CRÔNICA: DA UTILIDADE DOS ANIMAIS
Carlos Drummond de
Andrade
Terceiro
dia de aula. A professora é um amor. Na sala, estampas coloridas mostram
animais de todos os feitios. É preciso querer bem a eles, diz a professora, com
um sorriso que envolve toda a fauna, protegendo-a. Eles têm direito à vida,
como nós, e além disso são muito úteis. Quem não sabe que o cachorro é o maior
amigo da gente? Cachorro faz muita falta. Mas não é só ele não. A galinha, o
peixe, a vaca… Todos ajudam.
– Aquele
cabeludo ali, professora, também ajuda?
–
Aquele? É o iaque, um boi da Ásia Central. Aquele serve de montaria e de burro
de carga. Do pêlo se fazem perucas bacanas. E a carne, dizem que é gostosa.
– Mas se serve de montaria, como é que a gente vai comer ele?
– Mas se serve de montaria, como é que a gente vai comer ele?
– Bem,
primeiro serve para uma coisa, depois para outra. Vamos adiante. Este é o
texugo. Se vocês quiserem pintar a parede do quarto, escolham pincel de texugo.
Parece que é ótimo.
– Ele
faz pincel, professora?
– Quem,
o texugo? Não, só fornece o pêlo. Para pincel de barba também, que o Arturzinho
vai usar quando crescer.
Arturzinho
objetou que pretende usar barbeador elétrico. Além do mais, não gostaria de
pelar o texugo, uma vez que devemos gostar dele, mas a professora já explicava
a utilidade do canguru:
–
Bolsas, mala, maletas, tudo isso o couro do canguru dá pra gente. Não falando
da carne. Canguru é utilíssimo.
– Vivo,
fessora?
– A
vicunha, que vocês estão vendo aí, produz… produz é maneira de dizer, ela
fornece, ou por outra, com o pêlo dela nós preparamos ponchos, mantas,
cobertores, etc.
–
Depois a gente come a vicunha, né fessora?
–
Daniel, não é preciso comer todos os animais. Basta retirar a lã da vicunha,
que torna a crescer…
– A
gente torna a corta? Ela não tem sossego, tadinha.
– Vejam
agora como a zebra é camarada. Trabalha no circo, e seu couro listrado serve
para forro de cadeira, de almofada e para tapete. Também se aproveita a carne,
sabem?
– A
carne também é listrada?- pergunta que desencadeia riso geral.
– Não
riam da Betty, ela é uma garota que quer saber direito as coisas. Querida, eu
nunca vi carne de zebra no açougue, mas posso garantir que não é listrada. Se
fosse, não deixaria de ser comestível por causa disto. Ah, o pingüim? Este
vocês já conhecem da praia do Leblon, onde costuma aparecer, trazido pela
correnteza. Pensam que só serve para brincar? Estão enganados. Vocês devem
respeitar o bichinho. O excremento – não sabem o que é? O cocô do pingüim é um
adubo maravilhoso: guano, rico em nitrato. O óleo feito da gordura do pingüim…
– A
senhora disse que a gente deve respeitar.
–
Claro. Mas o óleo é bom.
– Do
javali, professora, duvido que a gente lucre alguma coisa.
– Pois
lucra. O pêlo dá escovas é de ótima qualidade.
– E o
castor?
– Pois
quando voltar a moda do chapéu para os homens, o castor vai prestar muito
serviço. Aliás, já presta, com a pele usada para agasalhos. É o que se pode
chamar de um bom exemplo.
– Eu,
hem?
– Dos
chifres do rinoceronte, Belá, você pode encomendar um vaso raro para o living
da sua casa.
Do
couro da girafa Luís Gabriel pode tirar um escudo de verdade, deixando os pêlos
da cauda para Tereza fazer um bracelete genial. A tartaruga-marinha, meu Deus,
é de uma utilidade que vocês não cauculam. Comem-se os ovos e toma-se a sopa:
uma de-lí-cia. O casco serve para fabricar pentes, cigarreiras, tanta coisa. O
biguá é engraçado.
–
Engraçado, como?
–
Apanha peixe pra gente.
–
Apanha e entrega, professora?
– Não é
bem assim. Você bota um anel no pescoço dele, e o biguá pega o peixe mas não
pode engolir. Então você tira o peixe da goela do biguá.
– Bobo
que ele é.
– Não.
É útil. Ai de nós se não fossem os animais que nos ajudam de todas as maneiras.
Por isso que eu digo: devemos amar os animais, e não maltratá-los de jeito
nenhum. Entendeu, Ricardo?
–
Entendi, a gente deve amar, respeitar, pelar e comer os animais, e aproveitar
bem o pelo, o couro e os ossos.
(Texto extraído de Drummond, Carlos de. De
notícias e não notícias faz-se a crônica. Rio de Janeiro, José Olympio, 1975)
Fonte: Livro: Português Linguagens – 6º ano – São Paulo:
Atual, 2009. p.180/181.
Compreensão e interpretação
1)
O texto retrata uma situação vivida numa sala
de aula.
a)
De que disciplina você imagina que seja essa
aula? Por quê?
Provavelmente de Ciências, pois é a disciplina que normalmente
aborda situações que dizem respeito ao meio ambiente.
b)
Em que cidade provavelmente ocorre essa aula?
Que palavra do texto justifica sua resposta?
No Rio de Janeiro, pois é mencionada a praia do Leblon.
2)
No início do texto, a professora afirma aos
alunos que é preciso querer bem os animais. Para justificar sua afirmação, ela
apresenta dois motivos.
a)
Quais são eles?
O direito dos animais à vida (“Eles têm direito à vida”) e a
utilidade deles (“são muito úteis”).
b)
Considerando-se as explicações da professora,
qual desses motivos parece ser mais importante para ela? Justifique sua
resposta.
É a utilidade dos animais, pois ela usa a maior parte do tempo para
explicar a utilidade do canguru, da tartaruga marinha, entre outros animais.
3)
A professora considera o biguá “engraçado”,
por causa do modo como é utilizado pelos homens para apanhar peixe. Você
considera engraçado o que se faz com o biguá? Como você caracteriza o comportamento do ser
humano em relação a esse animal?
Resposta pessoal.
Possível resposta: A palavra engraçado é inadequada para retratar o
que se faz com o biguá, já que os seres humanos
agem de modo cruel com esse animal.
4)
Os dois últimos parágrafos sintetizam as
ideias do texto.
a)
Qual é a opinião da professora a respeito dos
animais?
Ela expressa a opinião de que “devemos amar os animais, e não
maltratá-los de jeito nenhum”.
b)
O que mostra o comentário de Ricardo?
Mostra que ele percebeu as contradições existentes na fala da
professora, pois, se as pessoas devem amar e respeitar os animais, por que
então pelam, comem e aproveitam o pelo, o couro e os ossos?
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