sábado, 21 de outubro de 2023

CRÔNICA: DONA FILÓSOFA E A VASSOURA DE PIAÇAVA - EMÍLIA MARIA M. DE MORAIS - COM GABARITO

 Crônica: Dona Filósofa e a vassoura de piaçava

              Emília Maria M. de Morais

Uma fábula de Carnaval

        Manhã de um sábado de carnaval, num sobrado antigo, não muito longe da Igreja do Monte, em Olinda.

        Um passante esfarrapado anuncia no meio da rua:

        -- Quem quer comprar vassoura de piaçava para deixar a casa bem limpinha depois da folia?

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNSAdgZq68JYvHe4PCCzrykvoFSC9I941KY9uzksLqJa-iR9wzpRfVCaFx4CTYNk6u5r3ZhHCDJpU2b8fyFB78-2DWt5D22cTicmuiFE7g1OTID5GUKPv8l5PRQC12UDSUbJv6vKJwqeLBBb8X_1Garc08Sp63DPtHq_5hYX1ACU600HtxnuKTkuqlTEg/s1600/PIA%C3%87AVA.jpg


        Dona Filósofa vai até a janela do sobrado:

        -- O Sr. não teria, por acaso, uma vassoura voadora? Preciso de uma para completar a minha fantasia de Platônica Perplexa!

        -- Quer dizer que a senhora quer alçar voo até as transcendências? Mas em que plano pretende chegar – ao das entidades matemáticas, ao das Formas ideais, ou pretende mesmo contemplar o Bem em si?

        -- E o Sr. poderia me arranjar uma vassoura para voos tão elevados?

        -- Só depende de suas reservas de pão espiritual e do vinho da alma.

        -- Ah, meu Sr., lamento muito, mas o meu forno e a minha adega estão quase vazios...

        -- Antes estivessem, minha cara Dona Filósofa; de fato, eles estão repletos, plenos de seus apetites e de sua preguiça.

        -- Ora bolas, mas o que posso fazer contra a minha fome e o meu cansaço?

        -- Nada, minha senhora, nada. A questão é essa: aprender a querer e a fazer como se fosse nada, simplesmente nada!

        -- E o que responder a meus desejos?

        -- Ora bolas, agora digo eu, minha cara, a senhora é surda? Nada, nada mesmo, e sobretudo não ousar sequer tentar escapar do estado de desejar! Seus estudos não lhe ensinaram que esse é o estigma da condição humana? Porventura, não aprendeu, depois de tantos anos, uma lição tão elementar?

        -- Como é possível, então, desejar sem preencher de objetos meus desejos?

        -- Com mais coragem e humildade a senhora aprenderia. Compreenderia que não está a seu alcance saber de que vinho e de que pão deve se alimentar! E, nesse caso, só lhe restaria desejar, desejar à toa, em vão... Desejar com intensidade, pensar com atenção, operar com diligência, mas sem se deixar enredar por quaisquer objetos ou objetivos. Lembre-se das palavras do Pater: Seja feita a Vossa vontade... Por acaso, a senhora pretende saber qual é a vontade que vem das transcendências? Já não viveu tantas vezes a experiência do desencanto, até quando julgava saber o melhor para si? Não tente pois, minha senhora, preencher a sua fome com toda a pretensão de sua imaginação. Limite-se a reconhecê-la e, creia-me, isto não seria pouco, seria o limiar da plenitude possível...

        -- O Sr. sabe se existe algum Fundo de Reservas Espirituais (uma espécie de avesso do FMI) que permitisse acesso a algum crédito sobrenatural, algum empréstimo dessa sabedoria, sem juros existenciais ou outros encargos?

        -- A senhora quer crédito maior do que a Vida mesma – a chance de, a cada dia, poder contemplar o Sol e recomeçar?

        Antes de tudo, é preciso aprender que as melhores vassouras não servem para juntar ou acumular; servem para limpar e esvaziar. Por enquanto, Dona Filósofa, o melhor mesmo é a senhora começar aprendendo a lição mais simples e eficaz desta colorida vassoura de piaçava. Ela servirá também para complementar o faz de conta da sua fantasia. Contente-se com isso; cuide-se bem e brinque um alegre carnaval; não menospreze, sem conhecimento de causa e sem a devida iniciação, as cores e as luzes deste mundo a seu alcance. No próximo ano, quem sabe... Estou sempre passando pelas ruas como os melhores e mais antigos blocos de folia...

Emília Maria M. de Morais.

Entendendo a crônica:

01 – Onde se passa a crônica "Dona Filósofa e a vassoura de piaçava"?

      A crônica se passa em um sobrado antigo não muito longe da Igreja do Monte, em Olinda, durante uma manhã de Carnaval.

02 – Quem é Dona Filósofa e o que ela deseja na crônica?

      Dona Filósofa é uma personagem que deseja uma "vassoura voadora" para completar sua fantasia de "Platônica Perplexa."

03 – Como o passante responde ao desejo de Dona Filósofa?

      O passante faz perguntas filosóficas e espirituais, questionando Dona Filósofa sobre seus desejos e suas necessidades espirituais.

04 – Qual é a mensagem que o passante tenta transmitir a Dona Filósofa na crônica?

      O passante tenta transmitir a ideia de que a satisfação dos desejos humanos está ligada à humildade e à renúncia, sugerindo que a busca constante por objetos e objetivos pode levar ao desencanto.

05 – Por que o passante compara os desejos de Dona Filósofa a um "estigma da condição humana"?

      O passante acredita que o desejo constante é uma característica intrínseca da natureza humana e que a busca por preencher todos os desejos pode ser fútil e desencantadora.

06 – O que Dona Filósofa pergunta sobre um possível "Fundo de Reservas Espirituais"?

      Dona Filósofa pergunta se existe alguma fonte de sabedoria ou conhecimento espiritual que possa ser acessada sem encargos, como um "Fundo de Reservas Espirituais."

07 – Como o passante encerra a conversa com Dona Filósofa na crônica?

      O passante encerra a conversa sugerindo que Dona Filósofa se contente com a simplicidade da vassoura de piaçava, cuja função é limpar e esvaziar, e que aproveite o carnaval antes de pensar em questões mais profundas. Ele também deixa a possibilidade de se encontrarem novamente no próximo ano.

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