Entrevista: “O jovem é especialmente suscetível aos apelos do consumismo”
Especialista fala sobre as relações entre juventude e consumo desenfreado
Thais Paiva
24 de janeiro de 2017
Prazer, sucesso, felicidade, alívio.
Todas essas sensações costumam surgir como consequência da realização de um
objetivo ou meta. No entanto, são também esses sentimentos que costumam
respaldar o ato de comprar compulsivamente e, portanto, explorados pelo
consumismo, modo de vida orientado para uma crescente propensão ao consumo de
bens e serviços, em geral, supérfluos.
Autora do livro O prazer das compras –
o consumismo no mundo contemporâneo (Ed. Moderna), Maria Helena Pires Martins
fala sobre a importância de debater esse tema com os jovens em fase escolar, se
valendo de diferentes elementos do cotidiano deles, tais como o acesso a
smartphones, moda e funk ostentação.
Na entrevista abaixo, a especialista
falou sobre a diferença entre necessidades reais e supérfluas, os reflexos do
consumo desenfreado e a relevância de formar cidadãos que sejam consumidores
responsáveis.
Carta
Educação: Em que contexto histórico a sociedade começou a ganhar ares
consumistas?
Maria
Helena Martins: O consumo sempre existiu: consumimos alimentos, oxigênio,
água, etc. Isso é essencial para a manutenção da vida. O consumismo é um
fenômeno econômico e social que apareceu com maior ênfase após os anos 1960. É
definido como sendo uma ideologia que encoraja a compra de produtos e serviços em
quantidade sempre maior. Para manter esse nível de consumo, a indústria
instituiu o que chamamos de “obsolescência programada”, ou seja, a introdução
planejada de aperfeiçoamentos nos produtos para que sejam substituídos pelos
modelos mais novos. Com isso, o consumidor descarta o produto que já tem, e que
ainda funciona para os fins para os quais foi criado, e deseja o produto mais
aperfeiçoado. O ciclo do desejo e a vontade de comprar são mantidos ativos
dessa forma.
CE:
Como a juventude se relaciona com esse contexto? Quais são os principais
fatores que levam o jovem a querer comprar cada vez mais?
MHM:
O jovem é especialmente suscetível aos apelos do consumismo. As mídias, tanto
as mais antigas, como revistas, jornais, televisão, quanto as novas, difundidas
pela internet, incluindo as mídias sociais, mostram propagandas de todos os
tipos de produtos. Além disso, os blogs apresentam modos de vida considerados
“desejáveis” pelos seus desenvolvedores, que ganham para mostrar certos
produtos. O aval desses formadores de opinião tornou-se extremamente importante
para os jovens que querem projetar uma determinada imagem. Por isso, tanto a
moda adotada pelo grupo ao qual deseja pertencer, quanto o grupo em si, são
importantes na formação desses valores consumistas.
CE:
Também podemos dizer que, hoje, os pais – mais ausentes – tentam
recompensar essa falta de tempo compartilhado com itens de consumo?
MHM:
Sim, a família deveria ser o primeiro lugar de aprendizado do consumo
consciente. É evidente que crianças e mesmo os adolescentes mais jovens não têm
o autocontrole suficiente para frustrar seus desejos de consumo. Caberia aos
adultos responsáveis da família discutir o que são as necessidades de
sobrevivência e o que é supérfluo; propor o reaproveitamento de vários itens e
a reciclagem de outros; apontar as consequências do consumismo para a
sobrevivência humana no planeta; conversar sobre outros modos de se ter
satisfação que não seja o consumo desenfreado. Mas os pais teriam, também, de
ser educados dentro dessa perspectiva.
CE: Muitas
manifestações culturais como o funk fazem ode à ostentação. Isso é reflexo de
uma sociedade que valoriza a posse?
MHM:
Não podemos nos esquecer das origens do funk carioca: as favelas do Rio de
Janeiro. O funk ostentação, criado em São Paulo por volta de 2008, enfatiza, em
suas letras, o consumismo, a conquista de bens materiais e a ambição de sair
das favelas e conquistar seus objetivos de riqueza. Para essa parcela
da população, em geral invisível, a única maneira de ser é por meio dos bens
materiais. As ideias difundidas pelo funk ostentação foram abraçadas pela “nova
classe média”, que ascendeu economicamente a partir de 2005 e mudou
significativamente seu padrão de consumo.
CE:
Em contrapartida, temos uma série de serviços que já apostam em um consumo
colaborativo, desde aluguel de roupas até serviços de caronas. Estamos
começando a repensar nossa relação com o consumo e o desperdício?
MHM:
Sim, estamos começando a pensar nossa relação com o consumo e desperdício, por
isso a educação é tão importante: antes de satisfazer todas as nossas vontades,
precisamos pensar nas consequências de nossas ações para o futuro do planeta e
para as gerações futuras. Hoje, já temos o uso compartilhado de
bicicletas. Não tardará a chegar o uso compartilhado de carros, principalmente
os elétricos. Precisamos de políticas públicas que enfatizem a necessidade do
consumo consciente, do reuso, da transformação de objetos em matéria-prima para
outros objetos, do descarte apropriado de pilhas, baterias, aparelhos
eletrônicos, lâmpadas fluorescentes, tintas, pneus, óleo, além de políticas que
incentivassem o uso de energia solar e eólica não só em indústrias, mas também
nas residências, com um desconto do IPTU, por exemplo.
CE:
Como o professor pode trabalhar o tema do consumismo em sala de aula? Como
educar para termos consumidores responsáveis?
MHM:
O trabalho da escola é extremamente importante para a conscientização dos
alunos e de suas famílias. Devemos lembrar que as questões éticas envolvem
sempre a ação. Por isso, é necessário que toda a escola esteja envolvida no
programa de consumo consciente: a economia da água com
torneiras que fecham automaticamente; o reuso de água de chuva para a limpeza
da escola; o uso de luz de presença que acendem e apagam a partir do movimento;
o uso e reuso adequado de papel, de livros e de cadernos; a conservação das
salas de aula; o descarte adequado do lixo orgânico e do
lixo reciclável; sistema de devolução de uniformes que não servem mais e podem
ser reaproveitados por outros alunos menores. Cada escola e professor precisa
agir dentro da realidade de sua comunidade e sala de aula. A discussão com os
alunos pode levantar muitas maneiras de reaproveitamento de materiais que sejam
significativos para eles.
A mudança de hábitos exige a prática
cotidiana das ações para que elas se transformem em novos hábitos mais
adequados à sociedade contemporânea. Só o conhecimento teórico do que deve ser
feito não é eficiente para que a ação se torne realidade. No
caso do consumo, principalmente, em que precisamos dizer não para a satisfação
de algumas de nossas vontades, temos de estar inspirados por princípios mais
altos, como a nossa responsabilidade pelas gerações futuras. Temos de nos
perguntar continuamente de que realmente precisamos para ter uma vida boa e
digna, e lembrar que nenhum objeto exterior a nós vai nos trazer felicidade e
um sentido de autorrealização.
PAIVA, Thais. “O
jovem é especialmente suscetível aos apelos do consumismo”. Carta Educação, São
Paulo, 24 jan. 2017. Disponível em: https://bit.ly/2koNMQc.
Acesso em: 29 set. 2018.
Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 8º
ano – Ensino Fundamental – IBEP 5ª edição – São Paulo, 2018, p. 237-240.
Fonte da imagem - https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fwww.sbie.com.br%2Fblog%2Fentenda-ligacao-entre-as-emocoes-e-o-consumismo-exagerado-dos-jovens%2F&psig=AOvVaw0KZv23eAKn83zoi08ce71W&ust=1624927464227000&source=images&cd=vfe&ved=0CAoQjRxqFwoTCMDqueeMufECFQAAAAAdAAAAABAD
Entendendo a entrevista:
01 – Releia o título e o subtítulo:
“O jovem é especialmente suscetível aos apelos do consumismo”
Especialista fala sobre as relações entre juventude e consumo
desenfreado
a) Por que o título da entrevista aparece entre aspas? Como foi elaborado?
Aparece entre aspas porque é parte da fala da
entrevista. Ele foi elaborado usando o recurso de citação, embora não haja
referência direta a entrevista, como o verbo de elocução e seu nome.
b) O que o subtítulo antecipa em relação à entrevista?
Antecipa o tema abordado na entrevista com a
especialista.
02 – Releia o primeiro parágrafo da entrevista e responda:
a) Quais situações da sua vida promovem “prazer, sucesso, felicidade e alívio”?
Resposta pessoal do aluno.
b) Você já sentiu essas sensações ao comprar algo? Explique.
Resposta pessoal do aluno.
03 – No segundo parágrafo é feita a apresentação e a contextualização da
entrevistada. Responda:
a) Quem é a entrevistada?
A pesquisadora Maria Helena Pires Martins.
b) Por que ela foi convidada pela Carta Educação para tratar de consumismo?
Porque é autora do livro O prazer das compras – o
consumismo no mundo contemporâneo (Ed. Moderna).
c) Do que seu livro trata?
Trata da importância do debate sobre consumismo com
os jovens em fase escolar com base nos diferentes elementos do cotidiano deles,
como o acesso a smartphones, moda e funk ostentação.
d) De quais temas e assuntos a entrevistada abordou?
Na entrevista, a especialista falou sobre a
diferença entre necessidades reais e supérfluas, os reflexos do consumo
desenfreado e a relevância de formar cidadãos que sejam consumidores
responsáveis.
04 – Durante a entrevista, a autora conceituou alguns termos. Responda:
a) Qual é a diferença entre consumo e consumismo, segundo a autora?
O consumo sempre existiu em decorrência da
necessidade de subsistir, sendo parte essencial para a manutenção da vida. O
consumismo é um fenômeno econômico e social, uma ideologia que encoraja a
compra de produtos e serviços em quantidade sempre maior do que a necessidade.
b) Como surgiu a ideologia do consumismo? Qual mecanismo foi criado pela indústria que desencadeou esse fenômeno social?
Surgiu em meados de 1960, quando as empresas, para
aumentar a produção e seus lucros, criou o mecanismo de “obsolescência
programada”, introdução planejada de aperfeiçoamentos nos produtos para que
sejam substituídos pelos modelos mais novos.
c) Qual foi a consequência desse mecanismo das empresas vigente ainda no século XXI?
O consumidor descarta o produto que já tem por
outro mais aperfeiçoado; dessa forma, alimenta o ciclo de vontade e desejo
daquilo que, realmente, não tem necessidade.
d) Você já tinha percebido esse mecanismo em relação aos eletroeletrônicos pessoais e de sua casa? Explique.
Resposta pessoal do aluno.
05 – O principal aspecto tratado na entrevista é a relação dos jovens com o consumismo. Responda:
a) Segundo a autora, o que leva os jovens ao consumismo?
Os jovens são muitos suscetíveis aos apelos de
consumo das mídias, tanto as mais tradicionais, quanto as difundidas pela
internet que mostram propagandas de todos os tipos de produto.
b) Como é a influência dos blogueiros/vloggers em relação ao consumo dos jovens, segundo a entrevista? Explique.
Os blogs/vlogs apresentam modos de vida
considerados “desejáveis” e têm patrocínio para anunciar certos produtos. A
consequência disso é que o aval desses influenciadores digitais tem se tornado
essencial para os jovens projetarem uma determinada imagem e adotarem a moda
desse grupo do qual se identificam.
c) Você costuma seguir esses influenciadores digitais? Eles influenciam ou já influenciaram suas escolhas de consumo? Comente.
Resposta pessoal do aluno.
06 – De acordo com a autora, qual deve ser o papel da família na
educação para o consumo?
Segundo a autora, os adultos responsáveis da
família precisariam também educar-se para o consumo consciente.
07 – Que relação a autora faz entre a ascensão do “funk ostentação” e os
padrões de consumo atuais? Você concorda ou discorda dela? Explique.
Segundo a autora, o funk ostentação enfatiza, em
suas letras, o consumismo, a conquista de bens materiais e a ambição em
conquistar seus objetivos de riqueza. Esses valores culturais disseminados nas
músicas têm como consequência a ideia de que a pessoa só se torna “alguém” se
consumir determinados produtos e marcas. A segunda resposta pessoal do aluno.
08 – No que consiste o consumo colaborativo? Você já tinha ouvido falar
nessa forma de consumo? O que achou dessa ideia?
O consumo colaborativo consiste em compartilhar
carros, bicicletas, espaços de trabalho e aparelhos eletrônicos. A segunda
resposta pessoal do aluno.
09 – Reproduza a tabela abaixo e preencha-a com as propostas
apresentadas pela autora em relação ao consumo consciente nas escolas:
·
Água: Troca de torneiras por aquelas que fecham
automaticamente; reuso de água de chuva para a limpeza da escola.
·
Energia elétrica: Instalar luz de presença, que acende e apaga a
partir do movimento.
·
Papel: Uso e reuso adequado de papel, livros e cadernos.
·
Descarte de lixo orgânico: Descarte adequado do lixo orgânico, separado do
reciclável.
·
Descarte de lixo reciclável: Separação do lixo reciclável e encaminhamento da
coleta seletiva.
·
Uniformes: Sistema de devolução de uniformes que não servem mais e podem ser
reaproveitados por outros alunos menores.
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