quarta-feira, 4 de junho de 2025

CONTO: MACÁRIO E NOITE NA TAVERNA - FRAGMENTO - ÁLVARES DE AZEVEDO - COM GABARITO

 Conto: Macário e Noite na taverna – Fragmento

            Álvares de Azevedo

        [...]

        E o homem pode esquecer tudo isto. Mas ele não era ainda feliz. As noites passava-as ao redor do palácio dela, via-a às vezes bela e descorada ao luar, no terraço deserto, ou distinguia suas formas na sombra que passava pelas cortinas da janela aberta de seu quarto iluminado. Nos bailes seguia com olhares de inveja aquele corpo que palpitava nas danças. No teatro, entre o arfar das ondas da harmonia, quando o êxtase boiava naquele ambiente balsâmico e luminoso, ele nada via senão ela — e só ela! E as horas de seu leito... suas horas de sono não, que mal as dormia, porque às vezes eram longas de impaciência e insônia, outras vezes eram curtas de sonhos ardentes! O pobre insano teve um dia uma ideia: era negra sim mas era a da ventura. O que fez não sei, nem o sabereis nunca. E depois bastante ébrio para vos sonhar, bastante louco para nos sonhos de fogo de seu delírio imaginar gozar-vos, foi profano assaz para roubar a um templo o cibório d’oiro mais puro. Esse homem... tende compaixão dele, que ele vos amara... ó anjo, Eleonora...

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzRZZGvWrFY_Avve7_VV5t4bkCFqwANPbr9hc9xDEalmJ2WRcu2wH0c9H4_cWzb9sKwN13B-AJclaDsw68z0IfbCinFF60Y_2XbV9ROWs6bvO6wq2Tzmo3kEwouqHuIU_ZeUmSS8_TMzpyuGVLpvKcQ8IxoZxsnZtFmc9y-SxsNYFHYbQsFw2Rc6VEBV0/s320/9788536818009-1.jpg


        — Meu Deus! meu Deus! por que tanta infâmia, tanto lodo sobre mim? Ó minha Madona! por que maldissestes minha vida, por que deixastes cair na minha cabeça uma nódoa tão negra?

        As lágrimas, os soluços abafavam-lhe a voz.

        — Perdoai-me, senhora, aqui me tendes a vossos pés! tende pena de mim, que eu sofri muito, que vos amei, que vos amo muito! Compaixão! que serei vosso escravo, beijarei vossas plantas, ajoelhar-me-ei à noite à vossa porta, ouvirei vosso ressonar, vossas orações, vossos sonhos... e isso me bastará... Serei vosso escravo e vosso cão, deitar-me-ei a vossos pés quando estiverdes acordada, velarei com meu punhal quando a noite cair, e, se algum dia, se algum dia vos me puderdes amar... então... então...

        — Eleonora! Eleonora! Perder noites e noites numa esperança! Alentá-la no peito como uma flor que murcha de frio, alentá-la, revive-la cada dia, para vela desfolhada sobre meu rosto!... Absorver-me em amor e só ter irrisão e escárnio! Dizei antes ao pintor que rasgue sua Madona, ao escultor que despedace a sua estátua de mulher.

        [...]

Claudius Hermann. In: Macário e Noite na taverna. São Paulo: Saraiva, 2010. Col. Clássicos Saraiva.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 288.

Entendendo o conto:

01 – Qual o sentimento predominante do narrador em relação a Eleonora?

      O sentimento predominante do narrador em relação a Eleonora é uma paixão avassaladora e obsessiva, misturada com grande sofrimento, inveja (em relação àqueles que a cercam) e um desejo de possessão. Ele a idealiza e a busca incansavelmente, mesmo que isso o leve à loucura e à infâmia.

02 – Como o narrador descreve a intensidade de seu amor por Eleonora e suas consequências?

      O narrador descreve a intensidade de seu amor de forma que ele consome suas noites ("horas de sono não, que mal as dormia"), o impede de ver qualquer outra coisa em bailes ou no teatro ("ele nada via senão ela — e só ela!"), e o leva a um estado de delírio e desespero. As consequências são a insônia, sonhos ardentes, loucura e a sensação de que sua vida foi amaldiçoada.

03 – Que ato extremo o narrador confessa ter cometido em sua obsessão por Eleonora?

      O narrador confessa ter cometido um ato de sacrilégio, roubando "a um templo o cibório d’oiro mais puro". Esse ato é descrito como uma "ideia negra" que o levaria à "ventura", evidenciando a distorção de sua percepção em sua obsessão.

04 – Qual a reação de Eleonora (ou a percepção do narrador sobre a reação dela) diante das confissões dele?

      A reação de Eleonora (ou a percepção do narrador) é de repulsa e angústia, expressa nas frases "Meu Deus! meu Deus! por que tanta infâmia, tanto lodo sobre mim? Ó minha Madona! por que maldissestes minha vida, por que deixastes cair na minha cabeça uma nódoa tão negra?". Há a sensação de que as ações dele a maculam.

05 – Que tipo de súplica o narrador faz a Eleonora após sua confissão?

      O narrador faz uma súplica de perdão e compaixão, oferecendo-se para ser seu "escravo" e "cão". Ele promete beijar seus pés, ajoelhar-se à sua porta, ouvir seu ressonar e orações, e até mesmo velar com um punhal. Essa súplica demonstra a total submissão e desespero de seu amor.

06 – Qual a comparação que o narrador faz para expressar a futilidade de seu amor e sofrimento?

      O narrador compara sua esperança e seu amor a uma flor que murcha de frio e é desfolhada sobre seu rosto. Ele também afirma que seu amor só lhe trouxe "irrisão e escárnio". Para ele, é preferível que um pintor rasgue sua Madona ou um escultor despedace sua estátua de mulher, tamanha a decepção e o vazio de sua paixão.

07 – Considerando o contexto do Romantismo, que características da escola literária podem ser identificadas neste fragmento?

      Neste fragmento, várias características do Romantismo são evidentes: o subjetivismo extremo (foco nos sentimentos e na visão do eu-lírico), o egocentrismo amoroso (a paixão que consome o indivíduo), a idealização da mulher (Eleonora como um ser quase divino), o sofrimento amoroso e o pessimismo, a fuga da realidade para um mundo de sonhos e delírios, a nocturnidade (as noites de insônia e vigília) e o sacrilégio, que expressa a rebeldia e a intensidade dos sentimentos românticos.

 

 

domingo, 1 de junho de 2025

POESIA: RECEITA DE MULHER - FRAGMENTO - VINÍCIUS DE MORAES - COM GABARITO

 Poesia: Receita de mulher – Fragmento

             Vinicius de Moraes

As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa).

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcN82X7r35NL_dh4SWN23VgS9dypNbBFGxx_b67mStJxsA-K33yBoOTRzLrTKDq3xlVRi6AKiWzDTAav1qyXvffzmf_8sLs6PBRi9xE8ehH0gxmdy7iZZ07xDsvxBb-gZ2l_y4Upicpu4uPvItobxa3hccUxk_g5WxnC4xLkjxsqMYgLoBrhxMryLNn9o/s320/maxresdefault.jpg

Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como o âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos.

[...]

Vinícius de Moraes. Antologia poética. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984. p. 192.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 290.

Entendendo a poesia:

01 – Qual é a ideia central que Vinicius de Moraes defende sobre a mulher neste poema?

      A ideia central que Vinicius defende é que a beleza é fundamental na mulher. Ele não se refere apenas à beleza física óbvia, mas a uma beleza que engloba graça, elegância, mistério e uma certa leveza que se assemelha a uma flor ou a uma garça.

02 – Que tipo de metáforas e comparações o poeta utiliza para descrever a beleza que ele busca?

      O poeta utiliza metáforas e comparações como "qualquer coisa de flor", "qualquer coisa de dança", "haute couture" (alta costura), a "impressão de ver uma garça apenas pousada", um rosto que adquire a "cor só encontrável no terceiro minuto da aurora", pálpebras cerradas que "Lembrem um verso de Éluard" e braços tocados "como o âmbar de uma tarde".

03 – Para Vinicius, a beleza feminina deve ser apenas visível ou deve ter uma dimensão mais profunda? Explique.

      Para Vinicius, a beleza feminina não deve ser apenas visível; ela deve ter uma dimensão mais profunda e quase etérea. Ele afirma: "É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche / No olhar dos homens." Isso sugere que a beleza deve ser uma essência, uma aura, que se manifesta e é percebida, mas que não se restringe apenas à carne ou a algo puramente material.

04 – O que o verso "As muito feias que me perdoem / Mas beleza é fundamental" revela sobre a perspectiva do poeta?

      Este verso revela a sinceridade e a frontalidade da perspectiva do poeta sobre a importância da beleza. Embora pareça controverso à primeira vista, ele estabelece de imediato o pré-requisito da beleza como ponto de partida para sua "receita de mulher", destacando seu valor primordial em sua concepção idealizada.

05 – Como o poema aborda a interação entre a beleza da mulher e a percepção masculina?

      O poema aborda a interação entre a beleza da mulher e a percepção masculina ao afirmar que a beleza deve "refletir-se e desabrochar / No olhar dos homens". Isso indica que, para o poeta, a beleza feminina não é um conceito isolado, mas algo que ganha vida e validação na forma como é vista e apreciada pelo olhar masculino, gerando admiração e fascínio.

 

 

POEMA: O OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO - FRAGMENTO - VINÍCIUS DE MORAES - COM GABARITO

 Poema: O operário em construção – Fragmento

              Vinicius de Moraes

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEsvUWqkPE00zUsVh1wnJkO2PxZGmwsmudb7gn2KKx-sctjWvE10PNZuqg9yz1pNIXpA3IusijzKZjfmquc1bArDyfhjymNXKoE0LfMq_D9Z3aQZSKx09UJFbcKXKfXLN77ApYytnYbUsmT1AkUu08ueOAvzVLZsGe72WcCYAHNfUNYAnlFueSYenawmo/s320/maxresdefault.jpg

Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

[...]

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
— Garrafa, prato, facão —
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!

[...].

Poesia completa e prosa, cit. p. 293-294.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 274.

Entendendo o poema:

01 – Qual a principal atividade do operário descrita no início do poema e qual a comparação inusitada utilizada para ilustrar sua ascensão nas construções?

      A principal atividade do operário é erguer casas onde antes só havia chão. A comparação inusitada utilizada para ilustrar sua ascensão é a de "um pássaro sem asas", que, paradoxalmente, sobe com as casas que lhe "brotavam da mão", enfatizando a força de seu trabalho manual.

02 – Segundo o poema, que aspectos importantes da sua própria obra o operário desconhecia inicialmente?

      Inicialmente, o operário desconhecia a "grande missão" do seu trabalho. Especificamente, não sabia que a casa de um homem é um "templo sem religião" e que a casa que ele construía, embora representasse a liberdade para outros, era para ele uma forma de "escravidão", aprisionando-o em um ciclo de trabalho.

03 – Que "fato extraordinário" o operário passa a compreender em um determinado momento, e qual a situação cotidiana que desencadeia essa revelação?

      O "fato extraordinário" que o operário passa a compreender é que "o operário faz a coisa / E a coisa faz o operário", revelando uma relação de interdependência e transformação mútua entre o trabalhador e o produto do seu trabalho. Essa revelação ocorre em uma situação cotidiana, à mesa, ao cortar o pão.

04 – Após a súbita emoção, o que o operário constata de forma "assombrada" ao olhar ao seu redor?

      Ao olhar ao seu redor, o operário constata de forma "assombrada" que praticamente tudo o que está à sua volta – desde os objetos simples da mesa ("garrafa, prato, facão") até estruturas maiores como "gamela, banco, enxerga, caldeirão", e até mesmo conceitos abstratos como "casa, cidade, nação" – era ele quem fazia, ele, um humilde operário em construção.

05 – Qual a mudança na autopercepção do operário que o poema destaca ao final do fragmento?

      A mudança na autopercepção do operário é que ele passa de ser um mero executor de tarefas ("um humilde operário / Um operário em construção") para um indivíduo consciente do seu papel fundamental na criação do mundo material ("Ele, um humilde operário / Um operário que sabia / Exercer a profissão"). Há um reconhecimento do seu valor e da sua habilidade.

06 – A quem o eu lírico se dirige na penúltima estrofe e qual a sua afirmação sobre o conhecimento do operário naquele momento?

      O eu lírico se dirige aos "homens de pensamento" e afirma que eles nunca saberão o quanto aquele humilde operário soube naquele momento. Isso sugere que a compreensão do operário, embora não intelectualizada, possui uma profundidade e um significado que escapam àqueles que apenas teorizam sobre o trabalho.

07 – Qual a principal reflexão sobre o trabalho e a consciência do trabalhador que emerge deste fragmento do poema?

      A principal reflexão que emerge é sobre a complexa relação entre o trabalhador e o seu trabalho, a alienação inicial da sua importância e o potencial despertar para a consciência do seu papel fundamental na construção da realidade. O poema destaca a dignidade do trabalho manual e a profunda compreensão que pode surgir da experiência prática, contrastando com a mera abstração intelectual.

 

POEMA: MÚSICA - FRAGMENTO - CECÍLIA MEIRELES - COM GABARITO

 Poema: Música – Fragmento

             Cecília Meireles

Noite perdida,
não te lamento:
embarco a vida
no pensamento,
busco a alvorada
do sonho isento,
puro e sem nada,
- rosa encarnada,
intacta, ao vento.
Noite perdida,
noite encontrada,
morta, vivida,
[...].

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi1WifcYnPeyAYON5nuyBcki_c_sYmC9XNh2y89W-Wf6ZaBH6TNp2sh5R7XniNyMXNfuBIL8z6qV-wh5CFCO-KOGbLzwfysdWmDfXIqmyWncwk_RiVzlfhsoJM-k5PkHLT0yZuLOg61UpyhyYxndPXHlDRNgL0MP0jAe_8Llil_20OunBPtoG7kExd3NjM/s320/2309752-silhueta-design-de-jovem-solitario-em-noite-silenciosa-no-pico-do-penhasco-vetor.jpg


Cecília Meireles. Obra poética, cit., p. 84-85.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 269.

Entendendo o poema:

01 – Qual a atitude do eu lírico em relação à "noite perdida" mencionada no início do poema?

      A atitude do eu lírico em relação à "noite perdida" é de não lamentá-la ("não te lamento"). Essa postura sugere uma aceitação do passado ou de uma experiência talvez negativa, sem se deter na tristeza ou no arrependimento.

02 – Onde o eu lírico decide "embarcar a vida" e qual o destino dessa jornada?

      O eu lírico decide "embarcar a vida no pensamento". O destino dessa jornada é a busca pela "alvorada do sonho isento", um sonho puro e livre de influências ou pesos ("sem nada").

03 – Que imagem é utilizada para descrever a natureza desse sonho buscado pelo eu lírico?

      A natureza desse sonho buscado é descrita através da imagem de uma "- rosa encarnada, / intacta, ao vento". Essa imagem evoca beleza, pureza, intensidade (encarnada), preservação (intacta) e liberdade (ao vento).

04 – Qual a aparente contradição apresentada na última estrofe do fragmento em relação à "noite perdida"?

      A aparente contradição é que a "noite perdida" é, simultaneamente, uma "noite encontrada". Essa dualidade sugere que mesmo as experiências negativas ou os momentos perdidos podem levar a algum tipo de descoberta, aprendizado ou novo sentido.

05 – Qual a sensação geral que o fragmento do poema transmite em relação ao passado e ao futuro?

      A sensação geral transmitida é de um desapego do passado ("noite perdida, não te lamento") e uma esperançosa busca pelo futuro ("busco a alvorada do sonho isento"). Há uma aceitação do que se foi, mas um direcionamento da energia vital para a construção de um futuro idealizado e puro, ancorado no poder do pensamento.

 



 

POEMA: PEQUENA CANÇÃO DA ONDA - CECÍLIA MEIRELES - COM GABARITO

 Poema: Pequena canção da onda

             Cecília Meireles

Os peixes de prata ficaram perdidos,
com as velas e os remos, no meio do mar.
A areia chamava, de longe, de longe,
ouvia-se a areia chamar e chorar!

 Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiKBax4yemmXjoxnzvuo8XBWN1NzoOqcegibxjIQ8WICLDr1t3Ak2-vdIRG-NskfV7pWUhxRae11pCXgnqLsP2oNZcFg-uM0Usi0uNNDIBUD2mEL41e9bJS9PORoIJ1i7rSdc8qD2VDlcv6hrO14ox97dStvpNrqKzJ-J-5TsZonvNI5YGaIIForxehSMk/s320/65118921-desenho-animado-desenhado-%C3%A0-m%C3%A3o-da-paisagem-do-mar-desenho-animado-colorido-do-fundo-do-mar-ou-do-oc.jpg


A areia tem rosto de música
e o resto é tudo luar!

Por ventos contrários, em noite sem luzes,
do meio do oceano deixei-me rolar!
Meu corpo sonhava com a areia, com a areia,
desprendi-me do mundo do mar!

Mas o vento deu na areia.
A areia é de desmanchar.
Morro por seguir meu sonho,
longe do reino do mar!

Cecília Meireles. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1987. p. 145.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 269.

Entendendo o poema:

01 – Qual a situação inicial apresentada no poema em relação aos "peixes de prata" e onde eles se encontram?

      A situação inicial apresenta os "peixes de prata" como perdidos "com as velas e os remos, no meio do mar". Essa imagem sugere uma desorientação e uma mistura de elementos marítimos (velas e remos) com a natureza dos peixes, criando uma sensação de deslocamento e talvez de busca.

02 – Como a areia é personificada no poema e qual o seu apelo para o eu lírico?

      A areia é personificada como algo que "chamava, de longe, de longe" e que se podia "ouvir a areia chamar e chorar!". Esse apelo distante e carregado de emoção (choro) sugere um forte desejo ou nostalgia do eu lírico pela terra firme, pela estabilidade e talvez por um estado de ser diferente do oceano.

03 – Que características são atribuídas à areia na segunda estrofe e como essa descrição se contrasta com o "resto" do cenário?

      À areia é atribuído um "rosto de música", sugerindo uma qualidade sonora, rítmica e talvez melancólica. Essa descrição contrasta com o "resto" do cenário, que é definido como "tudo luar!", evocando uma atmosfera mais etérea, luminosa e talvez fria ou distante.

04 – Qual a decisão tomada pelo eu lírico em relação ao oceano e qual o seu destino ao alcançar a areia?

      O eu lírico decide se deixar rolar "do meio do oceano" por "ventos contrários, em noite sem luzes", impulsionado pelo sonho com a areia. No entanto, ao alcançar a areia, descobre que "a areia é de desmanchar", revelando a fragilidade e a impermanência do seu objeto de desejo.

05 – Qual o sentimento final expresso pelo eu lírico e qual a causa desse sentimento?

      O sentimento final expresso pelo eu lírico é de morte iminente: "Morro por seguir meu sonho, / longe do reino do mar!". A causa desse sentimento é a desilusão ao perceber a natureza efêmera da areia, o que o leva a um destino fatal por ter abandonado seu ambiente natural (o reino do mar) em busca de um sonho que se desfaz. O poema evoca uma reflexão sobre a busca por ideais e as possíveis consequências da desilusão.

 

 

POEMA: PARA NÃO DEIXAR DE AMARTE NUNCA - PABLO NERUDA - COM GABARITO

 Poema: Para não Deixar de Amarte Nunca

             Pablo Neruda

Saberás que não te amo e que te amo 
pois que de dois modos é a vida, 
a palavra é uma asa do silêncio, 
o fogo tem a sua metade de frio. 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9aH0CvYui852OCjICeKYAbMBwxAGmYrIlZSx7NvxUeZoEi9ydbTX7ZuevUwUjbHAA_aZa4yGNKjoE0tAw6950Qyjgzyui48Ii0gZ7qjP1x0EiYGE6iEBdr7hheO8LZ_0aFnoo-evP853Uz4NEDV3lG9xr7xNwOhoeIZ6R3LaIEkUjFnnzJtd9MbzOVxs/s1600/images.jpg


Amo-te para começar a amar-te, 
para recomeçar o infinito 
e para não deixar de amar-te nunca: 
por isso não te amo ainda. 

Amo-te e não te amo como se tivesse 
nas minhas mãos a chave da felicidade 
e um incerto destino infeliz. 

O meu amor tem duas vidas para amar-te. 
Por isso te amo quando não te amo 
e por isso te amo quando te amo. 

Pablo Neruda. Presente de um poeta. 3. ed. Tradução de Thiago de Mello. São Paulo: Ver, 2003. p. 26-27.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 238.

Entendendo o poema:

01 – Qual a aparente contradição expressa no primeiro verso ("Saberás que não te amo e que te amo") e como os versos seguintes tentam explicar essa dualidade?

      A aparente contradição reside na afirmação simultânea de não amar e amar. Os versos seguintes explicam essa dualidade ao apresentar a vida como tendo "dois modos", a palavra como uma "asa do silêncio" e o fogo com sua "metade de frio". Essas imagens paradoxais sugerem que o amor de Neruda é complexo, permeado por opostos que coexistem e se complementam, indicando uma profundidade que vai além de uma simples afirmação ou negação.

02 – Na segunda estrofe, qual o propósito declarado do eu lírico ao amar ("Amo-te para começar a amar-te") e como essa intenção se relaciona com a ideia de eternidade e a razão de ainda não amar completamente ("por isso não te amo ainda")?

      O propósito declarado é amar para "começar a amar-te", para "recomeçar o infinito" e para "não deixar de amar-te nunca". Essa intenção revela um amor que se projeta para o futuro, buscando a eternidade e a continuidade. A razão de ainda não amar completamente ("por isso não te amo ainda") sugere que esse amor é um processo contínuo, um eterno recomeço, e que a plenitude do sentimento reside nessa busca incessante e não em um estado finalizado.

03 – Como o eu lírico descreve a natureza do seu amor na terceira estrofe, utilizando a metáfora da "chave da felicidade" e do "incerto destino infeliz"?

      O eu lírico descreve seu amor como algo que não possui a "chave da felicidade" em suas mãos, nem um "incerto destino infeliz". Essa metáfora sugere que seu amor não é uma garantia de felicidade plena nem está fadado à tristeza. É um sentimento mais genuíno e desapegado, que existe independentemente de promessas de felicidade ou temores de infelicidade.

04 – Qual a afirmação final do eu lírico sobre a duração do seu amor ("O meu amor tem duas vidas para amar-te") e como isso se conecta com a dualidade apresentada no início do poema?

      A afirmação final de que seu amor tem "duas vidas para amar-te" reforça a dualidade apresentada no início do poema. Essas "duas vidas" podem ser interpretadas como as duas faces do amor expressas ao longo do poema: o amar e o não amar simultaneamente, o presente e o futuro, a intensidade e a busca. Essa dualidade é essencial para a perpetuação do sentimento.

05 – Qual a principal ideia ou sentimento que o poema busca transmitir sobre a natureza do amor, considerando as contradições e a linguagem paradoxal utilizada?

      A principal ideia transmitida é a de que o amor verdadeiro é complexo, dinâmico e paradoxal. Ele não se limita a uma simples afirmação, mas abrange contradições e um movimento constante de recomeço. O poema sugere que a intensidade do amor reside justamente nessa dualidade, nessa busca incessante e na promessa de um sentimento que se renova perpetuamente, evitando a estagnação e garantindo sua eternidade ("para não deixar de amar-te nunca").

POEMA: CRISTO - JOSÉ RÉGIO - COM GABARITO

 Poema: CRISTO

             José Régio
Quando eu nasci, Senhor, já tu lá estavas,
Crucificado, lívido, esquecido.
Não respondeste, pois, ao meu gemido,
Que há muito tempo já que não falavas...

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWG6vl1XSyX4Q8hPNlTZVkSl_9ojQTVpZw2kFyw-kbQ3OHYXZugDLFajBVtBh6Ueu_HwIJZaGvc6jRqwQ6TuhfEsaRkU6JQlJvKf8HZr1cIQcjTL3g0stZ7WJUX3IrnHR_j0JCzpaY6IhG1zJk_Zb_Jxy3t_jYVwfUbUTG1yEBHLGWX1dNOL-zcZXNhvI/s1600/download.png



Redemoinhavam, longe, as turbas bravas,
Alevantando ao ar fumo e alarido.
E a tua benta Cruz de Deus vencido,
Quis eu erguê-la em minhas mãos escravas!

A turba veio então, seguiu-me os rastros;
E riu-se, e eu nem sequer fui açoitado,
E dos braços da Cruz fizeram mastros...

Senhor! eis-me vencido e tolerado:
Resta-me abrir os braços a teu lado,
E apodrecer contigo à luz dos astros!

Poemas de Deus e do diabo. 8. ed. Porto: Brasília Ed. 1972. p. 31.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 211.

Entendendo o poema:

01 – Qual a primeira constatação do eu lírico ao se referir a Cristo no início do poema, e que tom essa constatação estabelece para o restante dos versos?

      A primeira constatação do eu lírico é que, no momento de seu nascimento, Cristo já estava crucificado, "lívido, esquecido". Esse tom estabelece uma atmosfera de sofrimento preexistente, de abandono e de um silêncio divino que precede a própria existência do eu lírico, permeando todo o poema com uma sensação de ausência de resposta e de um fardo já imposto.

02 – Como o eu lírico descreve a reação das "turbas bravas" e qual o contraste que ele estabelece com a imagem de Cristo na cruz?

      O eu lírico descreve as "turbas bravas" como algo distante, em movimento caótico ("Redemoinhavam, longe"), produzindo "fumo e alarido". Esse barulho e agitação contrastam fortemente com a imagem de Cristo "crucificado, lívido, esquecido" e com o seu silêncio, evidenciando a indiferença ou hostilidade do mundo em relação ao sofrimento de Cristo.

03 – Qual a ação que o eu lírico deseja realizar em relação à cruz de Cristo e o que essa ação simboliza?

      O eu lírico deseja erguer a "benta Cruz de Deus vencido" em suas "mãos escravas". Essa ação simboliza uma tentativa de resgate, de identificação com o sofrimento de Cristo e talvez um desejo de dar um novo significado ou de assumir o peso dessa cruz em um mundo que parece tê-la abandonado.

04 – Descreva a reação da turba diante da tentativa do eu lírico de erguer a cruz. Qual a ironia presente nessa reação?

      A turba seguiu os rastros do eu lírico e riu-se dele, e ele sequer foi açoitado. A ironia reside no fato de que Cristo, ao carregar a cruz, sofreu açoitamento e a crucificação, enquanto o eu lírico, em sua tentativa de reerguer o símbolo desse sofrimento, é apenas ridicularizado e ignorado pela mesma turba. Isso sugere uma banalização do sacrifício e uma perda da sua significância para o mundo.

05 – Qual a resolução final do eu lírico diante de sua própria derrota e da aparente indiferença do mundo? Que imagem final encerra o poema?

      A resolução final do eu lírico é aceitar sua derrota ("eis-me vencido e tolerado") e se unir ao sofrimento de Cristo: "Resta-me abrir os braços a teu lado, / E apodrecer contigo à luz dos astros!". A imagem final é a de ambos, o eu lírico e Cristo, em um estado de decadência lado a lado, sob a fria e distante luz dos astros, enfatizando um sentimento de desolação e de um destino compartilhado de sofrimento e esquecimento.

 

CRÔNICA: ALFABETIZAR ... TATIANA BELINKY - COM GABARITO

 Crônica: Alfabetizar...

               Tatiana Belinky

        Eu não sou professora – não tenho direito a esse título, não tive formação acadêmica para merecê-lo, até porque parei no segundo ano de Filosofia, e dali em diante "filosofei" pela vida por minha própria conta... Mas hoje, se fosse para ostentar um título muito honroso, eu gostaria que ele fosse o de alfabetizadora. Sim, porque para mim o momento mais importante do magistério, de todo o magistério, é o do professor primário, o "mestre-escola"; e dentro deste, o degrau verdadeiramente fundamental, primordial, é o do alfabetizador – ou quiçá deva dizer da alfabetizadora, a mulher, representante sem dúvida majoritária desta mais nobre das profissões.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlEWPrRuLD4D3RFhWWwy8BwHxrjVJADxmgVSioNbj9OLN4Xipxsjxb3zmKy-EnJq0vihPvL6j61qDrorNTrzvM9Oi8D-LjbEinmZdqL5PCSKyIjfDiX_g5mDFJHZGar-k40XEtRuFvgrvMgt70PYedfNIAuU8Uev-nXniVJgnSyMto0OlVylLLK9hRuNc/s1600/images.jpg


        Alfabetizar, qualquer que seja o método – e hoje os há mais eficientes do que muitos antigos, haja vista os de Paulo Freire ou Emília Ferreiro, para só citar dois (embora os métodos mais antigos não tenham deixado de produzir grandes nomes de escritores, poetas, dramaturgos, romancistas, pensadores, há séculos e mesmo milênios) –, alfabetizar é abrir os olhos de crianças, de jovens e de adultos para o mundo deslumbrante de Sua Majestade, a Palavra, na sua grande função de ferramenta do pensamento. A Palavra Escrita, para ser lida...

        Ensinar a ler, que maravilha! Abrir o caminho para a leitura, para o livro, maravilha! Dá vontade de fazer algumas citações, como por exemplo, "Bendito quem semeia, / livros à mancheia, / e faz o povo pensar!", de Castro Alves; ou "Um país se faz com homens e livros", de Monteiro Lobato. Ou até a "sacada" brilhante de Ziraldo: "Ler é mais importante do que estudar"...

        O grande papel do alfabetizador é, sim, ensinar a ler – mas a ler "de verdade", com fluência natural, sem decifrar penosamente o código escrito, sem tropeçar em letras, sílabas e palavras, sem "gaguejar" nas frases –, a ler "como quem respira" (ainda citando Ziraldo). E isto se consegue só com textos que de uma forma ou outra interessem aos alunos de qualquer tipo ou idade e nunca com "frases de cartilha" ocas e sem sentido...

        Alfabetizar é dar instrumentos ao estudante para saber fazer uso dessa habilidade adquirida em fins práticos, sim. Mas principalmente para presenteá-lo com o dom da leitura prazerosa – o acesso à literatura, com as suas emoções estéticas e éticas, a poesia, o romance, a aventura – toda uma riqueza sem fim... É ensiná-lo a "querer" ler, sem nunca "mandar". Ensiná-lo a gostar de ler...

        E aqui vai mais uma das minhas citações preferidas, do premiado escritor francês e professor de literatura, Daniel Pennac, na primeira frase do primeiro capítulo do seu livro Como um romance: "O verbo ler não comporta imperativo – como o verbo amar e o verbo sonhar... Não se manda – não se pode – mandar amar ou mandar sonhar. E o mesmo deve valer para a leitura, o encantamento e o prazer de ler – de ler de livre e espontânea vontade – o que só é possível quando se é alfabetizado 'pra valer'."

        E isto inclui, naturalmente, o aprender a escrever, a se expressar e se comunicar por escrito – mas aqui já se trata da segunda parte da alfabetização básica – “uma outra história que fica para uma outra vez", e não cabe no espaço desta pequena crônica...

        O que cabe aqui é mesmo uma entusiasmada saudação à Equipe Pedagógica do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, com os votos de merecido sucesso da Tatiana Belinky.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP - São Paulo – 2005. p. 15-16.

Entendendo a crônica:

01 – Por que Tatiana Belinky, apesar de não ser professora, gostaria de ser reconhecida como alfabetizadora?

      Tatiana Belinky, mesmo sem formação acadêmica em pedagogia, gostaria do título de alfabetizadora porque considera essa a profissão mais nobre e o momento mais fundamental do magistério. Para ela, o ato de alfabetizar é o alicerce de todo o aprendizado e a chave para abrir o mundo do conhecimento.

02 – Qual é a principal função da Palavra Escrita, segundo a autora?

      A principal função da Palavra Escrita, segundo a autora, é ser a "ferramenta do pensamento". Ao abrir o mundo deslumbrante da Palavra, o alfabetizador oferece o instrumento essencial para que o indivíduo possa refletir, compreender e se expressar de forma mais profunda.

03 – Quais são os dois objetivos centrais do processo de alfabetização, além do uso prático da habilidade?

      Os dois objetivos centrais são, primeiro, ensinar a ler "de verdade", ou seja, com fluência natural e sem dificuldade, "como quem respira". Em segundo lugar, e talvez mais importante, é presentear o aluno com o dom da leitura prazerosa, abrindo o acesso à literatura, às emoções estéticas e éticas, e ensinando-o a "querer" ler, sem imposição.

04 – Como a crônica contrapõe os métodos de alfabetização antigos e modernos?

      A crônica menciona que, embora haja métodos modernos mais eficientes (citando Paulo Freire e Emília Ferreiro), os métodos antigos também produziram grandes nomes da literatura e do pensamento. Isso sugere que a eficácia da alfabetização vai além do método em si, focando mais no resultado de abrir o mundo da leitura para o indivíduo.

05 – Qual a importância de se usar textos que interessem aos alunos no processo de alfabetização?

      É crucial usar textos que interessem aos alunos porque isso permite que a leitura se torne fluente e natural, sem a necessidade de decifrar penosamente o código. A autora enfatiza que o prazer e o engajamento são alcançados com "textos que de uma forma ou outra interessem" e nunca com "frases de cartilha" ocas e sem sentido.

06 – O que a citação de Daniel Pennac sobre o verbo "ler" revela sobre a filosofia de ensino da autora?

      A citação de Daniel Pennac ("O verbo ler não comporta imperativo – como o verbo amar e o verbo sonhar...") revela a filosofia da autora de que a leitura não deve ser imposta. Assim como o amor e o sonho, o prazer de ler deve ser uma escolha livre e espontânea, algo que só é possível quando a pessoa é alfabetizada "pra valer" e desenvolve o desejo genuíno pela leitura.

07 – Por que a crônica não aprofunda o tema da escrita, apesar de mencioná-lo como parte da alfabetização básica?

        A crônica não aprofunda o tema da escrita porque, para a autora, o aprender a escrever e se expressar por escrito é a "segunda parte da alfabetização básica". Ela considera esse um tópico que "fica para uma outra vez" e que "não cabe no espaço desta pequena crônica", focando no objetivo principal de saudar o processo de alfabetização e o papel do alfabetizador na iniciação à leitura.

 

 

POEMA: OS CORTEJOS - MÁRIO DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poema: Os cortejos

             Mário de Andrade

Monotonias das minhas retinas...

Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...

Todos os sempres das minhas visões! "Bon Giorno, caro".

 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh5oBec4uoOuK4I1zlfWTmaL33TxJJw8eKWiCsy9bmo8GHeptXRnb4Ab6ZY2S9oSkwmTFJkrbqUTT3z6huSNXhjR2RkVJj0jSD46y4A48fekT79zEC3NPUNpNmcgFkKwLOmlcHcLNTcxfgPBGMYArMzvDpbIYTviThvDrw3g9BJ9nwj2Nc-CNDYsxysdKI/s320/cortejo-ao-mar-fotos-carlos-de-los-santos-1-720x475.jpg

Horríveis as cidades!

Vaidades e mais vaidades...

Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!

Oh! os tumultuários das ausências!

Paulicéia — a grande boca de mil dentes;

e os jorros dentre a língua trissulca

de pus e de mais pus de distinção...

Giram homens fracos, baixos, magros...

Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...

 

Estes homens de São Paulo,

todos iguais e desiguais,

quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,

parecem-me uns macacos, uns macacos.

Poesias completas. São Paulo: Círculo do Livro. s. d. p. 40.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 95.

Entendendo o poema:

01 – Qual a sensação inicial expressa pelo eu lírico em relação às suas próprias percepções ("Monotonias das minhas retinas...") e como ele descreve o movimento das pessoas que observa?

      A sensação inicial expressa pelo eu lírico é de monotonia em suas próprias percepções ("Monotonias das minhas retinas..."). Ele descreve o movimento das pessoas que observa como "Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...", sugerindo um fluxo contínuo, talvez repetitivo e inquietante, de indivíduos.

02 – Como o eu lírico expressa sua aversão às cidades na segunda estrofe? Quais elementos ele associa a essa crítica?

      O eu lírico expressa sua aversão às cidades chamando-as de "Horríveis!" e as associa a "Vaidades e mais vaidades...". Ele sente falta de elementos que considera essenciais, como "Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!". A cidade é vista como um lugar de "tumultuários das ausências", onde algo fundamental está faltando.

03 – Que imagem forte e negativa o eu lírico utiliza para descrever a cidade de São Paulo ("Paulicéia")?

      O eu lírico utiliza a imagem forte e negativa de "Paulicéia — a grande boca de mil dentes; / e os jorros dentre a língua trissulca / de pus e de mais pus de distinção...". Essa metáfora apresenta a cidade como uma entidade voraz e doentia, com uma linguagem corrompida pela superficialidade e pela busca incessante por distinção social.

04 – Como o eu lírico descreve fisicamente os homens de São Paulo que observa, e a que comparação depreciativa ele os associa quando os vê através de seus "olhos tão ricos"?

      O eu lírico descreve fisicamente os homens de São Paulo como "fracos, baixos, magros...". Quando os observa através de seus "olhos tão ricos", ele os associa a uma comparação depreciativa, chamando-os de "uns macacos, uns macacos", sugerindo uma visão de inferioridade, imitação ou falta de individualidade.

05 – Qual a principal crítica social e/ou existencial que parece emergir do poema "Os Cortejos"?

      A principal crítica que emerge do poema parece ser uma crítica à superficialidade, à monotonia e à falta de autenticidade da vida urbana moderna, especialmente em São Paulo. O eu lírico expressa um profundo desencanto com as vaidades sociais, a ausência de poesia e alegria, e a aparente homogeneização e perda de individualidade dos habitantes da cidade, vistos como seres repetitivos e até mesmo animalescos. O poema revela um olhar crítico e desiludido sobre a sociedade e a condição humana no contexto urbano.

 

 

TEXTO: MASSACRE DE ELDORADO DOS CARAJÁS - JOSÉ SARAMAGO - COM GABARITO

 Texto: MASSACRE DE ELDORADO DOS CARAJÁS

           JOSÉ SARAMAGO

        No dia 17 de abril de 1996, no estado brasileiro do Pará, perto de uma povoação chamada Eldorado dos Carajás (Eldorado: como pode ser sarcástico o destino de certas palavras...), 155 soldados da polícia militarizada, armados de espingardas e metralhadoras, abriram fogo contra uma manifestação de camponeses que bloqueavam a estrada em ação de protesto pelo atraso dos procedimentos legais de expropriação de terras, como parte do esboço ou simulacro de uma suposta reforma agrária na qual, entre avanços mínimos e dramáticos recuos, se gastaram já cinquenta anos, sem que alguma vez tivesse sido dada suficiente satisfação aos gravíssimos problemas de subsistência (seria mais rigoroso dizer sobrevivência) dos trabalhadores do campo. Naquele dia, no chão de Eldorado dos Carajás ficaram 19 mortos, além de umas quantas dezenas de pessoas feridas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2FkMfVFKs5fQce2KUfkLj6Dj8pq9xxHG9FlAnU-q4ejzTkfTLIryyippfZjLNEl6KdHpcceODg_6f0AB-g1vnQ5BUln9MIs3XNKSzPZiuVvjMHcDBeZnVV0KIRjfHpulH97H0UjBFOzx_W69hbB_H6SwIWec7Y0IXoeVzcD3QfoqEPGEIqFtq3jr63mA/s1600/images.jpg

        Passados três meses sobre este sangrento acontecimento, a polícia do estado do Pará, arvorando-se a si mesma em juiz numa causa em que, obviamente, só poderia ser a parte acusada, veio a público declarar inocentes de qualquer culpa seus 155 soldados, alegando que tinham agido em legítima defesa, e, como se isto lhe parecesse pouco, reclamou processamento judicial contra três dos camponeses, por desacato, lesões e detenção ilegal de armas. O arsenal bélico dos manifestantes era constituído por três pistolas, pedras e instrumentos de lavoura mais ou menos manejáveis. Demasiado sabemos que, muito antes da invenção das primeiras armas de fogo, já as pedras, as foices e os chuços haviam sido considerados ilegais nas mãos daqueles que, obrigados pela necessidade a reclamar pão para comer e terra para trabalhar, encontraram pela frente a polícia militarizada do tempo, armada de espadas, lanças e alabardas. Ao contrário do que geralmente se pretende fazer acreditar, não há nada mais fácil de compreender que a história do mundo, que muita gente ilustrada ainda teima em afirmar ser complicada demais para o entendimento rude do povo.

José Saramago. In: Sebastião Salgado. Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 11.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 19.

Entendendo o texto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

-- Alabarda: arma antiga, formada por haste de madeira em ferro largo e pontiagudo, atravessando por outro em forma de meia-lua.

-- Chuço: vara ou pau armado de ponta de ferro ou de aço.

-- Simulacro: ação simulada, falsificação.

02 – Qual foi o contexto e o motivo da manifestação dos camponeses em Eldorado dos Carajás, segundo o texto de José Saramago?

      A manifestação dos camponeses ocorreu em protesto contra o atraso nos procedimentos legais de expropriação de terras, parte de uma reforma agrária que, após cinquenta anos, ainda não havia oferecido soluções significativas para os graves problemas de subsistência dos trabalhadores rurais. Eles bloquearam a estrada como forma de pressionar por seus direitos.

03 – Descreva a ação da polícia militarizada contra os manifestantes e as consequências imediatas desse confronto.

      No dia 17 de abril de 1996, 155 soldados da polícia militarizada, armados com espingardas e metralhadoras, abriram fogo contra a manifestação pacífica dos camponeses. O resultado imediato foi a morte de 19 pessoas e dezenas de feridos.

04 – Qual foi a alegação da polícia do estado do Pará três meses após o massacre, e como José Saramago a critica no texto?

      Três meses após o massacre, a polícia do Pará declarou publicamente a inocência de seus 155 soldados, alegando legítima defesa. Saramago critica essa postura ao apontar a contradição de a polícia se colocar como juíza em uma situação em que era claramente a parte acusada. Ele também ironiza a alegação ao contrastar o armamento pesado da polícia com as "armas" dos camponeses: três pistolas, pedras e instrumentos de lavoura.

05 – Segundo o texto, qual era a principal reivindicação dos camponeses e como Saramago relaciona essa reivindicação com a história da luta por direitos?

      A principal reivindicação dos camponeses era "pão para comer e terra para trabalhar", ou seja, condições básicas de sobrevivência e dignidade através do acesso à terra. Saramago relaciona essa reivindicação com a longa história da luta por direitos, mencionando que mesmo antes das armas de fogo, instrumentos simples como pedras e foices eram considerados ilegais nas mãos daqueles que lutavam por necessidades básicas. Ele sugere que essa dinâmica de opressão persiste ao longo da história.

06 – Qual a crítica geral de José Saramago presente no texto em relação à compreensão da história e à situação dos trabalhadores do campo?

      Saramago critica a ideia de que a história é excessivamente complexa para o entendimento do povo, argumentando que, na verdade, a história do mundo é facilmente compreensível, especialmente no que diz respeito à luta dos oprimidos por seus direitos. Ele denuncia a persistente falta de atenção e solução para os gravíssimos problemas de subsistência dos trabalhadores do campo no Brasil, evidenciada pela lentidão e ineficácia da reforma agrária.