sábado, 10 de agosto de 2019

CONTO: TREZENTAS ONÇAS - (FRAGMENTO) JOÃO SIMÕES LOPES NETO - COM GABARITO


Conto: TREZENTAS ONÇAS - Fragmento
         
    João Simões Lopes Neto

     Eu tropeava, nesse tempo. Duma feita que viajava de escoteiro, com a guaiaca empanzinada de onças de ouro, vim varar aqui neste mesmo passo, por me ficar mais perto da estância da Coronilha, onde devia pousar.
        Parece que foi ontem!... Era por fevereiro; eu vinha abombado da troteada.
        -- Olhe, ali, na restinga, à sombra daquela mesma reboleira de mato, que está nos vendo, na beira do passo, desencilhei; e estendido nos pelegos, a cabeça no lombilho, com o chapéu sobre os olhos, fiz uma sesteada morruda.
        Despertando, ouvindo o ruído manso da água tão limpa e tão fresca rolando sobre o pedregulho, tive ganas de me banhar; até para quebrar a lombeira… e fui-me à água que nem capincho!
        Debaixo da barranca havia um fundão onde mergulhei umas quantas vezes; e sempre puxei umas braçadas, poucas, porque não tinha cancha para um bom nado.
        E solito e no silêncio, tornei a vestir-me, encilhei o zaino e montei.
        Daquela vereda andei como três léguas, chegando à estância cedo ainda, obra assim de braça e meia de sol.
        -- Ah!… esqueci de dizer-lhe que andava comigo um cachorrinho brasino, um cusco mui esperto e boa vigia. Era das crianças, mas às vezes dava-me para acompanhar-me, e depois de sair a porteira, nem por nada fazia cara-volta, a não ser comigo. E nas viagens dormia sempre ao meu lado, sobre a ponta da carona, na cabeceira dos arreios.
        Por sinal que uma noite...
        Mas isto é outra cousa; vamos ao caso.
        Durante a troteada bem reparei que volta e meia o cusco parava-se na estrada e latia e corria pra trás, e olhava-me, olhava-me, e latia de novo e troteava um pouco sobre o rastro; — parecia que o bichinho estava me chamando!...  Mas como eu ia, ele tornava a alcançar-me, para daí a pouco recomeçar.
        -- Pois, amigo! Não lhe conto nada! Quando botei o pé em terra na ramada da estância, ao tempo que dava as — boas-tardes! — ao dono da casa, aguentei um tirão seco no coração... não senti na cintura o peso da guaiaca!
        Tinha perdido trezentas onças de ouro que levava, para pagamento de gados que ia levantar.
        E logo passou-me pelos olhos um clarão de cegar, depois uns coriscos tirante a roxo... depois tudo me ficou cinzento, para escuro...
        Eu era mui pobre — e ainda hoje, é como vancê sabe...-; estava começando a vida, e o dinheiro era do meu patrão, um charqueador, sujeito de contas mui limpas e brabo como uma manga de pedras...
        Assim, de meio assombrado me fui repondo quando ouvi que indagavam:
        -- Então patrício? está doente?
        -- Obrigado! Não senhor, respondi, não é doença; é que sucedeu-me uma desgraça: perdi uma dinheirama do meu patrão...
        -- A la fresca!...
        -- É verdade... antes morresse, que isto! Que vai ele pensar agora de mim!...
        -- É uma dos diabos, é...; mas não se acoquine, homem!
        Nisto o cusco brasino deu uns pulos ao focinho do cavalo, como querendo lambê-lo, e logo correu para a estrada, aos latidos. E olhava-me, e vinha e ia, e tornava a latir...
        Ah!... E num repente lembrei-me bem de tudo.
        Parecia que estava vendo o lugar da sesteada, o banho, a arrumação das roupas nuns galhos de sarandi, e, em cima de uma pedra, a guaiaca e por cima dela o cinto das armas, e até uma ponta de cigarro de que tirei uma última tragada, antes de entrar na água, e que deixei espetada num espinho, ainda fumegando, soltando uma fitinha de fumaça azul, que subia, fininha e direita, no ar sem vento...; tudo, vi tudo.
        Estava lá, na beirada do passo, a guaiaca. E o remédio era um só: tocar a meia rédea, antes que outros andantes passassem.
        [...]
                        João Simões Lopes Neto. Contos gauchescos. Porto Alegre: Globo, 1976.

Entendendo o Conto:

01 – De acordo com o texto, observe atentamente a linguagem utilizada. Provavelmente, você não entendeu algumas palavras do texto. Suponha um possível significado para elas com base no contexto.
      Resposta pessoal do aluno.

02 – O conto está em primeira pessoa. Quem narra é o protagonista.
a)   Como ele pode ser caracterizado? Transcreva no caderno o trecho do texto que justifique sua resposta.
É um homem simples, com poucos recursos financeiros. “Eu era mui pobre”.

b)   Qual deve ser sua profissão?
Encarregado de comprar gado.

c)   Em que região do país você supõe que ele viva? Que pistas e elementos possibilitam chegar a essa conclusão?
Alguns termos do vocabulário (estância, boas-tardes, guaiaca, mui pobre, vancê, charquear, a la fresca, etc.) permitem supor que o narrador viva no Rio Grande do Sul, região bastante associada à atividade pecuária.  

d)   O que aconteceu com o protagonista que o deixou preocupado?
Ele perdeu o dinheiro do patrão (trezentas onças), com o qual pagaria a compra do gado.

03 – Releia: “Quando botei o pé em terra na ramada da estância, ao tempo que dava as — boas-tardes! — ao dono da casa, aguentei um tirão seco no coração... não senti na cintura o peso da guaiaca!”

a)   O trecho procura representar a maneira como a personagem fala. Que recursos são utilizados para isso?
O texto procura reproduzir a maneira como a personagem fala por meio da pontuação (reticências e ponto de exclamação) e do emprego de uma linguagem informal (“botei o pé”) e de vocábulo característico da região de origem do conto (“ramada da estância”; “boas-tardes!”; “tirão seco”; “peso da guaiaca”).

b)   A expressão “tirão seco no coração” é o que chamamos de figura de linguagem: não significa que a personagem levou um tiro, mas que teve um sobressalto, uma sensação de dor no peito porque se deu conta de que havia perdido o dinheiro do patrão. Essa expressão sugere um espaço que parece familiar à personagem. Qual é ele?
O ambiente rural, das estradas, onde os homens costumam andar armados (lembre-se do cinto de armas por sobre os galhos de Sarandi) e podem atirar em caso de conflito ou para se proteger.

04 – Que recurso o narrador utiliza para que o leitor possa visualizar a cena final? Justifique sua resposta com elementos do texto.
      O narrador utiliza a descrição do espaço. “Parecia que estava vendo o lugar da sesteada, o banho, a arrumação das roupas nuns galhos de Sarandi, e, em cima de uma pedra, a guaiaca e por cima dela o cinto das armas [...]”.

05 – Releia:
        “Nisto o cusco brasino deu uns pulos ao focinho do cavalo, como querendo lambê-lo, e logo correu para a estrada, aos latidos. E olhava-me, e vinha e ia, e tornava a latir...
        Ah!... E num repente lembrei-me bem de tudo.”

a)   Nesse trecho, o narrador descreve as ações do “cusco brasino”. Essa expressão refere-se a que animal?
Ao cão de estimação do narrador.

b)   Que palavras ou expressões do texto permitem chegar à conclusão de que “cusco brasino” se refere a esse animal?
“Como querendo lambê-lo”; “aos latidos”; “latir”.

c)   Qual foi a principal ação do “cusco brasino” no texto?
Ele ajudou o narrador a se lembrar de onde havia deixado a guaiaca com o dinheiro do patrão.

06 – Leia a seguir mais um trecho do conto “Trezentas onças”:
        “-- Ah!… esqueci de dizer-lhe que andava comigo um cachorrinho brasino, um cusco mui esperto e boa vigia. Era das crianças, mas às vezes dava-me para acompanhar-me, e depois de sair a porteira, nem por nada fazia cara-volta, a não ser comigo. E nas viagens dormia sempre ao meu lado, sobre a ponta da carona, na cabeceira dos arreios.”

a)   Como o animal é descrito?
Como um cão esperto, vigilante e companheiro.

b)   Que ações caracterizam o animal no texto?
Andava com o dono, dormia perto dele.

c)   A palavra cusco pode ser considerada um exemplo de variedade linguística regional? Explique.
Sim, pois representa um modo de falar típico de determinada região: no caso, Rio Grande do Sul.

d)   Que outras palavras desse trecho podem ser tomadas como exemplos de variedade linguística regional?
Mui (redução de muito) e cara-volta (o mesmo que meia-volta).



27 comentários:

  1. Minha pergunta é no caderno as palavras e expressões que você não entendeu e suponha um possível significado para elas Com base no contexto

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  2. Oie amei obgh
    🖤 💚 ♥ 😘

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  3. Qual é o narrador? Seria narrador personagem?

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  4. Minha pergunta e ,a que o protagonista está contando a história?

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  5. Oi a minha pergunta e o narrativa de aventura e a que o protagonista está contando a história

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  6. A minha pergunta e a que o protagonista está contando a história é o que narrador

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  7. A minha pergunta é 7- sobre os dois últimos parágrafos do trecho, responda às seguintes questões.
    A) Qual é a função da descrição do espaço feita pelo narrador?
    B) o narrador consegue resolver o problema que o afligia?

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  8. O narrador consegue resolver. O problema que o afligia?explique.

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  9. a) Quais são as expressões gauchescas presentes no conto Trezentas Onças? Identifique-as e explique-as, conforme o seu conhecimento prévio.

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