Crônica: MODOS DE XINGAR
Carlos Drummond de Andrade
– BILTRE!
– O que?
– Biltre! Sacripanta!
– Traduz isso para o português.
– Traduzo coisa nenhuma. Além do mais,
charro! Onagro!
Parei para escutar. As palavras
jorravam de um Ford de bigode. Quem as proferia era um senhor idoso, terno
escuro, fisionomia respeitável, alterada pela indignação. Quem as recebia era
um garotão de camisa esporte, dentes clarinhos emergindo da floresta capilar, no
interior de um fusca. Desses casos de toda hora: o fusca bateu no Ford.
Discussão. Bate-boca. O velho usava o repertório de xingamento de seu tempo e
de sua condição: professor, quem sabe? Leitor de Camilo Castelo Branco.
Os velhos xingamento. Pessoas havia que
se recusavam a usar o trivial das ruas e botequins, e iam pedir a Rui Barbosa,
aos mestres da língua, expressões que castigassem fortemente o adversário. Esse
material seleto vinha esmaltar artigos de polêmica (polemizava-se muito, nos
jornais do começo do século), discursos políticos (nos intervalos de estado de
sítio, é lógico) e um pouco os incidentes de calçada.
ANDRADE,
Carlos Drummond de. Modos de xingar, In, Poesia e prosa. 5ª ed. Rio
de Janeiro: Nova Aguiar, 1979, p. 1411-13.
Fonte: Livro- Português
– Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p.94-5.
Entendendo a crônica:
01 – De acordo com a
crônica, qual o significado das palavras abaixo:
·
Biltre: Homem vil, abjeto, infame.
·
Sacripanta: Pessoa desprezível, capaz de quaisquer violências e
indignidades.
·
Charro: Rústico, grosseiro.
·
Onagro: Burro, jumento.
·
Ford
de bigode: Automóvel do começo do século
XX.
·
Trivial: Comum, vulgar, que é sabido de todos.
·
Esmaltar: Abrilhantar, dar cores diversas a alguma coisa, variar.
·
Estado
de sítio: Suspensão temporária de certos
direitos e garantias individuais.
02 – As duas personagens do
texto de Drummond possuem características pessoais bastante contrastantes. O
que, basicamente, caracteriza este contraste e justifica o emprego do
vocabulário em desuso?
A diferença de
idade.
03 – Que outros elementos
materiais contribuem para caracterizar a defasagem do tempo entre as
personagens?
O senhor dirigia
um Ford de bigode, o jovem dirigia um fusca, que, à época em que o texto foi
escrito, era considerado um carro moderno. Pode-se acrescentar, ainda, as
diferenças de aparência entre os dois.
04 – Como o cronista
caracteriza as palavras do velho senhor? Por quê?
Como palavras
estranhas, porque estavam fora de uso.
Que a língua, com
o passar do tempo, sofre transformações.
06 – Qual o significado, no
texto, da palavra Jorravam? Está em sentido conotativo ou denotativo?
Saiam. Conotativo.
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