbigo!
FILHA – Que que tem?
PAI – Você vai andar por aí com o umbigo de fora?
FILHA – Por aí, não. Só na praia. Todo mundo está usando duas-peças, pai.
PAI – Minha filha... Pelo seu pai. Pelo nome da família. Pelo seu bom nome. Use maiô de uma peça só.
FILHA – Não quero!
PAI – Então este ano não tem praia!
FILHA – Mas pai!

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Pai e filha, 1986.
FILHA – Pai, vou usar maiô de uma peça.
PAI – Muito bem, minha filha. Gostei da sua independência. Por que ser como todas as outras? Uma peça. Ótimo. Você até vai chamar mais atenção.
FILHA – Só não decidi ainda qual das duas, a de cima ou a de baixo.

Luís Fernando Veríssimo. Zoeira. 5 ed. Porto Alegre: L&PM, 1987. P. 67.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 289.

Entendendo a anedota:

01 – Qual é o tema central da anedota "Duas Peças"?

       O tema central da anedota é a mudança de costumes e a relação entre pais e filhos ao longo do tempo, especialmente em relação à moda e ao comportamento.

02 – Descreva a situação apresentada na primeira parte da anedota (1951/52).

      Na primeira parte da anedota, um pai expressa sua preocupação com o fato de sua filha usar um traje de banho de duas peças, que mostra o umbigo. Ele apela para o bom nome da família e pede que ela use um maiô de uma peça só, ameaçando inclusive proibir a ida à praia caso ela não ceda.

03 – O que motivou a mudança de comportamento do pai na segunda parte da anedota (1986)?

      Na segunda parte da anedota, o pai demonstra uma mudança de comportamento ao elogiar a filha por usar um maiô de uma peça, incentivando sua independência e individualidade. A mudança de comportamento do pai reflete uma mudança nos costumes e na forma como a sociedade encara a exposição do corpo.

04 – Qual é a reação da filha na segunda parte da anedota e qual o efeito cômico?

      Na segunda parte da anedota, a filha responde com ironia, dizendo que ainda não decidiu qual das duas peças do maiô de uma peça irá usar, se a de cima ou a de baixo. A resposta da filha cria um efeito cômico ao subverter a expectativa do pai e mostrar que a preocupação com a "modéstia" continua, mesmo com a mudança de costumes.

05 – Qual é a crítica presente na anedota "Duas Peças"?

      A anedota "Duas Peças" critica a hipocrisia e o conservadorismo de algumas pessoas, que se preocupam excessivamente com a aparência e com o que os outros vão pensar, muitas vezes ignorando a individualidade e a liberdade de expressão dos filhos. Além disso, a anedota também critica a mudança de valores ao longo do tempo, mostrando como o que era considerado "inapropriado" em uma época pode se tornar comum e aceitável em outra.