quarta-feira, 3 de agosto de 2022

POEMA: GRITO NEGRO - JOSÉ CRAVEIRINHA - COM GABARITO

 Poema Grito negro

             José Craveirinha

Eu sou carvão!

E tu arrancas-me brutalmente do chão
E fazes-me tua mina.
Patrão!

 

Eu sou carvão!

E tu acendes-me, patrão
Para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não
Patrão!

 

Eu sou carvão!

E tenho que arder, sim
E queimar tudo com a força da minha combustão.

 

Eu sou carvão!

Tenho que arder na exploração
Arder até às cinzas da maldição
Arder vivo como alcatrão, meu Irmão
Até não ser mais tua mina
Patrão!

 

Eu sou carvão!

Tenho que arder
E queimar tudo com o fogo da minha combustão.

 

Sim!
Eu serei o teu carvão

Patrão!

CRAVEIRINHA, José. Cela 1. Lisboa: Edições 70, 1980. p. 13-14.

                Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 195-6.

Entendendo o poema:

01 – A quem o eu lírico se dirige?

      Ao patrão, ao colonizador branco escravocrata.

02 – Para se identificar, o eu lírico usa a linguagem figurada: Eu sou carvão!. No caderno, explique o uso desse recurso nos seguintes versos:

a)   Eu sou carvão!

         E tu arrancas-me brutalmente do chão
         E fazes-me tua mina.
         Patrão!

         Eu sou carvão! [...]

         O eu lírico identifica como carvão por causa da cor negra de sua pele e por que este é um mineral gerador de energia, extraído de minas, no subsolo da terra. O eu lírico tem consciência de que a energia de seu trabalho serviu e enriqueceu o patrão.

b)   [...] mas eternamente não

          Patrão!

         

          Eu sou carvão!

          E tenho que arder, sim
          E queimar tudo com a força da minha combustão.

 

          Eu sou carvão!

          Tenho que arder na exploração
          Arder até às cinzas da maldição
          Arder vivo como alcatrão, meu Irmão
          Até não ser mais tua mina
          Patrão!

          O eu lírico recusa-se a continuar sendo o combustível da exploração do patrão. Assim, ao extinguir-se, arder e queimar tudo – inclusive as posses, as minas do patrão – rompe com a dominação; assume sua liberdade e identidade.

03 – A quem o eu lírico se dirige?

      A tomada de consciência do povo negro do processo de escravatura e a decisão de construir ativamente a sua liberdade.

04 – Da segunda metade do século XX aos dias de hoje, quais seriam os representantes da poesia lusófona africana contemporânea? Faça uma pesquisa e responda.

      Resposta pessoal do aluno.

05 – Que características formais e temáticas ela teria?

      Resposta pessoal do aluno.

06 – Qual seria o tema de um poema com o título “Grito negro”?

      Resposta pessoal do aluno.

07 – Você já leu ou ouviu algum poema do poeta moçambicano José Craveirinha? Qual(is)?

      Resposta pessoal do aluno.

 

POEMA: DRUMUNDANA - ALICE RUIZ - COM GABARITO

 Poema: Drumundana

              Alice Ruiz

e agora maria?

o amor acabou
a filha casou
o filho mudou
teu homem foi pra vida
que tudo cria
a fantasia
que você sonhou
apagou
à luz do dia.

 

e agora maria?

vai com as outras
vai viver
com a hipocondria

            RUIZ, Alice. Drumundana. In: Cadernos de poesia brasileira: poesia contemporânea. São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 1997. p. 56.

              Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 187-8.

Entendendo o poema:

01 – De acordo com o texto, qual o significado da palavra abaixo:

·        Hipocondria: distúrbio emocional caracterizado por preocupação obsessiva com o próprio estado de saúde.

02 – O poema “Drumundana” estabelece um diálogo com o poeta Carlos Drummond de Andrade por meio do título e da paródia dos versos “E agora, José? / A festa acabou, / a luz apagou [...]”, do poema “José”. O que a voz do eu lírico representa?

      Representa a voz de quem defende a autonomia feminina.

03 – A quem o eu lírico se dirige? Quem esse interlocutor representa?

      O eu lírico dirige-se a uma figura feminina, Maria (“maria”), que representa a mulher dedicada à família.

04 – Explique o uso da expressão e agora [...]?.

      Pode ser uma interrogação a respeito do que deve ser feito para mudar a situação da mulher depois da separação (“teu homem foi pra vida”) e da saída dos filhos de casa (“a filha casou / o filho mudou”) ou uma crítica à submissão e à dedicação integral da mulher à vida familiar e ao abandono dos próprios sonhos.

05 – Qual é a diferença entre a trajetória do homem e a da mulher, de acordo com o poema?

      O homem saiu de casa: “foi pra vida”. A mulher ficou em casa, sonhou e não viveu: “a fantasia / que você sonhou / apagou / à luz do dia”.

06 – Explique os versos a seguir:

        “e agora maria? / vai com as outras / vai viver / com a hipocondria”.

      Os versos fazem um trocadilho com a expressão popular “Maria vai com as outras”, dando a entender que a mulher pode optar por seguir o caminho de uma pessoa que é facilmente influenciável pela opinião alheia e deixar-se levar pela hipocondria, ou libertar-se dessa condição, indo viver sua vida e criando seu próprio caminho.

07 – Quais são as questões tematizadas no poema? Justifique.  

      Questões relacionadas à mulher que se dedica inteiramente à família, ao lar, e acaba sozinha, sem ter uma vida própria, amargurada e frustrada: “o amor acabou / a filha casou / o filho mudou / teu homem foi pra vida / [...] / a fantasia / que você sonhou / apagou / à luz do dia”.

 

POEMA: COM LICENÇA POÉTICA - ADÉLIA PRADO - COM GABARITO

 Poema: Com licença poética

             Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.


Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.

Inauguro linhagens, fundo remos
– dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

PRADO, Adélia. Com licença poética. In: Cadernos de poesia brasileira: poesia contemporânea. São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 1997. p. 44.

             Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 185-7.

Entendendo poema:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Licença poética: liberdade tomada pelo poeta de transgredir as normas da poética ou da gramática.

·        Subterfúgio: artifício usado com o objetivo de não cumprir uma obrigação ou livrar-se de problemas.

·        Linhagem: genealogia, geração, estirpe, clã, família; indivíduos ligados a um ancestral comum por laços de descendência.

·        Pedigree: (do inglês) registro de uma linha de ancestrais de animais (de cães e cavalos, sobretudo).

·        Coxo: que coxeia ou manca de uma perna ou de um pé; que caminha com dificuldade.

·        Desdobrável: que se divide em dois; que faz várias coisas ao mesmo tempo; que se empenha a fundo em algo.

02 – A poeta Adélia Prado fez uma paródia de um poema de Carlos Drummond de Andrade intitulado Poema de sete faces, em que eu lírico masculino exprime seus sentimentos de abandono, impotência, deslocamento no mundo: “Quando nasci, um anjo torto / desses que vivem na sombra / disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida”. O título do poema de Adélia é um jogo com as expressões com licença e licença poética. Como você interpreta esse título?

      O jogo com as expressões com licença e licença poética expressa um pedido de permissão para apropriar-se do texto do poeta Drummond e pode ser também associado à condição ainda submissa da mulher. A expressão licença poética também remete à liberdade da autora de romper com certas normas.

03 – No caderno, explique os versos a seguir:

a)   Quando nasci um anjo esbelto, / desses que tocam trombeta, anunciou: / vai carregar bandeira. / Cargo muito pesado pra mulher, / esta espécie ainda envergonhada.

O eu lírico afirma ter sido convocado por um arauto divino (um anjo, um ser superior) para lutar: “um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou”. Nesses versos há ainda reflexão a respeito de que a luta da mulher não é fácil, pois ela ainda é tímida para reivindicar seus direitos.

b)   Não sou tão feia que não possa casar.

Esse verso refere-se a estereótipos relacionados à mulher: a exigência do atributo da beleza para que a mulher consiga se casar, assim como a exigência do casamento como uma forma de legitimação.

c)   Acho o Rio de Janeiro uma beleza e / ora sim, ora não, creio em parto sem dor. Minha tristeza não tem pedigree, / já a minha vontade de alegria, / sua raiz vai ao meu mil avô.

O eu lírico expressa o desejo de contemplar a beleza e de ser feliz, afirmando que sua alegria é hereditária.

d)   Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.

O eu lírico assume que o tema de sua poesia é a emoção, o sentimento, e que escrever é seu destino (até divino), não uma escolha.

e)   Aceito os subterfúgios que me cabem, / sem precisar mentir. [...] Cumpro a sina. / Inauguro linhagens, fundo remos / – dor não é amargura.

O eu lírico quer dizer que não foge de suas supostas obrigações (apesar de pesadas, doloridas) de mulher: casar-se, cuidar da casa, do marido e dos filhos.

04 – No poema de Drummond, o eu lírico confessa que um anjo torto profetizou que ele iria ser gauche na vida. A palavra gauche (do francês) tem o sentido de acanhado, sem aptidões, esquerdo; desajeitado, torto ou, ainda, incompleto. Releia esses versos do poema de Adélia:

        “Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. / Mulher é desdobrável. Eu sou.”

        Como você interpreta esses versos, que negam os de Drummond?

      O eu lírico afirma a capacidade da mulher de mudar, de adaptar-se, de buscar a completude.

05 – Qual é o tema de “Com licença poética”?

      A condição feminina, a luta ainda em curso pela igualdade de gêneros, o desejo de liberdade e a capacidade da mulher de ser flexível.

06 – Você sabe dizer quais poetas brasileiras têm se destacado na poesia contemporânea?

      Resposta pessoal do aluno.

07 – Que temas são mais recorrentes em suas obras, que você já leu?

      Resposta pessoal do aluno.

08 – Como elas abordam, refletem ou dialogam sobre as questões de gênero e do universo feminino?

      Resposta pessoal do aluno.

 

POEMA: CÓDIGO NACIONAL DE TRÂNSITO - (FRAGMENTO) - COM GABARITO

 Poema: Código Nacional de Trânsito – Fragmento

              Affonso Ávila

dentro da faixa

fora do perigo

dentro da fauna

fora do perigo

dentro da farsa

fora do perigo

dentro do falso

fora do perigo

dentro do fácil

fora do perigo

 

conserve-se     à direita

converse          às direitas

como os cegos à direita

com o verso      às direitas

como servo      à direita

com os seus    às direitas

como os sérios à direita.

[...]

ÁVILA, Affonso. Código Nacional de Trânsito (1972). In: Homem ao termo: poesia reunida (1949-2005). Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2008. p. 271-272.

                Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 166-7.

A Pop Art no Brasil

        Como você aprendeu, as manifestações da Pop Art no Brasil (que estudamos no capítulo 14) diferem da produção de outros países, pois refletem elementos próprios de nossa realidade cultural, social e política. Nos anos 1960, artistas plásticos, poetas, prosadores, compositores, dramaturgos e cineastas expressaram indignação contra a ditadura militar, a perseguição política, a censura, a violência urbana e as questões sociais em suas produções artísticas. O artista da Pop Art brasileira Marcelo Nitsche – na obra Buum!, recorreu à metáfora dos sinais de trânsito para se referir ao cerceamento à liberdade durante a ditadura militar de 1964.

Entendendo o poema:

01 – Você já leu algum texto do poeta Affonso Ávila?

      Resposta pessoal do aluno.

02 – Que temática sociopolítica poderia ser abordada em um poema intitulado “Código Nacional de Trânsito”?

      Resposta pessoal do aluno.

03 – O poema Código Nacional de Trânsito, de Affonso Ávila, propicia mais de uma leitura. Considerando a situação política do Brasil na época de sua publicação e a censura ao poema, que sentido pode ser atribuído aos versos a seguir?

“dentro da faixa

fora do perigo
dentro da farsa
dentro do falso
dentro do fácil
conserve-se à direita.”

      De acordo com o contexto em que o poema foi produzido, esses versos podem ser interpretados como uma ironia em relação àqueles que não se posicionam politicamente contra a ditadura e a censura (à direita) para não correrem riscos por suas posições políticas, que poderiam ser contrárias ao regime.

04 – Se os versos forem considerados metalinguísticos, podemos dizer que eles tematizam a escolha do poeta por um estilo. Nesse sentido, como você interpreta esses versos?

      Esses versos ironizam a poética que segue as regras tradicionais e evita experimentações, inovações formais.

05 – Nesse sentido metalinguístico, qual é o objetivo do poema?

      Criticar os poetas que repetem as formas tradicionais, isto é, que estão dentro da faixa fora do perigo; que estão à direita.

06 – Essa crítica irônica poderia ser direcionada a diferentes situações da vida social. Quais seriam? Identifique-as e explique-as.

      Poderia ser uma crítica à acomodação daqueles que não querem correr riscos e optam pela massificação, por seguir modas e tendências (dentro da fauna: do grupo), por procurar soluções mais fáceis para serem aceitos.

07 – Os versos de Affonso Ávila exploram como recurso construtivo a semelhança sonora e visual das palavras, o que é uma marca do Concretismo. Explique.

      O poema faz um jogo com palavras que se aproximam pela semelhança sonora e visual, como faixa, falsa, fácil, farsa, fauna; direita, direitas.

 

 

ROMANCE: A JANGADA DE PEDRA - (FRAGMENTO) - JOSÉ SARAMAGO - COM GABARITO

 Romance: A jangada de pedra – Fragmento

                 José Saramago

        [...]

    Na história dos rios nunca acontecera um tal caso, estar passando a água em seu eterno passar e de repente não passa mais, como torneira que bruscamente tivesse sido fechada, por exemplo, alguém está a lavar as mãos numa bacia, retira a válvula do fundo, fechou a torneira, a água escoa-se, desce, desaparece, o que ainda ficou na concha esmaltada em pouco tempo se evaporará. Explicando por palavras mais próprias, a água do Irati retirou-se como onda que da praia reflui e se afasta, o leito do rio ficou à vista, pedras, lodo, limos, peixes que saltando boquejam e morrem, o súbito silêncio.

        Os engenheiros não estavam no local quando se deu o incrível facto, mas aperceberam-se de que alguma coisa anormal acontecera, os mostradores, na bancada de observação, indicaram que o rio deixara de alimentar a grande bacia aquática. Num jipe foram três técnicos averiguar o intrigante sucesso, e, durante o caminho, pela margem do embalse, examinaram as diversas hipóteses possíveis, não lhes faltou tempo para isso em quase cinco quilómetros, e uma dessas hipóteses era que um desabamento ou escorregamento de terras na montanha tivesse desviado o curso do rio, outra que fosse obra dos franceses, perfídia gaulesa, apesar do acordo bilateral sobre águas fluviais e seus aproveitamentos hidroeléctricos, outra, ainda, e a mais radical de todas, que se tivesse exaurido o manancial, a fonte, o olho-d’água, a eternidade que parecia ser e afinal não era. Neste ponto dividiam-se as opiniões. Um dos engenheiros, homem sossegado, da espécie contemplativa, e que apreciava a vida em Orbaiceta, temia que o mandassem para longe, os outros esfregavam de contentamento as mãos, podia ser que viessem a transferi-los para uma das barragens do Tejo, o mais perto de Madrid e da Gran Vía. Debatendo estas ansiedades pessoais chegaram à ponta extrema do embalse, onde era o desaguadouro, e o rio não estava lá, apenas um fio escasso de água que ainda ressumbrava das terras moles, um gorgolejo lodoso que nem para mover uma azenha de brincar teria força, Onde é que raio se meteu o rio, isto disse o motorista do jipe, e não se poderia ser mais expressivo e rigoroso. Perplexos, atónitos, desconcertados, inquietos também, os engenheiros voltaram a discutir entre si as já explicadas hipóteses, posto o que, verificada a inutilidade prática do prosseguimento do debate, regressaram aos escritórios da barragem, depois seguiram para Orbaiceta, onde os esperava a hierarquia, já informada do mágico desaparecimento do rio. Houve discussões ácidas, incredulidades, chamadas telefónicas para Pamplona e Madrid, e o resultado do fatigante trabalho e trato veio a exprimir-se numa ordem muito simples, disposta em três partes sucessivas e complementares. Subam o curso do rio, descubram o que aconteceu e não digam nada aos franceses.

        A expedição partiu no dia seguinte, ainda antes do nascer do sol, caminho da fronteira, sempre ao lado ou à vista do rio seco, e quando os fatigados inspectores lá chegaram compreenderam que nunca mais tornaria a haver Irati. Por uma fenda que não teria mais de uns três metros de largura, as águas precipitavam-se para o interior da terra, rugindo como um pequeno Mágara. Do outro lado já havia um ajuntamento de franceses, fora sublime ingenuidade pensar que os vizinhos, astutos e cartesianos, não dariam pelo fenômeno, mas ao menos mostravam-se tão estupefactos e desorientados como os espanhóis deste lado, e todos irmãos na ignorância. Chegaram as duas partes à fala, mas a conversa não foi extensa nem profícua, pouco mais que as interjeições de um justificado espanto, um hesitante aventar de hipóteses novas pelo lado dos espanhóis, enfim, uma irritação geral que não encontrava contra quem se voltar, os franceses daí a pouco já sorriam, afinal continuavam a ser donos do rio até à fronteira, não precisariam de reformar os mapas.

        Nessa tarde, helicópteros dos dois países sobrevoaram o local, fizeram fotografias, por meio de guinchos desceram observadores que, suspensos sobre a catarata, olhavam e nada viam, apenas o negro boqueirão e o dorso curvo e luzidio da água. Para se ir adiantando algum proveito, as autoridades municipais de Orbaiceta, do lado espanhol, e de Larrau, do lado francês, reuniram-se junto do rio, debaixo de um toldo armado para a ocasião e dominado pelas três bandeiras, a bicolor e tricolor nacionais, mais a de Navarra, com o propósito de estudarem as virtualidades turísticas de um fenômeno natural com certeza único no mundo e as condições da sua exploração, no interesse mútuo.

        [...]

SARAMAGO, José. A jangada de pedra. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 19-21.

                Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 136-9.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·         Irati: rio que nasce na França e passa pela Espanha. Em tupi-guarani, significa “rio de mel”.

·         Boquejar: abocanhar, bocejar.

·         Embalse: local de um rio por onde passa ou se tem acesso a uma balsa, espécie de jangada grande usada para transportar cargas pesadas, percorrendo, geralmente, pequenas distâncias.

·         Perfídia: deslealdade; falsidade; traição.

·         Gaulesa: referente a Gália, antigo território onde hoje se situa a França.

·         Orbaiceta: povoado espanhol situado na margem do rio Irati.

·         Tejo: rio mais importante e mais extenso da Península Ibérica. Nasce na Espanha e deságua no Oceano Atlântico, banhando Lisboa.

·         Ressumbrar: deixa sair ou cair líquido em pouca quantidade ou gota a gota; gotejar, destilar.

·         Gorgolejo: emitir som parecido com o de um gargarejo.

·         Azenha: moinho de roda movido a água.

·         Pamplona: capital de Navarra, comunidade da Espanha.

·         Mágara: caverna de origem vulcânica.

·         Cartesiano: racional; afeito a ideias claras e procedimentos exatos; rigorosos.

·         Estupefacto: pasmado, assombrado, atônito.

·         Profícuo: útil, proveitoso, vantajoso.

·         Aventar: perceber, pressentir; ocorrer, lembrar; imaginar; supor.

·         Larrau: pequena comunidade francesa localizada na região administrativa da Aquitânia, nas montanhas dos Pirineus, que fazem divisa com a Espanha.

·         Navarra: comunidade autônoma da Espanha cuja capital é Pamplona.

02 – Você já leu algum romance do escritor português José Saramago?

      Resposta pessoal do aluno.

03 – Sabe que ele foi o primeiro autor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra?

      Resposta pessoal do aluno.

04 – O que o título ou a metáfora “A jangada de pedra” lhe sugere?

        A metáfora da “jangada de pedra”

        No período das grandes navegações e dos descobrimentos, os países que formam a Península Ibérica − Portugal e Espanha − dominaram as fronteiras e tiveram um passado considerado rico, heroico e glorioso. Por questões políticas e econômicas, eles perderam a hegemonia para países como a Inglaterra e a França.

        Para remeter à história de Portugal e Espanha e dar título ao romance, Saramago aproveita-se de um ditado popular português que compara a Península Ibérica ao formato de uma jangada, embarcação rudimentar comumente usada na costa marítima e que não conseguiria ultrapassar mares ou oceanos. Na ficção, a Península assume o papel metafórico de uma “jangada de pedra” que vai se afastando da Europa, navegando sem rumo, à deriva, pelo Oceano Atlântico.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Sugere dinamismo, associado ao movimento dos ventos, deslocamentos por meio de travessia marítima. Já a palavra pedra costuma ser associada a rigidez e vista como elemento estático.

05 – Com base no boxe anterior e no trecho lido de “A jangada de pedra”, responda:

a)   Qual é o foco narrativo do texto? Qual é o cenário?

Foco narrativo em terceira pessoa. As ações se passam às margens do rio Irati, no povoado de Orbaiceta, fronteira com a França, para onde se deslocaram técnicas e autoridades espanholas.

b)   Qual é o elemento fantástico presente nesse trecho? O que esse elemento desencadeia?

O rio Irati secou: “[...] o leito do rio ficou à vista, pedras, lodo, limos, peixes que saltando boquejam e morrem [...]”. Esse fato desencadeia uma sequência de ações de especialistas e autoridades para entender o fenômeno e um encontro entre autoridades espanholas e francesas para avaliar a situação.

06 – Releia:

·         [...] obra dos franceses, perfídia gaulesa, apesar do acordo bilateral sobre águas fluviais [...]

·         [...] e não digam nada aos franceses.

·         Do outro lado já havia um ajuntamento de franceses, fora sublime ingenuidade pensar que os vizinhos, astutos e cartesianos, não dariam pelo fenômeno [...]

        O que essas passagens revelam?

      Essas passagens revelam a disputa política entre Espanha e França.

07 – Os escritores do realismo fantástico relatam fatos sobrenaturais para criticar a realidade. Que críticas podem ser inferidas com base nos fatos narrados nesse trecho?

      Há críticas: à rivalidade entre espanhóis e franceses; aos franceses, por não demonstrarem solidariedade ao perceberem que não tiveram nenhum prejuízo; às autoridades dos dois países, que logo pensaram em tirar proveito da situação; e aos técnicos, engenheiros e especialistas que não conseguem explicar o fenômeno.

08 – Releia:

        “[...] os franceses daí a pouco já sorriam [...]”

        Como você interpreta esse trecho?

            Os franceses compreenderam, aliviados, que não tinham sido prejudicados pelos fenômeno natural, pois o rio não mudara seu curso na França. Continuava o mesmo, de modo de eles não teriam de alterar os mapas ou tornar qualquer outra providência.

09 – Releia outro trecho:

        “Para se ir adiantando algum proveito, as autoridades municipais de Orbaiceta, do lado espanhol, e de Larrau, do lado francês, reuniram-se junto do rio, debaixo de um toldo armado [...]”

        Qual foi o objetivo dessa reunião?

      As autoridades municipais reuniram-se para estudar um meio de tirar proveito do fenômeno natural e concluíram que seria possível explorar turisticamente a região, de modo a atender aos interesses dos dois países.

10 – Como observamos em “A jangada de pedra”, o escritor português José Saramago tem estilo próprio e usa recursos como: a criação de frases e parágrafos longos; a transgressão de determinadas regras convencionadas da modalidade escrita; a não marcação do discurso direto com parágrafos, travessões ou aspas. Leia um exemplo:

        “[...] Onde é que raio se meteu o rio, isto disse o motorista do jipe, e não se poderia ser mais expressivo e rigoroso.”

a)   Releia o texto de Saramago e encontre outro exemplo em que ele não marca o discurso direto com parágrafos, travessões ou aspas.

Outro exemplo de discurso direto sem uso de parágrafo, travessão ou aspas: “Houve discussões ácidas, incredulidades, chamadas telefónicas para Pamplona e Madrid, e o resultado do fatigante trabalho e trato veio a exprimir-se numa ordem muito simples, disposta em três partes sucessivas e complementares. Subam o curso do rio, descubram o que aconteceu e não digam nada aos franceses.”

b)   Esse tipo de pontuação do discurso direto pode ter qual finalidade?

Pode ter a finalidade de marcar o fluxo mais veloz do pensamento e da fala, como se a história fosse contada oralmente, sem interrupções.

11 – Você concorda com a visão de que a vida apresenta muitos aspectos absurdos e de que o real e o fantástico costumam se cruzar? Converse com os colegas e o professor.

      Resposta pessoal do aluno.

12 – Ao ler esse trecho da obra de Saramago, você deve ter percebido algumas diferenças entre a língua falada e escrita em Portugal e a falada e escrita no Brasil.

a)   Identifique diferenças de grafia e escreva-as no caderno.

Uso da letra c em palavras como facto, inspectores, etupefactos, hidroeléctricos. Uso de acento agudo em palavras que, no Brasil, recebem acento circunflexo, como atónitos, quilómetros, telefónicas.

b)   O que essas diferenças de grafia revelam?

Revelam diferenças de pronúncia.

c)   Que palavras e expressões presentes no texto não são comumente usadas no português atual do Brasil?

Azenha, gorgolejo, ressumbrava, boquejam, embalse, bacia (com sentido de pia) etc.

d)   No Brasil, que forma verbal seria mais usual que a destacada em: “[...] alguém está a lavar as mãos numa bacia [...]”.

O gerúndio (“alguém está lavando as mãos numa bacia”) ou o imperfeito do indicativo (“alguém lavava as mãos numa bacia”).

 

POEMA: DESASTRE NO POEMA - ANÍBAL MACHADO - COM GABARITO

 Poema: Desastre no poema

 

Fonte da imagem - https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhAK8vqqFJuTOipS0Hkrg01r_6JXdiGLU8cd5_j6F0b2T0CxNgvCSpRiPlHdymEvNB5v0s3c5cIfSoR1LlLzkHDk2uKQiugc-axjpi5N_ZYATeqri7ZKPd7ySBzQntbdYdkM2JiFTj8E_WFGsUZwr6LGcwQTuvw7hUoOtQH1QXnWeE1vhNKx-iQ19ww/s1600/desastre.jpg

MACHADO, Aníbal. Cadernos de João. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. p. 140.

               Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 161-2.

        "Destroços de uma estrofe catastrófica descarrilhada à margem da linha ruínas de poema escombros do nada."

Entendendo o poema:

01 – No sentido gráfico, isto é, da reprodução do poema no papel, o que mais chama a sua atenção?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: O poema foi manuscrito, escrito à mão. Posteriormente, ele foi reproduzido graficamente na página de um livro.

02 – Em geral, costumamos ler os textos no sentido horizontal. Como esse poema deve ser lido?

      No sentido vertical.

03 – O que essa disposição das palavras no espaço da página sugere?

      Queda, descarrilamento, desmoronamento.

04 – A que podem ser associadas as palavras destroços, escombros, ruínas, descarrilhada, nada?

      A um desastre. A palavra descarrilhada sugere a metáfora de um trem de ferro ou de uma locomotiva desgovernada, que saiu dos trilhos.

05 – A que se referem as palavras poema e estrofe?

      Ao gênero poema.

06 – Baseando-se na forma, na escolha do vocabulário e na decomposição das palavras, o que se pode concluir a respeito do tema do poema?

      O tema é a crise na poesia. O poema provavelmente ironiza ou brinca com o Concretismo, tendência que se instala na época (1957). Sugere que, por usar técnicas de decomposição do poema tradicional ou de decomposição das palavras, o Concretismo pode ser uma arte baseada em destroços, ruínas, como uma locomotiva de palavras desgovernadas, sem rumo, sem sentido.